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Ministério da Educação Universidade Federal de Mato Grosso Reitora Maria Lúcia Cavalli Neder Vice-Reitor João Carlos de Souza Maia Coordenadora da Editora Universitária Lúcia Helena Vendrúsculo Possari CONSELHO EDITORIAL Presidente Lúcia Helena Vendrúsculo Posari Membros Antônio Dinis Ferreira (ESAC - IPC - Portugal) Ana Carrilho Romero (FEF) Andréa Ferraz Fernandez (IL) Eduardo Beraldo de Morais (FAET) Giuvano Ebling Brondani (ICET) Janaina Januário da Silva (FAMEVZ) Lucyomar França Neto (Discente - FD) Maria Cristina Theobaldo (ICHS) María Eugenia Borsani (CEAPEDI - Argentina) Maria Santíssima de Lima (Técnica - SECOMM) Maria Thereza de Oliveira Azevedo (IL) Maria Atanaka dos Santos (ISC) Marliton Rocha Barreto (UFMT - Sinop) Maurício Godoy (IF) Michèle Sato (IE) Roberto Apolonio (FAET) Solange Maria Bonaldo (UFMT - Sinop) Yuji Gushiken (IL) Glauce Viana de Souza Torres Luzia Aparecida Palaro Maria Cristina Theobaldo Renilson Rosa Ribeiro Sérgio Antonio Wielewski (Organizadores) DIMENSÕES DA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: SABERES E PRÁTICAS DO PIBID NA UFMT (2009-2013) Cuiabá-MT 2015 Copyright © Glauce Viana de Souza Torres, Luzia Aparecida Palaro, Maria Cristina Theobaldo, Renilson Rosa Ribeiro, Sérgio Antonio Wielewski (Organizadores), 2015 A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei no 9.610/98. A EdUFMT segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa em vigor no Brasil desde 2009. A aceitação das alterações textuais e de normalização bibliográfica sugeridas pelo revisor é uma decisão do autor/organizador. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) D582 Dimensões da iniciação à docência : saberes e práticas do PIBID na UFMT (2009-2013) / organizadores, Glauce Viana de Souza Torres ... [et al.],. – Cuiabá : EdUFMT, 2015. 485 p. : il. color. Inclui bibliografia ISBN 978-85-327-0555-6 1. Professores – UFMT – Formação. 2. Prática de ensino – UFMT. 3. PIBID – Programa Institucional de Iniciação à Docência – UFMT. 4. PIBID 2009-2013 – UFMT. I. Torres, Glauce Viana de Souza, org. II. Palaro, Luzia A., org. III. Theobaldo, Maria C., org. IV. Ribeiro, Renilson R., org. V. Wielewski, Sérgio A., org. CDU – 371.13(817.2) Organização: Glauce Viana de Souza Torres, Luzia Aparecida Palaro, Maria Cristina Theobaldo, Renilson Rosa Ribeiro, Sérgio Antonio Wielewski. Comissão Editorial: Edilene da Cruz Silva, Eladyr Maria Norberto da Silva, Luzia Aparecida Palaro, Maria Cristina Theobaldo, Renilson Rosa Ribeiro, Sérgio Antonio Wielewski Revisão: Maria Rosa Petroni Projeto Gráfico: Alcir Alves de Souza Júnior Diagramação: Laura Oliveira Ribeiro Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Av. Fernando Corrêa da Costa, 2.367. Boa Esperança. CEP: 78.060-900. Cuiabá, MT Contato: [email protected] www.editora.ufmt.br Fone: (65) 3615 8322 / 3615 8325 Sumário Interativo: Clique no título do artigo desejado e seja direcionado para dentro do texto. Melhor desempenho pelo navegador Chrome. Sumário PREFÁCIO.......................................................................................................................................... Irene Cristina de Mello 13 APRESENTAÇÃO – O PIBID NA UFMT, UMA HISTÓRIA A SER CONTADA.................................. 17 < PRIMEIRA PARTE – REFLEXÕES TEÓRICAS> 1.1 AS INFLUÊNCIAS DO PIBID NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR.................. 21 Admur Severino Pamplona Wanderleya Nara Gonçalves Costa 1.2 FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA E O PIBID....................................... 36 Maria Augusta Cellos Meire Rose dos Anjos Oliveira 1.3 INTERAÇÕES ENTRE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA E ENSINO PÚBLICO: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES..................................................... 44 Edilene Cruz 1.4 A EXPERIÊNCIA NO PIBID E O ESTÁGIO DOCENTE EM FILOSOFIA..................................... 64 Juliana Carneiro Santiago Maria Cristina Theobaldo 1.5 A EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE FILOSOFIA............................................................................ 74 Henrique Souza Camargos Maria Cristina Theobaldo 1.6 EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: DA REGULAÇÃO INSTITUÍDA PARA A CONSTRUÇÃO PERMANENTE DA EXPERIÊNCIA.................................................................................................... 82 Jéssika Ribeiro da Costa Campos José Tarcísio Grunennvaltd Márcia Cristina Rodrigues da Silva Coffani 1.7 O ENSINO-APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOCENTE: METAS E PROPOSTAS DO PIBID/HISTÓRIA/UFMT NO ENSINO DE HISTÓRIA........................................................................ 100 Alexandra Lima da Silva Emanuelle Maria Menezes de Souza 1.8 MAIS UMA VEZ INTERDISCIPLINARIDADE............................................................................... 106 Maria Cristina Theobaldo 1.9 INDISCIPLINA: UMA QUESTÃO DE PONTO DE VISTA............................................................. 117 Nayara Piovesan Ribeiro Douglas da Silva Borges Eladyr Maria Norberto da Silva 7 Sumário Interativo: Clique no título do artigo desejado e seja direcionado para dentro do texto. Melhor desempenho pelo navegador Chrome. < SEGUNDA PARTE – RELATOS DE EXPERIÊNCIA > 2.1 PROJETO DIDÁTICO INTERDISCIPLINAR “CONHEÇA TEU LUGAR”: FILOSOFIA E CIDADANIA....................................................................................................................................... Catarina Jocinei de Oliveira Maria Cristina Theobaldo 2.2 OFICINA: A MÚSICA COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS DE PAISAGEM E ESPAÇO GEOGRÁFICO..................................................................................... Antonio Carlos da Silva Oliveira Sebastião Martins dos Santos 2.3 ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: INTERVENÇÕES EM ESCOLAS ESTADUAIS DE ENSINO MÉDIO DO ESTADO DE MATO GROSSO.................... José Carlos Marinho da Silva Meire Rose dos Anjos Oliveira 2.4 O DIÁRIO REFLEXIVO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE INGLÊS ................................................... Eladyr Maria Norberto da Silva Itália Cristina Maciel Pinheiro Maisa Luciano Oliveira 2.5 MONITORIA EM MATEMÁTICA + “AULÃO PARA O ENEM”: DUAS AÇÕES COM UM ÚNICO OBJETIVO DE APOIAR O ALUNO DA ESCOLA ESTADUAL ANDRÉ AVELINO NUM PROCESSO SELETIVO UNIVERSITÁRIO.................................................................... Jaderson Antonio Nascimento Dias Sergio Antonio Wielewski Veruscka Duarte Araujo 2.6 MATEMÁTICA COM PIPOCA: POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES E ATITUDES INTERDISCIPLINARES........................................................................ Gladys Denise Wielewski Larise Trajano Gomes Luis Henrique Cabral Generoso Paulo Cesar Rodrigues da Silva Sergio Antonio Wielewski 2.7 WEB-RÁDIO PIBID: O ENSINO DA MATEMÁTICA ATRAVÉS DA ORALIDADE..................... Ana Maria Ferreira Lemes Jasmim Neves Valles Luzia Aparecida Palaro Rafaela Fernanda Félix Sérgio Antonio Wielewski 2.8 O USO DO GEOGEBRA EM ATIVIDADES NO ENSINO DA MATEMÁTICA COM ALUNOS DO PIBID DA ESCOLA ESTADUAL ANDRÉ AVELINO - CUIABÁ-MT .......................... Naiane Gajo Silva Sérgio Antonio Wielewski 8 129 141 147 155 178 186 196 217 Sumário Interativo: Clique no título do artigo desejado e seja direcionado para dentro do texto. Melhor desempenho pelo navegador Chrome. 2.9 EQUAÇÃO E FUNÇÃO QUADRÁTICA POR MEIO DE JOGOS................................................. 229 Admur Severino Pamplona Alex da Silva Damaceno 2.10 O JOGO DA TORRE DE HANÓI: SUA CONFECÇÃO E ESTUDO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS.................................................................................................................................. 237 Admur Severino Pamplona Rosane Vilela Sales 2.11 O ESTUDO DE INEQUAÇÕES DO 1º GRAU POR MEIO DE JOGOS DE CARTAS: INTERAÇÃO ESTÁGIO-PIBID........................................................................................................... 245 Sérgio da Costa Kaisa Admur Severino Pamplona 2.12 GEOMETRIA NO NATAL: INTEGRANDO MATEMÁTICA E ARTESANATO POR MEIO DE OFICINAS DECORATIVAS........................................................................................................... 252 Valéria Ramos dos Santos Divina Sandra Ramos Lôbo Admur Severino Pamplona 2.13 OFICINA “O CORPO HUMANO COMORECURSO MUSICAL”.............................................. 260 Robson Emanuel Pinheiro Leão Rita de Cássia Domingues Santos 2.14 PIBID DE MÚSICA NO LICEU CUIABANO: AÇÕES E REFLEXÕES ..................................... 270 Gesiel da Silva Leonel Rita de Cássia Domingues Santos 2.15 PIBID – AS EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE LICENCIATURA PLENA EM LÍNGUA PORTUGUESA.................................................................................................................... 281 Ewerton Viegas Romeo Miranda Lirian Daniela Martini 2.16 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM CUIABÁ E A EXPERÊNCIA PIBIDIANA ............................ 293 Ana Maria Marques Nayara Bianca Serra Varella 2.17 CURSO DE EXTENSÃO PIERRE BOURDIEU: TEORIA SOCIAL E SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO.................................................................................................................................. 307 Edilene Cruz Marinete Covezzi 2.18 BLOGS: INSTRUMENTOS PARA A ALFABETIZAÇÃO CONCEITUAL?................................ 323 Edilene Cruz Jenifer da Silva Gavilan Luciede Gino de Barros 2.19 OS DESAFIOS DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA EM HISTÓRIA – UMA PROPOSTA PIBIDIANA PARA O ENSINO MÉDIO................................................................................................ 332 Cláudia Regina Bovo Renilson Rosa Ribeiro 9 Sumário Interativo: Clique no título do artigo desejado e seja direcionado para dentro do texto. Melhor desempenho pelo navegador Chrome. < TERCEIRA PARTE – MATERIAIS DIDÁTICOS > 3.1 REDUZIR, REUSAR E RECICLAR: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE INGLÊS E O DESENVOLVIMENTO DE CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL ........................... Eladyr Maria Norberto da Silva Fabiani Viana da Costa 3.2 “AMAZÔNIA , O LUGAR MAIS PRECIOSO DO PLANETA”: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE INGLÊS ........................................................................................... Eladyr Maria Norberto da Silva Itália Cristina Maciel Pinheiro 3.3 SEQUÊNCIA DIDÁTICA: FOLHETOS COM DICAS E CONSELHOS PARA TURISTAS ESTRANGEIROS DURANTE A COPA DO MUNDO ................................................................ Eladyr Maria Norberto da Silva Jeany Xavier Lara Gomes Marilucy Pereira da Conceição Guia 3.4 PIBID: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA POR MEIO DE OFICINAS................................................................................................................ Adelice Coelho de Morais Fernanda Matos Moreira Geisiany Pereira da Silva Lennie Aryete Dias Pereira Bertoque Luana Nobre Aquino de Lavor Vander Simão Menezes 3.5 CINEMA E FILOSOFIA................................................................................................................ Anthony Christino Dutra Rodrigues Raphael Rodrigo dos Santos Rodrigo Marcos de Jesus 3.6 FILOSOFIA E HISTÓRIA: UMA INTERDISCIPLINARIDADE RUMO À POESIA E À LIBERDADE.................................................................................................................................. Alécio Donizete da Silva Camila Marques Delgado Tamires Siqueira de Oliveira Thiago Victor Corrêa 341 355 366 383 401 410 3.7 PRISMA FILOSÓFICO................................................................................................................. 420 Alana Cristina Teixeira Chico Alécio Donizete da Silva Joaquim Antônio de Carvalho Filho 3.8 A HIDROGRAFIA DE MATO GROSSO: ESTUDO TEÓRICO-PRÁTICO................................... MELO, Pedro Aparecido Barreto de BARBOSA, Gustavo Moraes SOUZA, Solange Flores de 10 430 Sumário Interativo: Clique no título do artigo desejado e seja direcionado para dentro do texto. Melhor desempenho pelo navegador Chrome. 3.9 DIÁRIO DE BORDO – FERRAMENTA PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA.......................... 440 Tayla de Queiroz Silva Thays Barbosa Marinho 3.10 COMPREENDENDO A GEOLOGIA E GEOMORFOLOGIA POR MEIO DA AULA DE CAMPO: UMA PROPOSTA DO PIBID DE GEOGRAFIA - RONDONÓPOLIS..................... 448 Kelbiane Alves Rodrigues Luzirene Rodrigues de Matos Teixeira Mirian Terezinha Mundt Demamann 3.11 OPERAÇÕES COM POLINÔMIOS USANDO CÁLCULO DE ÁREA DE QUADRILÁTEROS........................................................................................................................................... 461 Geovana Bergmann Salis Gladys Denise Wielewski Luzia Aparecida Palaro Sergio Antonio Wielewski 3.12 MONTAGEM E APLICAÇAO DE MODELO DIDÁTICO PARA ABORDAGEM DE CITOLOGIA, COMO RECURSO ALTERNATIVO NO ENSINO MÉDIO..................................... 475 Lucilene Pereira da Silva Márcia Cristina Pascotto Nurieth Quirina dos Santos 11 PREFÁCIO O entendimento nas universidades de que a melhoria na formação dos docentes no Brasil destaca-se como uma questão urgente tem permitido a condução de ações que possam dar condições acadêmicas e políticas ao favorecimento da constituição de um quadro permanente de professores mais qualificados para a educação básica. É consenso o reconhecimento de que a formação de professores é importante para uma educação de qualidade. Por isso, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), há décadas, assumiu como uma de suas políticas prioritárias a formação docente para a rede pública. Para tanto, tem investido em ações que contribuam para a melhoria dessa formação em todas as áreas do conhecimento. São muitos cursos presenciais, não presenciais, eventos e variadas atividades desenvolvidas ao longo de décadas, todas elas buscando articulações, trocas de experiências, diálogos e proximidades com a escola pública mato-grossense. Não obstante, tornou-se crescente no Brasil o desafio de promover o interesse dos jovens pelos cursos de licenciatura, pela carreira docente. Estima-se que somente 2% dos jovens brasileiros almejam cursar uma licenciatura, sendo esse número ainda menor quando se trata de cursos na área de Ciências Naturais e Matemática. Por outro lado, observa-se um aumento significativo na demanda por professores qualificados e, por conseguinte, também tem aumentado de forma expressiva, por parte dos órgãos responsáveis e estudiosos da área de Educação, a preocupação com os processos formativos dos futuros docentes. Prova disso é o surgimento de algumas políticas públicas no cenário nacional, tal como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), que visa a incentivar os licenciandos em plena formação a optarem pelo magistério, considerando aqui o alto índice de evasão registrado nas últimas décadas nos cursos de licenciatura, na maioria das universidades públicas brasileiras. No contexto da UFMT, o PIBID é desenvolvido como uma ação que ajuda a promover o interesse pela docência, o que tem lhe proporcionado um lugar de destaque na história da formação de professores na instituição. Pode-se, ainda, afirmar que são muitos os motivos que nos permitem conferir-lhe tal notoriedade. A título de exemplo, podemos citar: ampla possibilidade de repensar a docência em suas múltiplas dimensões; formação dos professores em um espaço em que se realiza a formação do formando, ao mesmo tempo em que ocorre a prática profissional e também a formação continuada do formador; a capacidade de propiciar a formação profissional inicial e continuada de forma contínua, pois, como o próprio nome sugere, 13 trata-se de considerar algo que já foi iniciado e cujo movimento implica um continum de ação, ou seja, os participantes integram o desenvolvimento profissional, que nada mais é que um processo de aprendizagem, pois a profissionalização passa certamente por uma elevação do nível de qualificação do indivíduo. Além disso, esse Programa vem permitindo aos licenciandos contatos longitudinais com a escola, tendo a pesquisa como princípio formativo. Neste aspecto, a eficiência do espaço pibidiano de formação em vários níveis da docência colocou em pauta um grande debate sobre o formato e o desenvolvimento do estágio supervisionado realizado nas licenciaturas durante décadas. Com o objetivo claro de introduzir o licenciando no espaço escolar, para que possa compreender seu cotidiano e aprender a lidar com outras situações além sala de aula, o PIBID vem deixando uma marca importante no cenário das licenciaturas, com o compromisso de desenvolvimento de projetos inovadores, com vistas a promover uma acentuada correlação entre prática e teoria e, dessa forma, propiciar aos licenciandos a construção da identidade docente e estimular o interesse em prosseguir na carreira do magistério. Os licenciandos, ao vivenciarem a prática pedagógica em sua área de formação, passam a ter a sala de aula como um espaço em que se traduz o conhecimento em experiências práticas de ensino. Quando as atividades de vivência pedagógica expandem-se para além sala de aula, amplia-se sua visão do entorno e, consequentemente, do todo, e o educar passa a ser percebido como um processo que ultrapassa a percepção cognitiva. Por isso, a atuação dos licenciandos ocorre não só durante as aulas, mas também como participantes de reuniões de professores, pais, conselhos de classe, conhecendo cada ação escolar, seus objetivos e perspectivas, sem perder de vista a dimensão teórica academicamente construída nos espaços da universidade. O que de fato vem ocorrendo é que se amplificaram sobremaneira as possibilidades de produção e divulgação científica em todos os níveis da docência: do professor formador, do licenciando e do professor da educação básica. Diante do exposto, o presente livro apresenta textos produzidos neste novo contexto histórico de formação docente e em seus níveis da docência, em espaços compartilhados, ora na escola, ora na universidade, com algumas perspectivas e reflexões diferenciadas das áreas do conhecimento sobre a produção pedagógica, sobre saberes e práticas da docência. Os artigos dos formadores nos possibilitam reflexões acerca da docência e da pesquisa na área educacional, enquanto os licenciandos buscam descrever e analisar suas experiências didático-pedagógicas. 14 Se, por um lado, os textos apresentados neste livro se diferenciam sob alguns aspectos teóricos-metodológicos, aproximam-se ao demonstrarem os resultados de saberes e fazeres da docência. Além disso, é possível compreender em seu escopo que a formação inicial de professores para a educação básica caracteriza-se por se um tema de alta complexidade, seja no âmbito dos cursos de graduação, nas pesquisas científicas, nas escolas e em muitos dos espaços pibidianos. Os temas tratados envolvem, dentre outros aspectos, a dimensão profissional e a iniciação à docência, duas fases de muitos desafios para o professor principiante e, também, para seus formadores, sobretudo no que diz respeito à valorização da docência. Nesse sentido, esta publicação compartilha saberes e fazeres na perspectiva de propiciar ao leitor um prazeroso navegar pelas dimensões da iniciação à docência. Irene Cristina de Mello Pró-Reitora de Ensino de Graduação – UFMT 15 APRESENTAÇÃO O PIBID na UFMT, uma história a ser contada O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não ‘bancária’, é que [...] os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita e explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros. --- Paulo Freire --- O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), tem se caracterizado como um real incentivo à docência, possibilitando a identificação e envolvimento dos alunos com o fazer do professor na educação básica. Os editais 2009, 2011 e 2012 contemplaram um universo de 2 (dois) coordenadores institucionais, 3 (três) coordenadores de gestão, 28 (vinte e oito) coordenadores de área, 32 (trinta e dois) supervisores na escola e 205 (duzentos e cinco) alunos bolsistas – em subprojetos de área distribuídos entre as licenciaturas da Universidade nas cidades de Cuiabá, Barra do Garças, Rondonópolis e Sinop. Os objetivos do PIBID na UFMT têm sido alcançados no avanço educacional e intelectual que o aluno obteve ao longo desse período, principalmente, por capacitá-lo profissionalmente para o exercício da docência. Nesse processo, o licenciando teve a oportunidade de desenvolver a habilidade de expressão oral, imprescindível para o exercício da profissão; habilitar-se para a realização de pesquisa na área educacional, o que resultou em trabalhos para apresentação em eventos e produção bibliográfica (artigos, resumos, coletâneas etc.); participar de experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes inovadoras e interdisciplinares, buscando a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem. Dentre as atividades desenvolvidas nas escolas, citamos oficinas, palestras, planos de aula, materiais didáticos, aulas de campo, atividades culturais, mostras científicas, desenvolvimento de ambientes virtuais, jogos, simulados, projetos, como a horta escolar vertical sustentável, compostagem, educação patrimonial e cursos de extensão. Esse conjunto de 17 ações do PIBID no ano de 2012, por exemplo, configurou nos relatórios 190 (cento e noventa) produtos no Edital 2009 e 304 (trezentos e quatro) produtos no Edital 2011/2012. A convivência e a necessidade de preparação para bem planejar e desenvolver as atividades nas escolas têm levado os alunos a se aprimorarem nos conhecimentos pedagógicos e específicos de suas áreas; a mostrarem autonomia nas produções didáticas; a buscarem alternativas visando ao melhor desempenho dos estudantes da educação básica; a incentivarem o uso de tecnologias nas escolas; a participarem das discussões em torno dos problemas escolares; a mostrarem um amadurecimento intelectual nas discussões na universidade, com ênfase no ensino. Os estudantes do PIBID/UFMT, ao longo do período de vigência do Programa, têm apresentado melhor rendimento nas disciplinas da graduação. Egressos dos cursos de licenciatura vinculados ao Programa têm se inserido no mercado de trabalho e nos programas de pós-graduação com pesquisas voltadas para a docência. Nas licenciaturas da UFMT, o PIBID tem permitido: consolidação dos laboratórios de ensino; desenvolvimento de trabalhos de final de curso voltados para o ensino na educação básica; melhoria dos indicadores de avaliação do INEP/MEC para os cursos de graduação. Seguindo na mesma direção, tal vivência do estudante e coordenador tem sido levada para as aulas da graduação, interferindo na formação dos demais colegas que não fazem parte do PIBID. Com o advento do Programa, as reflexões na graduação têm se mostrado mais profundas e menos pautadas em formulações idealizadas e estereotipadas em relação à escola. Além das experiências de ensino-aprendizagem criadas e compartilhadas entre licenciandos, supervisores, professores e alunos da escola, o PIBID assume o compromisso com a melhoria do rendimento dos estudantes nas atividades avaliativas do dia-a-dia escolar e nos indicadores do IDEB na escola. O Programa permitiu melhor articulação e colaboração entre universidade e escola, criando condições efetivas de trabalho com projetos e ações voltadas para a melhoria da qualidade do ensino na educação básica no Estado de Mato Grosso e da formação inicial dos professores da UFMT. Como parte dos resultados das ações do PIBID na Universidade, temos a honra de apresentar o presente livro, intitulado Dimensões da Iniciação à Docência: saberes e práticas do PIBID na UFMT (2009-2013), abarcando textos produzidos por professores e alunos da Universidade e professores das escolas que atuaram nos subprojetos de área do Programa. Esta edição conta com 40 (quarenta) trabalhos distribuídos em três eixos temáticos, a saber: reflexões teóricas, relatos de experiência e materiais didáticos. 18 Esperamos que este livro possa contribuir de forma significativa para o necessário debate sobre as dimensões do ensino e da prática docente na escola e na universidade, oferecendo propostas e caminhos para o “fazer” na sala de aula. Cuiabá-MT, fevereiro de 2015. Organizadores 19 1.1 AS INFLUÊNCIAS DO PIBID NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR PESQUISADOR Admur Severino Pamplona Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Wanderleya Nara Gonçalves Costa Professora do Departamento de Matemática/UFMT/Araguaia INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, a formação de educadores tem suscitado questionamentos e investigações sobre os percursos, as atitudes e os procedimentos a serem adotados na Licenciatura, de modo que esta seja capaz de contribuir efetivamente para fundamentar o exercício docente em toda a sua complexidade. Nascido neste contexto, o PIBID se constitui como uma resposta às propostas de se ampliar o espaço formativo, indo além da Academia e agregando experiências diversificadas, a partir do cotidiano escolar. Contudo, reconhecendo a amplitude da profissão docente e do próprio PIBID, limitamos a pesquisa realizada à discussão acerca da formação docente para a pesquisa. Então, a questão à qual nos dedicamos foi: quais são as evidências de que o PIBID Matemática UFMT/CUA tem contribuído para que o Educador Matemático em formação reconheça a sala de aula e o espaço escolar como fonte de pesquisas? Consideramos que seria possível explicitar tais evidências a partir da análise das questões, dos espaços e dos procedimentos de investigação adotados pelos licenciandos bolsistas em pesquisas realizadas por eles, vinculadas às instâncias previstas no Curso de Licenciatura em Matemática do CUA/UFMT, nomeadamente, o Estágio Supervisionado e o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Agora, ao discorrer sobre o trabalho realizado, nos dedicaremos a discutir as abordagens e métodos de pesquisas mais utilizados em investigações acerca de fenômenos educacionais. Em seguida, explicitaremos o método adotado em nossa pesquisa e daremos a conhecer alguns dos resultados obtidos, bem como algumas das conclusões às quais chegamos. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Considera-se que o professor exerce função primordial na divulgação científica junto àqueles que frequentam a escola. Para tanto, é essencial que este profissional seja capaz de compreender e produzir objetos e ar- 21 tefatos que dialoguem com o conhecimento científico, mas tem-se tornado cada vez mais importante que o professor também seja capaz de produzir conhecimentos científicos. Neste contexto, cabe lembrar que a ciência é um tipo de conhecimento humano – o conhecimento científico – pois o conceito de conhecimento é mais amplo, englobando também o conhecimento cotidiano, o mítico, o filosófico, o estético, o religioso, entre outros. Todos esses tipos de conhecimentos, que são práticas sociais carregadas de conotações ideológico-políticas, são muito importantes no desenvolvimento do ser humano, seja individual ou coletivamente. Entretanto, como afirma Boaventura Santos (2005), com a constituição do cânone da modernidade ocidental ─ que se deu no início do século XIX ─ houve uma sobreposição do conhecimento científico em relação aos outros tipos de conhecimento, principalmente porque esse pensamento era adequado aos interesses da burguesia ascendente do século XVIII. Foi a partir de então que as universidades passaram a ser representantes oficiais para a construção e a divulgação desse conhecimento. Por sua vez, as escolas básicas eram compreendidas apenas como local de disseminação da ciência, algo que se tem modificado cada vez mais. De todo modo, há que se assinalar que a concepção de ciência não é unânime. As discussões acerca “do que é ciência”, de quais são as suas características, de quais são os métodos válidos, dentre outras, têm ocupado grandes estudiosos. Entre eles destacamos Habermas (1982) ─ que concebe a ciência não apenas como uma possibilidade de descrever, explicar e controlar um objeto ou fenômeno, mas também ressalta que a ciência é capaz de compreender o sujeito. Além disso, Habermas também concebe a ação científica como possibilidade real de transformação da situação posta. Para ele, todo conhecimento científico traz uma visão de realidade e possui uma intencionalidade, que pode ser: a) descrever/explicar os fenômenos; b) compreender situações ou pessoas; c) transformar/ agir sobre a realidade. Habermas (1982) lembra também que o conhecimento científico está sempre preocupado com os critérios de validação e que ele é público, isto é, está disponível a todos os interessados. Outra característica importante nesse conjunto é que ele nunca se “fecha”, nunca está pronto, é dinâmico e está em permanente constituição, pois, a qualquer momento, novos elementos podem ser incluídos e alguns outros, “descartados”. O autor argumenta também que, sendo a produção científica uma prática social, do mesmo modo que as outras práticas sociais, a construção de conhecimentos é palco de intervenção política, não sendo ideológica ou politicamente neutra. Segundo Habermas (1982), em todo trabalho científico, o pesquisador está orientado pelas suas visões de mundo e pelas pretensões que 22 possui com relação ao objeto ou fenômeno que estuda. Tais visões e pretensões não são construídas isoladamente pelo cientista, mas por ele como “ser no mundo com o outro”. Assim, o critério que Habermas utiliza para discutir a produção do conhecimento científico são as relações dos seres humanos com o mundo e com eles próprios. A partir daí, ele aponta três grandes interesses que orientam o trabalho de conhecimento da realidade, bem como as maneiras de relacionar o sujeito com o objeto em cada um dos casos. Para Habermas (1982), os três grandes interesses são: 1) o técnico de controle ─ que pretende conhecer, explicar, prever e controlar; 2) o dialógico de consenso ─ que busca aprimorar a comunicação, interagir e compreender; 3) o crítico emancipador ─ que visa a transformar e emancipar. A cada um desses interesses, Habermas (1982) associa os enfoques básicos da pesquisa: o empírico-analítico, o histórico-hermenêutico e o crítico-dialético. Ele explica ainda que: É possível definirmos uma conexão específica entre regras lógico-matemáticas e o interesse como guia do conhecimento, no âmbito de três categorias do processo de pesquisa. No âmbito da visão empírico-analítica de ciência, introduz a teoria crítica um interesse cognoscitivo teórico; no âmbito da ciência histórico-hermenêutica, um interesse voltado à prática, e, no âmbito da ciência orientada criticamente, um interesse cognoscitivo libertador (HABERMAS, 1975, p.295 - itálico no original). Essa articulação apresentada por Habermas (1982) se fundamenta na tese da inseparabilidade do pensamento humano das três dimensões fundamentais da vida humana: o trabalho, a linguagem e o poder, as quais se relacionam com os três tipos de interesses humanos: o técnico de controle, o prático de consenso e o crítico emancipador. Assim, a qualquer interesse que esteja associada, a construção de conhecimentos científicos, isto é, a prática científica, é uma prática social, visto que acaba por interferir na realidade social da qual ela própria é parte. Sanchez Gamboa (1998) explica que, quando o interesse técnico e de controle é o que motiva a pesquisa, esta é planejada para propiciar informações que permitam manipular e controlar os objetos investigados ─ por meio de processos também controlados e objetivados. Tal interesse deve resultar em conhecimentos que levem ao desenvolvimento das forças produtivas e, particularmente, da relação dos seres humanos com a natureza, isto é, deve dar origem ou aprimorar processos vinculados ao mundo do trabalho. A esse interesse se associaram as Ciências Naturais e as Exatas e se tentou abarcar também o campo social e subjetivo. 23 O conhecimento associado ao interesse técnico e de controle se dá por meio da matematização, visto que, nessa perspectiva, a Matemática se constitui na possibilidade concreta de prever e de manipular. Assim, estas ciências utilizam técnicas quantitativas na tentativa de garantir a objetividade dos dados, de origem empírica, e a neutralidade com relação ao sujeito. Quanto à atuação dos cientistas, estão implícitas uma onipotência teórica e a autossuficiência dos métodos. O paradigma científico, associado ao interesse de controle, não aceita que a subjetividade se faça presente na pesquisa, e esse conhecimento científico é dito objetivo. Também, nessa concepção de ciência, é rechaçada a ideia de que todo olhar, inclusive o científico, como prática que se dá a partir de algum local sócio-historicamente marcado, é atravessado por conotações ideológicas. O interesse dialógico está associado ao enfoque histórico-hermenêutico. Este, originado nas Ciências Humanas e Sociais, concebe o real como fenômeno “contextualizado”, preocupa-se com a capacidade humana de produzir símbolos para comunicar significados, assumindo que o processo cognitivo se realiza por meio de métodos interpretativos. Como assevera Habermas (1982), neste caso, o acesso aos fatos ocorre por meio da compreensão do sentido, em lugar da observação. Os fenômenos não são isolados ou analisados, são compreendidos na sua complexidade por meio de um processo de recuperação de contextos e significados, diz Sanchez Gamboa (1998). Realmente, segundo essa tendência, o interesse é pela compreensão, pelo diálogo entre sujeitos e, desse modo, o eixo central do conhecimento não está no objeto e, sim, no sujeito que interpreta, que conhece, que dá sentido ao mundo e aos fenômenos, que procura compreender a intersubjetividade em relação a possíveis significados das ações, dos discursos, dos gestos, dos ritos, dos textos etc. Desse modo, segundo essa vertente, conhecer é interpretar e, então, existe o predomínio de elementos subjetivos, próprios da interpretação. Sanchez Gamboa (1998) explica que, nesse caso, o critério de verdade não reside na pretendida objetividade (concordância entre o real e o intelecto); a verdade é resultado de consensos (as triangulações) entre as diversas linguagens ou manifestações do fenômeno intersubjetivo e entre os vários interlocutores que participam do processo de elaboração desse conhecimento. Assim, assume-se que não existe uma verdade única, mas um discurso de verdade. O caráter relativo da verdade é acentuado pela assunção de que o consenso ocorre em um determinado momento, em um contexto, ou em um cenário histórico específico: algo é verdade em um determinado grupo, em determinado momento; em outro momento ou contexto, é outra verdade, tem outro significado. Quando o terceiro interesse identificado por Habermas (1982) ─ o crítico emancipador ─ orienta a pesquisa, a atividade intelectual reflexiva 24 se organiza para desenvolver a crítica e alimentar a práxis (teoria e prática) em direção à transformação do real, do status quo. Nesse caso, busca-se liberar o sujeito dos diferentes condicionantes e situações que lhe foram postos, superando situações de alienação e de exploração das pessoas pelas pessoas ou destas com a natureza, muitas vezes, de maneira devastadora. Para tanto, as pesquisas realizadas nesta perspectiva tratam de apreender o fenômeno em seu trajeto histórico e em suas inter-relações com outros fenômenos, buscando compreender os processos de transformação, suas contradições e suas potencialidades. Sob o enfoque crítico-emancipador, a função maior do conhecimento é a transformação; ele só tem sentido quando revela as alienações, as opressões e as misérias cotidianas. Por essa razão, o pesquisador críticodialético questiona criticamente os determinantes econômicos, sociais e históricos, procurando revelar as contradições que potencializam a ação transformadora para, então, sugerir ações (práxis) emancipadoras. Nesse tipo de pesquisa, a práxis, elevada à categoria epistemológica fundamental, se transforma em critério de verdade e de validade científica. As pesquisas educacionais de larga escala usam o paradigma empírico-analítico, pois, quase sempre, procuram orientar políticas públicas educacionais a partir de um panorama da qualidade do ensino traçado a partir de testes padronizados e de questionários socioeconômicos. Entretanto, a Educação, em seus pormenores, ao enfocar as questões cotidianas que permeiam o ensino e a aprendizagem, a gestão educacional e a formação de professores, dentre outros, pode ser mais bem compreendida tanto no interior do paradigma dialógico quanto do crítico-dialético, por meio das chamadas pesquisas qualitativas. Godoy (2005) assinala que algumas características estão sempre presentes nas pesquisas qualitativas, quais sejam: a)O ambiente natural é fonte direta dos dados e o pesquisador é instrumento fundamental. b)Possuem caráter descritivo. c)Os significados que as pessoas dão aos fenômenos e à sua vida são uma preocupação do pesquisador. d)Possuem enfoque indutivo. Entretanto, é importante pontuar que o uso de procedimentos e de técnicas associadas às pesquisas qualitativas não exclui a possibilidade de uso de métodos quantitativos, isto é, a ocorrência da chamada pesquisa qualiquantitativa. É importante destacar também a existência de várias modalidades de pesquisa qualitativa, que diferem entre si quanto ao método, 25 à forma e aos objetivos. A partir de Telles (2004), é possível dizer que três dos principais tipos de pesquisas qualitativas são: a etnográfica, a narrativa e a heurística. A pesquisa etnográfica é usualmente aplicada para compreender comportamentos e relações entre grupos de pessoas (professores, alunos, pais, funcionários de uma escola) dentro de um contexto social específico (escola, comunidade etc.). O uso desta modalidade de pesquisa está relacionado ao objetivo de interpretar e descrever o comportamento cultural destas pessoas e/ou grupos. Nesta modalidade de pesquisa, os instrumentos de coleta de dados mais utilizados são as entrevistas, os diários e os questionários. A análise dos dados é de cunho interpretativo, no diálogo entre as categorias estabelecidas pelo pesquisador e as encontradas no referencial teórico sobre o tema. Em geral, os resultados obtidos oferecem uma explicação cultural para os fenômenos enfocados ou detectados dentro do grupo, apontando para uma maior compreensão dos mesmos. A pesquisa narrativa é mais voltada para o conhecimento da prática pedagógica e do desenvolvimento profissional docente; possui cunho emancipador. Com este tipo de pesquisa, o professor produz um conhecimento sobre si, sobre os outros e sobre o cotidiano escolar, revelandose através da subjetividade, da singularidade, das experiências e de seus saberes. Por isto, nesta modalidade de pesquisa, o objetivo é conhecer histórias e práticas pessoais e profissionais docentes, detectando/compreendendo seus significados e contextos de produção. Neste caso, os instrumentos de coleta de dados mais utilizados são: autobiografias, diários, crônicas, anais, cartas, notas de campo, objetos, documentos e entrevistas. A análise dos dados se dá no estabelecimento de relações não causais entre as histórias que levam a núcleos temáticos capazes de concatenar determinados grupos de histórias e sintetizar os múltiplos significados. Neste tipo de pesquisa, os professores dão voz às teorias implícitas sobre suas práticas pedagógicas e se tornam agentes de seu próprio desenvolvimento profissional e pessoal. Por sua vez, a pesquisa heurística é aplicada para revelar significados e essências de uma determinada experiência pedagógica, de maneira clara, vívida e compreensível para outros. É voltada para a autorreflexão e seu objetivo está relacionado ao desejo do pesquisador (que pode ser o próprio professor) de descobrir a natureza e o significado de fenômenos de seu interesse e sua relação pessoal com os mesmos. Neste tipo de pesquisa, os instrumentos de coleta de dados mais utilizados são: entrevistas, diários e questionários. A análise dos dados é de cunho interpretativo, realizada no diálogo entre as categorias estabelecidas pelo pesquisador e as encontradas no referencial teórico sobre o tema. 26 As modalidades de pesquisa acima descritas, assim como outras, têm sido utilizadas por pesquisadores que buscam compreender melhor os fenômenos educativos relacionados a várias áreas da Educação, inclusive a Educação Matemática. Afinal, cada vez mais se assume que a docência e a pesquisa são atividades que se articulam e se complementam, pois, como confessou Paulo Freire (1996), Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. A educação necessita tanto de formação técnica e científica como de sonhos e utopias (FREIRE, 1996, p. 95). Segundo Lima (2007, p.58), “a proposta de docente pesquisador, enquanto tendência pedagógica chegou ao Brasil a partir de meados de 1990”. Entretanto, hoje tem sido bastante presente a concepção de que a atividade docente está intrinsecamente relacionada com a pesquisa. Isto significa reconhecer que o professor não tem como papel apenas transmitir e repassar conhecimentos já “cristalizados”, mas também a função de construir e reconstruir conhecimentos. Assim, a docência e a pesquisa surgem como atividades indissociáveis e complementares, que devem ser vivenciadas nos cursos de formação inicial de professores (Licenciaturas). Em vista disto, nas Diretrizes Curriculares Nacionais para as licenciaturas (BRASIL, 2002, grifo nosso) consta que: Art. 2º A organização curricular de cada instituição observará (...) o preparo para: • I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; • II - o acolhimento e o trato da diversidade; • III - o exercício de atividades de enriquecimento cultural; • IV - o aprimoramento em práticas investigativas; • V - a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares; • VI - o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores; • VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe. Por sua vez, nossa ação no PIBID também está ancorada na concepção de que o cotidiano escolar deve ser objeto de pesquisa dos próprios professores (em exercício e em formação inicial). Entretanto, esta reconfiguração da função docente – tornar-se professor pesquisador – implica 27 mudanças na formação inicial, no sentido de trazer a pesquisa para as licenciaturas, permitindo que os professores em formação inicial passem a incorporar a postura crítica e investigativa que lhes permita investigar os complexos fenômenos que envolvem a aprendizagem e o fazer docente. Assim, devem ser propostas ações para que o licenciando possa vivenciar práticas investigativas relacionadas à atividade docente. Neste sentido, no curso de Licenciatura em Matemática do CUA/ UFMT, consta a disciplina de “Pesquisa em Educação Matemática e em Matemática”, por meio da qual os licenciandos analisam relatos de pesquisa, aprendem a fazer projetos investigativos e executam uma pesquisa exploratória que deve resultar em um artigo. Ao final do curso, os estudantes devem ainda executar uma pesquisa no desenvolvimento do TCC; esta pesquisa pode estar relacionada à Matemática Pura, à Matemática Aplicada ou à Educação Matemática. Além destas ocasiões, nos Estágios Supervisionados os licenciandos também realizam pesquisas – sendo estas, necessariamente, voltadas para a Educação Matemática. Metodologia Para responder à questão “quais são as evidências de que o PIBID Matemática UFMT/CUA tem contribuído para que o Educador Matemático em formação reconheça a sala de aula e o espaço escolar como fonte de pesquisas?”, analisamos os relatórios de pesquisa vinculados às ações do PIBID, os relatórios de Estágio Supervisionado e as propostas de pesquisa para o TCC. A ideia é detectar, nesses documentos, indícios de que atuações no PIBID possam ter levado os estudantes a escolherem questões, espaços, concepções e métodos investigativos semelhantes aos vivenciados durante suas ações no programa. Tomamos, então, dois estudantes. Luana foi bolsista no período de julho de 2011 até abril de 2013 e graduou-se ao final do ano letivo de 2012. Thaygra, bolsista a partir de julho de 2011, graduou-se ao final do ano letivo de 2013. A escolha desses dois sujeitos deve-se ao fato de que todos os outros estudantes bolsistas ainda não terem chegado à fase final do curso e, portanto, ainda não terem concluído seus estágios e/ou não se envolverem na realização do TCC. Os documentos foram dissecados a partir da análise de discurso, uma metodologia de pesquisa que busca compreender o fenômeno ao responder perguntas do tipo “de que maneira? como?”, colaborando, desta forma, para a compreensão dos cenários e das forças atuantes nos discursos produzidos. Esta opção metodológica nos permitiu efetuar a coleta e análise de dados que serão mostrados na seção seguinte. 28 Análise de dados Como resultado da primeira pesquisa em que se envolveu pelo PIBID, a estudante Luana tornou-se coautora do trabalho “A realidade dos professores de matemática na E. E. Irmã Diva Pimentel: uma análise na perspectiva do acolhimento” (SANTOS, RAMALHO e PAMPLONA, 2011). Nesta pesquisa, realizada como parte das ações iniciais do PIBID na escola e apresentada na II Semana Acadêmica em Cuiabá, foi elaborado um questionário e entrevistados alguns dos professores de matemática da escola para conhecer sua formação, jornada de trabalho, divisão do tempo de trabalho, métodos, materiais e estratégias de ensino que adotam, assim como sua avaliação acerca da própria prática. Os procedimentos de análise se alinharam à análise de conteúdo, considerada adequada para investigações que busquem responder perguntas do tipo “o quê? quanto?”. Após o envolvimento, nesta primeira pesquisa, no decorrer das preparações de material didático para aplicação nas aulas e minicursos a serem oferecidos pelo PIBID na E. E. Irmã Diva Pimentel, Luana passou a interessar-se pelo uso das novas tecnologias no ensino de matemática. Inicialmente, estudou o software Winplot e, em vista disto, na II Semana Científica 2012, realizada na UFMT/CUA, em Barra do Garças, ela apresentou o trabalho “Winplot: um aliado no estudo das cônicas”. A realização deste trabalho, segundo consta no resumo apresentado pela estudante na ocasião, ocorreu em duas fases. Na primeira: ... nos dedicamos à constituição de um banco de dados composto por artigos, monografias, dissertações e teses sobre o uso deste software para o ensino-aprendizagem de variados conteúdos matemáticos; entre estes trabalhos, mereceram especial atenção os que tinham como foco as cônicas. Passamos, então, à seleção e testagem de atividades propostas nestes trabalhos. (RAMALHO; PAMPLONA, 2012a) Na segunda fase da pesquisa, foi executado um minicurso no qual foi proposta a execução de algumas atividades sobre o conteúdo de geometria analítica com o uso do Winplot. A seguir, a eficácia da proposta foi avaliada a partir do caderno de campo da bolsista e de um questionário respondido pelos estudantes da E. E. Irmã Diva Pimentel, que participaram do minicurso. Então, a análise de discurso foi adotada. Este trabalho influenciou o Estágio de Luana, visto que, em seu relatório de Estágio Supervisionado III, ela pontua que ... por meio de minha atuação nos estágios e no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, tenho per- 29 cebido que o conceito de função tem sido introduzido na escola de uma maneira extremamente formal e muitas vezes sem vínculo com o cotidiano do aluno (RAMALHO, 2013). Então, a estudante se dispôs a pesquisar acerca da constituição histórica do conceito de função, de modo que lhe permitisse elaborar e testar atividades que utilizassem, concomitantemente, a História da Matemática, a Resolução de Problemas e a TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação). O trabalho esteve intimamente relacionado à atuação no PIBID não só em sua concepção, mas também posteriormente, visto que seus resultados foram aplicados na Escola. Na sequência, nos trabalhos na E. E. Irmã Diva Pimentel, Luana foi desafiada a elaborar atividades com o software GeoGebra. Assim, em “Sobre o estudo do software GeoGebra”, apresentado no IV Simpósio do PIBID em 2012, na UFMT, em Cuiabá, a bolsista afirma: ... tenho estudado sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em sala de aula, em especial o software de Geometria Dinâmica GeoGebra, com o objetivo de planejar aulas e elaborar um minicurso. Ao fazê-lo, percebi que este software é um grande aliado para o professor, pois permite, por exemplo, que o aluno visualize, de modo claro, as propriedades da geometria plana. Em especial, o GeoGebra permite ao professor abordar conteúdos que seriam de difícil visualização no quadro negro. O GeoGebra também diminui a distância entre o professor e o aluno, haja vista que os jovens são bastante atraídos pelas novas tecnologias. [...] Explorei os conteúdos de funções que podem ser trabalhados no 1º ano do Ensino Médio, e também de cônicas, especificamente a elipse. [...] que exige do professor a curiosidade, a busca pela inovação e o esforço para estimular o aluno a aprender (RAMALHO; PAMPLONA, 2012b). Tais estudos acabaram por influenciar decisivamente suas escolhas para o TCC, como se observa no trecho abaixo: Como bolsista do Programa de Iniciação à Docência (PIBID), Subprojeto/PIBID/Matemática CUA/2011, tive a oportunidade de conhecer o software de Geometria Dinâmica GeoGebra. Minha admiração pela Geometria Euclidiana e por trabalhar com o GeoGebra levou-me a propor uma pesquisa que permitisse aprofundar meus conhecimentos sobre o software GeoGebra e conhecer melhor a proposta da inserção das tecnologias no ensino e aprendizagem da Matemática, de maneira que pudesse levar a uma reflexão sobre a inserção das tecnologias nas aulas de matemática (RAMALHO, 2013, p. 12). 30 Ao falar sobre os procedimentos da pesquisa adotados em sua monografia (TCC) de final de curso, Luana elucida que o trabalho ocorreu em três etapas: a) pesquisa bibliográfica sobre softwares de geometria dinâmica; b) elaboração de sequências de atividades de construções geométricas com régua e compasso e com o uso do software GeoGebra; c) implementação e análise das aulas elaboradas junto com os bolsistas do PIBID Matemática UFMT/CUA (RAMALHO, 2013). Cabe ainda destacar que o professor coordenador do subprojeto Matemática CUA foi também escolhido pela estudante para orientá-la em seu TCC. Por sua vez, a primeira pesquisa realizada por Thaygra enquanto bolsista do PIBID foi denominada de “Estudo longitudinal do desempenho dos alunos na E. E. Irmã Diva Pimentel em matemática” (OLIVEIRA; PAMPLONA, 2011). Nela, o objetivo foi promover o acompanhamento periódico do desempenho escolar nessa disciplina, pelos alunos dos primeiros anos do Ensino Médio. O estudo de documentos com a utilização de análise de conteúdo permitiu-nos conhecer longitudinalmente tanto as notas dos estudantes na disciplina, quanto o comportamento dos alunos no que se refere a faltas e abandono das aulas em matemática. Já a segunda pesquisa por ele realizada foi apresentada no IV Simpósio do PIBID em 2012, na UFMT, em Cuiabá, sob o título “A Modelagem Matemática em sala de aula: explorando relações entre Matemática, Física e Música”. Esta pesquisa ocorreu a partir da parceria com um estudante bolsista de outro programa: [...] em conjunto com um bolsista PET, licenciando em Física, tenho procurado compreender as relação da Física e da Matemática presentes na Música e elaborar atividades a serem exploradas na aula de Matemática como ações do grupo PIBID/Matemática. Como este é um tema muito amplo, decidimos limitar os estudos à área da música onde ambos atuamos: os membranofones. [...] pesquisa para realização deste trabalho permitiu-me conhecer a origem da Música e compreender como ela pode ser descrita por meio de modelos matemáticos de diversos graus de complexidade, por exemplo, no Ensino Médio, é possível relacionar às progressões (PA, PG), dentre muitas outras possibilidades a serem exploradas em ações futuras (OLIVEIRA; PAMPLONA, 2012b). Dando sequência a essa pesquisa, Thaygra propôs outra que teve a seguinte questão orientadora: “como a curiosidade em torno das relações entre matemática e música podem contribuir para o ensino e a aprendizagem de matemática no Ensino Médio?” (OLIVEIRA; PAMPLONA, 2012a). Das etapas da pesquisa constaram leitura de obras sobre História da Matemática, da História da Música e Modelagem Matemática, seguida da cons31 tituição da proposta de um minicurso oferecido aos estudantes do primeiro ano do Ensino Médio na E. E. Irmã Diva Pimentel. A terceira fase da pesquisa foi o oferecimento do minicurso e a análise de um relatório elaborado pelos estudantes que dele participaram. De certo modo, tais experiências tornaram Thaygra mais apto para propor, para o desenvolvimento do seu TCC, a pesquisa intitulada “Harmonia Musical nas Esferas como Oportunidade de Interdisciplinaridade”. No projeto apresentado, o licenciando explica: [...] ingressando no curso de licenciatura em matemática, desde o início do curso sempre almejei de alguma maneira relacionar minha paixão musical com a realidade de estudo na qual me envolvi. Sendo assim, após algumas experiências de estudo dessa relação entre matemática e música, deparei-me com uma relação das órbitas dos planetas com a harmonia musical, onde me maravilhei com a possibilidade de tal situação poder proporcionar uma exploração interdisciplinar bastante interessante e muito pouco conhecida. Donde também enxerguei tal pesquisa como uma possibilidade de apoio àqueles que têm se preocupado em aplicar a interdisciplinaridade em sua atuação como educador, mas que não têm conseguido perceber onde, como ou em que ela pode ser explorada (OLIVEIRA, 2013). Quanto aos procedimentos de pesquisa a serem adotados, ele explica que [...] após os estudos bibliográficos, será construída uma proposta de oficinas que, utilizando a música como método de problematização, enfoque as séries harmônicas. Em seguida, essas oficinas serão apresentadas em seminários do PIBID, quando receberão os ajustes necessários. Após esta etapa, as oficinas serão oferecidas a estudantes da Escola Estadual Irmã Diva Pimentel. Para avaliar a eficácia da proposta, em ambos os casos, os participantes responderão a questionários. Quando aplicado aos licenciandos/pibidianos, os questionários versarão sobre adequação do conteúdo histórico e matemático, dos objetivos propostos e das estratégias pedagógicas (OLIVEIRA, 2013). Percebe-se que, ao desenvolver a pesquisa do TCC, o estudante optou por manter o tema e os procedimentos experienciados nas pesquisas do PIBID. Ao final desta seção, ressaltamos que, ao escolher esses trechos dos discursos explícitos nas escritas de Luana e Thaygra, não buscamos maiores informações acerca do “quanto” ou necessariamente do “quando” 32 ou mesmo “por quais vias” as diferentes instâncias formativas teriam levado ao estabelecimento de determinada característica, até porque: [...] quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis (CALVINO, 1995, p. 138). Preocupou-nos, na verdade, reordenar tais experiências de maneira que pudéssemos perceber seus nexos e suas contribuições de modo geral para a sua formação enquanto professores pesquisadores, o que nos permite agora destacar: • Ambos os estudantes bolsistas do PIBID Matemática CUA/ UFMT, em instâncias como o Estágio Supervisionado e o TCC, optaram por aprofundar experiências investigativas realizadas no âmbito do PIBID; isso significa que sua participação no Programa pode ter influenciado a opção pelas pesquisas em Educação Matemática, e não pela Matemática Pura ou Aplicada. • Para Luana e Thaygra, a aprendizagem matemática dos estudantes tornou-se um rico campo de propostas de pesquisa, visto que este tema deu origem às questões de pesquisa para o TCC. • A importância da pesquisa “com” em detrimento da “pesquisa sobre” os estudantes prevaleceu nas propostas elaboradas por Luana e Thaygra para o seu TCC. • As abordagens qualitativas, a pesquisa narrativa e os instrumentos de pesquisa selecionados pelos estudantes bolsistas durante as investigações relacionadas ao PIBID foram também utilizados em pesquisas posteriores. • As escolhas metodológicas dos sujeitos desta pesquisa por ocasião do seu TCC indicam que o trabalho em equipe os levou a valorizar as pesquisas experimentais e colaborativas. Considerações finais Neste trabalho, a intertextualidade por nós estabelecida ultrapassa o olhar para as pesquisas realizadas pelos sujeitos Luana e Thaygra, visto que nos valemos também do convívio com eles. É esta visão mais ampla 33 que nos permite salientar a importância de que o professor coordenador da equipe PIBIB possa detectar as características pessoais dos bolsistas – como neste caso, gosto pelas novas tecnologias e pela música, respectivamente. Esta sensibilidade do professor coordenador foi fundamental na escolha das tarefas mais adequadas a cada licenciando e, até mesmo, levou-o a estabelecer parceria com outro programa, de modo que as pesquisas realizadas pelos bolsistas coincidissem com seus interesses e particularidades. Nas pesquisas pelo PIBID, ocorreu o aguçamento do exercício da observação, da formulação de indagações e também de estratégias para respondê-las, o que resultou em monografias de conclusão de curso, em artigos e em apresentações de trabalhos em eventos científicos que tiveram como foco o ensino e a aprendizagem matemática. Sobretudo, as escritas aqui analisadas nos mostraram que a compreensão do funcionamento de um estabelecimento educacional e da função docente (do Professor de Matemática), assim como a percepção da sala de aula como desafio, origem de pesquisas educacionais, notadamente acerca de métodos, técnicas e materiais didático-pedagógicos, influenciaram decisivamente as escolhas dos estudantes por ocasião da realização do seu TCC. Conclui-se, portanto, que o PIBID vem contribuindo com outras instâncias do Curso de Licenciatura em Matemática, ao fazer com que o futuro professor vivencie, de modo contínuo e intenso, situações que lhe viabilizem uma participação ativa e uma postura investigativa de observação, de formulação de questões, de uso de instrumentos de coleta de dados, de cotejamento com um referencial teórico capaz de fazer a mediação entre teoria e prática. Referências BRASIL. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Basica, em nivel superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União. Brasília, 9 de abril de 2002a. Seção 1, p.31. Disponível em <http://www.mec.gov.br/cne/resolucao.shtm>. Acesso em: 29 out. 2005. CALVINO, I. Por que ler os clássicos. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção leitura). HABERMAS, J. Conhecimento e Interesse. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 34 OLIVEIRA, T. A.; PAMPLONA, A. S. A Modelagem Matemática em Sala de Aula: Explorando Relações entre Matemática, Física e Música. In: IV Seminário Integrador do PIBID e II Seminário do Programa Tutoria. UFMT, Cuiabá-MT. 2012b. OLIVEIRA, T. A.; PAMPLONA, A. S. Matemática e Música. In: SEMANA CIENTÍFICA, 2. UFMT/CUA, Barra do Garças-MT. 2012a. OLIVEIRA, T. A.; PAMPLONA, A. S. Estudo longitudinal do desempenho dos alunos na E. E. Irmã Diva Pimentel em Matemática. In: SEMANA ACADÊMICA, 2. UFMT, Cuiabá-MT. 2011. RAMALHO, L. V. O GeoGebra no ensino da Geometria Plana. 2013. 75p. Monografia (TCC: Licenciatura em Matemática) Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Campus Universitário do Araguaia, Universidade Federal de Mato Grosso. Pontal do Araguaia-MT. 2013. RAMALHO, L. V.; PAMPLONA, A. S. Winplot: um aliado no estudo das cônicas. In: SEMANA CIENTÍFICA, 2. UFMT, Barra do Garças-MT. 2012a. RAMALHO, L. V.; PAMPLONA, A. S. Sobre o Estudo do Software Geogebra. In: IV Seminário Integrador do PIBID e II Seminário do Programa Tutoria. UFMT, Cuiabá-MT. 2012b. SANCHEZ GANBOA, Sílvio. Epistemologia da Pesquisa em Educação. Campinas: Praxis, 1998. SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2005. SANTOS, G. B. ; RAMALHO, L. V.; PAMPLONA, A. S. A realidade dos professores de matemática na E. E. Irmã Diva Pimentel: uma análise na perspectiva do acolhimento. In: SEMANA ACADÊMICA, 2. UFMT, Cuiabá-MT. 2011. 35 1.2 FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE GEOGRAFIA E O PIBID Meire Rose dos Anjos Oliveira Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Maria Augusta Cellos Professora supervisora na escola do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Apresentação A formação de professores, sem dúvida, é uma das prioridades elencadas no bojo das discussões acerca da educação brasileira. Por isso, essa preocupação é latente nos cursos superiores. Em relação a tal inquietação, há o desenvolvimento de alguns programas e políticas específicos, como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Neste texto, tentar-se-á construir a relação entre o trabalho dos acadêmicos e professores do Pibid Geografia, campus Cuiabá, e a formação inicial na docência. O Suprojeto Pibid-Geografia é realizado na Escola Estadual André Avelino Ribeiro, em Cuiabá. Para a construção da análise, levaram-se em consideração atividades desenvolvidas no segundo semestre do ano de 2011. Na construção do escopo teórico, não se imaginou outro caminho, senão aqueles autores que discutem a formação inicial, a pesquisa docente e o ensino da Geografia, tais como Coltrinari (2002), Couto (2002), Pimenta e Lima (2005; 2006), Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009), Suertegaray (2002). A formação docente, a pesquisa e o ensino de Geografia O trabalho pensado para o Pibid é semelhante ao estágio supervisionado, mas com a preocupação de se constituir um campo de pesquisa e, por consequência, um campo de conhecimento. Esta ideia está embasada nas reflexões de Pimenta e Lima (2005; 2006, p. 6), ao afirmarem a necessidade de se atribuir à formação inicial ou às primeiras experiências na docência “um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental”. A intenção do trabalho foi atribuir às atividades do Pibid um caráter de pesquisa embasada nas categorias de análise da Geografia e da 36 Educação. É importante salientar a importância dada à pesquisa, pois é necessário não apenas moldar os futuros professores no que diz respeito ao ensino de geografia, mas, sobretudo, apresentá-los à prática da investigação científica, ressaltando sua percepção do mundo pelas lentes da ciência geográfica. Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) afirmam que, a partir dos novos referenciais que constituem as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ministério da Educação (MEC), problemas relacionados ao tratamento dispensado à pesquisa devem ser solucionados. A pesquisa na docência ocorre de maneira diferenciada à do meio acadêmico, sendo necessário redimensioná-la para a formação de professores. As autoras ainda afirmam que A ideia é ressaltar a importância da pesquisa na construção de uma atitude cotidiana de compreensão dos processos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos e de busca de autonomia na intepreração da realidade. [...] a pesquisa pode ser considerada um processo aglutinador de reflexão e crítica [...] (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009, p. 95). Mas, apesar da importância da pesquisa na formação docente e no ensino de Geografia, ainda há o pensamento de que o professor da educação básica deve apenas ser um “aulista”, não precisando fazer pesquisa. Esse fato reforçará a visão do professor transmissor, usuário do produto do conhecimento. E, neste processo de potencializar a pesquisa como componente importante da docência, há a discussão do que identifica a Geografia enquanto ciência. Couto (2002) afirma que ainda há uma dificuldade considerável para conceituar a Geografia ou abordar sua pesquisa e seu ensino. O autor diz que, “em função das dificuldades de conceituação da Geografia, a seleção dos conceitos geográficos e dos seus critérios não está claramente definida” (COUTO, 2002, p. 329). Ou seja, os problemas existentes remetem à formação do profissional de Geografia, neste caso o licenciado. O que se deve fazer em uma sala de aula? Como deve ser o ensino da Geografia? Acredita-se, aqui, que é preciso haver uma postura renovada de diálogo entre a formação acadêmica e o ensino da ciência geográfica no espaço escolar. É pensando nesta questão que o subprojeto Geografia desenvolveu suas ações, conforme pode ser visto adiante. 37 O subprojeto Geografia O Pibid – Geografia iniciou suas atividades no segundo semestre de 2011 e vem contribuindo qualitativamente com o Curso, que se preocupa em formar professores de Geografia. Para o desenvolvimento do trabalho, houve uma seleção de bolsistas e supervisores, realizada com sucesso. A relação entre o Programa e o Curso teve que ser pensada demoradamente por conta do currículo diferenciado. Pela necessidade de reformulação dos cursos de licenciatura, orientada pelo Conselho Nacional de Educação, as disciplinas relacionadas à formação de professores já se iniciam nos primeiros semestres de cada curso. No Curso de Geografia, o estágio se inicia logo no quinto semestre, o que veio a facilitar e inculcar a necessidade da aproximação com o campo de atividades práticas de um licenciando, ou seja, o espaço escolar. O Subprojeto - Geografia consegue agregar outros professores do Departamento para estudos teóricos e orientação de atividades práticas. É importante dizer que o trabalho em conjunto com o Programa de Educação Tutorial (Pet), materializado em duas atividades de pesquisa e ensino durante o ano de 2011, tornou-se um marco na realização das atividades dos dois grupos. Para o desenvolvimento das atividades, alguns procedimentos foram respeitados, como: levantamento e estudo bibliográfico sobre climatologia, desastres ambientais e meio ambiente, construção de conceitos, construção de atividades pedagógicas e momentos de socialização. Na avaliação do grupo pibidiano, essa foi a atividade mais relevante realizada no período mencionado anteriormente (Figuras 1 e 2). Figuras 1 e 2: Alunos da Escola André Avelino nas oficinas desenvolvidas pelo Pibid e Pet. Fonte: Marinho, 2013. 38 A atividade citada foi relatada no I Seminário Nacional do Pibid, no ano de 2011, em Goiânia (Figura 03). No texto Pibid – possibilidade de intervenção no ensino médio, o grupo apresenta a proposta de pesquisa e ensino no Ensino Médio a partir de um tema geral desenvolvido por meio de cinco oficinas diferentes. As atividades desenvolvidas corroboram as afirmações de Pimenta e Lima (2005/2006) quanto à constituição de “postura e habilidades de pesquisador a partir das situações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mesmo tempo compreender e problematizar as situações que observam” (2005/2006, p. 14). Assim, o grupo propôs-se a discutir as mudanças climáticas e desastres naturais a partir da ótica de estudantes/moradores em áreas de risco, tornando possível aos acadêmicos momentos de pesquisa e compreensão da realidade local. Figura 03: Pibidianos apresentando o relato de experiências em I Seminário Nacional do Pibid, no ano de 2011, em Goiânia. Fonte: Oliveira, 2011. Após os três meses de estudo e pesquisa, os alunos elaboraram materiais didáticos, como: maquetes sobre impermeabilização do solo, histórias em quadrinhos, dinâmicas de grupos, maquetes do relevo da área e instrumentos de medição de fenômenos climatológicos. Foi um trabalho árduo, mas que serviu para demonstrar a necessidade da junção do pedagógico com o geográfico e comprovar que ser professor é pensar nas mais variadas formas de levar o aluno a refletir, portanto, de ensinar, mas também de aprender. Nesse processo, todos os grupos tiveram uma preocupação social e de pesquisa, como demonstra a fala de um bolsista: “a principal ideia era 39 que nós não íamos falar ‘vocês estão em uma área de risco’, e sim construir a ideia, para que cada um pudesse distinguir se a sua residência se encontrava ou não em uma área de risco” (SANTOS, 2012, p. 6). Nota-se o início da preocupação que um docente deve ter quando se trata de questões sociais. Ao final dessa atividade, que reúne pesquisa da teoria e ensino, é possível concordar com Pimenta e Lima (2005/2006, p.16): o papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os. As palavras das duas autoras coadunam-se com Suertegaray (2002, p. 113): “uma educação de professores não deve prescindir de uma associação com a pequisa”. A pesquisa se intensifica quando os alunos se empenham em observar pontos pertinentes sobre a legislação vigente, sobretudo aquilo que é mais debatido no dia a dia escolar. O debate, de maneira recorrente, gira em torno de tipologias do ensino médio (regular e profissionalizante), currículo mínimo para a ciência geográfica, relação entre os conteúdos do núcleo comum com o mundo do trabalho, e outras questões que podem surgir no ambiente escolar. Por meio da avaliação do Plano Político Pedagógico do estabelecimento escolar e dos Planos de Ensino da professora supervisora, os bolsistas puderam constatar a importância da Geografia para o Ensino Médio e para a escola em questão, e então contribuir para a melhor preparação e execução das aulas e de outras atividades. Para o conhecimento e aproximação da realidade, tornou-se urgente a construção de um diagnóstico, por meio do qual foi possível compreender o papel das escolas de ensino médio em uma comunidade. Os alunos são um mosaico de pessoas dentro da instituição escolar, desde bairros com condições sociais e econômicas regulares até os bairros de menores condições sócioeconômicas. Mesmo num curto período, menos de 1 semestre, os pibidianos conheceram um pouco da personalidade de cada aluno das turmas acompanhadas, o que foi de grande valia para um trabalho de maneira diferenciada, a fim de colher bons resultados. A tradução de bons resultados é: melhor compreender o papel do professor de Geografia na formação daqueles adolescentes e, a partir de uma dada realidade social, pensar a Geografia para aquele lugar e para um espaço maior, sem perder a essência da localidade. 40 O Pibid Geografia, com cinco alunos, priorizou o trabalho de turmas individuais; fez-se uma divisão de turmas por bolsistas; assim, o planejamento de conteúdo e atividades de ensino foram desenvolvidos com êxito. A realização destas atividades se deu no conjunto entre acadêmicos e professora supervisora. Além disso, atividades de campo, instrumento imprescindível no ensino da Geografia, foram realizadas com as turmas acompanhadas: uma no Pantanal Mato-grossense e outra em Nobres. Nessas ocasiões, os bolsistas prepararam, na medida do possível, um momento de sensibilização, antes do campo propriamente dito, com apresentação das características fisicas e humanas das regiões a serem visitadas e observadas pelos alunos da escola. A aula de campo no Pantanal foi realizada com a participação, também, dos alunos bolsistas do Subprojeto de Biologia. Em todo o planejamento e execução, sempre observou-se a possibilidade de replanejar, ou seja, de buscar novas estratégias. As atividades de docência incluem, além das atividades já mencionadas, reuniões pedagógicas na escola e participação na Sala do Educador. Esses momentos são importantes para a constituição do que é o universo escolar e, dessa maneira, tentar pensar o ensino de maneira diferenciada. Os bolsistas do Pibid-Geografia participaram dessas discussões para a construção da noção das relações escolares. Outra atividade importante foi o desenvolvimento de uma oficina direcionada aos calouros da Licenciatura. Nessa oficina, os alunos assistiram ao vídeo “Acorda Raimundo, acorda”, que trata da inserção da mulher no mundo do trabalho. Após o filme, houve um momento para discussão sobre a diferença social entre homens e mulheres, o papel da mulher na sociedade atual, os preconceitos ainda existentes e a relação com a geografia. A intenção era “quebrar o gelo”, pois os alunos ingressantes estavam na segunda semana do Curso de Geografia, todos ainda “perdidos” e sem ter uma noção construída do que é a Licenciatura em Geografia. A experiência foi válida para a formação docente, porque os alunos bolsistas já inteirados, em parte, sobre a realidade da docência, puderam demonstrar isso aos iniciantes. O preparo da oficina contribuiu para o crescimento intelectual dos bolsistas à medida que tiveram que estudar a temática do filme e sua relação com a geografia, bem como demonstrar isso aos alunos do curso. Seguindo a sequência didática idealizada para essa atividade, foi pensada a realização de desenhos que representassem a expectativa dos calouros num curso de licenciatura. Dessa forma, tem-se a certeza de que os bolsistas compreenderam a urgência de estudar mais e melhor a teoria da ciência geográfica e sua aplicação pedagógica. Após o relato de algumas atividades desse subprojeto do Pibid, torna-se oportuno dizer que a formação de professores deve ir além do en41 quadramento, ou de se “colocar no formato”, conforme diz Suertegaray (2002, p. 109). O mundo mudou, as necessidades coletivas e sociais também mudaram; portanto, a maneira de praticar a docência deve partir da necessidade de valorizar a pesquisa e outras formas de entender o mundo e nele se colocar. Então, se na prática docente é imprescindível formular um projeto, sua organização, sua metodologia e seu referencial bibliográfico, analisar e apresentar os resultados são momentos necessários ao bolsista. Assim, a confecção de relatórios é importante para a constituição de um docente, pois, pela escrita, é possível avaliar e detectar avanços e retrocessos, refletindo sobre esse processo. Pela escrita de relatórios, os bolsistas do subprojeto Geografia puderam perceber a necessidade de mais leituras no campo geográfico e pedagógico, o que vem sendo feito com qualidade. O geomorfólogo Gilbert (1886, apud COLTRINARI, 2002, p. 118) aponta isso, conforme pode ser visto a seguir: O pesquisador transforma-se em educador quando, ao oferecer seu trabalho ao mundo, descreve o caminho por meio do qual conseguiu seu objetivo. Não nego que a publicação de conclusões corretas seja em si educativa, mas afirmo que a publicação de um bom método é educativa num sentido mais alto. Por meio da redação de um relatório, pontos da atividade docente poderão ser repensados e sobre eles poderá haver a reflexão, levando os alunos bolsistas a se constituirem, mesmo em formação inicial, professores “intelectuais críticos e reflexivos” (PIMENTA; LIMA, 2005/2006, p. 20). Algumas considerações Ao finalizar este relato, é possível dizer que a experiência de trabalho no Pibid indica a possibilidade de existência de um preparo do trabalho docente de maneira coletiva e que alia a atividade prática à teórica, consituindo-se em uma perspectiva de formação do docente preocupada com as questões epistemológicas e sociais. Se a articulação entre os conteúdos da Geografia e a área científica para a Geografia como componente curricular da educação básica é um desafio, a pesquisa poderá constituir-se em um instrumento potencializador do ensino e da aprendizagem dos professores e dos alunos. Esta é uma abordagem do início das atividades do subprojeto em 2013. Os cinco bolsistas finalizaram o curso como licenciados em Geografia e fizeram de suas atividades no Pibid um problema para a pesquisa final de curso, o que resultou em monografias importantes para encaminha42 mentos de outros projetos para a formação docente. Entre essas, podem ser citadas as monografias “Integração no ensino médio – uma proposta para o mundo do trabalho?”, “Análise das produções do Pibid/Geografia – campus Cuiabá”, “A formação continuada dos profissionais da educação na Escola Pascoal Ramos: desafios e perspectivas” e “Experiências cartográficas no espaço escolar”. Estes trabalhos poderão ser objeto de análise de outros artigos. Referências COLTRINARI, L. A pesquisa acadêmica, a pesquisa didática e a formação do professor de geografia. In: PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. (Org.). Geografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2002. COUTO, M. A. C. O conceito de espaço geográfico nas obras didáticas: o espaço viúvo do homem. In: PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. (Org.). Geografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2002. PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. L.. Estágio e docência: diferentes concepções. São Paulo, Revista Poíesis, v. 3, n. 3 e 4, pp. 5-24. 2005/2006. PONTUSCHKA, N. N.; PAGANELLI, T. I.; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender geografia. São Paulo: Cortez, 2009. SANTOS, S. M. Relatório de atividades do bolsista. Cuiabá: Pibid/DGeo, 2012. Mimeo. SUERTEGARAY, D. M. A. Pesquisa e educação de professores. In: PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. (Org.). Geografia em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2002. 43 1.3 INTERAÇÕES ENTRE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA E ENSINO PÚBLICO: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA AVALIAÇÃO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES Edilene Cruz Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Sociologia/Cuiabá Introdução O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), instituído pela Portaria Normativa n° 38, de 12 de dezembro de 2007, do Ministério da Educação (MEC), foi inaugurado como ação conjunta desse Ministério, por meio da Secretaria da Educação Básica, da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. No conjunto das políticas públicas associadas às ações do Executivo Federal para a promoção da melhoria da qualidade da educação básica desde a década de 1990, o Programa aparece como a proposta mais promissora, no sentido de promover integração entre o nível superior de ensino – no qual os professores são formados – e as escolas públicas de níveis fundamental e médio1. Em desenvolvimento desde 20082, o Programa teve seus objetivos confirmados no Relatório Consolidado de Gestão 2009-2011, publicado em 2012: ¹ No Brasil, a oferta dos níveis de ensino fundamental e médio às camadas populares e camadas da classe média baixa é feita basicamente por escolas públicas e gratuitas. Há uma diversificada rede de ensino privado, constituída por algumas escolas de elite e um número maior de escolas que apresentam graus diversos de qualidade, normalmente de custo mais baixo. No Brasil, não há subsídio para escolas privadas desses dois níveis de ensino, embora as despesas com instrução na educação infantil, fundamental, médio, tecnológico, superior (graduação, especialização, mestrado e doutorado) do contribuinte e seus dependentes possam ser deduzidas no imposto de renda até um limite fixado pela legislação e anualmente redefinido (consultar http://www.receita.fazenda.gov.br). 2 A primeira chamada para apresentação de propostas dirigiu-se, em 2007, exclusivamente às Instituições Federais de Ensino Superior e priorizou cursos de formação de docentes das áreas e níveis de ensino de acordo com os maiores déficits de pessoal qualificado, como se segue: I) para o ensino médio: licenciaturas em - a) física, b) química, c) matemática), d) biologia; II) para o ensino médio e para os anos finais do ensino fundamental: licenciaturas em a) ciências; b) matemática e III) de forma complementar: a) licenciatura em letras (língua portuguesa); b) educação musical e artística e c) demais licenciaturas. Gradualmente, passou a oferecer cobertura a todas as áreas e níveis de ensino da Educação Básica, a projetos multidisciplinares e temáticos e a contemplar projetos de IES públicas federais, estaduais e municipais e privadas (consultar http://www.capes.gov.br). 44 O Pibid tem como objetivos: I - incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica; II - contribuir para a valorização do magistério; III - elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre educação superior e educação básica; IV - inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino -aprendizagem; V - incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como co-formadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e VI - contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura. Os seis objetivos expressam que a ação está alinhada à ideia, compartilhada por vários intelectuais universitários, consultores de agências multilaterais e gestores dos sistemas de ensino, de que a questão docente é ponto fulcral para a solução do problema da qualidade da educação básica (para citar apenas alguns, NAMO DE MELLO, 2000; GATTI, 2009; LOZANO, 2010; OECD, 2011). Tomando os três primeiros e o penúltimo objetivos, uma das inferências possíveis sobre os pressupostos do modus operandi do Programa é que ele não apenas aposta no aperfeiçoamento da formação dos professores e valorização da carreira como forma de atrair novos profissionais e incentivar a permanência daqueles já atuantes nos sistemas públicos de ensino, mas parece considerar a própria qualificação como um propulsor da valorização da carreira entre professores em exercício e futuros professores. Deixam entrever, assim, a expectativa implícita de que o acesso a uma formação diferenciada (e à condição de bolsista) atue como determinante na criação de um status mais atraente para a profissão. Se estivermos certos a esse respeito, a efetividade do 45 Programa, para seus proponentes, estaria identificada com a valorização do profissional docente, e com sua capacidade de influenciar positivamente a qualidade da Educação Básica. O quarto, quinto e sexto objetivos indicam o novo paradigma para a formação de professores a que antes nos referimos. Sua característica distintiva é a acentuação da dimensão prática da formação em conexão direta com o ambiente dos sistemas de ensino. Essa característica ancora-se na principal crítica dirigida ao modelo até então dominante: a de que seus egressos não dominam os conteúdos do currículo da Educação Básica ou as competências necessárias para trabalhar com a clientela heterogênea dos pontos de vista sociocultural e das necessidades de aprendizagem que têm caracterizado cada vez mais esse nível de ensino. Em conjunto, documentos oficiais e as ainda escassas publicações acadêmicas, destacam como objetivo implícito do PIBID promover a ação conjunta e sinergética de formadores das IES, estudantes dos cursos de formação de professores e profissionais já atuantes no sistema de ensino para a construção de novas práticas didático-pedagógicas. IV - inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino -aprendizagem; V - incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus professores como co-formadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e VI - contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes, elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura. Isso ocorreria mediante um processo no qual os formadores das IES, em contato direto com as demandas da educação básica, fossem por elas induzidos a desenvolver uma agenda de pesquisa orientada pela busca de soluções para problemas concretos, criando e difundindo recursos para o aperfeiçoamento da formação docente e para o trabalho de ensino e aprendizagem em contextos escolares. Já os professores em exercício, enquanto parceiros do projeto, vivenciariam experiência de formação continuada que lhes permitiria atuar como difusores das novas concepções e práticas. 46 Há, portanto, a aposta de que, embora os efeitos da mudança de paradigma da formação de professores demorarão a se fazer sentir no conjunto do sistema – pois só poderão ser avaliados após a inserção e permanência dos atuais estudantes e bolsistas nos sistemas de ensino por um período mínimo que permita a avaliação do desempenho de seus alunos –, mudanças graduais na qualidade da educação básica possam ter início no curto prazo. Um dos pontos problemáticos desse entendimento das diferentes partes interessadas dessa política consiste na tendência a confundir o potencial de inovação didático-pedagógico que o Programa até agora vem demonstrando, com sua capacidade de provocar uma mudança paradigmática no modelo de formação nas IES, por um lado, e na carreira docente da Educação Básica de outro. Em nossa avaliação, tal confusão encobre que 1) a valorização da carreira de professor e sua repercussão na melhoria da educação básica depende de fatores outros e não apenas a formação, e 2) mudanças paradigmáticas em um subsistema de política pública são complexas e difíceis, dado o fato de que um paradigma de política é simultaneamente um elemento constitutivo da identidade dos atores relevantes – e, nesse sentido, ligado à visão de mundo que sustenta a ação de cada ator – e um conjunto de proposições causais que organizam a percepção das alternativas de políticas dentro da área (BALBACHEVSKY, 2012, p. 02). A presença, nos sistemas de ensino, de visões e práticas que se sustentam em visões de mundo conflitantes fazem com que, no processo de implementação, os arranjos efetivados a partir dos diferentes paradigmas postos em contato ressignifiquem políticas e programas. No caso aqui em análise, os atores-chave desse processo – professores das IES formadoras e os membros das equipes pedagógicas das escolas conveniadas ao PIBID (diretores, professores – supervisores bolsistas ou não – coordenadores pedagógicos). Os mecanismos através dos quais esses atores ressignificam as políticas, contribuindo para seu maior ou menor sucesso, derivam de suas características enquanto burocratas do nível da rua, conforme a descrição de Lipsky: eles são “os trabalhadores do serviço público que interagem diretamente com os cidadãos e que têm substancial discricionariedade na execução de seu trabalho” (LIPSKY, 1980, p. 3, grifo nosso). Com base no quadro aqui esboçado, e em informações sobre a experiência do PIBID Sociologia/Ciências Sociais da UFMT, apontaremos alguns indícios de que as atuais características dos sistemas de ensino 47 básico e das instituições formadoras de professores podem constituir ambientes estruturais e culturas institucionais pouco favoráveis à mudança e à inovação almejada pelo PIBID e reuniremos alguns elementos para fundamentar a hipótese de que um dos fatores de maior peso nesse quadro são os conflitos entre as rupturas decorrentes do paradigma do Programa e as expectativas e percepções dos burocratas do nível da rua – estudantes dos cursos de formação, professores em exercício na Educação Básica e professores das Instituições formadoras – envolvidos nessa política. Atrair, formar e manter os melhores no sistema de ensino Nos últimos 30 anos, as ações recomendadas e adotadas para a melhoria da educação foram bastante diversificadas, abrangendo várias linhas experimentadas de modo diferenciado pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Dentre os países da América Latina, por exemplo, o Chile foi aquele que experimentou praticamente todos os itens desse repertório: descentralização [do financiamento e gestão]; autonomia escolar; sistemas nacionais de avaliação; incentivos ao desempenho [dos profissionais]; atendimento preferencial às escolas em situação crítica, implantação de turno completo [período integral], aumento dos gastos públicos, estímulo à iniciativa privada, reformas curriculares, formação e avaliação dos professores (SCHWARTZMAN, 2007, p. 22). O Brasil promoveu reformas curriculares em todos os níveis de ensino – destacando-se as tentativas de articular a formação de professores em nível superior às demandas da Educação Básica3; implementou políti3 Em meio a conflituoso processo no qual se destacaram as posições divergentes do CNE/ MEC e setores acadêmicos, o primeiro conjunto de reformas curriculares ocorreu na Educação Básica, tendo se consolidado nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental e Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (1998). Em 2001, as ideias de obrigatoriedade de mudanças curriculares para fomentar a articulação teoria-prática e a definição das escolas como locus de ensino na formação de professores são expostas no Parecer n. 009/2001, de 08 de maio de 2001, do CNE. Com base nesse Parecer, foram instituídas, em fevereiro de 2002, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. As Diretrizes propuseram mudanças – nem sempre associadas a mecanismos claros e viáveis – no paradigma até então dominante na concepção e organização das licenciaturas. Oposições à proposta confrontaram pressupostos epistemológicos e ideológicos sobre a natureza e os objetivos da educação superior, bem como sobre a adequação de uma ênfase mais técnica para a formação docente. No nível mais operacional, um entrave nem sempre reportado pelos pesquisadores das IES está vinculado ao fato de que um grande número do pessoal acadêmico responsável pela formação docente desconhece as questões do processo de ensino-aprendizagem na Educação Básica, o que cria 48 cas de financiamento, buscando equacionar o problema dos efeitos negativos das desigualdades regionais sobre a distribuição dos recursos para os sistemas de ensino municipais e estaduais4 (PINTO, 2007; DURHAM, 2010); criou sistemas de avaliação da educação básica e do ensino superior5 e colocou em curso programas específicos com os objetivos de promover inovação, autonomia financeira e pedagógica das escolas, tais como Dinheiro Direto na Escola, Mais Educação e, mais recentemente, o Ensino Médio Inovador. Constatado o alto número de iniciativas para reformar aspectos diversos do sistema, causa estranheza a inexistência de propostas consistentes no sentido de criar mecanismos de incentivo de desempenho e de avaliação dos professores no Brasil. Sem tratar aqui das causas dessa lacuna, não podemos deixar de apontá-la como uma grave deficiência do conjunto da reforma dos sistemas de ensino e como o grande entrave para que o PIBID possa encontrar o apoio necessário para a valorização da carreira docente. grandes dificuldades para o desenho de propostas de formação ancoradas na prática. Calcado no mesmo modelo em que se baseiam as Diretrizes para Formação de Professores, o PIBID possui também a missão de apoiar o processo de mudança nos cursos da IES. 4 Em 1997, durante o governo Fernando Henrique, foi criado o FUNDEF – Fundo de Manu- tenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Em 2006, já sob o governo Lula, o FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica substituiu o FUNDEF. O atrelamento de recursos ao número de matrículas é apenas um dos muitos aspectos polêmicos que caracterizam essas políticas. 5 O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb – foi criado em 1995 e aplicado a cada dois anos até 2005. A partir de 2005, foram feitas profundas alterações no SAEB, entre as quais a substituição do caráter amostral do exame por uma prova universal para as 4ªs e 8ªs séries do Ensino Fundamental, a Prova Brasil. A partir de 1996, o Ministério da Educação passou a utilizar o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). De acordo com Durham (2010, p. 167), “o IDEB combina, num único índice, duas variáveis: o desempenho na Prova Brasil e o fluxo escolar” [repetências e aprovações no sistema]. Em 1998, foi criado o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), com o objetivo de avaliar anualmente o aprendizado dos egressos do ensino médio. A partir de 2009, houve profundas alterações no modelo da prova e nos objetivos do exame, que passou a ser utilizado como exame de acesso ao ensino superior em universidades públicas brasileiras por meio do SiSU (Sistema de Seleção Unificada), para candidaturas a bolsas de estudo integrais ou parciais em universidades particulares através do ProUni (Programa Universidade para Todos) e para obtenção de financiamento através do FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). O exame também pode ser utilizado para certificação de conclusão do ensino médio. Por fim, a avaliação do ensino superior teve início em 1995, com o Exame Nacional de Conclusão de Cursos, conhecido como Provão. A partir de 2004, foi instituído um novo sistema denominado SINAES (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior), com uma abordagem também nova para o exame de cursos, o ENADE (Exame Nacional de Avaliação do Desempenho de Estudante). 49 Nos sistemas educacionais com melhor desempenho no PISA6 , tem sido observado que as políticas, cada vez mais, orientam sua atenção para o agente, destacando-se ações para a valorização dos professores e dos diretores das escolas, “seja via aumentos salariais, seja através de políticas de incentivos” (BARBER, MOURSHED, 2007 apud BRITTO, 2011, p. 3). Estudos destacam igualmente que a formação docente de alta qualidade e condições que asseguram a aprendizagem de todas as crianças aparecem como fatores relevantes juntamente com a atração dos estudantes de Ensino Médio com melhor desempenho para a carreira docente. Há, nos sistemas que apresentam resultados mais positivos de aprendizagem, uma combinação de atração dos mais capazes, alta seletividade e altos salários, para criar um grupo de professores que represente uma elite (LOZANO, 2010, p. 545). Por meio de bolsas7 e de verbas para custeio das atividades, o PIBID tem buscado incentivar a opção pela docência entre os alunos dos cursos de licenciatura e dos professores em exercício, além de estimular os formadores de professores das IES. Um aspecto de considerável relevância, para a análise das condições nas quais o Programa funciona, é a não adoção de alto desempenho como requisito para a seleção dos bolsistas ou das escolas parceiras, admitindo, implicitamente, a impossibilidade de fazê-lo no atual contexto de precariedade do ensino ofertado pelas escolas públicas brasileiras e diante do fato de que os candidatos dos cursos de licenciatura em geral apresentam bagagem acadêmica menos rica que os postulantes a outras carreiras (GATTI, BARRETTO, 2009). Embora o bom aproveitamento do curso e o interesse em exercer a docência na Educação Básica sejam critérios estabelecidos pela CAPES, 6 O Programme for International Student Assessment (Pisa) - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - é uma iniciativa internacional de avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países.O programa é desenvolvido e coordenado pela Organization for Economic Cooperation Development (OECD). Em cada país participante, há uma coordenação nacional. No Brasil, desde 2000, o PISA é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). As avaliações do Pisa acontecem a cada três anos e abrangem três áreas do conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências – havendo, a cada edição do programa, maior ênfase em cada uma dessas áreas. Em 2000, o foco foi em Leitura; em 2003, Matemática; e em 2006, Ciências. O Pisa 2009 iniciou um novo ciclo do programa, com o foco recaindo novamente sobre o domínio de Leitura; em 2012, é novamente Matemática; e em 2015, Ciências. 7 O Programa conta com 4 modalidades de bolsas: Iniciação à Docência (ID) para estudantes dos cursos de licenciatura; Supervisão, para os professores das escolas públicas de Educação Básica que integram o projeto como responsáveis pela supervisão dos licenciandos; Coordenação de Área (CD), aos coordenadores de área que atuam na orientação dos bolsistas ID e supervisores, e Coordenação Institucional (CI), para o coordenador institucional que articula e implementa o Programa na IES. 50 eles são suficientemente genéricos (sem exigência de notas mínimas ou de ausência de reprovações, por exemplo) para permitir que cursos com estudantes com dificuldades ou defasagens de aprendizagem acentuadas possam incluí-los no programa na ausência de candidatos com outro perfil. Em nossa experiência, a participação predominante de estudantes com histórico de reprovações e períodos de trancamento do curso exigiu que pensássemos o Programa também como promotor de estratégias de formação suplementar e fixação de estudantes. A melhoria gradual e significativa de desempenho observada está a indicar aspectos positivos para a superação das desigualdades educacionais. No entanto, deve-se compreender que isso modifica significativamente a natureza do trabalho dos formadores e as expectativas sobre o tempo necessário para obter resultados de qualidade em termos da geração de produtos. Embora cada subprojeto PIBID tenha pelo menos uma experiência exitosa para contar sobre seu trabalho com alunos da Educação Básica, estamos ainda muito distantes de um alinhamento efetivo de subprojetos e equipes pedagógicas que gerem propostas. Em relação às escolas, a Portaria de criação estabeleceu, em seu art. 3º, que “parte do período de iniciação à docência deverá ser cumprida em escolas com baixos índices de desenvolvimento da educação básica – IDEB – e em escolas com baixas médias no Exame Nacional de Ensino Médio – ENEM”. A expectativa que essa exigência parece conter é que o Programa ofereça contribuições para a melhoria do ensino das escolas envolvidas. Conquanto essa expectativa possua legitimidade e não seja inerentemente inviável, ela não tem encontrado condições efetivas para concretização em sistemas de ensino que estão presos aos efeitos da inércia de décadas de planejamento e avaliações ineficientes, em que, nas palavras de uma professora, “projetos são trazidos para a escola, mas continuamos a trabalhar do mesmo jeito, enfrentando os mesmos problemas”; disputas políticas entre campos disciplinares e concepções de educação que convergiram para o estabelecimento de currículos idealmente universalistas (e, por isso, para alguns, supostamente democráticos), mas concretamente inaplicáveis e inócuos. Nessas condições, o desafio colocado ao Programa é extremamente complexo, pois implica não apenas pôr em curso estratégias de formação inicial e continuada sob um novo paradigma, mas motivar licenciandos e professores supervisores com formação deficiente num contexto de disputa de paradigmas nas instituições formadoras e nas escolas. O PIBID Sociologia do curso de Ciências Sociais da UFMT iniciou suas atividades em abril de 2010, contando com 10 bolsas de Iniciação à Docência, 2 bolsas de supervisão, 1 bolsa de coordenação de área e atuando, simultaneamente, em 2 escolas da cidade de Cuiabá-MT. Buscou desenvolver a formação didático-pedagógica em processo integrado de in51 vestigação, elaboração e implementação de ações combinadas. Ao longo de três anos, foram realizados 2 cursos de extensão abertos à comunidade acadêmica e aos sistemas de ensino; diversas atividades de extensão, sob a forma de grupo de estudo e pesquisa; 8 projetos de ensino que geraram roteiros de aula e materiais didático-pedagógicos, aulas e outras atividades nas escolas envolvidas; materiais paradidáticos com vistas à publicação, além de apresentações em importantes eventos nacionais (Relatórios PIBID Sociologia, 2010, 2011, 2013). Repercussões importantes do PIBID no Curso de Ciências Sociais foram as interlocuções entre vários professores do curso, que contribuíram para a criação ou fortalecimento de linhas e grupo de pesquisa, assim como a inovação das práticas e currículos da Licenciatura – notadamente das disciplinas de Metodologias de Ensino e Estágios. Duas bolsistas concluíram Trabalhos de Conclusão de Curso com temáticas relacionadas à Educação e, atualmente, 2 ex-bolsistas e 1 bolsista finalizam TCCs sobre questões relativas aos processos de implementação das reformas curriculares, do financiamento e gestão sobre o ensino-aprendizagem na Educação Básica. Uma de nossas ex-supervisoras ingressou no Mestrado em Educação da UFMT. Assim, vê-se que o Programa alcançou resultados modestos, porém consistentes, na melhoria da formação dos futuros professores, especialmente quando se considera que o curso de Ciências Sociais da UFMT, desde sua criação em 2003, é ofertado exclusivamente no período noturno, recebe alto percentual de estudantes que já concluíram uma graduação e ingressaram no mercado de trabalho, apresenta altas taxas de reprovações, de evasão ou tempo de permanência excessivamente longo (SCARSELLI, 2010). Algo bastante significativo para avaliar as dificuldades enfrentadas para a formação dos estudantes do curso – e o impacto do PIBID nos três últimos anos – é o registro feito por Scarselli (2010) de que um número significativo de estudantes questiona o próprio caráter acadêmico do curso, atribuindo a essa característica essencial da área suas dificuldades e/ou desinteresse. Como não poderia deixar de acontecer, dado o pequeno número de estudantes que dispõem de tempo e interesse para participar do PIBID, quando de seu ingresso no Programa, os bolsistas ID do PIBID Sociologia/ Ciências Sociais da UFMT não apresentaram, em sua esmagadora maioria, perfil diferente dos demais estudantes do curso: a distância entre o “capital cultural” que lhes é solicitado no curso de Ciências Sociais e “a bagagem” reunida durante a trajetória escolar não deixa de acompanhá-los do início ao fim do curso e, não raro, é traduzida em desinteresse, baixo aproveitamento, reprovações, desistência, evasão. Para eles, o PIBID não é apenas uma experiência de aprendizado docente em condições de excelência. É, antes de tudo, espaço no qual passam 52 a entender as razões de suas deficiências e uma boa oportunidade para superá-las durante a graduação, o que significa que a melhoria de seu desempenho acadêmico demanda tempo e grande atenção do coordenador de área para motivá-los e apoiá-los substantivamente. O trabalho, no contexto descrito, não se restringe à tarefa complexa de traduzir conhecimentos científicos em conhecimentos escolares, mas de estimular nos futuros professores o interesse pelos vários tipos de conhecimentos, saberes e expressões humanas, e atuar como mediador entre eles e os conhecimentos específicos e pedagógicos. Observamos, anteriormente, que além de prover formação de qualidade, o PIBID pretende valorizar a carreira docente. A oferta de bolsas ID, segundo diversos participantes do Programa, tem cumprido também esse papel, ressaltando, no interior das IES, a relevância das licenciaturas e colocando-as em pé de igualdade com os demais cursos de graduação. Pensamos que mais atenção terá de ser dada, em avaliações posteriores, a este suposto efeito do Programa. Como se sabe, o foco da pósgraduação na formação de pesquisadores destinados a reproduzir o próprio sistema de ensino superior e a expectativa, pouco fundamentada na maioria das áreas, de especialistas pesquisadores para centros de pesquisa e funções públicas de alta complexidade não apenas marginalizou a formação docente nas IES, como tem contribuído para reproduzir, em seu interior, a desvalorização da profissão docente corrente na sociedade. Tradicionalmente, quando os alunos de melhor desempenho nos cursos de licenciatura falam de suas expectativas de concluir futuros mestrados e doutorados, associam essa possibilidade ao desligamento da educação básica em prol de outra carreira. Temos constatado, em entrevistas informais de bolsistas ID e CD, que, assim como a percepção da desvalorização da profissão docente pela sociedade em geral (principalmente através dos baixos salários) e o conhecimento das debilidades do sistema público de ensino, o estigma da carreira docente como algo reservado aos academicamente menos capazes, construído nos anos de universidade (e difundido por muitos quadros do corpo docente), constitui fator que desestimula bons estudantes a incluírem a docência na educação básica entre suas opções profissionais. Nesse sentido, outra razão que faz a mudança de paradigma da formação de professores para a Educação Básica algo extremamente difícil no âmbito das IES é que, principalmente para “as instituições universitárias públicas, alterações estratégicas de currículo ou de estrutura organizacional implicariam remanejamentos institucionais e de docentes, o que demandaria mudança da cultura formativa, de representações cristalizadas” (GATTI; BARRETTO, 2009, p. 46). Assim, generalizar o paradigma de formação implica um processo de disputas entre diferentes grupos disciplina53 res, políticos e ideológicos, entre os quais aqueles que, por disporem de posições privilegiadas nas hierarquias acadêmicas e profissionais construídas a partir do paradigma anterior, mostram-se profundamente resistentes às mudanças. Como os argumentos mobilizados pelos oponentes da reforma costumam enfatizar que a baixa qualidade da educação deve-se muito mais à desorganização dos sistemas escolares e às deficiências da carreira docente que ao tipo de formação tradicionalmente ofertada pelas IES, na próxima seção nos ocuparemos dos entraves que a atual realidade das escolas apresenta para a consecução dos objetivos do PIBID. Por que sem consistência na reforma da Carreira Docente e do sistema de ensino não haverá qualidade na Educação Básica Vimos argumentando que, quando se considera o PIBID tendo-se em vista o conjunto da política educacional brasileira, vê-se que sua proposta de formação de professores não é uma ação isolada e pontual. Ao invés disso, o Programa pode ser caracterizado como o que mais diretamente visa a induzir, nos limites da autonomia das instituições formadoras de professores e dos sistemas municipais e estaduais de educação básica, a implementação das novas diretrizes para a educação fundamental e média. Dito de outro modo, o Programa atua na melhoria da qualidade da formação de professores com base no entendimento de que ela é condição para a valorização da carreira docente, que os dois fatores aumentarão o interesse pela carreira entre estudantes talentosos, e que o trabalho desses resultará em Educação Básica de qualidade. As questões que colocamos agora são: 1)quais são os atrativos que os sistemas de ensino oferecerão para estudantes talentosos e bem formados? 2)quais são as condições necessárias para que estudantes talentosos e bem formados, uma vez atraídos para o sistema de ensino, realizem um bom trabalho? Uma vez que tais questões estejam articuladas, essencialmente, aos problemas do desenho da carreira docente e da organização e gestão dos sistemas de ensino, elencaremos alguns de seus aspectos que, em nossa experiência, mostraram-se incompatíveis com o princípio da escola como locus da formação docente e extremamente desestimulantes para 54 novos profissionais. Longe de representar novas descobertas, os pontos que destacaremos convergem com boa parte dos recentes estudos que indicam a falência dos velhos paradigmas que orientaram a construção de currículos, a gestão da escola, os padrões de remuneração e progressão dos profissionais da educação. Por essa razão, descreveremos cada um dos aspectos de modo sintético e, sempre que relevante, acrescentaremos alguns comentários com base em nossos trabalhos de campo nas escolas. 1)A carreira não é atraente para os talentosos e bem formados: a carreira oferece baixos salários e não apresenta oportunidades de ascensão profissional com base no mérito, dada a vigência da isonomia salarial e da progressão por tempo de serviço. Sendo ou não bem-sucedidos na tarefa de ensinar, uma vez no sistema, os professores nele permanecem, o que, sem dúvida, desestimula os bons profissionais e cria uma cultura institucional em que estão ausentes a responsabilização e o estímulo para que objetivos sejam alcançados. 2)A carreira é pouco atraente porque não existem mecanismos efetivos de avaliação e apoio ao professor: embora as escolas públicas brasileiras contem com diretores e coordenadores pedagógicos, nenhum deles exerce, na prática, a função de acompanhar e oferecer suporte pedagógico aos professores. Nas quatro escolas em que trabalhamos, pudemos observar que a rotina desses profissionais é marcada por alta demanda de trabalho burocrático, o qual, segundo nossos entrevistados, tem aumentado contínua e desordenadamente com as obrigações relacionadas à gestão de recursos e dos inúmeros projetos “que são passados para a escola de cima para baixo”. Por outro lado, os professores são bastante resistentes ao acompanhamento pedagógico e à avaliação. Temos notado que essa resistência encontra raízes na histórica associação entre avaliação e punição, mas também na indefinição dos limites da autonomia docente. 3)A organização das escolas é inadequada porque não conta com liderança que organize e incentive o trabalho pedagógico: além da burocratização do trabalho dos coordenadores pedagógicos e diretores, outro fator observado nas escolas mato-grossenses contribui para minar o potencial dos resultados do trabalho desses profissionais. Trata-se do efeito inesperado da introdução de eleições para o cargo – algo demandado por alguns grupos 55 como procedimento democrático que asseguraria a legitimidade da gestão e, em consequência, contribuiria para a melhoria de seus resultados. Uma vez que a única exigência para a ocupação do cargo é o vínculo efetivo (professor concursado) e que não há cobrança de credenciais específicas, como trajetória acadêmico -profissional, a ocupação do cargo é totalmente dependente da correlação de forças políticas no interior da escola. Além disso, é bastante comum que, na ausência de candidatos, o mais novo e menos experiente sofra pressões para assumi-lo. Num ambiente em que as clivagens disciplinares e ideológicas, assim como as indefinições dos limites da autonomia são muito fortes, esse tipo de condução ao cargo parece fragilizar ainda mais a legitimidade do coordenador pedagógico para organizar e orientar o trabalho das equipes. 4)Os atuais paradigmas insistem na importância do trabalho de equipe, no vínculo dos professores com os estudantes e a comunidade. No entanto, os baixos salários e a irracionalidade do sistema naturalizaram a atuação do professor em mais de uma escola. 5)Ineficiência da formação continuada para divulgar e preparar os profissionais para as mudanças: embora tenhamos argumentado que todo processo de implementação é necessariamente um processo de ressignificação das políticas, há uma condição especial em que, julgamos, os atores não chegam necessariamente a ressignificá-las porque não tiveram condições de fazer sua decodificação. A formação continuada disponibilizada aos professores pelos sistemas de ensino continua dissociada da prática, isto é, não se tem voltado para o desenvolvimento de ferramentas para a solução de problemas concretos do processo de ensino e aprendizagem. Entre as atividades que tivemos oportunidade de acompanhar durante as Semanas Pedagógicas e o projeto Sala do Educador, por exemplo, pudemos observar um paradoxo: embora critiquem os modelos teórico-abstratos dos cursos de formação inicial e de formação continuada tradicionalmente ofertados pelas IES, quando encarregados de definir suas próprias atividades, os professores tendem a reproduzir esses modelos. Conquanto as equipes disponham de autonomia para definir conteúdos e metodologias de trabalho, as propostas apresentadas não elencam, entre suas prioridades, a construção de novas propostas curriculares, o uso de novos recursos ... Ao contrário disso, mesmo 56 quando elegem temas relevantes para seu trabalho cotidiano, tendem a priorizar estudos de textos mais clássicos, sem buscar operacionalizá-los para a solução de seus problemas. No caso do Projeto Sala do Educador, vários professores manifestaram descrença em relação à sua capacidade de atingir os objetivos mencionados, identificando-o como “mais do mesmo”. Um esclarecimento sobre a indução da participação dos professores no projeto Sala do Educador pode ser útil para a compreensão de sua falta de efetividade. A indução utiliza dois mecanismos – o cumprimento de 75% da carga horária é utilizado para a atribuição de 5.0 pontos, que são considerados no ranqueamento para atribuição de aulas, e a assiduidade menor é considerada como atividade de formação continuada isolada, sem a pontuação atribuída à participação no Projeto. Isso significa que esse tipo de formação continuada gera efeitos de promoção, podendo também produzir os mesmos obstáculos à responsabilização dos agentes que a promoção baseada exclusivamente no tempo de serviço. 6) Irracionalidade e falta de transparência da gestão dos recursos do sistema. Uma das grandes contradições presentes nas escolas públicas de Educação Básica é a coexistência de um currículo extremamente inchado, a extensão progressiva da carga horária legal e o reduzido número de horas de trabalho efetivo em virtude das abusivas suspensões de aulas, absenteísmo docente, desorganização dos espaços de trabalho, espontaneísmo pedagógico etc. Curiosamente, nem mesmo a introdução de sistemas de avaliação referida na seção anterior foi capaz promover mudanças no modus operandi dos vários níveis do sistema. Secretarias Estaduais e Municipais não vinculam a contratação de professores ao início das atividades do ano letivo, não combatem o absenteísmo docente com planos de carreira, melhores condições de trabalho e punições. Ingerências de vários grupos de interesse colocam em xeque o princípio da LDB de currículo flexível adaptado às demandas locais, introduzindo componentes curriculares obrigatórios no currículo (especialmente no Ensino Médio). Enfim, o acompanhamento de um ano letivo transmite, nas palavras de um bolsista, “a impressão de que foi organizado para não funcionar”. Considerações Finais Um aspecto essencial para analisar o processo de formulação e implementação das políticas de carreira docente é que as reformas educacio57 nais de que fazem parte se assentaram na “ideia força de alteração da relação centralização/descentralização” (OLIVEIRA, 1999 apud PORTELA; SOUSA, 2010, p. 28). Presente no documento elaborado pela Comissão Nacional para a Excelência da Educação, dos Estados Unidos, intitulado A nation in risk (1983), que influenciou as reformas educacionais norte-americanas das décadas de 1980 e 1990, difundindo-se posteriormente, essa ideia inclui três características: ampliação dos mecanismos de escolha (choice); descentralização dos mecanismos de financiamento e de gestão financeira e, finalmente, centralização do poder de definir os parâmetros de qualidade, o currículo e a avaliação do sistema (PORTELA; SOUZA, 2010, p. 29). Assim é que, no Brasil, passamos a viver uma tensão entre as restrições do financiamento e da gestão por parte do governo federal e seu protagonismo na definição de uma política curricular nacional para a Educação Básica e a Formação de Professores calcada em um novo paradigma. Quando o PIBID, enquanto ação do governo federal, coloca-se o objetivo de promover a valorização da carreira docente, conta apenas com possíveis efeitos de indução, visto que, no sistema federalista brasileiro, estados e municípios são responsáveis pelos sistemas de ensino da educação básica, não havendo padrão para selecionar, avaliar ou remunerar professores. Se não é adequado propor, diante da extensão territorial e da diversidade que caracterizam o Brasil, uma estrutura centralizada para definir e gerir os sistemas, a descentralização não é incompatível com um regime de colaboração para efetivar, no contexto de um Plano Nacional de Educação, uma Política Nacional de Formação e de Carreira Docente comprometida não mais com interesses corporativos dos atores que compõem os sistemas de ensino da Educação Básica ou do nível Superior, mas com a qualidade da educação. Neste trabalho, fizemos questão de dar mais ênfase aos riscos de que melhorias na qualidade da formação docente financiadas pelo Estado não sejam incorporadas pelos sistemas de ensino público em virtude da ausência de uma política sistêmica de reforma do sistema educacional brasileiro, do que aos êxitos alcançados pelo PIBID. É possível que nossos argumentos tenham contribuído para que alguns dos leitores questionem a existência de algum papel relevante para o Programa em um contexto geral tão crítico. Nossa resposta é que não haverá sentido na manutenção de Programa de Formação Docente que inclui, entre suas estratégias, a realização de pesquisas educacionais pelos formadores, se tais pesquisas não contribuírem também para diagnosticar os elementos que nos ambientes de formação atuam negativa e positivamente sobre os agentes. Nossas 58 experiências com o PIBID, estágios, projetos de extensão e pesquisa desenvolvidos nas escolas confirmam que a inserção dos bolsistas ocorre em um contexto de mudança, no qual velhas práticas ainda persistem ao lado das novas iniciativas. Na síntese de Nóvoa (2009), o novo paradigma, no qual a escola passa a ser também locus da formação docente, define-se basicamente pela interação de teoria e prática e pelo método de resolução de problemas (NÓVOA, 2009 apud CASTRO NEVES, 2012): 1. formação de professores referenciada no trabalho na escola e na vivência de casos concretos, enriquecidos com reflexão e construção de conhecimento em níveis crescentes de complexidade; 2. formação de professores realizada com a combinação do conhecimento teórico e metodológico dos professores das instituições de ensino superior e o conhecimento prático e vivencial dos professores das escolas públicas; 3. formação de professores atenta às múltiplas facetas do cotidiano da escola e à investigação e à pesquisa que levam à resolução de situações e à inovação na educação; e 4. formação de professores realizada com diálogo e trabalho coletivo, realçando a responsabilidade social da profissão. Na dimensão propriamente metodológica da formação de professores, o PIBID dá mostras de irrefutáveis avanços na adoção e desenvolvimento desse novo paradigma. A fim de que deficiências de outras dimensões dessa política não lhe sejam equivocadamente atribuídas, cumpre esclarecer que, embora interaja com outras dimensões da carreira docente, inclusive difundindo valores sobre a profissão, não possui escopo para provocar mudanças estruturais associadas a complexos processos decisórios. Referências BALBACHEVSKY, E. Políticas de Ensino Superior no Brasil: um balanço de 25 anos de experiência democrática, 2012. [Projeto de Pesquisa, NUPPs/USP, 14p.] BRASIL. Portaria Normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007. Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. Diário Oficial da União, n. 239, seção 1, p. 39, 2007. 59 ______. Decreto nº 7.219, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID e dá outras providências. Diário Oficial da União, n. 120, seção 1, p. 4-5, 2010. ______. Portaria Normativa Nº 260, de 30 de dezembro de 2010: Normas gerais do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID. Disponível em: <http://capes.gov.br/images/ stories/download/legislacao/ Portaria260_PIBID2011_NomasGe-rais.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2012. ______. Ministério da Educação. Edital Nº 001/2011/CAPES: Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. Dis¬ponível em: <http://www. capes.gov.br/images/stories/download/ bolsas/Edital_001_PIBID_2011. pdf>. Acesso em: 18 abr. 2012. ______. Resolução CNE/CEB nº 2, de 7 de abril de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Disponível <em:http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rceb02_98.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2012. ______. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. CONSELHO PLENO. Parecer n. 009/2001, de 08 de maio de 2001. Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União. Brasília, 2001. ______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1, 18 fev. 2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União. Brasília, 2002. ______. Resolução CNE/CP 2, 19 fev. 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Diário Oficial da União. Brasília, 2002. ______. Secretária de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio – PCNs+. Orientações Curriculares Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. 2002. 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Despacho do Ministro, publicado no D.O.U de 24/1/2012, Seção 1, Pág. 10] ______. Resolução CNE/CEB n. 2, de 30 de janeiro de 2012. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Diário Oficial da União. Brasília, 2012. 61 BRITTO, A. Reformas educacionais no Chile: a vez do agente. CEDE – Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento. Texto para Discussão n. 55, out. 2011, p. 1-24. Disponível em: <http://www.proac.uff. br/cede/sites/default/files/TD55.pdf>. Acesso em: 15 set. 2013. CASTRO NEVES, C. M. A CAPES e a formação de professores para a Educação Básica. RBPG, Brasília, supl. 2, v 8, p. 353-373, mar. 2012. DURHAM, E. R. A política educacional do governo Fernando Henrique Cardoso: uma visão comparada. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 88, p. 153-159, nov. 2010. GATTI, B.; BARRETO, E. S. S. (Org.) Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009. LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: Dilemmas of the individual in public services. 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Acesso em: 02 fev. 2013. 63 1.4 A EXPERIÊNCIA NO PIBID E O ESTÁGIO DOCENTE EM FILOSOFIA Juliana Carneiro Santiago Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Maria Cristina Theobaldo Coordenadora de gestão de processos educacionais do PIBID/UFMT Introdução Este trabalho é fruto de uma pesquisa que analisou as repercussões de algumas atividades desenvolvidas por participantes do Subprojeto PIBID Filosofia (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, da Capes), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que, concomitantemente ou imediatamente após, estiveram em situação de Estágio Supervisionado junto à disciplina Filosofia, no Ensino Médio. A metodologia utilizada na pesquisa consistiu em um questionário diagnóstico, cujas perguntas tinham por referência (1) as atividades do PIBID e (2) as leituras relacionadas à formação de professores e ao ensino de Filosofia, realizadas pelos alunos bolsistas no Grupo de Pesquisa Prophil, no qual a participação é obrigatória para os membros do Subprojeto PIBID Filosofia. Foram entrevistados seis participantes que permaneceram durante o mínimo de seis meses no Subprojeto. A coleta dos dados ocorreu em julho de 2012. A partir da Lei n° 9.394, de 1996, e da Resolução CNE/CP2, de 19/02/02, o estágio em docência é entendido como estratégia fundamental da aprendizagem, na qual a prática do ofício do professor é vivenciada de maneira orientada e planejada por profissionais habilitados em situação real de trabalho, com vista a garantir a futura autonomia e qualificação profissional do licenciando (Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Filosofia da UFMT, p. 174). Por sua vez, a etapa do Estágio Supervisionado no Curso de Licenciatura em Filosofia da UFMT, de acordo com a Resolução Consepe n.º 204, de 28 de dezembro de 2009, tem por objetivo: Fortalecer o processo formativo do futuro docente, buscando a articulação e a reflexão entre as atividades típicas do trato acadêmico da filosofia e seu desdobramento na ação edu- 64 cacional. Ao transpor os muros da Universidade, tais atividades também visam proporcionar o contato com a diversidade dos ambientes de trabalho do professor e neles encontrar o espaço da Filosofia, ressaltando o papel da flexibilização da ação pedagógica e a interseção interdisciplinar da Filosofia com as demais áreas de conhecimento presentes nas instituições educacionais (Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Filosofia, p. 123), É durante a etapa do Estágio que o licenciando tem seu primeiro contato com o ambiente escolar, não raras vezes uma experiência tardia, que ocasiona certo estranhamento ou mesmo desistência em decorrência da discrepância entre a teoria acadêmica e o cotidiano da escola. Suspeitamos que tal discrepância ocorre quando as disciplinas da licenciatura não estão articuladas com a prática escolar, em função das inadequações entre a condução das atividades do curso, os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural e a prática de ensino como componente curricular. Entendemos que no curso de licenciatura são necessárias disciplinas, atividades e projetos que antecipem, na teoria e na prática, as questões a serem enfrentadas nas situações de estágio. É fato que tais conteúdos e articulações vêm ocorrendo no novo projeto pedagógico do curso de Licenciatura em Filosofia da UFMT, implantado a partir de 2010, mas não era o que tínhamos no antigo curso (Resolução Consepe nº 04, de 20 de janeiro de 2000), no qual as horas destinadas à vivência na escola ocorriam apenas no último ano do curso. As alterações curriculares nos cursos de licenciatura exigidas pelo MEC, a partir de 2002, levaram ao aumento da carga horária de Estágio Supervisionado, antecipando e ampliando a vivência no ambiente escolar. Porém, essa antecipação e contato do aluno na escola ainda se dão de forma muito tímida, não preparando adequadamente o licenciando para a realidade profissional. Ao nos debruçarmos sobre as questões acima e seus desdobramentos no processo de formação inicial docente, seguimos de perto as considerações de autores que discutem essa formação e que, de certa forma, oferecem a base teórica para as atividades do subprojeto PIBID Filosofia da UFMT. Desenvolvimento Para Selma Garrido Pimenta (2001), teoria e prática formam uma unidade, não podem ser dissociadas. Toda teoria é pensada a partir de uma prática, com a finalidade de atingir algo e transformar a realidade. Por sua vez, a Pedagogia visa a “[...] contribuir para a questão da orientação e analise teórica de uma cena prática da transformação” (PIMENTA, 2001, p. 65 98). A didática, enquanto uma das áreas da Pedagogia, atua na finalidade prática da educação, sendo um dos determinantes do processo de ensino e de aprendizagem e o núcleo da atividade docente. A autora desenvolve o conceito de práxis, que fundamenta a não dissociação entre a teoria e prática. Em síntese, para a autora, a “atividade docente é a práxis, a pedagogia é Ciência prática da e para a práxis educacional” (PIMENTA, 2001, p.103.). Ou seja, a prática docente é uma prática pensada e que tem finalidades, objetivos de transformação (práxis). Ao discutir Didática, a autora cita Contreras Domingo: Seu objetivo consiste não apenas no conhecimento da estrutura e funcionamento dos processos reais de Ensino -Aprendizagem, isto é, dos processos que já existem, mas também no estudo das possibilidades de estruturação e funcionamento de novas possibilidades (de ensinar e aprender) docentes (CONTRERAS DOMINGO apud PIMENTA, 2001 p. 108-109). As novas possibilidades de ensinar a aprender nos fazem pensar que não existe uma forma ou fórmula perfeita para se conduzir o ensino. Se isso não fosse verdade, poderíamos pressupor, como afirma Pimenta (2001), que: a educação ou não requer nenhuma investigação da prática, porque já dispõe de proposições normativas e técnicas suficientes para conduzir a prática, ou precisa apenas traduzir, na prática, de modo técnico-artesanal, os conhecimentos que tem do ensino aprendizagem (no caso da educação escolar) (PIMENTA, 2001, p. 99). A dissociação entre a teoria e a prática reduziria a didática a uma dimensão técnico-normativa na forma de ensinar. A docência poderia, assim, ser restringida ao contato com os livros, o que não é suficiente. Ao encontro da perspectiva apontada por Pimenta (2001), uma das atividades do Subprojeto PIBID Filosofia consiste, justamente, na presença do licenciando em sala de aula (observando o comportamento dos alunos, a postura do professor, a didática, os conteúdos ministrados ou participando ativamente das aulas), atividade essa conciliada com o estudo da literatura acerca do ensino de filosofia, sobre didática e formação do professor. Os resultados da articulação entre conhecimentos de cunho prático e teórico podem ser percebidos no aproveitamento que os alunos bolsistas do PIDID (pibidianos) obtiveram em situação de Estágio Supervisionado, qual seja, a vivência da docência em sala de aula da educação básica aliada à fundamentação teórica sobre didática e ensino da Filosofia – colhidas através do instrumento de pesquisa aplicado. 66 Perguntados sobre o impacto da literatura acerca do ensino de filosofia estudada no PIBID, os bolsistas consideraram que as leituras indicadas contribuíram para planejar as atividades didáticas e ofereceram suporte metodológico e fundamentação teórica, repercutindo no Estágio Supervisionado de forma positiva. Dos pibidianos entrevistados, 20% disseram que tais estudos interferiram na sua experiência docente e 80% disseram que obtiveram conhecimento didático pedagógico. Percebemos, assim, a relevância e a necessidade do estudo de uma literatura pertinente à didática, pois, segundo os entrevistados, através dela foi possível adquirir conhecimento pedagógico que se refletiu positivamente na fase de docência do estágio. Vale ressaltar que no primeiro ano de execução do Subprojeto PIBID (a partir de maio de 2010), as atividades mais recorrentes foram leituras sobre o ensino de filosofia e elaboração de planos de aula, que exigiam conhecimentos específicos em filosofia e didática e, igualmente, vivência nas escolas parceiras do PIBID UFMT. Na avaliação feita pelos integrantes do PIBID sobre tais atividades, pode-se constatar que a presença dos alunos bolsistas em sala de aula contribuiu para que não só aprendessem a preparar os conteúdos da filosofia de forma didática e acessível ao estudante do Ensino Médio, como também apreendessem, no processo de preparo das aulas, conteúdos de Filosofia que não haviam assimilado plenamente nas disciplinas de conteúdo específico da graduação. No que diz respeito ao ensino de filosofia, alguns autores discutem sobre o que lhe seria específico: o currículo, o método, o conteúdo ou a didática da filosofia. Gelamo (2009) aponta para o fato de que essas preocupações já são debatidas desde Kant e Hegel, dois filósofos que se importaram com essas questões e indicaram as dificuldades relacionadas ao ensino de filosofia em sua época. Em nossos dias, parece que ministrar uma aula de filosofia no ensino médio brasileiro, que seja consideravelmente boa, pesa tanto quanto naquele contexto vivenciados por Kant e Hegel, e até mais. Atualmente, além da preocupação com métodos, conteúdos, currículos, emerge outra problemática - a Filosofia como um modo específico de ser ensinada - que, segundo Gelamo, já é em si um problema filosófico (GELAMO, 2009, p. 99). Como se sabe, não houve ainda um amadurecimento didático da disciplina Filosofia na matriz curricular do nível médio, uma vez que a lei que torna obrigatório seu ensino nesta etapa da educação básica é recente, de 2008. A partir da perspectiva de que a filosofia é uma disciplina que possui sua especificidade, decorre a exigência de conhecimentos na área específica da didática em Filosofia, além dos conhecimentos na área de didática geral. 67 Para Ghedin (2008), é intrínseco à didática do ensino de Filosofia considerar o tipo de cidadão que se quer formar. O autor elucida que a Filosofia trata de assuntos não abordados por outras áreas do conhecimento, mas que estão nelas pressupostos, a elas estão relacionados ou delas decorrem. Os professores de Filosofia precisam, então, fazer uso da pesquisa não apenas em sua área, mas também nas demais, procurando articular os nexos existentes entre as disciplinas, visando a que o aluno experimente uma dimensão mais ampla e complexa do conhecimento e do mundo. Eventualmente, o resultado dessa articulação seja um cidadão crítico, autor reflexivo e que pensa por si mesmo, que tenha condições de interferir de maneira consciente e política na sociedade. Ghedin (2008) afirma que a didática do ensino da Filosofia tem suas generalidades e especificidade, sendo a última o grande desafio para os que estão comprometidos com o ensino dessa disciplina no Ensino Médio. No ensino de Filosofia, tão importante quanto o processo de filosofar é fazer com que os alunos encontrem sentido no conteúdo filosófico a eles proposto, pois desta construção de sentido depende o sucesso da aprendizagem (GHEDIN, 2008, p. 117). Provém daí a relação intrínseca entre o método de ensino e as finalidades a serem alcançadas. Esse autor explana que o método é imprescindível para o ensino de Filosofia; contudo, o que ele propõe não é simplesmente assumir uma técnica mecânica, mas romper com a separação que existe entre método, sujeito e objeto. Nesse sentido, a investigação filosófica como metodologia de ensino em Filosofia tem papel preponderante, possibilitando ao aluno adquirir autonomia e liberdade de pensamento: o ensino e o aprendizado serão profícuos quando o aluno começar a produzir seu próprio conhecimento a partir do diálogo, da leitura e da escrita, desvencilhando-se dos ditames do domínio ideológico. Ghedin (2008) cita Perez e Garcia: Como instrumento útil de interpretação cultural favorece a apropriação da experiência e do conhecimento humano em um processo dialógico, mediante o qual o leitor tem acesso de forma dialética a outras informações, pontos de vista, representações, versões, visões, concepções de mundo. Essa interação entre as concepções do leitor e as outras maneiras de fazer o mundo remodela, reestrutura e reconstrói os pontos de vista sobre qualquer temática, gerando um conhecimento mediatizado, estrutural e reflexivo (PEREZ e GARCIA apud GHEDIN, 2008, p. 155). 68 Gelamo (2009) e Ghedin (2008) estão preocupados com uma proposta de formação dos professores que possibilite uma atitude de resistência à educação tecnicista e de massa, voltada exclusivamente para as finalidades do mercado. Com preocupações que vão na mesma direção, Libâneo faz menção às habilidades que o novo professor deve adquirir para acompanhar as tecnologias e inovações contemporâneas. Salientamos a necessidade de articulá-las com o viés reflexivo e humanizado que o ensino de Filosofia pode possuir. Libâneo (2008) diz: O novo professor precisaria, no mínimo de adquirir sólida cultura, capacidade de aprender a aprender, competência para saber agir na sala de aula, habilidades comunicativas, domínio da linguagem informacional e dos meios de informação, habilidades de articular as aulas com as mídias e multimídias (LIBÂNEO, 2008, p. 29). Quanto às habilidades mencionadas por Libâneo (2008), percebe-se que o PIBID proporciona experiências que permitem ao aluno bolsista desenvolver capacidades comunicativas, adquirir conhecimentos em outras áreas do saber e, também, habilidades em utilizar aparatos tecnológicos, tais como filmadoras e data show, familiaridade com equipamentos e programas de informática (power point, internet). A familiarização com essas tecnologias foram vivenciadas mais intensamente na segunda fase do PIBID Filosofia (em 2011): atividades, como produção de material didático, realização e apresentação de várias modalidades de trabalho e redação de projetos pedagógicos exigiram dos bolsistas habilidades e capacidades para elaborarem e executarem os projetos. Percebemos, ainda, que as atividades propostas e desenvolvidas em equipe na escola proporcionam segurança ao aluno bolsista, preparando-o para realizar as tarefas da docência com mais confiança durante o Estágio Supervisionado. Isso se deve, sobretudo, ao fato de os bolsistas não terem a responsabilidade imediata de iniciar a docência, pois são apresentados como colaboradores, o que lhes confere maior liberdade para analisar o ambiente e tempo suficiente para ensaiar procedimentos pedagógicos, elaborados com a orientação do professor supervisor e do coordenador de área. Todos os bolsistas do PIBID Filosofia tiveram participação na execução de algum dos projetos pedagógicos criados e executados. Essa experiência repercutiu da seguinte maneira no Estágio Supervisionado: dentre os entrevistados, 20% disseram que adquiriram experiência docente por meio da participação nesses projetos; 30% disseram que adquiriram conhecimento didático-pedagógico; 20% consideraram a participação indiferente. 69 Outro ponto importante sublinhado por Gelamo (2009) e outros profissionais e estudiosos da educação, como Ghedin (2008) e Libâneo (2008), diz respeito não só à preocupação da formação inicial para a docência, mas também às reivindicações de programas institucionais e grupos de pesquisa acadêmicos vinculados à docência, além de uma de formação continuada em que se trate o ensino da Filosofia não apenas como parte da didática geral, mas que também implique uma reflexão filosófica e uma didática específica da Filosofia. Nesse sentido, o PIBID pode ser visto como um possível lugar para a concretização dessas reivindicações. No caso do Subprojeto PIBID Filosofia da UFMT, existe a vinculação ao Grupo de Pesquisa Prophil – Filosofia e Educação, do Departamento de Filosofia da UFMT, voltado para as questões relacionadas ao ensino da filosofia na educação básica. Ali são estudadas diferentes teorias sobre ensino de filosofia e realizadas discussões sobre projetos de pesquisa e troca de experiências com profissionais que atuam na educação básica. O leque de teóricos estudados no Prophil permite aos bolsistas experimentar as ideias estudadas, favorecendo a reflexão crítica por meio da prática no ambiente escolar e fornecendo suporte teórico, metodológico e preparo docente, o que, por sua vez, repercute de forma positiva no Estágio Supervisionado. Dentre os entrevistados que frequentaram o Prophil, o resultado percebido durante o estágio é o seguinte: 20% disseram que a participação no Prophil repercutiu positivamente na sua experiência docente; 50% afirmaram ter obtido melhor êxito devido ao conhecimento didático pedagógico adquirido; 30% disseram que o Prophil foi indiferente durante a etapa do Estágio. As respostas demonstram, como sugerem Gelamo (2009), Ghedin (2008) e Libâneo (2001), a importância que a pesquisa assume na formação do professor. Voltando à questão que envolve o ensino de filosofia como problema filosófico, o PIBID, além de proporcionar um maior vínculo com a pesquisa, possibilita ensaiar algumas atividades inovadoras em sala de aula, vivenciando de forma antecipada as problemáticas inerentes a ela, sem, contudo, o peso da responsabilidade e a insegurança de iniciar ‘oficialmente’ o estágio em docência, condição que pode favorecer um olhar mais acurado, autoavaliativo e autocorretivo durante a execução de tais atividades. Pratica-se no ambiente escolar, como nos fala Gelamo (2009) a partir da interpretação que Foucault faz de Kant, “uma ontologia do presente, problematizando nossa contingência como elemento e como ator na relação cotidiana com o Ensino de Filosofia” (GELAMO, 2009, p. 105). Surpreende-nos perceber que, ao vivenciar o ambiente escolar, nos deparamos com problemas que escapam ao que Gelamo (2009) denuncia como sendo, desde os tempos mais remotos, as únicas preocupações que norteiam o problema do ensino da Filosofia. São eles: 1. o entendimento 70 da importância do ensino de filosofia. 2. a reflexão sobre os temas importantes a serem ensinados. 3. a procura por uma metodologia do ensino da Filosofia e do ensino do filosofar. Gelamo (2009) diz: “Todavia há de se buscar outro caminho: problematizar de modo menor o ensino da Filosofia, entender o que faz o filósofo quando tem o ofício de ensinar” (GELAMO, 2009, p. 99). As preocupações mencionadas acima são extremamente relevantes, porém os problemas que vivenciamos em sala de aula fogem em parte desse recorte e não abarcam os conflitos vivenciados na imanência do ambiente escolar. Ainda segundo Gelamo (2009), ao restringir suas preocupações apenas aos três grandes temas apontados anteriormente, o ensino da filosofia se torna refém das imagens dogmáticas e de suas repetições. Nesse sentido, Gelamo (2009) é a favor de uma “filosofia menor”, que não se vincule com esse “fazer maior da filosofia”. Esclarece-se melhor a posição do autor: a preocupação é problematizar o ensino e a aprendizagem da Filosofia que, segundo ele, estão restritos apenas aos problemas considerados maiores da filosofia, que tradicionalmente têm como princípio uma analítica da verdade. A procura incessante pela verdade que se pode encontrar por meio de um método fez que o pensamento sobre o ensino se dogmatizasse na tentativa de conhecer a verdade e descobrir a enunciação verdadeira de como se deveria ensinar, quais temas deveriam ser ensinados e, ainda, qual a importância em se ensinar a filosofia (GELAMO, 2009, p. 104). Esse modo de ensinar, vinculado a uma Filosofia maior, resultaria no empobrecimento da experiência do aluno e do professor, pois o que ocorreria seria “um adestramento das faculdades em razão da repetição de fórmulas” (GELAMO, 2009, p. 96). Em síntese, para Gelamo: “O que distingue a Filosofia menor da maior é o modo como cada uma se relaciona com o fazer filosófico” (GELAMO, 2009, p. 97). A problemática do ensino e da aprendizagem na imanência da sala de aula - como um fazer filosófico de uma filosofia menor - leva em consideração as experiências dos alunos, suas vivências e percepções, assim como as do professor. Por outro lado, o ensino e a aprendizagem relacionados a uma Filosofia maior, para Gelamo (2009), teriam como meta a transmissão de conhecimentos quase de forma enciclopédica, levando em conta apenas a capacidade cognitiva do aluno e do professor de apreender essas representações. As respostas dos bolsistas às perguntas referentes às atividades em sala de aula assinalam que tais atividades repercutiram positivamente: capacitaram os bolsistas a encararem o ensino da Filosofia no Estágio Supervisionado de forma mais consciente, já que passaram a considerar 71 várias outras facetas que envolvem o ensino e a aprendizagem. Quanto à percepção da repercussão das experiências em sala de aula, favorecida pelo PIBID no Estágio Supervisionado, temos os seguintes resultados: 80% consideraram a contribuição positiva em termos de experiência docente; 20% consideraram a contribuição positiva em termos de contribuição para o conhecimento didático-pedagógico. Outra atividade desenvolvida pelos bolsistas do PIBID Filosofia são as reuniões semanais. Trata-se de uma das atividades que, além de servir para o planejamento, tem por objetivo trocar experiências vivenciadas em variados contextos que envolvem o ensino da Filosofia, sendo também momentos de autocorreção, avaliação e reflexão das atividades planejadas e desenvolvidas. Quando questionados sobre a repercussão das reuniões do PIBID sobre seu desempenho no estágio, nossos entrevistados responderam: 30% afirmaram que a participação nas reuniões resultou positivamente para sua experiência docente; 20% disseram que adquiriram conhecimento interdisciplinar; 50% ampliaram seu conhecimento didático -pedagógico. Consideramos igualmente importante dimensionar a influência da coordenação de área e dos professores supervisores do PIBID na mediação dessas atividades. O coordenador de área possui papel preponderante na organização e planejamento das tarefas realizadas pelos pibidianos. No PIBID Filosofia, o coordenador é membro do Colegiado do Curso de Licenciatura e participante ativo do Grupo de Pesquisa Prophil, o que facilita a interação entre o Curso, o apoio teórico e as atividades desenvolvidas pelos bolsistas, gerando um formato mais dinâmico e articulado. Ao perguntarmos sobre a importância do papel do coordenador de área, 20% disseram que ganharam em experiência docente, 80% em conhecimento didático pedagógico. O papel do supervisor é também imprescindível para o sucesso do trabalho desenvolvido: 20% dos bolsistas responderam que o acompanhamento do professor supervisor gerou ganhos positivos em sua experiência docente, 60% afirmaram que adquiriram conhecimento didático- pedagógico e 20% consideraram indiferente a repercussão da atuação do professor supervisor em seu estágio. Considerações Finais A partir dos resultados da pesquisa, consideramos que o PIBID cumpre com seus objetivos: os bolsistas, ao serem inseridos no cotidiano da escola da rede pública, promovem a integração entre educação superior e educação básica, o resulta, para os futuros professores, na melhor participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar. As respostas ao questionário 72 aplicado demonstram que as vivências no PIBID refletiram positivamente no Estágio Supervisionado do Curso de Licenciatura em Filosofia daqueles bolsistas que permaneceram no Programa por período mínimo de seis meses, permitindo ao estagiário experimentar a prática docente com melhor conhecimento pedagógico e maior segurança. Futuras pesquisas deverão ser realizadas para obtenção dos resultados em médio e em longo prazo. Referências GELAMO, R. P. O ensino da Filosofia no limiar da contemporaneidade. São Paulo: Editora Unesp, 2009. GHEDIN, E. Ensino de Filosofia no Ensino Médio. São Paulo: Editora Cortez, 2008. LIBANEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências Educacionais e profissão docente. 5 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2008. PIMENTA, S. G. O Estágio na formação de professores. 4 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2001 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Filosofia da UFMT. Cuiabá, 2009. 264 páginas UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Filosofia da UFMT. Cuiabá, 2010. 468 páginas 73 1.5 A EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE FILOSOFIA Henrique Souza Camargos Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Maria Cristina Theobaldo Coordenadora de gestão de processos educacionais do PIBID/UFMT Introdução O ensino, de uma forma geral, sempre se mostrou uma incógnita. Sempre me perguntava: o que vou ganhar aprendendo certas matérias que eu sei que não utilizarei em minha vida? É um tipo de pergunta válida quando não sentimos que o que se aprende e o mundo em nossa volta têm alguma relação. Pensando e estudando, fui descobrindo que essa barreira só pode ser quebrada através do sentir, do experimentar e do viver. Este último é o verbo que tem todos os conhecimentos do mundo, pois é através da vivência que se tem o conhecimento da própria existência e da realidade; portanto, assim, podemos modificar a nós mesmos como o mundo a nossa volta. É através desses três verbos, colocando o conteúdo neles para formar um processo, que o ensino começa a ficar mais interessante. Como esse é um trabalho de filosofia, iremos focar, então, no ensino de filosofia. Para que serve a filosofia? Esta é uma pergunta frequente entre os alunos tanto do ensino médio como da graduação, em cuja matriz curricular, obviamente não de filosofia, existe uma matéria relacionada à mesma. Tanto em um como em outro estágio de estudos, o interesse pela filosofia é acanhado, justamente porque o aluno não vê nenhuma ligação do seu mundo com a matéria chamada Filosofia, seja porque a realidade em que vive, a necessidade de trabalhar, não permite que os assuntos tratados sejam levados a sério, seja porque a matriz curricular de filosofia não tem nada a ver com o curso que os alunos frequentam. Esse problema de não saber para que serve a filosofia – pois hoje tudo precisa ter alguma utilidade – tirando a parte das falhas em relação às matrizes curriculares, está relacionado com a confusão em torno do conceito de filosofia. O que é, afinal, a filosofia? Muitos dirão, para responder a essa pergunta, que é reflexão, contemplação ou comunicação. Mas, para rebater essas afirmações basta a pergunta: a filosofia é a única que leva a refletir, contemplar ou comunicar? A arte, a ciência e a publicidade também não se utilizam desses meios para sobreviver no mundo? Se não é apenas a filosofia que promove reflexão, comunicação, contemplação, 74 então, o que é próprio da filosofia? Segundo Deleuze, o que é próprio da filosofia é a criação de conceitos: “A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos” (DELEUZE, 1992, p. 10). Ao percorrer o caminho no qual se compõe a pergunta o que é filosofia para Deleuze e Guattari, procuraremos refletir sobre o ensino de filosofia e, por consequência, pensar uma nova forma de fazer filosofia. Primeira Parte: Conceitos Todo conceito é múltiplo, pois não é feito de um só componente. Porém, não possui todos os componentes existentes, já que, se assim fosse, seria o próprio caos. Ora, se o conceito fosse tão abrangente para que em seu interior coubessem todos os componentes existentes, então, ele não seria um conceito que se interliga com outros, da mesma espécie, dentro de um corte no caos, pois seria o único. Não faz sentido recortar o caos para que, dentro deste, se forme outro. Todo conceito remete a um problema, é uma problematização do plano, da realidade. Todo conceito é criado ou reinventado quando um problema é considerado, mal visto, ou mal colocado. O sujeito existe por causa de outrem e por isso é que se tem a necessidade de uma identificação, identidade; porém, quando reconhecido esse outrem, o ato de reconhecer o faz ser já parte de um sistema, já se transforma em “outro sujeito”. Entre os conceitos, acontece o mesmo que ocorre dentro desse corte no caos, chamado de plano de imanência. Ora, neste plano há conceitos que, apesar de ocuparem cada um a sua área, ou seja, aquilo que eles problematizam em busca de respostas, eles só se reconhecem ao verificar a existência de outras áreas que os complementam – outros conceitos. É preciso o outro para se reconhecer. Em consequência, há ressonância e, por isso, há diálogos entre os conceitos. É através desse diálogo, desse reconhecimento do outro, que o conceito encontra sua identidade. Podemos nos aprofundar no conceito de Outrem para que possamos entender melhor o próprio conceito. Esse aprofundamento está já implícito no que foi dito acima. Se o Outrem é considerado “outro sujeito” quando reconhecido, quando já dentro de um sistema, então nos resta pensar que o Outrem fora de um sistema é um sistema possível; o Outrem fora do mundo é um mundo possível: “Outrem é, antes de mais nada, esta existência de um mundo possível” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 28). É um paradoxo, pois se é possível, é porque ainda não há nada de concreto, mas a sua realidade está justamente na projeção, no sonho, na transformação. Assim sendo, logo descarto a ideia de um conceito primeiro, o primeiro morador no plano de imanência. Descarto-o por dois motivos: o primeiro 75 é que de um conceito não se podem gerar outros, como filhos, como se aquele já existisse antes de tudo, antes mesmo do plano de imanência. O conceito, para existir, necessita de outros e não somente de um problema, pois só assim o conceito estará situado no mundo, só assim o problema estará situado no mundo. O segundo motivo é exatamente a ideia de Outrem. Por exemplo: a pessoa se sente inquieta frente a um problema e por isso mesmo começa a pensar sobre ele, a pensar nas possibilidades de sua resolução a partir de um plano de consciência, que é próprio. Ou seja, filosoficamente, pensa num conceito dentro de uma variedade de conceitos que podem existir dentro de um plano de imanência. Não há destino fixo no plano de imanência. Logo, a partir de uma escolha entre as possíveis para a resolução do problema, por consequência, a escolha de um mundo possível, estará deixando de fora, por enquanto, uma variedade de mundos desconhecidos. A partir do conceito de Outrem entendemos que o conceito não é eterno justamente por causa do possível: “Outrem não aparece aqui como um sujeito, nem como um objeto, mas, o que é muito diferente, como um mundo possível, como a possibilidade de um mundo assustador” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.28). Um conceito sempre tem uma história, por ser antigo. Por isso mesmo, há a possibilidade de esse conceito fazer um “zigzag” entre outros problemas e planos de imanência, durante sua trajetória. Esse é o caso do conceito que é reinventado à medida que perde e ganha novos componentes. Aquele conceito que é inventado, que acabou de sair do forno, também possui história, à medida que, para ser formado, excluindo a possibilidade de ele ter caído dos céus, pega, rouba componentes já existentes em outros conceitos: “Em primeiro lugar, cada conceito remete a outros conceitos, não somente em sua história, mas em seu devir ou suas conexões presentes” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 31). O ato de reinventar ou inventar um conceito é sempre um ato de cortar o caos por uma necessidade de movimento, como o mundo tem a necessidade de girar ao redor do Sol. Agora o problema são os componentes. Se um componente, como o próprio nome diz, compõe um conceito, então de onde vêm os componentes? A resposta de Deleuze é que o fato de um componente fazer parte da forma de um conceito não o impede de ser ele próprio um conceito: “Cada conceito tem componentes que podem ser, por sua vez, tomados como conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 31). Pode ser componente em um conceito de um determinado plano, mas ser conceito em outro ou, no mesmo plano, ser conceito e componente (em ambos os casos, os traços de um se diferenciam dos do outro). Podemos colocar o exemplo do conceito de Outrem, que tem como um dos componentes “O Rosto”, mas este também é um conceito, segundo Deleuze. Neste mundo dos conceitos, 76 nada é estagnado, tudo se movimenta e, para uma analogia, à medida do possível, seria o mesmo que se um átomo pudesse compor outro átomo. Segunda Parte: Plano de Imanência O Plano de Imanência é pré-filosófico, sendo que os conceitos são filosóficos. Estes são filosóficos justamente por serem uma necessidade da filosofia para sua existência; aqueles são pré-filosóficos justamente por serem uma instauração: “O plano de imanência não é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 31). O Plano de Imanência, por ser pré-filosófico, não significa que venha antes da filosofia, mas significa que não existe fora da filosofia. Essa instauração acontece através da intuição; trata-se de uma intuição filosófica, pois possibilita que a filosofia seja pensada filosoficamente e conceitualmente. Ou seja, para se pensar filosoficamente, é preciso, antes de tudo, ser um não filósofo; é preciso que haja uma compreensão não conceitual da realidade. É a intuição a responsável pela criação e/ou a recriação dos conceitos que se baseiam no conhecimento filosófico adquirido: “Que toda filosofia dependa de uma intuição, que seus conceitos não cessam de desenvolver até o limite das diferenças de intensidade, esta grandiosa perspectiva” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 56) Os Conceitos e o Plano de Imanência não devem ser confundidos. Se forem, cairemos na transcendência e na armadilha do pensamento universal. Se assim acontecer, o Plano de Imanência será um conceito maior que engloba tudo, e não mais um corte no caos, e não mais uma especificidade. Ao ser um conceito maior, o Plano de Imanência irá pegar a estrada para a universalidade, a razão do Plano de Imanência não mais será em si mesma: ou esta razão estará fora do plano como, por exemplo, o céu cristão, ou estará dentro da própria imanência, como a transcendência do EU: “O plano é, pois, o objeto de uma especificação infinita, que faz com que ele não pareça ser o Uno-Todo senão em cada caso especificado pela seleção do movimento” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 55). Por excelência, o Plano de Imanência é um corte no caos, é a problematização de uma realidade; por isso mesmo, o plano não tem a pretensão de ser O único, O melhor. Ele é específico para aquilo no qual foi criado; ele é um devir, pois a filosofia é uma coexistência de planos, nos quais os utilizaremos seja para repassar os componentes de um conceito e introduzirmos algo novo, seja para, como estrelas, a luminosidade dos conceitos em planos já mortos nos visitar para nos relembrar de sua antiga história grandiosa, numa tentativa de ressurreição. Em outras palavras, a filosofia não é uma simples sucessão histórica. 77 A criação do Plano de Imanência possibilita que duas determinações se comuniquem, sendo esse o principal efeito no caos. No Plano de Imanência, há certa ordem, uma ordem do pensamento, uma ordem que é produzida através dos conceitos. Se o Plano de Imanência é um deserto que vem a ser povoado por conceitos, estes ocupam um determinado lugar nesse deserto e, por isso mesmo, possuem certa forma, certa “personalidade”. Esses conceitos não são livres para mudarem de local, de forma – no sentido da ocorrência de uma mudança gratuita conforme a vontade – mas são livres para essa mudança quando a transformação é acompanhada, ao mesmo tempo, pelo movimento da imagem do pensamento. Por isso mesmo, os conceitos têm movimentos limitados, só podem variar nos movimentos quando há uma transformação do próprio conceito, e velocidade infinita, pois, no local para onde foi destinado o conceito, ele é livre para se locomover à vontade. Já o Plano de Imanência, por consequência dessa limitação de movimentos dos conceitos, possui a velocidade de mudança reduzida, mas, por outro lado, possui os movimentos infinitos, pois a transformação dos conceitos – de sua forma – é ilimitada. Quando um conceito se transforma, seja por acréscimo ou decréscimo de componentes, seja pela transformação de um determinado componente, não há um determinismo nessa transformação em que fórmulas são postuladas. É nesse sentido que a transformação de um conceito é ilimitada. É nesse sentido que vemos como somos seres lentos ao averiguarmos o quanto nosso pensamento tarda para se transformar. Terceira Parte: O personagem conceitual O personagem conceitual opera a movimentação do Plano de Imanência e a criação dos conceitos filosóficos. Os três formam um ciclo de colaboração, de dependência, dependência no sentido da formalização do pensamento: “Os personagens conceituais, em contrapartida, operam os movimentos que descrevem o plano de imanência do autor, e intervêm na própria criação de seus conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 85). Logo, se deduz que o personagem conceitual é um exclusivo pensador. Ele, ao movimentar o plano e criar conceitos, solidifica o pensamento, mas para que essa solidificação aconteça é preciso, segundo Deleuze, juntar os traços personalísticos, dos personagens, com os traços diagramáticos, do plano de imanência, com os traços intensivos, dos conceitos: “Os personagens conceituais são pensadores, unicamente pensadores, e seus traços personalísticos se juntam estreitamente aos traços diagramáticos do pensamento e aos traços intensivos dos conceitos” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 92). 78 Com isso, inferimos que os conceitos não nascem na imanência, como se ela fosse alguma coisa viva – uma mãe – independentemente do que acontece com o mundo lá fora, como uma grávida que, não importando os problemas da realidade a sua volta, vai dar à luz um filho. Os conceitos relacionam-se com o mundo. Por isso mesmo, sua criação não pode ser indeterminada, ela é pensada; por isso mesmo, ao se relacionar com a realidade, ela tem que estar vinculada aos problemas e aos outros conceitos que também abrangem tudo aquilo que está a sua volta. O personagem conceitual é pai e mãe dos conceitos: O personagem conceitual não é o representante do filósofo, é mesmo o contrário: o filósofo é somente o invólucro de seu principal personagem conceitual e de todos os outros, que são os intercessores, os verdadeiros sujeitos de sua filosofia (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 86). Se o personagem conceitual não é o próprio filósofo, ele também não é uma personificação abstrata. O filósofo inclina-se para o personagem conceitual, para o pensamento – em que este se torna próprio, inigualável – no qual o eu já não é mais uma simples consciência que está somente no mundo, mas procura se ver e se desenvolver dentro de um plano; assim, o personagem diligencia existir dentro do mundo que o rodeia e o filósofo nada mais é do que um instrumento de sensibilidade com a função de uma ponte que liga o pensamento e o mundo. Agora, para compreender um texto é preciso reconhecer o personagem, seus movimentos e suas criações, mesmo que ele esteja subterrâneo, não nomeado. Mas essa compreensão vai além da simples visão do movimento do texto, já que é um entendimento histórico dos personagens e suas mutações; estas dependem da relação dos personagens, do plano e dos conceitos. Como exemplo, podemos citar o personagem Sócrates no platonismo e o Sócrates em Nietzsche. Uma boa leitura filosófica, enfim, é reconhecer os traços que solidificam a filosofia que se está estudando. Parte final: O ensino de filosofia No livro O Ensino de Filosofia no Limiar da Contemporaneidade, o autor, Rodrigo Gelamo, fala sobre Michael Foucault quando este trata a respeito de Sócrates. Todos conhecem Sócrates pela famosa frase “conheça a ti mesmo!”, mas se esquecem, segundo Foucault, de outra frase de Sócrates, “cuide de si mesmo!”, frase esta esquecida por um simples motivo: não há relação com o conhecimento. Na tradição filosófica, existe a supervalorização do conhecimento e da razão, únicos meios para se chegar a uma verdade. É daí, presumo, que a filosofia ganhou um status de 79 abstrata, de fora da realidade, esquecendo-se do corpo, esquecendo-se da experiência como uma forma de conhecimento. Só o escutará aquele que estiver embasado em teorias (aqui não digo para não estudar as teorias). É nesses pontos que a filosofia pecou e deixou de ser, de pertencer aos não-filósofos. A partir de um diálogo entre a teoria estudada e a experiência do aluno, esta última se torna o principal instrumento para uma tentativa de percepção do estudante em relação a si mesmo e ao mundo que o rodeia. Como vimos, na teoria de Deleuze e Guattari, na qual a própria filosofia não escapa da realidade, e os conceitos são criados para a resolução de problemas que afetam aquele que os cria, o filósofo não tem condição de chegar a essas questões sem a experiência que visualiza, acima de tudo, uma sensibilidade para a problematização de uma realidade. Através do amparo da história da filosofia, de seus diversos conceitos, planos e personagens criados, foge daquilo que é senso comum e, acima de tudo, tem a possibilidade de criar novos conceitos para problemas novos, fugindo também, aqui, do senso comum filosófico – repetição de velhos conceitos para problemas novos. A experiência, no ensino de filosofia, por esse viés, pode mostrar novos caminhos para a imagem do pensamento, pela qual ‘novos caminhos’ só podem ser descobertos quando se acaricia a carne viva. Sílvio Gallo, que se baseou em Deleuze e Guattari quando estes, em seus estudos sobre Kafka, desenvolveram os conceitos de “literatura maior” e “literatura menor”, propõe dois conceitos para a educação: “educação maior” e “educação menor” (GALLO, 2012, p. 28). Uma “literatura maior”, segundo os franceses, é aquela que corre junto com e na corrente de uma literatura já estabelecida segundos padrões da língua e culturais; assim sendo, uma “educação maior”, na filosofia e em outras áreas, é aquela que segue a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ou seja, é aquela que segue um padrão cultural estabelecido, no qual há uma função objetiva que pode muito bem, por exemplo, ser aquela de tornar os adolescentes bons cidadãos. Uma “literatura menor” é aquela produzida dentro de uma língua e padrões culturais estabelecidas, mas que subverte, cria linhas de fuga, trincheiras de resistência (GALLO, 2012, p. 25); uma “educação menor” é aquela que se faz dentro de uma lei estabelecida, dentro de quatro paredes numa escola, mas, nesse âmbito, se busca ir além e aquém das grandes políticas (GALLO, 2012, p. 26). Uma “educação menor”, então, se baseia na experiência, na intuição dos professores e alunos – dentro do âmbito em que operam e, concomitantemente, foge daquilo que os distancia. Mas, segundo Gallo, a intuição em Deleuze é um trabalho do pensamento no qual articula os conceitos estabelecidos para possibilitar a criação de novos conceitos. 80 Badiou alerta que a intuição deleuziana não pode ser confundida com o sentido de intuição nos místicos ou em Descartes, por exemplo. Não se trata de intuir ‘a partir do nada’ uma ideia clara e distinta ou mesmo uma revelação; a intuição, em Deleuze, é um trabalho do pensamento que, articulando multiplicidades de conceitos, intui novos conceitos (GALLO, 2008, p.33). Ora, se estamos falando do ensino de filosofia no Ensino Médio, como fazer florescer essa intuição nos alunos? Como articular, criar conceitos em uma época da vida, em que esta não está bem desenvolvida ou na qual não se possui material suficiente para criar conceitos? Precisamos aqui de uma intuição, por assim dizer, mais básica. Uma intuição capaz de criar sementes na própria realidade dos alunos, uma semente apropriada para que eles possam enxergar os problemas que estão à volta de si mesmos e de sua realidade exterior, ou seja, uma sensibilização. Mas não uma sensibilização vulgar e, sim, uma que se baseie nos estudos filosóficos, para que o aluno possa enxergar uma “utilidade” na filosofia, resultando, daí, o interesse em um aprofundamento dos estudos e a adequação para articular, criar conceitos. A mesma prepotência que exige a criação de conceitos no ensino médio, analogamente, seria uma criação de proposições na física quântica. A experiência, aqui, serve de base para que a intuição se desenvolva. Aqui defino experiência: o sentir o que acontece consigo mesmo e com o mundo que o rodeia. Simples assim. Mas essa intuição não acontece gratuitamente, como resultado da experiência, mas através da sensibilização que o professor plantar nos alunos. Eis a importância da educação. Referências DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. GALLO, S. Deleuze e a Educação. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. GALLO, S. Metodologia do Ensino de Filosofia: uma didática para o ensino médio. São Paulo: Papirus, 2012. GELAMO, R. P. O Ensino de Filosofia no Limiar da Contemporaneidade. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 81 1.6 EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: DA REGULAÇÃO INSTITUÍDA PARA A CONSTRUÇÃO PERMANENTE DA EXPERIÊNCIA Jéssika Ribeiro da Costa Campos Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Educação Física/Cuiabá José Tarcísio Grunennvaltd Professor do Departamento de Educação Física/UFMT/Cuiabá Márcia Cristina Rodrigues da Silva Coffani Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Educação Física/Cuiabá Introdução Este texto é referente à monografia apresentada à Faculdade de Educação Física, da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Cuiabá, em 2013/2. A pesquisa fez a avaliação do processo de diagnóstico da realidade da Educação Básica e intervenção pedagógica, do Subprojeto PIBID Educação Física no Ensino Médio em Cuiabá, que atuou no ano de 2013, nas aulas de Educação Física de uma escola estadual em Cuiabá-MT, com os alunos do Ensino Médio. A aproximação com a realidade educacional e o cotidiano das aulas de Educação Física nessa escola nos levou a questionar o paradigma regulador da comodidade, o qual sustenta atividades de Educação Física para ceder lugar à legitimação de vivências e práticas do mundo da experiência dos sujeitos e incentivá-las. O objeto de pesquisa – a avaliação das ações pedagógicas do Subprojeto PIBID Educação Física no Ensino Médio em Cuiabá – foi definido a partir da atuação como bolsista desse subprojeto, que integra a proposta institucional da UFMT e o Programa PIBID, coordenado pela CAPES, com a intenção de fomentar a qualificação e valorização da formação inicial e continuada de professores. O envolvimento com a escola receptora do projeto, a inserção no cotidiano de trabalho da docência, as dificuldades e resistências percebidas no diagnóstico da relação e representação dos alunos sobre a Educação Física no Ensino Médio se fortificaram como elementos a serem investigados, consolidando o problema de pesquisa – a investigação dos conteúdos e metodologias de ensino das aulas, com o intuito de buscar a superação dos problemas identificados em seu processo de ensino-aprendizagem. 82 Num plano abrangente, a pesquisa teve como objetivo investigar se as ações pedagógicas do Subprojeto PIBID Educação Física no Ensino Médio em Cuiabá têm possibilitado transformações das concepções dos alunos em relação às aulas de Educação Física. Para tanto, foram observadas e descritas as aulas de Educação Física da escola, registrando a prática pedagógica da professora; assim, averiguou-se se ocorreram mudanças nas concepções e representações dos alunos em relação à Educação Física, depois da intervenção do PIBID nas aulas; sugeriu-se, também, que o esporte institucionalizado adotado como conteúdo das aulas de Educação Física fosse transformado em esporte educacional para atender aos objetivos da Educação Física Escolar. As primeiras discussões em grupo de estudo, com base no diagnóstico realizado pela equipe do projeto, acompanhadas das leituras de estudiosos da Educação Física Escolar, nos fizeram perceber que existem diversas e diferentes concepções e abordagens pedagógicas, a partir das quais o professor pode orientar a sua prática pedagógica. Porém, a preferência em se manter na zona de conforto tem predominado em oposição à opção pelo desafio de novas abordagens de ensino, como percebemos nas aulas de Educação Física, nas quais verificamos um abandono da docência seguido de uma não-aula. Diante desse cenário, a pesquisa indagou: É possível transformar uma realidade, em que existe um abandono da docência seguido de uma não-aula, utilizando o esporte, que vai além da reprodução dos valores instituídos da sua prática convencional? Esperamos com o trabalho suscitar reflexões sobre a Educação Física do Ensino Médio e, principalmente, provocar os professores de Educação Física (atuais e futuros) a revisar, permanentemente, a sua prática pedagógica enquanto educadores. As Funções Sociais da Escola, da Educação e da Educação Física Escolar Em nossa sociedade, a escola foi instituída com uma função civilizatória e, para desempenhar esse papel, utiliza-se de mecanismos de coerção e de consentimento, tendo como finalidade a educação escolarizada das crianças, adolescentes e jovens. Neste contexto, se insere a Educação Física como componente curricular da escolarização, que trata de uma parcela do patrimônio cultural da humanidade – as práticas da cultura corporal de movimento. A partir desses demarcadores conceptivos, levantamos e discutimos mais detidamente as funções sociais da escola, percebendo como estão presentes no espaço/tempo da aula de Educação Física na escola. 83 Pérez Gómez (1998) explica que a escola possui duas funções primordiais que se entrelaçam na materialidade das ações pedagógicas: a de socialização e a educativa. Ambas possuem características distintas, mas necessárias para atender os objetivos que norteiam a instituição escolar. Tais objetivos são: incorporação do aluno ao mundo do trabalho e formação do cidadão para sua intervenção na vida pública. Esse entendimento aparece na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/1996 LDBEN - (BRASIL, 1996), ao estabelecer a educação como “[...] processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996, art. 1), vinculando-se ao mundo do trabalho e à prática social. Essa mesma Lei estabelece como princípios e fins da Educação Nacional “[...] o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, art. 2). Em seu art. 4, a legislação em pauta estabelece a universalização do Ensino Médio gratuito como um dever do Estado, sendo parte integrante da Educação Básica e tendo como finalidades desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, bem como fornecendo-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (BRASIL, 1996, art. 22). O referencial de Pérez Gómez (1998) nos leva a refletir sobre o fato de que a função de socialização da escola é conservadora e reprodutora, pois traz para seu interior cotidiano aquilo tudo que compõe a experiência social “para além dos muros escolares”, sem que haja uma avaliação, transformação ou adaptação para o ambiente escolar, como por exemplo, o esporte. À luz desse entendimento, o esporte deve ser ensinado na escola da mesma forma como foi institucionalizado pela instituição esportiva, conservando seus códigos e valores. Esse fato tem transformado o espaço da aula de Educação Física no tempo do treinamento esportivo, sem que ocorra uma reflexão dos sentidos assumidos na formação do aluno. Observamos que a função de socialização por si só não basta; ela precisa da função educativa para transformá-la. Por isso, a característica principal da função educativa é a busca pela mudança. Isso não quer dizer que nada se aproveita da função de socialização, afinal ela se preocupa com o fato histórico e sócio-cultural do esporte; o que, realmente, a função educativa modifica é a maneira como esse esporte é ensinado na escola para atender expectativas que não as do esporte institucional. Este não é um processo simples. Pérez Gómez (1998, p. 14) alerta que “o delicado equilíbrio da convivência nas sociedades que conhecemos ao longo da história requer tanto a conservação quanto a mudança, e o mesmo ocorre com o frágil equilíbrio da estrutura social da escola como grupo humano complexo [...]”. O autor explica que: 84 [...] a escola encontra-se frente a demandas inclusive contraditórias no processo de socialização das futuras gerações. Deve provocar o desenvolvimento de conhecimentos, idéias, atitudes e pautas de comportamento que permitam sua incorporação eficaz no mundo civil, no âmbito da liberdade do consumo, da liberdade de escolha e participação política, da liberdade e responsabilidade na esfera da vida familiar. Características bem diferentes daquelas que requerem sua incorporação submissa e disciplinada, para a maioria, no mundo do trabalho assalariado (GÓMEZ, 1998, p. 15). Um dos primeiros objetivos da escolarização é justamente a formação do aluno/cidadão para sua intervenção na vida pública, preparando-o para viver em uma sociedade democrática na esfera política e em uma sociedade desigual na esfera econômica, ensinando que a hierarquia deve ser obedecida e as leis, seguidas passivamente para que se mantenha a ordem social (GÓMEZ, 1998). Logo, vemos que, nessa perspectiva, os alunos não são preparados para intervir, mas para aceitar o mundo como ele é. Essa dimensão da escolarização conflita com as possibilidades de discussão sobre o papel que o Ensino Médio tem na formação do sujeito e a relevância da Educação Física para o desenvolvimento do “protagonismo juvenil”, a fim de contribuir com a inserção do aluno de forma crítica e emancipatória na sociedade. Esta problematização de como a educação escolar tem atendido esse movimento social expressa historicamente como a formação em nível médio tem desconsiderado a diversidade de adolescentes, jovens e adultos, que trazem marcas simbólicas e socioculturais, de diferentes trajetórias de vida e realidades sociais, expressas no corpo. Outro importante aspecto é o reconhecimento de que esse nível de ensino não pode ser pensado apenas a partir de um recorte geracional, cronológico e linear, mas a partir da concretude das diferentes realidades social, econômica, cultural e étnica desses jovens e adultos. Isso significa compreender a juventude como categoria social e histórica. Um segundo objetivo da escolarização analisado por Pérez Gómez (1998) refere-se à incorporação do aluno ao mundo do trabalho. O autor ressalta o quanto é importante que esse aluno não aprenda somente conhecimentos, ideias, habilidades e capacidades formais, mas que aprenda disposições, maneiras, interesses e comportamentos, que devem ser adequados para as requisições do mundo do trabalho (GÓMEZ, 1998). E, para não formarem nesses alunos o pensamento crítico e questionador, o conflito e a problematização não são estimulados nas aulas. É dessa forma que os objetivos consensuais irão imperar, se não houver a participação da função educativa na escola e, mais precisamente, 85 nas aulas de Educação Física. Esse autor lembra que, sem o equilíbrio das duas funções, [...] a escola transmite e consolida, [...], uma ideologia cujos valores são o individualismo, a competitividade e a falta de solidariedade, a igualdade formal de oportunidades e a desigualdade ‘natural’ de resultados em função de capacidades e esforços individuais (GÓMEZ, 1998, p. 16). Para evitar a consolidação dessa ideologia no âmbito escolar, a função educativa se configura em dois eixos de intervenção, sendo eles: o desenvolvimento radical da função compensatória e a reconstrução do conhecimento e da experiência (GÓMEZ, 1998). No primeiro eixo, trata-se do desenvolvimento de um currículo flexível e plural que possa compensar as desigualdades sociais e culturais dos alunos, cuja “realização é um evidente e complexo desafio que requer flexibilidade, diversidade e pluralidade metodológica e organizativa” (GÓMEZ, 1998, p. 23). Ressaltamos, então, que para superar este desafio deve-se substituir a lógica da homogeneidade e da uniformidade pela lógica da heterogeneidade e da diversidade, porque, só assim, os efeitos da desigualdade serão atenuados e os alunos serão preparados, nas melhores condições possíveis, para lutar e se defender no cenário social (GÓMEZ, 1998). O segundo eixo abrange a reconstrução dos conhecimentos, atitudes e formas de conduta que os alunos assimilam nas práticas sociais, ou seja, cabe à escola provocar e facilitar situações próximas daquelas que os alunos encontrarão na vida pública. Porém, como indica Pérez Gómez, “[...] não se consegue a reconstrução dos conhecimentos, atitudes e modos de atuação dos alunos/as, nem exclusiva, nem prioritariamente, mediante a transmissão ou intercâmbio de idéias, por mais ricas e fecundas que sejam” (GÓMEZ, 1998, p. 26). Para o autor, isto ocorre a partir das relações sociais na aula e na escola, de experiências de aprendizagem, intercâmbio e atuação que justifiquem e requeiram esses novos modos de pensar e fazer (GÓMEZ, 1998). É por isso que a função educativa apresenta eixos de intervenção para atuar sobre a função de socialização, na qual utiliza seus mecanismos de socialização com outros fins, para que os alunos sejam transformados através de práticas sociais que “[...] induzam à solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo de relações como o conhecimento e a cultura que estimulem a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e a criação” (GÓMEZ, 1998, p. 26). Isso significará construir na formação docente uma cultura de ação multidisciplinar e colaborativa, como ressaltado nos documentos de orien86 tação curricular – PCNEM (BRASIL, 2000); PCN+ (BRASIL, 2001); Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006); Ensino Médio Inovador (BRASIL, 2009) – e a produção de práticas pedagógicas para afirmação da identidade da Educação Física no Ensino Médio como componente da formação humana, relacionando-se às demandas da socialização das culturas e protagonismo juvenil, agregando sentido às práticas corporais na juventude. Metodologia A pesquisa foi qualitativo-descritiva, pois, para Triviños (1987, p. 128), “[...] a interpretação dos resultados surge como totalidade de uma especulação que tem como base a percepção de um fenômeno num contexto. Assim, os resultados são expressos, por exemplo, em retratos (ou descrições), em narrativas [...]”. O trabalho de campo compreendeu o período entre abril e agosto de 2013, numa escola estadual de Cuiabá-MT, na qual funcionam subprojetos do Programa Institucional PIBID da UFMT, em específico, o Subprojeto PIBID Educação Física no Ensino Médio. Tomaram-se como sujeitos da pesquisa a professora supervisora de Educação Física da escola e 15 (quinze) alunos de ambos os gêneros, sendo 05 (cinco) meninos e 10 (dez) meninas, com faixa etária entre 13 e 18 anos, assim distribuídos: 09 (nove) alunos do 1º ano, 03 (três) alunos do 2º ano e 03 (três) alunos do 3º ano. Para a coleta de dados, foram desenvolvidos três instrumentos: matriz de observação direcionada ao planejamento, objetivos e metodologia das aulas de Educação Física para descrever a prática pedagógica da professora; pré-questionário, com questões abertas e fechadas, respondido pelos alunos do Ensino Médio, período matutino, que têm as aulas de Educação Física no contraturno escolar; as respostas ao questionário permitiram um diagnóstico sócio-antropológico dos alunos e a compreensão da representação sobre as aulas de Educação Física no Ensino Médio; pós-questionário, com questões abertas, com uma etapa de identificação e outra etapa da compreensão do que os alunos compartilhavam a respeito das mudanças e práticas vivenciadas, a partir da intervenção da equipe do Subprojeto de Educação Física nessa escola. Antes de iniciar as intervenções nas aulas, aplicamos o pré-questionário, com o propósito de conhecer nosso público alvo e obter informações sobre os alunos envolvidos no programa e seus conhecimentos sobre os conteúdos da Educação Física, bem como as práticas e saberes que gostariam de aprender e vivenciar na disciplina. 87 Iniciou-se, então, o momento da intervenção no período entre 02/07/2013 e 06/08/2013. As aulas foram desenvolvidas buscando atender tanto o planejamento da professora quanto o planejamento pensado pela equipe do PIBID. Ao final de todas as aulas de intervenção, foram entregues aos alunos os pós-questionários, para avaliar as atitudes em relação às aulas de Educação Física, depois de vivenciarem outra forma de encaminhamento das aulas. Ao final da coleta de dados, com os dois questionários respondidos, selecionamos como grupo de amostra da nossa pesquisa apenas os alunos que responderam tanto o pré-questionário quanto o pós-questionário, porque só assim foi possível traçar um paralelo das concepções dos alunos antes e depois da intervenção do PIBID. Educação Física no Ensino Médio: ensaiando o novo distante Para atender nossos objetivos, observamos e relatamos 12 (doze) aulas ministradas pela professora de Educação Física, entre o período de 30/04/2013 e 23/05/2013, com o intuito de descrever a prática pedagógica e estabelecer nexos com o referencial teórico da pesquisa. As aulas de Educação Física são realizadas em contraturno e separadas por ano e gênero. Desse modo, a escola reproduz o segregacionismo em suas aulas de Educação Física, separando os meninos das meninas. A respeito desse assunto, Lovisolo (2009) demonstra sua preocupação, afinal a escola é uma representação da sociedade e nas aulas de Educação Física, como em todas as outras disciplinas, devem existir relações sociais entre meninos e meninas, visto que em várias esferas importantes, como as do mercado, da educação, da política e da cultura, a segregação já foi superada. No decorrer das observações das aulas, nossa impressão foi de que a Educação Física se mostrava como uma “atividade”, carecendo de maior sistematização dos conteúdos e metodologias de ensino, visto que tal realidade não se modificava, pois as aulas seguiam semelhante rotina, como pudemos observar: A professora chegava para dar início à aula, com o diário de chamada e uma bola de futsal; os alunos iam chegando paulatinamente; muitas vezes, antes mesmo de ela apresentar sua intenção de aula, os alunos pegavam a bola e, rapidamente, começavam a jogar futsal; eles mesmos se dividiam em dois times (cinco para cada lado) e estipulavam que a entrada dos times que ficaram de fora se daria quando um dos times fizesse dois gols ou depois de dez minutos. 88 Dos alunos que ficaram do lado de fora da quadra, havia aqueles que estavam esperando o momento de entrar no jogo, mas também havia aqueles que permaneceram sentados até o final da aula. Ao contrário dos alunos, as alunas não tinham pressa para começar a jogar futsal; depois da chamada ainda ficavam sentadas conversando por um bom tempo, até que a professora pedia para duas alunas separarem os times; depois dos dois times formados, o jogo começava. Algumas alunas não participavam da aula, apenas ficavam sentadas conversando ou mexendo no celular, e a professora não insistia para que as mesmas participem da aula. E, em todas as aulas observadas de Educação Física, os alunos e alunas apenas jogaram futsal, jogo em que em nenhum momento ocorreu intervenção da professora. Caberia perguntar se alguém se preocupou com aqueles e aquelas que ficaram de fora do jogo realizado na aula de Educação Física. Se, ao menos, esses alunos que ficam de fora do futsal, por não terem qualidades necessárias para desenvolver um jogo razoável, fossem estimulados pela professora a participar da aula, como exercer o protagonismo de fazer parte da arbitragem das partidas, talvez levassem algo de utilidade de suas aulas de Educação Física para sua vida prospectiva. Em caso de continuarem sem estimulação para a participação em qualquer esfera de prática ou da organização, eles vão se inibindo, e tal comportamento presente e/ou futuro, poderá contribuir para a formação de um sujeito que, na vida adulta, tenha medo de se posicionar perante os problemas da sociedade. Olhando para essa realidade, percebe-se uma preocupação em deixar o jogo acontecer, mesmo que vários alunos não participem; além disso, aqueles que estão jogando não recebem nenhum direcionamento ou orientação, despreocupando-se com a figura principal da aula, o aluno. Kunz (2006, p. 127) adverte que “o aluno enquanto sujeito dos movimentos intencionados na aprendizagem, e não a modalidade esportiva, deve estar no centro de atenções do ensino”. O desenvolvimento da habilidade motora é, basicamente, o fator mais importante nestas aulas, fator esse que também é selecionador, visto que os alunos menos habilidosos não participavam das aulas, porque a professora desenvolve jogos esportivos, orientados pelos códigos, valores, sentidos e significados absorvidos das instituições esportivas. Durante as aulas dos meninos, sempre ocorriam várias partidas, e a vontade de ganhar era um sentimento visivelmente predominante; existiam poucos momentos de descontração, na maioria do tempo o jogo era tenso e sério; ouviam-se, também, muitos palavrões e algumas discussões para decidir quem estava certo em determinado lance do jogo. Já o 89 jogo das meninas se mostrava tranquilo; elas levavam quase tudo na brincadeira; se divertiam e davam risadas dos próprios erros, porém não demorava muito para se cansarem. Nesse contexto, uma ou outra começa a sentar dizendo que estava cansada, mesmo que o tempo de aula ainda não estivesse findo; o jogo acabava por falta de meninas para jogar. A pedagogia crítica da Educação Física considera que esta situação de aula seria uma boa oportunidade de se fazer uma interação pedagógica, no sentido de refletir sobre consequências da ação no decorrer das partidas. Para Kunz (2006, p. 31), significa compreender o aluno como sujeito do processo de ensino, que “[...] deve ser capacitado para sua participação na vida social, cultural e esportiva”, para além da ação funcional, mas desenvolvendo “[...] a capacidade de conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados nesta vida, através da reflexão crítica”. Afinal, do modo como as aulas aconteciam nessa escola, fica evidente que a representação da Educação Física é de uma atividade que se realiza sem maior rigor e sistematização de conteúdos/conhecimentos paras as diversas séries escolares, desconsiderando o componente curricular, definido por Saviani (1994, p. 142) como: “[...] a forma de organização do conteúdo de ensino em cada grau, nível e série, compreendendo aquilo sobre o qual versa o ensino, ou em torno do qual se organiza o processo de ensino aprendizagem”. Desse modo, é preciso considerar que a disciplina Educação Física não tem como finalidade formar atletas e muito menos ser um momento de lazer ou ócio, mas que ela se norteia por um objetivo concreto, que nada mais é que o objetivo maior da escola, de acordo com Neira (2009): “[...] colaborar na formação das pessoas para que elas possam ler criticamente a sociedade e participar dela atuando para melhorá -la” (RATIER, 2009, p. 40). Para ajudar a consolidar esse objetivo, no contexto em que se encontra a Educação Física dessa escola, o Subprojeto PIBID Educação Física no Ensino Médio em Cuiabá, se fez presente nas aulas para desenvolver uma proposta possível de Educação Física Escolar, que segundo Neira (2009), “[...] é investigar como os grupos sociais se expressam pelos movimentos, criando esportes, jogos, lutas, ginásticas, brincadeiras e danças”, entendendo “[...] as condições que inspiram essas criações e experimentá -las, refletindo sobre quais alternativas e alterações são necessárias para vivenciá-las no espaço escolar” (RATIER, 2009, p. 40). Não propomos a erradicação do esporte na escola, mas a sua transformação, como comenta Kunz (2006, p. 127): “[...] não é apenas a transformação prática do esporte que deve acontecer, mas, principalmente, a compreensão das possibilidades de alteração do sentido dos esportes. Essa transformação requer o elemento reflexivo no trabalho pedagógico”. 90 Por isso, cabe ao professor fazer uma reflexão, tanto acerca dos conteúdos e da metodologia quanto sobre a compreensão da Educação Física Escolar. Kunz (1991, p. 182) afirma que “[...] não é suficiente preocupar-se somente com mudanças nos conteúdos ou nas formas e métodos de transmissão [...]”, sendo necessária a mudança da concepção de Educação Física e seu processo de ensino-aprendizagem (KUNZ, 1991). Afinal, segundo Carlan (2012, p. 24), “[...] o conteúdo esporte não tem conseguido atingir, mobilizar, transformar e qualificar o grau de satisfação prometido, nem na dimensão de mérito técnico-científico, nem na dimensão cultural-humana”. Por isso, a preocupação em transformar o esporte institucionalizado em esporte educacional. A Educação Física Escolar na visão dos alunos do Ensino Médio da Escola Estadual Raimundo Pinheiro Fizemos o confronto das representações dos alunos sobre a Educação Física, com base nos pré e pós-questionários, traçando um paralelo das concepções compartilhadas, antes e depois da intervenção do Subprojeto PIBID Educação Física no Ensino Médio em Cuiabá nas aulas de Educação Física. Buscou-se saber se os alunos se identificam e se sentem motivados a participar das aulas de Educação Física, conforme quadros 1 e 2: Respostas Sim Não Categorias - Esportes Total 7 - Exercícios Físicos - Gostar 3 2 - Atividades Costumeiras 3 Aspectos 4 gosto de praticar esportes 3 gosto de jogar bola 3 é bom fazer exercícios 2 eu gosto 1 é sempre a mesma coisa 2 é sempre futsal Quadro 1: Representação dos alunos do pré-questionário. Em relação à questão nº. 1 do pré-questionário, observamos que 12 alunos responderam que gostam das aulas de Educação Física e se sentem motivados a participar delas; dentre esses alunos, 7 mencionam o esporte como justificativa, 3 alegam que é bom fazer exercícios físicos e 2 alunos gostam por gostar. Podemos perceber que 3 alunos responderam que não gostam e não se sentem motivados a participar das aulas de Edu91 cação Física, pois afirmam que as aulas possuem atividades costumeiras. No pós-questionário, percebemos que os 15 alunos responderam que gostam e se sentem motivados a participar das aulas de Educação Física e suas justificativas foram classificadas em seis categorias. Respostas Categorias Sim - Esportes diferentes - Novidade - Motivação - Saúde - Interação - Diversão Total Aspectos 4 3 jogamos o mesmo esporte de várias maneiras 1 jogamos outros tipos de esportes 2 2 agora tem muitas coisas novas pra fazer 1 1 as atividades são interessantes 2 2 faz bem pra saúde 3 1 agora está havendo bastante interação e inclusão com todos 2 levam atividades para todos participarem 3 1 a aula está mais legal 2 as aulas são bem mais divertidas Quadro 2: Representação dos alunos do pós-questionário. Depois de feita uma análise comparativa entre os quadros 1 e 2, verificamos que ocorreu mudança nas concepções dos alunos em relação às aulas de Educação de Física depois da intervenção do subprojeto, visto que, no quadro 2, referente ao pós-questionário, todos os alunos responderam que gostam e se sentem motivados a participar das aulas de Educação Física. E, ainda, quando voltamos nosso olhar para as categorias, conferimos que as mesmas foram ampliadas e re-significadas em: “Esportes diferentes” foi a nomenclatura usada pelos alunos para se referirem à transformação pedagógica do esporte; “Novidade”, que, segundo os alunos, tem relação com as coisas novas aprendidas nas aulas de intervenção, além do esporte institucionalizado; “Motivação”, de acordo com o aluno, agora ele se sente motivado a participar das aulas, pois as atividades são interessantes; “Saúde”, mencionada por dois alunos que justificam participar das aulas por fazerem bem para a saúde; “Interação” foi a resposta de três alunos que ressaltaram gostar e se motivar em participar das aulas pelas atividades que integram toda turma e não exigem nenhuma habilidade específica voltada para determinado esporte, ou seja, não selecionam seus participantes, afinal todos têm a possibilidade de participar, basta querer; “Diversão” foi a resposta de três alunos, visto que participam das aulas de Educação Física pelo divertimento, pois acham que as aulas estão mais legais. 92 Na segunda questão buscamos saber o que os alunos mais gostam de fazer nas aulas de Educação Física, conforme respostas nos quadros 3 e 4: Categorias - Esportes Total 15 Aspectos 6 futsal 2 futsal e handebol 2 futsal, vôlei e basquete 1 futsal e vôlei 3 vôlei 1 handebol Quadro 3: Representação dos alunos do pré-questionário. De acordo com as respostas dos alunos para a questão nº. 2 do pré-questionário, foi possível agrupá-las e classificá-las em uma categoria chamada “Esporte”; logo, o que todos os alunos mais gostam de fazer nas aulas de Educação Física é praticar esporte, aparecendo o futsal como o mais mencionado, seguido pelo vôlei, handebol e basquete. Categorias - Esportes Total 7 - Esportes diferentes 3 - Dinâmicas - Diversão - Tudo 2 1 2 Aspectos 3 futsal 2 vôlei 1 handebol 1 basquete 1 aprender esportes novos 2 fazer esportes diferentes 2 dinâmicas que incluem todo mundo 1 me divertir em qualquer atividade 2 todas as atividades Quadro 4: Representação dos alunos do pós-questionário. No quadro 4, observando as respostas dos alunos referentes à questão nº. 2, notamos que a categoria “Esporte” ainda prevalece, com o total de sete alunos afirmando gostar de futsal, vôlei, handebol ou basquete; porém, surgiram mais quatro categorias, sendo elas: “Esportes diferentes”, em que três alunos revelam gostar do esporte pedagogicamente transformado; “Dinâmicas”, nome dado por dois alunos às atividades realizadas nas aulas de intervenção, e afirmam gostar, pois elas incluem todo mundo; “Diversão”, ressaltada por um aluno que gosta de se divertir em qualquer atividade; “Tudo”, categoria em que dois alunos comentam gostar de tudo numa forma geral. 93 Fazendo uma análise comparativa entre os quadros 3 e 4, percebemos mudanças nas concepções dos alunos sobre a questão do que eles gostam de fazer nas aulas de Educação Física. Entendemos que não podemos gostar de algo que não conhecemos, por isso o esporte foi a única resposta encontrada no quadro 3 do pré-questionário, visto ser esse o conteúdo predominante no ensino da Educação Física dessa escola. Já no quadro 4, nas respostas do pós-questionário, foi visível o aumento das opções para gostar de fazer. A categoria “Esporte” ainda se manteve com sete alunos. Sobre isso, Carlan (2012, p. 26) comenta que, muitas vezes, “[...] o professor trata a Educação Física e o esporte como se fossem equivalentes, ou seja, não promove uma distinção entre ambos”, o que gera no pensamento do aluno uma supervalorização do esporte difícil de ser suprimida, mas não impossível. A terceira questão teve o seguinte enunciado: O que você aprende nas aulas de Educação Física? Os resultados das respostas dos alunos a esta questão no pré e no pós-questionário estão resumidos nos quadros 5 e 6, respectivamente. Categorias - Esportes Total 8 - Exercícios - Regras - Várias coisas 2 3 2 Aspectos 2 jogar bola 2 como praticar esportes 3 jogar vôlei 1 os esportes propostos 2 fazer exercício 3 as regras dos esportes 2 várias coisas Quadro 5: Representação dos alunos do pré-questionário. O quadro 5 representa as respostas dos alunos para a questão nº. 3 do pré-questionário: na categoria “Esportes”, oito alunos afirmaram aprender “jogar bola”, “como praticar esportes”, “jogar vôlei” ou “os esportes propostos”; a categoria “Exercícios” foi mencionada por dois alunos, que responderam aprender a fazer exercícios; na categoria “Regras”, três alunos mencionaram que aprendem as regras dos esportes; na categoria “Várias coisas”, dois alunos responderam que aprendem várias coisas. Segundo Kunz (1994), podemos resumir as categorias, apenas, num saber-fazer, ou seja, saber como praticar esportes, saber fazer exercícios, saber as regras, esquecendo-se do saber-pensar e saber-sentir, atributos estes que devem ser ensinados juntos. 94 Categorias - Esportes - Regras - Diferentes maneiras de jogar Total 2 1 3 -Esporte 1 adaptado -Socialização 3 - Criatividade 1 - Saúde 2 Aspectos 2 vários esportes 1 construir nossas próprias regras 1 que o mesmo esporte pode ser praticado de várias maneiras 1 que futsal se pode jogar sentado 1 que podemos aumentar o números de jogadores em todos os esportes 1 que os cegos também jogam bola 1 trabalhar em equipe 1 todos devem colaborar no jogo 1 (se) interagir com outras pessoas 1 que eu posso criar um jogo diferente do futsal que eu jogo 2 exercitar faz bem pra saúde Quadro 6: Representação dos alunos do pós-questionário. De acordo com as respostas dos alunos para a questão nº. 3, foi possível representá-las em sete categorias no pós-questionário, configurando -o da seguinte forma: dois alunos responderam aprender vários esportes, podendo ser classificados na categoria “Esportes”; um aluno respondeu aprender regras se encaixando na categoria “Regras”; “Diferentes Maneiras de jogar” é uma categoria formada por cinco alunos; essa categoria se relaciona com a transformação didático-pedagógica do esporte: como o esporte foi modificado, consequentemente, sua maneira de jogar também; “Esporte adaptado” é uma categoria formada por um aluno que aprendeu que os cegos também jogam bola; na categoria “Socialização”, três alunos mencionaram aprender a “trabalhar em equipe”, “que todos devem colaborar no jogo” e “(se) interagir com outras pessoas”; na categoria “Criatividade”, um aluno afirmou que aprendeu que existe possibilidade de criar um jogo a partir de um já existente; e dois alunos aprenderam que exercitar faz bem à saúde, formando, assim, a categoria “Saúde”. Analisamos os dois quadros e observamos que, no pós-questionário, foram menos frequentes as indicações para o aprendizado de esportes e nenhuma indicação para exercícios físicos. Para a categoria “Regras”, houve duas indicações a menos no pósquestionário; porém, com uma modificação no seu sentido: no pré-questionário, os três alunos indicaram essa categoria com a expressão “as regras dos esportes”; já nos pós-questionário, o aluno usou a expressão “construir nossas próprias regras”. Para Bracht (1997, p. 99), isso pode ser um indicativo de que “[...] o aluno estará transferindo não somente uma regra previamente determinada pelo professor ou pelo esporte eleito, como também 95 uma regra que foi desenvolvida pelo próprio aluno nas aulas de Educação Física”. Também se observa no pós-questionário o surgimento de novas categorias. Ainda de acordo com Bracht (1997, p. 105), isso é uma “[...] indicação clara de tomada de consciência de que outros valores são desenvolvidos nas aulas de Educação Física que não apenas aqueles ligados estritamente ao exercício físico e às destrezas esportivas”. Na questão quatro foi perguntado: Atualmente a Educação Física tem importância para você? Por quê? Categorias - Exercitar Total 6 - Transferência 5 - Saúde 4 Aspectos 2 para não ficar parado 2 para fazer exercícios 1 porque não sou de praticar muitos esportes 1 para melhorar o preparo físico 2 porque aprendo outras coisas 3 para aprender sobre esportes 4 porque faz bem pra saúde Quadro 7: Representação dos alunos do pré-questionário. No quadro 7, referente à questão nº. 4 do pré-questionário, classificamos as respostas em três categorias: “Exercitar” recebeu seis indicações; “Transferência”, cinco indicações e “Saúde”, quatro indicações. Categorias - Exercitar Total 6 - Transferência 3 - Saúde 4 - Bem estar 2 - Interesse 1 Aspectos 2 porque é único meio de me exercitar 3 porque gosto de ficar ativo 1 gosto de praticar 1 porque aprendo coisas novas 1 aprendo coisas que posso usar no dia-a-dia 1 porque ela ajuda na nossa coordenação 1 para não ser sedentário 3 faz bem pra saúde 1 me distrair 1 trabalha meu corpo e minha cabeça 1 quero ser professora de Educação Física Quadro 8: Representação dos alunos do pós-questionário. No quadro 8, representamos as repostas dos alunos para a questão nº. 4 do pós-questionário através de cinco categorias, sendo elas: “Exercitar”, com seis indicações; “Transferência”, com três indicações; “Saúde”, com quadro indicações; “Bem estar”, com duas indicações e “Interesse”, com uma indicação. 96 Diante dessas respostas analisadas, verificamos que nenhum aluno, em ambos os questionários, conseguiu responder sobre a real importância da Educação Física como componente curricular. Neira (2009) comenta que desenvolver aulas de Educação Física fora do período regular, dispensar alunos por motivos médicos ou substituir as aulas de Educação Física por atividades pouco relacionadas com a área são ações que colaboram para construir na “cabeça” de alunos e professores a representação de uma disciplina alheia ao projeto escolar, que serve apenas como recreação ou passatempo e não tem nenhum objetivo pedagógico (RATIER, 2009). A questão nº. 5 tinha a seguinte redação: Você aplica os conhecimentos de Educação Física no seu dia a dia? De acordo com as respostas dos alunos, tanto no pré quando no pósquestionário, entendemos que os alunos ainda não conseguem responder com precisão se os conhecimentos são transferidos ou não para outras situações da vida, visto que muitos deles responderam que “Sim”, ou seja, eles aplicam os conhecimentos de Educação Física no dia-a-dia, porém nenhum deles justificou: “Onde?”, “Como?” ou “Para quê?” E, quando justificavam, sempre faziam relação com o esporte ou com os exercícios físicos, como por exemplo: “sim, pois faço ciclismo todos os dias”; “sim, faço vôlei duas vezes por semana”; “sim, na academia”. Bracht (1997, p. 105) acredita que “a questão da transferência, nessa perspectiva, vincula-se, portanto, à idéia de que as transformações sociais não ocorrerão através da escola, mas terão de operar-se simultaneamente nesta e na sociedade”, de forma que o professor precisa acreditar nessa possibilidade e não menosprezar sua contribuição na formação do sujeito. Considerações finais O estudo, ao apresentar os dilemas, as dificuldades e os conflitos observados nas aulas de Educação Física da escola em questão, também se preocupou em proporcionar meios para buscar a superação dos problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, com o conteúdo Esporte. Entende-se que a Educação Física dessa escola se mostra como uma atividade que carece de maior sistematização de seus conteúdos, metodologia e conhecimentos, mostrando-se uma aula ausente de intencionalidade pedagógica. Mesmo diante dessa realidade, a presença do subprojeto na escola proporcionou aos alunos outra “visão” de Educação Física no Ensino Médio. As respostas evidenciaram as mudanças, visto que a motivação acerca das aulas de Educação Física foi ampliada significativamente. Quanto ao gosto pelo esporte e seu aprendizado, no primeiro questionário 97 os alunos generalizaram a resposta, mencionando apenas esporte com ênfase em suas regras e prática. No pós-questionário, por outro lado, suas respostas, movidos pelas vivências proporcionadas pelas aulas aplicadas pelo subprojeto, foram enriquecidas, dando vazão a uma margem maior de possibilidades para o tratamento e entendimento do conteúdo esporte, incluída sua transformação pela escola. É evidente que temos algo a ensinar, mas, acima de tudo, é preciso que o sujeito professor, na condição de aprendiz, se coloque na posição de querer se modificar e aprender, tendo em vista que a característica mais marcante da condição humana é a sua incompletude. Concluímos que, através da dedicação e do esforço pela busca da mudança, quaisquer limitações do contexto/realidade escolar, tais como estruturais, materiais, didáticas, sociais, culturais, financeiras e educativas, podem ser superadas. Afirmamos, também, que, apesar da supervalorização do esporte, demonstrada nas concepções dos alunos, tendo em vista que o esporte é um fenômeno histórico-social, é possível desenvolvê-lo através de uma prática pedagógica que busca sua transformação. Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 12 mar. 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais+ do Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Médio Inovador. Brasília: MEC, 2009. BRACHT, V. Educação Física e Aprendizagem Social. 2. ed. PortoAlegre: Magister, 1997. 98 CARLAN, P. O esporte como conteúdo da educação física escolar: um estudo de caso de uma prática pedagógica. Florianópolis: 2012. 354 p. Tese (doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Desportos. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. GÓMEZ, A. I. P. As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução crítica do conhecimento e da experiência. In: SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 13 - 26. KUNZ, E. Educação Física: ensino & mudanças. Ijuí, RS: Unijuí, 1991. ______. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí, RS: Unijuí, 1994. LOVISOLO, H. Mulheres e esporte: processo civilizador ou (des)civilizador. SIMPÓSIO INTERNACIONAL PROCESSO CIVILIZADOR, CIVILIZAÇÃO E CONTEMPORANEIDADE, 12, 2009, Recife. Anais... Recife, 2009. RATIER, R. Entrevista com Marcos Neira sobre o papel da Educação Física nas escolas. NOVA ESCOLA. São Paulo, p. 38-42, agosto 2009. SAVIANI, D. Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade conteúdo/transversal métodos no processo pedagógico. Campinas: Autores Associados, 1994. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. 99 1.7 O ENSINO-APRENDIZAGEM E A FORMAÇÃO DOCENTE: METAS E PROPOSTAS DO PIBID/HISTÓRIA/UFMT NO ENSINO DE HISTÓRIA Alexandra Lima da Silva Professora do Departamento de História/UFMT/Cuiabá Emanuelle Maria Menezes de Souza Aluna bolsista do PIBID/UFMT/História/Cuiabá Introdução O presente trabalho surgiu a partir da oficina “Arte do Fazer: Oficinas de leitura, interpretação e escrita”, aplicada pelo PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência). Observamos que os graduandos têm uma grande dificuldade de transformar o teórico em prático e, se chegarmos à escola com o mesmo conteúdo, ou as mesmas explicações que recebemos no ensino superior, o aluno não irá aprender, tornando-se mais difícil o trabalho a ser realizado, que no final se voltaria ao ensino cronístico, no qual datas, fatos e personagens têm uma importância maior do que os elementos constitutivos da compreensão do pensamento histórico. Com isso, a ajuda de programas se tornou fundamental para valorizar o corpo escolar como um todo e, ao mesmo tempo, individualmente. O objetivo deste texto é analisar as dificuldades encontradas dentro e fora da sala de aula, tanto pelos alunos, quanto pelos professores, não como eles as veem, mas como pude observar e pesquisar durante dois anos e meio em três diferentes escolas: Raimundo Pinheiro, Presidente Médici e André Avelino Ribeiro. Essas três instituições de ensino se localizam em pontos diferentes da cidade, sendo uma no centro e as outras duas nas extremidades, uma no Shangri-lá e outra no CPA I. Devido às dificuldades encontradas na área de História, o PIBID produziu alguns questionários, avaliando se havia interesse dos alunos pela disciplina e como esta era vista pelos funcionários, pais, responsáveis e o restante da comunidade escolar. Depois da pesquisa, foi feita uma avaliação diagnóstica e constatado que, para os alunos, tal disciplina não era importante; já os demais focos de avaliação a consideram importante e imprescindível. Após todo esse processo, se tornaram mais fáceis as conversas formais e informais com professores e direção, podendo-se observar os meios que utilizavam com o objetivo de mudar a visão dos alunos e conti100 nuar transmitindo o conhecimento histórico dentro e fora da sala de aula. A partir dessas conversas, foi possível analisar como as metas e propostas do projeto melhoram as aulas e geram nos alunos um maior interesse de aprender e de se conhecer como agentes históricos. O PIBID trabalha no aluno a necessidade de se conhecer como agente e entender que tem em suas mãos a oportunidade de gerar mudanças em seu meio social. Através do ensino ministrado em sala de aula, esse aluno pode redescobrir a disciplina História e se descobrir agente transformador devido ao conhecimento transmitido; mediante tal conhecimento, é possível estudar as ações dos homens e suas relações. O projeto entra nesse meio, professor-aluno, para trazer a possibilidade da reformulação do ensino de história dentro da escola, mostrando que uma boa aula vai além da estrutura escolar, pois, com a preparação do professor e a criação de oficinas, é possível diferenciar as aulas e voltar a atenção do aluno para o conteúdo. Dessa forma, a aprendizagem é facilitada e o público é atendido. Participando do projeto, tivemos a oportunidade de conhecer diversos autores e textos relacionados ao ensino de História e à formação do professor. Trabalhos de Conceição Cabrini (2008), Flavia Eloisa Caimi (2006), Paulo Miceli (2009), Ilmar Mattos (2006), entre outros, que tivemos oportunidade de ler, nos trouxeram a certeza de que, cada vez mais, gostaríamos de trabalhar nessa área e auxiliar nas pesquisas para melhorar o ensino-aprendizagem em sala de aula. Como afirma Conceição Cabrini (2008, p. 31), “tudo o que você faz em sala de aula depende fundamentalmente de duas coisas: da forma como você encara o processo de ensino/ aprendizagem e da sua concepção de história”. Autores como Paulo Miceli (2009) e Flavia Caimi (2006) refletem sobre o fazer do professor dentro e fora da sala de aula; essa reflexão é feita a partir do dia-a-dia do professor no processo de ensino-aprendizagem, tendo como objetivo a valorização do conteúdo da disciplina, do interesse do aluno e da sua experiência cotidiana. Esta interface é condição indispensável para produzir, ampliar e transmitir conhecimento. Flavia Caimi (2006) observa que o problema da História está no método utilizado quando o professor compara o conteúdo da disciplina com o interesse do aluno, fazendo um diagnóstico prévio e, dessa forma, parte da realidade do aluno, ou seja, daquilo que ele já tem conhecimento. É preciso levar-se em conta que trabalhar a partir da experiência do aluno não é abdicar do conteúdo científico. Olhando já pelo outro lado, Paulo Miceli se baseia no sentido de que o professor não é um “missionário”, mas tem uma fundamental importância na formação do sujeito, cabendo a ele selecionar e recortar, e assim poder contribuir, questionar, pensar e elaborar (MICELI, 2009). 101 O professor de História tem a necessidade de continuar a pesquisar, pois antes dele ser um professor, é um pesquisador, e como Marcelo de Souza Magalhães afirma: “mais importante do que aprender um conteúdo relativo a uma área de conhecimento é desenvolver procedimentos que permitam ao aluno aprender a conhecer” (MAGALHÃES, 2006, p. 53). Esses procedimentos são as pesquisas, sendo exatamente essa a maior responsabilidade do professor: fazer com que o seu conhecimento chegue ao aluno de modo que lhe abra um universo de possibilidades e meios para serem utilizados no dia-a-dia. O ensino de História e a formação continuada foram escolhidos devido às dificuldades já relatadas, aos problemas observados dentro da escola, às barreiras que surgem ao se começar a lecionar e, pelos alunos, com a intenção de formar uma concepção histórica e estimular a percepção que são agentes e podem, sim, ser ouvidos. O professor precisa usar o livro didático, mas não pode se prender apenas a ele para formular suas aulas, devendo obter novas fontes e fazer outras pesquisas, tornando a aula rica e cheia de curiosidades, prendendo a atenção e fazendo com que os alunos aprendam. Alguns dos problemas encontrados foram a falta de incentivo que alguns profissionais possuem desde a sua formação, não tendo o interesse de continuar a estudar e se aperfeiçoar para ministrar uma aula melhor; outros já estavam perto de se aposentar e já afirmavam não ter vontade de se “estressar com os alunos”, dando uma aula ditada, na qual o professor praticamente soletra o livro e o aluno deve copiar; as provas são de decoreba, por isso o aluno só precisa ler e decorar as partes mais importantes. Outros professores já possuem o interesse, mas devido ao fato de já terem família e precisarem do salário para o sustento, não têm condições de sair para um mestrado ou doutorado. Esses são problemas comuns, mas, com a mudança dentro da instituição universitária, é possível a saída de novos profissionais do ensino superior com desejo de dar aulas e melhorar o sistema educacional de sua escola. O problema da pesquisa é a incerteza se haverá as mudanças esperadas nas escolas e nos profissionais, ou se apenas se tornará mais um trabalho parado nas estantes da biblioteca. Acreditamos estar formando futuros professores para fazer o melhor em sala, fazer parte do corpo escolar e ajudar os alunos a aprenderem e também poder aprender com eles a ser um docente melhor no dia a dia. Através do auxilio dos projetos e da interação Universidade – Escola é possível inserir o estagiário e, logo professor, na sua futura realidade. Através da experiência obtida ao lecionar e atender os alunos, ele pode utilizar esse estudo para gerar trabalhos e artigos que possam servir de apoio para os cursos de licenciatura e formação continuada e para os professores que já exercem a profissão. 102 O PIBID como experiência formadora O PIBID é uma iniciativa para o aperfeiçoamento e a valorização da formação de professores para a Educação Básica, concedendo bolsas aos alunos de licenciatura que participam do projeto desenvolvido pelas Instituições de Educação Superior (IES), juntamente com as escolas de educação básica da rede pública de ensino. O Programa tem como objetivos o incentivo à formação de docentes para a educação básica e a valorização do magistério, elevando, assim, a qualidade da formação inicial de professores e promovendo a integração da educação superior e básica. Dessa forma, contribui para articulações entre teoria e prática necessárias para a formação dos docentes. As atividades “Arte do Fazer: Oficinas de leitura, interpretação e escrita”, “Oficina de Patrimônio Cultural” e “Oficina de Memória” foram executadas nas seguintes instituições de ensino: Escola Estadual Raimundo Pinheiro e Escola Estadual Presidente Médici. Na primeira escola, foram elaborados questionários voltados a toda comunidade escolar (alunos, professores, diretor, coordenador, funcionários em geral, pais e responsáveis), um instrumento de autoavaliação individual, a partir do qual os participantes puderam expressar o interesse pela História como disciplina de formação crítica e delimitar sua contribuição na formação geral da Educação Básica. Foram avaliados cerca de 214 alunos de 1° e 2° anos do Ensino Médio e como resultado podemos observar que 80% consideram a disciplina inútil, com pouco envolvimento nas demandas e interesses dos próprios estudantes e uma metodologia de ensino que não desperta a curiosidade. Após essa observação, chegamos à conclusão de que o desinteresse era devido à não compreensão do que é a História; por essa razão, foi decidido trabalhar de duas maneiras: primeiro criando o diálogo entre o ensino de História e a Teoria da História e, segundo, ajudando o professor com sua formação através de oficinas e contato com os bolsistas, havendo troca de ideias e criação de projetos conjuntos, como o “Cinema na Escola” e a “Oficina de História Patrimonial”. PIBID/HISTÓRIA/UFMT – Avaliação, propostas e oficinas O desenvolvimento do Programa na área de História tornou-se um meio de amadurecimento e realizações pessoais e profissionais para os bolsistas, professores participantes e alunos. A avaliação diagnóstica tinha como objetivo encontrar a identidade da escola, questionando, assim, a importância da disciplina para toda a comunidade escolar (pais, responsá103 veis, direção, secretaria, serviços gerais, coordenação). A criação da avaliação para a área de História se formou por meio do estudo do artigo das professoras Isabel Barca e Marília Gago – Aprender a pensar em História: um estudo com alunos do 6º ano de escolaridade (2001), publicado na Revista Portuguesa de Educação. Essa leitura foi proposta e acompanhada pela professora Claudia Regina Bovo, precursora do projeto. Com essa atividade, buscava-se compreender a construção do conhecimento histórico, sua problemática, seus métodos de ensino e a população atingida pelos demais assuntos citados. Primeiramente foi feita uma análise quantitativa, constatando o número de alunos ao qual o Programa seria aplicado, sexo, idade e interesses. Após isso, foram produzidas algumas questões para saber o interesse que os mesmo possuíam quanto à História, que conhecimento que já tinham e seus interesses de estudo. Por meio da análise das respostas, foi observado que os alunos não tinham interesse no estudo da disciplina e a resposta ao porquê disso foi o grande x da questão. Era devido a professores que, durante sua formação até a chegada ao Ensino Médio, trabalhavam com os alunos um ensino tradicionalista, isto é, deveriam registrar datas, reproduzir o livro didático, sem pesquisas e sem voz ativa nas aulas, não podendo eles gerar informações, nem produzir conhecimento. Os questionários dos pais, responsáveis e demais funcionários da escola, incluindo a direção e coordenação, buscavam compreender se eles acreditavam na importância da História, quais suas formações e como foi seu período de aprendizagem quanto aos conteúdos históricos. Foi descoberto o interesse que tinham no estudo da disciplina, no incentivo que muitas vezes davam a seus filhos. Alguns pais eram formados nas áreas de humanas; a diretora era mestre em História e buscava mudar o olhar dos alunos quanto a sua participação como agentes históricos. Considerações Finais Com tudo isso, o PIBID de História buscou criar uma proposta para mudar a visão dos alunos quanto ao aprender e gerar um olhar crítico, tornando o conhecimento por eles adquirido e produzido algo que pudessem levar por muito tempo. Criou-se uma maior interação professor-aluno, bolsistas-alunos e bolsistas-professor. Foi criada uma oficina para os bolsistas e professores, propondo debates sobre o ensino de história, suas carências, problemas e necessidades para o estabelecimento de um diálogo contínuo com a comunidade escolar, valorizando as experiências de cada um e buscando refletir sobre essa preparação no cotidiano escolar. A união da avaliação, das propostas e oficinas tornou o PIBID de História uma experiência exitosa por onde passava, conquistando os alunos com as aulas renovadas e reformuladas, os professores, por conseguirem 104 obter um controle e respeito maior das salas de aula e do próprio conteúdo, os funcionários da escola com o respeito e a própria interação que os levava também a observar e até mesmo participar das oficinas e, finalmente, os próprios estudantes bolsistas, que descobriram que para ser um bom professor é necessário mais que dois anos de estágio e quatro anos dentro de uma universidade. São indispensáveis o contato e a experiência com o chão da escola, a prática diária de obter novos conhecimento e de ser um mediador de tudo aquilo que lhe é permitido conhecer. O Programa é em si a união e a caminhada de professores e alunos na estrada do conhecimento, com o objetivo de através dele auxiliar as mudanças cotidianas sociais e pessoais. O ensino-aprendizagem se tornou uma ferramenta que deve ser manuseada com muita cautela, pois faz-se necessário um conhecimento aprofundando do assunto tratado e uma melhor formação, dialogando assim os dois lados de interesse (professor e aluno). Na produção deste trabalho, conseguimos observar que existem consideráveis alternativas que buscam trazer soluções ou até métodos e modelos diferentes para a construção das aulas de história e do saber histórico. Referências Bibliográficas BARCA, I.; GAGO, M. Aprender a pensar em História: um estudo com alunos do 6º ano de escolaridade. Revista Portuguesa de Educação. Portugal, 14(1), p. 239-261, 2001. CABRINI, C. Ensino de História: revisão urgente. O que achamos importante lembrar sobre o ensino da História ou fundamentação teórica da proposta. São Paulo, EDUC, 2008. CAIMI, F. E. Por que os alunos (não) aprendem História? Reflexões sobre ensino, aprendizagem e formação de professores de História. Tempo. Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, p. 17-32, 2006. MAGALHÃES, M. S. Apontamentos para pensar o ensino de História hoje: reformas curriculares, Ensino Médio e formação do professor. Tempo. Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, p. 49-64, 2006. MATTOS, I. R. “Mas não somente assim!” Leitores, autores, aulas como texto e o ensino-aprendizagem de História. Tempo. Rio de Janeiro, vol. 11, n. 21, p. 05-16, 2006. MICELI, P. Uma pedagogia da história. In: PINSKY, J. (Org.). O ensino de história e a criação do fato. Ed. rev. e atualizada. São Paulo: Contexto, 2009, p. 37-52. 105 1.8 MAIS UMA VEZ INTERDISCIPLINARIDADE Maria Cristina Theobaldo Coordenadora de gestão de processos educacionais do PIBID/UFMT [...] quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis (I. CALVINO, Seis propostas para o próximo milênio). É lugar comum buscarmos pela interdisciplinaridade. Implícita ou explicitamente a reivindicamos nos grupos de pesquisa, nos projetos pedagógicos, nas instituições de fomento voltadas para a pesquisa e para a formação docente e de gestores dos mais variados campos, nas políticas educacionais. Também afirmamos, quase consensualmente, que a necessidade do enfoque interdisciplinar, seja nas ciências ou na educação, procede da constatação de que o conhecimento disciplinar esbarra em limites metodológicos e na complexidade de certos objetos, não conseguindo explorá-los adequadamente. A partir daí, impõe-se, na área educacional, a urgência em romper com os fossos decorrentes das especializações disciplinares que atingem o ensino do conhecimento científico em todos os níveis de formação e, assim, procuramos superá-los, ou pelo menos amenizá-los, com a multi, a trans e a interdisciplinaridade. Na contramão da exclusividade disciplinar, almejamos obter uma nova abordagem curricular, sugerida como mais fecunda e abrangente, na qual a interdisciplinaridade ora é entendida como proposição epistemológica no enfoque de questões e objetos de estudo, ora como didática de viés investigativo, ora como intencionalidade e atitude colaborativa nas práticas pedagógicas, ou seja, com referências aos campos epistemológico, científico e atitudinal (de colaboração entre professores e pesquisadores de diferentes disciplinas). No que segue, procuramos apresentar dois aspectos que envolvem a abordagem interdisciplinar na educação básica. Um deles diz respeito à própria noção de interdisciplinaridade; o outro se refere ao ensino e ao aprendizado na perspectiva interdisciplinar: suas motivações ─ como crítica à atual organização escolar e como perspectiva pedagógica; e sua justificativa ─ como constituinte didático no ensino e na aprendizagem. Para a articulação de algumas noções e argumentos pertinentes aos objetivos aqui propostos, acompanhamos de perto os trabalhos de Olga Pom106 bo (2008), Ivan Domingues (s/d), Jaime Paviani (1993) e Y. Lenoir (2004), entre outros. Interdisciplinaridade Se não é falso dizer que a palavra interdisciplinaridade é hoje polissêmica e até desgastada em seus usos (e abusos), tentar demarcá-la em definitivo é tarefa hercúlea, reservada, portanto, aos especialistas. Cabenos tão somente explorar algumas direções e, se possível, sugerir reflexões1. Iniciamos com Morin. Quando dos preparativos para uma entrevista a Juremir Machado da Silva, Morin diz: “As palavras importam muito e, ao mesmo tempo, pouco. No caso de multi, inter e transdisciplinaridade, cada um desses termos tem uma contribuição a dar, mas nenhum se basta. O importante mesmo é a atitude epistemológica” (SILVA, 2007, p. 33). Apesar da recomendação para nos concentrarmos no como fazer (atitude), as circunstâncias em torno das tentativas de operacionalizar a multi, a trans e a interdisciplinaridade em tão diferentes campos ─ na organização dos conhecimentos, na utilização social das ciências e das tecnologias e no modo de ensinar e socializar o conhecimento ─ nos levam a considerar a importância de palavras tão polêmicas, pois: O uso inflacionário destas denominações nos recentes discursos científicos parece-me denunciar aspecto duplo. Por um lado, ele serve de prova para mostrar a consciência avançada dos interlocutores no que se refere ao reconhecimento dos limites de validade dos conhecimentos disciplinares; por outro, porém, ele dá a impressão de revelar um certo desamparo quanto ao manejo do conflito entre o desejo de garantir a autonomia da disciplina e a experiência de depender da cooperação com outras áreas para resolver os próprios problemas. Além disso, o discurso sobre cooperação interdisciplinar às vezes assume o caráter de moda, cuja razão de ser nem sempre fica clara para os envolvidos (FLICKINGER, 2007, p. 124) Desde o início da década de 1970, que tem como marco o I Seminário Internacional sobre a Pluridisciplinaridade e a Interdisciplinaridade, realizado na Universidade de Nice, e, em seguida, as discussões promovidas pela UNESCO e pela OCDE, os debates em torno dos prefixos inter, multi e trans disciplinar se avolumam sem encontrar unanimidade. Como bem 1 Para uma história do conceito de interdisciplinaridade no Brasil, ver “Interdisciplinaridade: um conceito em construção”, de Railda F. Alves e Maria do Carmo Brasileiro; Suerde M. de O. Brito, em Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 139-148, jul./dez. 2004. 107 coloca Evilázio Teixeira (2007, p. 59), “o conceito de interdisciplinaridade exige uma permanente vigilância crítica”. Ainda com Teixeira (2007), glosamos alguns sentidos possíveis para interdisciplinaridade: a) procedimento de integração entre as disciplinas; b) teoria epistemológica; c) proposta metodológica de pesquisa e ensino; d) utilização de conhecimentos de uma área em outra; e) atitude colaborativa entre pesquisadores e educadores de áreas diversas (TEIXEIRA, 2007, p. 59). Recorremos também aos significados propostos por Olga Pombo (2008), que apresenta a interdisciplinaridade a partir do radical “disciplina”, com três significados possíveis: 1) como ramo do saber; 2) como componente curricular; e 3) como conjunto de normas e leis (POMBO, 2008, p. 4-5). Quanto aos prefixos pluri e multi, a autora propõe tomá-los como um “continuum”, indicando aí a possibilidade de ideias e de noções que coordenadamente se desenvolvem em conjunto ou em paralelo. Já com o prefixo inter, ocorre um acréscimo, uma convergência e uma complementação de pontos de vista: Portanto, a proposta que tenho para vos apresentar é relativamente simples. A ideia é a de que as tais três palavras [pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade], todas da mesma família, devem ser pensadas num continuum que vai da coordenação à combinação e desta à fusão. Se juntarmos a esta continuidade de forma um crescendum de intensidade, teremos qualquer coisa deste género: do paralelismo pluridisciplinar ao perspectivismo e convergência interdisciplinar [...] (POMBO, 2008, p. 5-6). Por fim, Ivan Domingues (s/d) nos traz o ponto de vista Julie Klein, para quem o cerne da interdisciplinaridade aflui para os processos de cooperação mútua entre as disciplinas: “[...] integração de conceitos, terminologias, métodos e dados em conjuntos mais vastos, repercutindo na organização do ensino e da pesquisa [...]” (DOMINGUES, s/d, p. 4). Porém, a cooperação, integração e abertura de perspectivas proporcionadas pela interdisciplinaridade não se realizam sem implicações, das quais decorrem pelo menos duas consequências importantes: 1) o questionamento das próprias fronteiras das disciplinas; 2) a constatação da insuficiência do tradicional modelo analítico de produção do conhecimento para resolver problemas emergentes das próprias ciências e da nossa atualidade. Em ambas as consequências, encontramos motivação educacional para discutir a interdisciplinaridade. Além dos conflitos epistemológicos inerentes às práticas científicas contemporâneas que vêm à tona com a interdisciplinaridade, existe ainda 108 a demanda em torno da institucionalização das disciplinas. Estamos agora no campo da intersecção entre a ciência e os aspectos sociais e culturais envolvidos na organização, produção, utilização e difusão dos conhecimentos científicos e tecnológicos. Para o tema da institucionalização das disciplinas, tomamos por referência as reflexões de Lenoir (2004): As disciplinas são a infraestrutura da ciência corporificada, antes de qualquer coisa, nos departamentos universitários, nas sociedades profissionais, nos manuais e livros didáticos. Como Charles Rosenberg tem apontado, a identidade disciplinar forma a identidade vocacional de um investigador, estabelecendo problemas e definindo ferramentas para abordá-los; além disso, a disciplina premia realizações intelectuais. Ao mesmo tempo, a disciplina ajuda a estruturar as relações dos cientistas com contextos particulares institucionais e econômicos. As disciplinas são os mecanismos institucionais para regular as relações de mercado entre consumidores e produtores de conhecimento. Elas são também instrumentos para distribuir status; ao fundar especialidades e habilidades, a disciplina estabelece limites e demarca hierarquias [...] as disciplinas são estruturas políticas que de forma crucial fazem a mediação entre a economia política e a produção do conhecimento (LENOIR, 2004, p. 65). Na análise de Lenoir (2004), a produção do conhecimento científico envolve variáveis que ultrapassam as rotinas das pesquisas e das salas de aula e se embaralham com as relações de mercado, com as políticas governamentais de ciência e tecnologia e de educação, atingindo e sendo influenciada pelo seu entorno social. Fica evidenciado, sobretudo, que o ensino do conhecimento científico mescla-se à institucionalização e ao status atribuído a cada disciplina. Numa argumentação que segue na mesma linha, Paviani (1993) esclarece: A disciplina, como movimento de institucionalização do conhecimento produzido, fundamenta-se em dois tipos de critérios: a) um de ordem lógica, epistemológica e filosófica no sentido mais amplo; b) outro de ordem político-administrativa. Estes critérios servem para mostrar que o conhecimento é ao mesmo tempo ministrado e também administrado. Por isso, o “crescei e multiplicai-vos” das disciplinas decorre das próprias condições racionais do conhecimento e igualmente de necessidades e interesses políticos administrativos (PAVIANI, 1993, p. 3). Até que ponto uma abordagem interdisciplinar promissora consegue interferir nesse quadro de relações e múltiplas influências, que vão do pro109 cesso investigativo até a difusão e utilização do conhecimento e das tecnologias, é uma questão desafiadora. Considerar a possibilidade de uma resposta otimista e afirmativa implica pensarmos a interdisciplinaridade como propositora de um novo modo de produção e disposição do conhecimento e como protagonista em uma nova proposta de estrutura educacional, de tal modo que ambos ─ modo e estrutura ─ possam colaborar na superação da rigidez e da burocratização disciplinar e, dessa forma, atingir e desmontar o prestígio ora desigual atribuído às disciplinas curriculares e aos fomentos das pesquisas. Mas a resposta assim enunciada é ainda rasa, esconde dobras. É importante salientar: apesar de buscar a integração entre as disciplinas, ampliando seus horizontes metodológicos e teóricos, a interdisciplinaridade insere-se na cena disciplinar, pois seus pontos de contato e de interação estão nas disciplinas. Paviani (1993) nos ajuda a avançar nessa questão, ao sugerir que a interdisciplinaridade é parte do problema e, talvez, da sua solução. À medida que pauta a necessidade de intercâmbio conceitual e metodológico entre as disciplinas, a interdisciplinaridade denuncia e reflete a desatualização das disciplinas, cuja raiz está na forma de organização do conhecimento e na própria concepção de disciplina e seus desdobramentos nos programas curriculares. O ensino das especializações não pode prescindir das disciplinas básicas, lugar de seus fundamentos primeiros; ao abrir mão deste requesito elementar, a tendência é a estagnação de certas disciplinas, que, por sua vez, acarreta a necessidade de novas disciplinas para contornar o problema da estagnação. Ingressa-se na escola como aluno ou professor para estudar ou lecionar uma ou mais disciplinas. Em vista desses aspectos político-administrativos, o acréscimo ou desdobramento de novas disciplinas é determinado por interesses particulares ou de grupos e não necessariamente por critérios epistemológicos. Afinal, criar ou mudar de lugar disciplinas significa mexer com pessoas, com recursos orçamentários, com políticas que interferem no funcionamento da instituição. Por isso, entre as diversas consequências resultantes disto, uma é a tendência de certas disciplinas fecharem-se sobre si mesmas, de fossilizarem-se. E, como é difícil transformar a disciplina, sua desatualização é compensada com a inclusão de nova disciplina. Por tudo isso, a organização curricular passa a ser o cavalo de batalha dos reformadores da educação, quando os problemas, em grande parte, poderiam ser resolvidos com a simples atualização dos programas de ensino (PAVIANI, 1993, p. 5). A percepção da necessidade da abordagem interdisciplinar traduz e expõe a fragilidade do arranjo disciplinar (na ciência e na educação). Mas 110 como efetivar a interdisciplinaridade de dentro da estrutura, a qual, apesar de denunciar, não deixa de dela fazer parte? Interdisciplinaridade e educação O primeiro ponto a esclarecer diz respeito à conexão entre disciplina, conhecimento e a necessidade de sua constante atualização. Novamente apelamos a Paviani (1993): O conhecimento produzido tende a se padronizar, uniformizar, como qualquer produto cultural, seja ideia, obra, comportamento ou costume. É possível afirmar, nesta perspectiva, que as ciências, primeiro, e as disciplinas como subdivisões dessas, em segundo lugar, surgem da necessidade de sistematizar, organizar e transmitir os conhecimentos de um determinado objeto. O movimento de institucionalização da disciplina, no sentido de unidade de conhecimento, por exemplo, História do Brasil, precisa ser conservado “vivo”, isto é, em equilíbrio entre as forças que o sustentam e que são, de um lado, a renovação e a atualização constante do conhecimento. As condições de possibilidade de uma disciplina para não se estagnar exigem um comportamento que põe a disciplina a serviço do estudo dos problemas, sem a supervalorizar por si mesma, sem transformá-la em fim em si (PAVIANI, 1993, p. 5). O conhecimento chega à escola através das disciplinas institucionalizadas e transformadas em unidades de ensino. Porém, é recorrente às disciplinas chegarem já mortas aos currículos, sem a “renovação” necessária para que cumpram a tarefa de atualizar os problemas que abordam. Disso decorre, na ambiência da educação escolar, um efeito em cascata de descompassos sucessivos: entre as disciplinas ensinadas e as transformações dos problemas que abordam (ou deveriam abordar) e, em seguida, entre os conteúdos ensinados e a vida de quem aprende. Se assim é, o desinteresse e a inutilidade são a fatura a ser paga no aprendizado das ciências. As dificuldades relacionadas ao ensino das ciências não estão somente no âmbito da fragmentação dos conhecimentos e seus métodos de investigação; são também decorrência da institucionalização e estagnação das disciplinas e a consequente forma como são apresentadas aos estudantes – sem vida, sem conexão com a contemporaneidade, sem elo 111 com a realidade. A interdisciplinaridade no ensino vem acompanhada da promessa de, pelo menos, minimizar tais dificuldades; contudo, boa parte do problema é interno às próprias disciplinas (intradisciplinar) na proporção em que perderam tanto a interdependência entre si mesmas quanto a capacidade de articulação interna dos seus conteúdos: “não se escapa da prisão da disciplina saltando seus muros, mas derrubando seus falsos limites territoriais, sejam eles de natureza filosófica, epistemológica, metodológica e linguística ou simples convenções da prática acadêmica e burocrática” (PAVIANI, 1993, p. 10). Retomar a articulação interna de uma disciplina implica a recuperação de uma dinâmica rede de conexões que compõe a base de sua configuração epistemológica, metodológica, política, histórica, ética, estética etc., sem a qual a articulação entre os conteúdos não é possível (PAVIANI, 1993, p. 9). Todos estes aspectos estão presentes no ato de conhecer e não podem ficar de fora da didática de nenhuma disciplina, pois eles são responsáveis pela permeabilidade das fronteiras entre a ciência, seus produtos e a sociedade. A interdisciplinaridade não elimina as disciplinas; pode, sim, favorecer a comunicação entre os conteúdos de cada uma delas, entre os pesquisadores, entre os professores, entre os estudantes; assim, pode fazer, sobretudo, impulsionar o abandono da monodisciplinaridade e estimular uma aproximação mais polifônica e dialógica entre as disciplinas, inclusive entre as chamadas duas culturas ─ a cultura científica e a cultura humanista ─, provocando o nascimento de uma terceira cultura – a do diálogo entre as duas primeiras2. Não obstante, parte dos resultados alcançados nas propostas interdisciplinares tem direta correspondência com o grau e a qualidade do movimento interno das disciplinas envolvidas. Em outras palavras, a interdisciplinaridade por si só não garante a saída do ensino fragmentado dos conhecimentos. É necessário, antes, rever a organização didática interna das disciplinas e seu potencial de atualização; caso contrário, o suposto enfoque interdisciplinar não passará de mera sobreposição de conteúdos envelhecidos: [...] confunde-se a noção de interdisciplinaridade com justaposição, quando docentes de diferentes disciplinas atuam em um projeto datado e focado, sem que o planejamento, a execução e a avaliação sejam tratadas em conjunto, o que ocorre, na maioria das vezes, por força das exigências acadêmicas e legais, próprias de cada disciplina (KETZER, 2007, p. 95). 2 Conferir em SNOW, As duas culturas e uma segunda leitura. 112 Não confundir interdisciplinaridade com justaposição ou paralelismo de conteúdos disciplinares já é um avanço. Impõe-se também não confundi -la com algum tipo redentor de proposta educacional. Sobre esse aspecto, cabe uma pausa: 1. a interdisciplinaridade solicita uma nova reordenação dos procedimentos pedagógicos, 2. na qual as disciplinas venham a se entrecruzar e entrelaçar com vista à compreensão de um objeto de estudo, 3. gerando, por sua vez, um resultado que nasce da reconstrução e interpretação do objeto a partir da integração das várias perspectivas disciplinares. Tudo isso, apesar de bastante, é menos que supor aí uma nova pedagogia. Por outro lado, a interdisciplinaridade na educação escolar não se faz sem preparação ou sem uma didática que a retire do espontaneísmo acidental ou de mero discurso de intenções. Nesse sentido, Gadotti (1999) nos indica alguns pressupostos inerentes à abordagem interdisciplinar: a) o aprendizado ocorre em qualquer tempo e espaço; b) aprender é um processo individual e está diretamente relacionado com a vida e com os interesses de cada um. E, em termos metodológicos: a) integração dos conteúdos disciplinares; b) união entre ensino e pesquisa. Para o segundo aspecto ─ o metodológico ─ os programas de ensino que favorecem o intercâmbio dos conteúdos disciplinares e as didáticas que priorizam o trabalho cooperativo em equipe constituem procedimentos que colaboram para a saída do ensino centrado no isolamento disciplinar e também contribuem para a superação gradual da organização rígida dos conteúdos programáticos no interior das próprias disciplinas. Em relação ao primeiro aspecto – relacionado à aprendizagem – é importante considerar todo o processo, desde a reconstrução do conhecimento até o ponto da sua assimilação. Tal processo inclui: 1. a compreensão das conexões entre os conteúdos disciplinares e 2. a participação ativa de cada estudante no processo de ressignificação do objeto em estudo, ou seja, 3. a ação e a intervenção de cada aluno na investigação das soluções e na compreensão das questões que envolvem a produção de determinado conhecimento, cujas etapas são: a) problematização dos conteúdos em suas múltiplas variáveis (histórica, social, epistemológica, cultural, pessoal); b) investigação cooperativa e c) sistematização integrada dos conhecimentos alcançados. A valorização da interdisciplinaridade na educação assenta-se, portanto, no trabalho investigativo, tanto no ensino como na aprendizagem, o qual guarda semelhanças com o desenvolvido pelo pesquisador – identificação do problema; apresentação de conjecturas; consulta de literatura pertinente; experimentação e argumentação; síntese conclusiva. Este processo difere daquele normalmente encontrado nos livros didáticos e nas 113 pedagogias tradicionais – transmissão de conteúdos, fixação por meio de exercícios e avaliação da aprendizagem. Como visto, a opção pela interdisciplinaridade na escola solicita uma nova ordenação da institucionalização do conhecimento (currículos e didáticas, tempo e espaço para aulas e estudos), o mesmo valendo para a formação inicial e continuada dos professores. De que nova ordenação falamos? Talvez algo menos radical, mas um tanto aproximado do Modo 2 (ou Tipo 2) de produção e organização da ciência, proposto por Helga Nowotny, que se distingue do Modo 1, típico da tradição científica moderna. Videira (2004) explica: O Modo 2 de produção e organização da ciência caracteriza-se, segundo Nowotny, pelo destaque dado ao chamado contexto de aplicação, o que significa dizer que, necessariamente, o social é absorvido pelo científico [...]. Outras particularidades do Modo 2 são as seguintes: (a) não existe respeito por fronteiras: o conhecimento vaza da ciência para a sociedade e desta para a primeira; (b) possui estruturas organizacionais frouxas, hierarquias horizontais e cadeias de comando abertas; (c) exige responsabilidade institucional e coletiva; (d) manter uma constante preocupação com o controle de qualidade. Em suma, o Modo 2 preocupa-se com a geração de um conhecimento que seja socialmente robusto (VIDEIRA, 2004, p. 291). Problemas que de alguma forma tenham referências social e vivencial para os professores e para os estudantes terão mais chance de despertar interesse e de romper com a costumeira rigidez organizacional das matrizes curriculares e dos projetos pedagógicos. Projetos didáticos, estudos de caso, seminários. Estas e muitas outras estratégias pedagógicas podem compor o leque de alternativas didáticas facilitadoras da interdisciplinaridade, desde que atentem para o ponto mais relevante – a ancoragem na realidade. Nunca será demais repetir que os problemas não estão encaixados nas classificações que fazemos dos conhecimentos e das disciplinas, como bem lembra Domingues: “O essencial é entender que o disciplinar, o multi, o inter e o trans são formas de organização e difusão do conhecimento e, como tais, não têm nada de necessário ou sacrossanto. Num nível mais baixo e fundamental, há a realidade, e a realidade não é nem uma coisa nem outra” (DOMINGUES, s/d, p. 5). É nesse sentido que se tornam relevantes, conforme recomenda Pimenta (2006), a instalação e manutenção de espaços de cultura interdisciplinar (dentro e fora da escola) caracterizados pela prática do pluralismo 114 teórico, por gestões pautadas na liberdade para as iniciativas dos discentes e pela percepção de que a estética e a ética fazem parte da busca e da aquisição do conhecimento (PIMENTA, 2006, p. 28). Enfim, a demanda pela interdisciplinaridade pede muito mais que boas intenções e adesão aos modismos; ela exige estudo e reflexão, confiança mútua, gestão coletiva e ação cooperativa. Referências ALVES, R. F.; BRASILEIRO, M. do C.; BRITO, S. M. de O. Interdisciplinaridade: um conceito em construção. Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 139148, jul./dez. 2004. DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Mec: Unesco, 1999. DOMINGUES, I. Disciplinaridade, multi, inter e transdisciplinaridade – onde estamos? 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Visando a ajudar os estudantes bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) de Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que estavam enfrentando esse problema nas suas aulas em uma escola estadual de ensino médio, foi desenvolvida uma experiência para compreender o que é indisciplina, quais são suas principais causas e quais seriam as melhores formas de lidar com essa questão em sala de aula. Essa experiência envolveu a leitura e discussão de textos que tratam do assunto, análise de excertos de diários reflexivos nos quais eram feitos registros dos casos de indisciplina observados e/ou vivenciados em sala de aula e conversas com especialistas para melhor entender o comportamento dos jovens. Como as dificuldades com os casos de indisciplina podem fazer com que o professor desanime, e até mesmo pense em desistir da carreira, principalmente quando ainda em início de carreira (ASSIS-PETERSON; SILVA, 2010; 2011), é importante que se busque entender o que realmente é considerado indisciplina, pois, a partir disso, o professor iniciante poderá compreender melhor a cultura escolar em que está inserido e traçar medidas para diminuir ocorrências de situações de indisciplina em suas aulas. Caracterização da escola A Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva (EERPS) é uma instituição de ensino, vinculada ao Poder Público Estadual, e está situada na 117 Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 5.610. Seu horário de funcionamento é integral, pois oferece aos seus alunos os turnos matutino, vespertino e noturno, atendendo, assim, a dezessete turmas do Ensino Médio. Nosso trabalho na escola foi supervisionado por duas professoras de inglês, uma no período matutino e outra no período vespertino, no ano de 2010. As duas professoras têm perfis distintos para lidar com seus alunos e com os problemas que aparecem em suas salas. Uma das professoras era mais firme com os discentes, sempre dando conselhos a eles e fazendo-os perceber que a educação é a melhor maneira de ascensão social em suas vidas. Quando um problema de indisciplina acontecia, ela buscava se posicionar de forma mais firme, sempre chamando a atenção dos alunos e, quando necessário, até os retirava da sala e os enviava para a coordenação. Já a outra professora tinha um perfil mais calmo e compreensivo com os alunos. Ela os tratava com carinho e sempre lhes lançava um olhar mais maternal quando ocorria algum problema, buscando conversar com eles individualmente, sem que os outros alunos percebessem, e, mesmo quando a conversa era com todos, o tom era geralmente amigável. Os alunos da EERPS são provenientes de escolas de Ensino Fundamental de diferentes regiões de Cuiabá, principalmente das escolas da região do Coxipó. A maioria dos alunos pertence, aparentemente, à classe média. A escola não apresenta grandes casos de indisciplina. Em geral, os alunos são tranqüilos e a escola consegue lidar bem com os casos isolados de indisciplina que vez ou outra aparecem em sala de aula. A faixa etária dos alunos é em torno de quinze a dezessete anos, e cada sala tem uma média de trinta e cinco alunos. Em nossa atuação em sala de aula pudemos notar casos de comportamentos de não participação nas aulas, que nos intrigaram e nos levaram a buscar entendê-los por meio da experiência que aqui iremos relatar. Fundamentação teórica Esta experiência de tentar compreender situações de indisciplina nas aulas de inglês na escola pública está apoiada nos referenciais teóricos que fundamentam o Subprojeto PIBID de Inglês da UFMT. Compreendemos formação de professor de língua a partir de uma perspectiva sociocultural, em que aprendizagem é socialmente situada (LAVE; WENGER, 1991; JOHNSON, 2009). Por meio da participação gradativa em práticas, atividades e interações em comunidades de prática estabelecidas, nos contextos da escola e da UFMT, os bolsistas PIBID constroem e re-constroem sua aprendizagem e, nesse movimento, vão se tornando professores, contando com a mediação de profissionais experientes – coordenadora, professoras supervisoras, outros professores e membros da comunidade escolar 118 (WENGER, 1998; NÓVOA, 2009). Nesse sentido, a formação de professor de línguas envolve um processo de socialização nos valores, discursos e práticas profissionais em uma comunidade de prática e de construção de uma identidade profissional que permite aos jovens licenciandos exercerem diferentes papéis na prática social (SILVA, 2012, p. 47-48). Entendemos ser necessário que o professor, antes mesmo de se formar, conheça não só a realidade das salas de aula, mas de toda a estrutura e cultura escolar. Segundo Nóvoa (2009), precisamos abandonar a formação de professores que ainda é dominada mais por referências externas do que por referências internas. Igualmente, Kuzmic (1994) afirma que sem algum conhecimento básico da vida organizacional das escolas [...] professores iniciantes podem estar mal equipados para lidar com os problemas e dificuldades que encontram ou para desenvolver táticas políticas e estratégias de ensino necessárias para resistir [...] e enfrentar as pressões que empurram para a conformidade (KUZMIC,1994, p.24, apud KELCHTERMANS; BALLET, 2002, p.106). Daí a necessidade de “passar a formação de professores para dentro da própria profissão” (NÓVOA, 2009, p.16 ), para que o futuro profissional tenha a oportunidade de vivenciar ainda no curso da graduação o que, provavelmente, o espera em sua profissão. A partir das idéias de Lee Shulman (1987), em seu artigo “Excellence: An Immodest Proposal”, Nóvoa (2009) propõe novos modos de organização da profissão docente, advogando por um sistema de formação semelhante ao de outras profissões, como médicos, advogados e engenheiros, nas quais sua preparação é concebida nas fases de formação inicial, de indução e de formação em serviço. Tal sistema envolve a aprendizagem por meio de estudos de casos de diferentes contextos para compreender questões, buscar soluções através de investigação de situações diretamente relevantes para a vida profissional do professor – sua escola, sua própria sala de aula. Mais especificamente, Nóvoa (2009, p.18) propõe as seguintes ações para a formação do professor: (i)Estudo aprofundado de cada caso, sobretudo dos casos de insucesso escolar. (ii) Análise coletiva das práticas pedagógicas. (iii) Obstinação e persistência profissional para responder às necessidades e anseios dos alunos (iv) Compromisso social e vontade de mudança. 119 A implementação dessas ações se dá por meio do que Jonhson (2009) denomina ‘ensino dialógico’, centrado em conversas com outros professores acerca de questões de ensino e aprendizagem, durante as quais os professores em formação e os professores veteranos examinam suas próprias crenças e práticas e se engajam em planejamento colaborativo, resolução de problemas e tomadas de decisão. Esta interação pode tomar a forma de diálogo falado em conversas em grupo e através de diários ou journals e conversas online. Tais práticas pressupõem o cultivo de uma postura reflexiva, que envolve a observação de suas aulas, a escrita reflexiva de narrativas e relatos e a pesquisa ação, possibilitando uma formação de professor focada na natureza do ensino e do conhecimento pessoal e prático do professor (SILVA, 2010). As ações que compõem a experiência para compreender a indisciplina nas aulas e os modos de lidar com esse fenômeno foram informadas por estas perspectivas e concepções de formação de professor de línguas e serão descritas a seguir. A experiência de compreender a indisciplina e lidar com sua ocorrência nas aulas de inglês Nossa entrada em sala, ainda como observadores periféricos nas aulas de inglês das nossas professoras supervisoras, foi marcada por incertezas e perplexidade face às situações que vivenciávamos, mas com as quais não sabíamos lidar. Dentre elas, talvez, a que mais nos intrigou foi a questão da indisciplina dos alunos durante as aulas. Estas situações eram, frequentemente, o foco dos registros que fazíamos nos diários reflexivos e nas nossas conversas com a coordenadora e com as professoras supervisoras. O diário foi adotado pelos bolsistas com o objetivo de nos auxiliar a atribuir sentido à nossa prática pedagógica, por meio de reflexão. Nele podíamos narrar todos os acontecimentos vividos na sala de aula – ou fora dela. A partir da leitura desse diário, e também pelas conversas em reuniões, notamos a inquietação dos bolsistas a respeito das atitudes de não-participação dos estudantes nas aulas. Surgiu daí a necessidade de um estudo que contemplasse as questões de indisciplina e de resistência à participação em sala de aula. A partir de então, passamos a observar com mais atenção as aulas de língua inglesa para detectar os casos considerados como indisciplina. Após as aulas, anotávamos os casos em nossos diários reflexivos e esses eram enviados à coordenadora do projeto, que os lia e os enviava, sempre com um feedback, que geralmente era marcado com perguntas e/ou comentários que nos instigavam a refletir criticamente sobre o caso 120 descrito. O diálogo estabelecido entre o bolsista e a coordenadora tornou possível estabelecer um canal de comunicação via diário reflexivo e, ao mesmo tempo, era um meio de obtermos uma resposta rápida para assuntos urgentes. Após essa reflexão individual entre o bolsista e a coordenadora, os casos mais significativos eram levados às reuniões, em que eram feitas sessões reflexivas, envolvendo todo o grupo. Ao final de dois meses de observação da nossa prática em sala de aula e de registros nos diários, cada bolsista retirou do seu diário trechos com comentários e reflexões sobre os casos de indisciplina que considerou mais relevantes e levou-os para uma sessão reflexiva, para que fossem discutidos por todos, norteados por perguntas base feitas pela professora coordenadora: a)Esse caso é ou não indisciplina? b)Se for um caso de indisciplina, o que pode ter causado este tipo de comportamento? c)Como a situação foi abordada pelo professor ou bolsista? d)Quais seriam as melhores alternativas de resolução para o caso? Alguns exemplos de situações discutidas podem ser notados nos excertos dos diários dos bolsistas: A professora chamou a atenção dos alunos, porque quando chegamos estavam jogando UNO (um jogo de carta) e porque ela considera que isso pode ser um início de vício, uma vez que na outra vez que estivemos nessa sala os alunos fizeram a mesma coisa durante o recreio (Bolsista 2, Diário Reflexivo, 10/05/2010.) Havia um aluno que estava mascando chiclete e estourando bolinhas bem alto já há alguns minutos; um colega já havia alertado para que parasse, mas ele continuou, até que a professora interrompeu a aula assim que ele estourou a bolinha mais uma vez e chamou a atenção dele na frente de todos. Perguntou de que chiqueiro ele havia saído; a sala toda riu e o aluno ficou sem graça, mas obedeceu à professora e parou de estourar bolinhas. A professora explicou que ela precisa prepará-los para o mundo e formar cidadãos educados que saibam se portar no meio social. Fala do seu papel como educadora e em seguida continua a correção. [...] O aluno ficou rindo e fez gracinhas para os outros colegas sem que a professora visse (Bolsista 3, Diário Reflexivo, 13/05/2010). 121 W. estava próximo ao quadro negro jogando pedaços de giz em um colega que estava no fim da sala. Pedi para que ele, por favor, me entregasse os gizes. Ele entregou, mas pegou mais e continuou a jogá-los. Mais duas vezes pedi para que ele me entregasse. Depois que me entregou pela terceira vez, W. parou e foi se sentar (Bolsista 1, Diário Reflexivo, 03/08/2010.) Dois alunos se levantaram e queriam ficar na porta da sala, pois queriam sair. Pedi para que os dois se sentassem, os dois foram para o fundo da sala. M. sentou e ficou quieto, mas não abriu o caderno. Já L. ficou em pé no fundo da sala, mandei que ele sentasse e ele se apoiou em uma mesa. Logo em seguida, o celular de L. tocou e ele atendeu. Mandei que ele saísse. Ele saiu sem discutir. Tive medo de perder a autoridade em uma discussão com esse aluno. Fui firme com ele, alguns alunos falaram que foi bom eu ter feito isso porque esse aluno é encrenqueiro. Depois da aula, conversei com a professora sobre o que ocorreu e ela me disse, rapidamente, que realmente esse aluno é problemático, mas que estava melhorando. Disse também que foi importante não ter discutido com ele. Conversei com algumas pessoas sobre o que ocorreu e cheguei à conclusão que agi de forma correta para evitar uma discussão com o aluno e perder minha autoridade que estou construindo nesse início, mas que isso não levou L. a refletir sobre sua postura em sala de aula. Ele simplesmente foi embora e não me atrapalhou (Bolsista 4, Diário Reflexivo, 19/08/2010). Após essa etapa, fomos orientados para a leitura e discussão de textos sobre manejo de aulas de inglês e indisciplina (MCGOVERN; WADDEN, P., 1991; UR, 1996, SULICH, M., 2004; HARMER, 2007) e sobre indisciplina e escola (GENTILLE, 2002; VICHESSI, 2009; MONROE, 2010), para que pudéssemos conhecer o que a literatura dizia a respeito e como poderíamos entender o que realmente é indisciplina, pois muitos casos que nós considerávamos como sendo de indisciplina não eram vistos assim pela literatura da área. As seguintes questões nortearam nossos estudos: a)O que é indisciplina? b)Quais são suas causas? c)Qual é a relação entre adolescentes e indisciplina? d)Qual é o papel do professor em momentos de indisciplina em sala de aula? e)Qual é a diferença entre autoridade e autoritarismo por parte do professor? 122 f)Como estabelecer um ambiente em sala de aula que proporcione menos oportunidades para indisciplina? Além das leituras, sentimos necessidade de estabelecer diálogo com outros profissionais que nos auxiliassem a melhor compreender nossos alunos. Foram-nos, então, concedidas palestras e oficinas com psicólogos e professores sobre o adolescente e a escola, para que pudéssemos entender o comportamento dos jovens e o porquê de muitas atitudes tomadas pelos estudantes. A discussão com os especialistas nos levou à leitura de novos textos sobre indisciplina e autoridade do professor (AQUINO, 1999; MOITA LOPES, 2001; NOVAIS, 2004). Os estudos e o intercâmbio de idéias e experiências com outros profissionais geraram oportunidades valiosas para discussão sobre formas de lidar com os casos de indisciplina. Por essa época, os bolsistas iam experimentando estratégias para lidar com indisciplina e iam encontrando suas próprias formas de abordar comportamentos de não participação em sala. Os sucessos e insucessos no trato com a indisciplina eram partilhados com o grupo na universidade e na escola e iam desencadeando outras questões e temas para novos estudos, como a identidade profissional do professor de inglês. Avaliação dos resultados O estudo sobre a indisciplina teve fundamental importância para o desenvolvimento dos bolsistas, pois entender como seus alunos se comportavam e o porquê de determinadas atitudes de aparente resistência ou não participação nas aulas fez com que resignificassem suas experiências e elaborassem novas estratégias de ensino, colaborando para o aprendizado dos alunos e auxiliando no trabalho em sala de aula. Pudemos compreender que cada etapa da vida requer cuidados e atenções diferentes e que todo aluno pode ser ensinado, desde que o professor aprenda a lidar com cada situação encontrada. Percebemos, também, que a resistência à participação na aula pode estar relacionada à discordância dos alunos da forma como a língua é trabalhada em sala, o que nos levou a considerar outras possibilidades de tornar o ensino mais próximo da prática social por eles vivenciada. Tendo como base uma concepção favorável à construção de regras e objetivos traçados por ambas as partes – professor e alunos – e estratégias de manejo de aula eficientes, acreditamos que os problemas com a indisciplina tendem a diminuir. Os benefícios certamente serão maiores se houver o envolvimento institucional. Por isso, o trabalho exige não apenas autorreflexão, mas também formação e esforço de equipe. Para transformar o ambiente, as regras convencionais precisam ser constantemente lembradas. 123 O impacto do trabalho com a indisciplina pode ser notado na postura dos bolsistas, que, gradativamente, foram entendendo que tinham responsabilidades perante os alunos e que poderiam estabelecer com eles uma relação harmoniosa de respeito e cooperação. Contudo, compreenderam também que essa relação demanda tempo e investimento de ambas as partes. Nos estudantes também foi possível notar uma mudança de postura nas aulas. Aos poucos, à medida que os bolsistas iam se afirmando como professores e encontrando formas mais eficazes de se relacionar com seus alunos, estes começaram a participar mais e a manter um diálogo com seus novos professores, dando início a um processo de troca de opiniões e de respeito à autoridade do professor. Os resultados dessa rica experiência também se fizeram sentir na trajetória dos próprios bolsistas na comunidade de prática do PIBID de Inglês. Após dois anos de experiência em sala de aula, e já confiantes no trato com os alunos em sala de aula, fomos nós, bolsistas autores deste relato, que organizamos oficinas para compartilhar nossos conhecimentos sobre indisciplina nas aulas de inglês como os novos bolsistas que ingressaram no subprojeto em 2012. Mais importante, ambos, agora recém-formados e inseridos nas nossas próprias salas de aula, estamos tendo a oportunidade de colher os frutos desta experiência ao nos engajarmos na construção de uma relação de respeito e autoridade nas aulas de inglês. Considerações finais Acreditamos que a proposta de estudo sobre a indisciplina nos ajudou a reconhecer que, em uma sala de aula heterogênea e numerosa de ensino médio, conversas paralelas e momentos de indisciplina vão acontecer. Muitas vezes, esses casos podem ser vistos como não participação dos alunos, porém, se considerarmos sua idade, o contexto no qual estão inseridos e as condições de ensino apresentadas a eles, verificaremos que há possibilidades de observar o mesmo contexto com olhos mais analíticos e capazes de perceber onde o problema se situa e traçar metas para solucioná-los de forma simples e objetiva. Compreender as possíveis causas de atitudes que fogem ao padrão esperado no contexto escolar e que influenciam o comportamento dos estudantes é de grande valia para um professor em início de formação, pois minimiza seu desgaste físico e mental. Após um estudo aprofundado e reflexivo sobre o tema, percebeu-se uma mudança de postura dos bolsistas, os quais compreenderam que nem tudo que aparentemente causa ruídos e não-participação em sala de aula é indisciplina. 124 Referências AQUINO, J. G. A indisciplina e a escola atual. Revista da Faculdade de Educação, v. 24, n. 2, 1998. 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Foram ministradas seis (6) aulas teóricas extraclasse, com vídeos, leituras de textos, músicas e poesias; duas (2) aulas de campo para melhor compreensão das atividades desenvolvidas no decorrer do projeto; duas (2) aulas de monitoria e avaliação e duas (2) outras para confecção da oficina de encerrremanto. Aula expositiva sobre Cuiabá - arquitetura, reflexão e poesia – Bolsista PIBID Camila Marques 129 Justificativa O Projeto surgiu da percepção de que os alunos do Ensino Médio das escolas conveniadas ao PIBID Filosofia conhecem pouco da tradição cultural na qual estão inseridos. Não somente os estudantes, mas muitos de nós desconhecemos nossa própria cultura. Consideramos que o contato com expressões culturais da cidade revela o passado, circunstancia o presente da vida em sociedade e colabora significativamente para a formação do cidadão, uma vez que, sob o ponto de vista da estética da existência de Michel Foucault, o indivíduo se constitui e é constituído pela dinâmica imanente ao ambiente cultural em que vive. Neste sentido, o Projeto propôs uma intervenção didática visando ao aprofundamento dos conhecimentos sobre variados aspectos culturais da cidade e/ou região do estudante. Objetivo geral Tratando-se de um projeto interdisciplinar em Filosofia, a investigação filosófica proposta almejou gerar subsídios para a reflexão sobre a cultura local, notadamente a arquitetura da cidade e o substrato social, político e estético ali implícito. Abrangência O projeto foi elaborado para atingir as duas (2) turmas do 3º ano matutino da E.E. Raimundo Pinheiro da Silva. Em seu início, no entanto, contou com a participação de cerca de 30 alunos, incluídos alguns também do 1º e 2º anos. Os alunos participantes estavam na faixa etária entre 15 e 18 anos. No encerramento do projeto, contamos com 17 alunos participantes das três séries do Ensino Médio. Objetivo específico I Viabilizar a ponte entre o conhecimentos histórico, cultura local e a filosofia. Enfatizar a necessidade de o aluno conhecer o seu ambiente de vivência. Ações: • Pesquisa de campo nos pontos turístico urbanos a serem apresentados aos alunos. • Levantamento de subsídios relevantes da historicidade local e dos patrimônios prediais a serem trabalhados em sala. • Visita aos locais pesquisados. 130 Objetivo específico II Possibilitar a reflexão perante a historicidade local, casada com o pensamento filosófico de cada autor a ser trabalhado. Ações: • Pesquisas pelos bolsistas das seguintes obras filosóficas: 1) “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault (1975); 2) “A Política”(Livro 1), de Aristóteles, (A formação da cidade) ; 3) “Crítica do Juízo”, de Immanuel Kant (1980). Objetivo específico III Viabilizar junto aos alunos um diálogo entre os aspectos históricos nos quais estão inseridos e os temas filósficos abordados em cada obra trabalhada. Ações: • Leitura de fragmentos das obras citadas, especificamente as que se referem ao tema a ser trabalhado em cada aula. • Leitura de textos históricos, bem como poesias, música e obras de arte de artistas regionais. Objetivo específico IV Subdividir entre bolsistas aulas/temas a serem ministradas/discutidos. Definir, por escolha, um tema a partir de uma das obras selecionadas para a exposição de cada bolsista em sua aula. Ações: • Pesquisa direcionada ao tema a ser trabalhado em cada aula; produção de textos a partir dos temas: Formação da Cidade e Cidadão - Arquitetura e Poder – Arte Como Registro de Nossa Existência. Objetivo específico V Avaliar a compreensão do conteúdo teórico, histórico e filosófico, apresentado e dos pontos turísticos urbanos pesquisados e trabalhados em cada aula. 131 Ações: • Produção de textos e poesias manuscritos para avaliarmos a compreensão do assunto ministrado em cada aula. • Confecção de um zine que retratasse imagens e textos sobre a história, arquitetetura e função de cada prédio estudado e visitado. Execução Foram realizados ao todo 10 encontros/aulas, contextualizando filosofia, cultura e cidadania. Resumo das aulas 1ª Aula Na aula inaugural, relatamos aos alunos participantes como seria a execução do projeto, quais filósofos trabalharíamos e o motivo pelo qual julgávamos importante conhecer a cultura na qual estamos inseridos. Além disso, fizemos uma explanação sobre a definição e classificação dos tipos de patrimônio (patrimônio histórico material, imaterial e natural) e sobre os órgãos responsáveis pela preservação e manutenção dos mesmos. Sensibilização Apresentamos um vídeo com a música regional, o rasqueado cuiabano “Tipos Populares”, com letra de Moisés Martins, cantado pelo trio regional Pescuma, Henrique e Claudinho; no vídeo, aparecem variadas imagens da cidade de Cuiabá e também grupos de dança regional, executando o “Siriri”, dança típica cuiabana. 2ª Aula Título: ‘Conheça Teu Lugar’ - Arquitetura e História FOUCAULT - Vigiar e Punir Subtítulo: Arquitetura e Poder Iniciamos a apresentação teórica com o texto do filósofo Michel Foucault, relacionando seu conceito de poder com a arquitetura, situando os alunos na correlação entre ambos os termos e esclarecendo a ligação entre as ‘construções’ e o conceito de poder. Para tal, trabalhamos os conceitos de vigilância hierárquica, panóptico, sanção normalizadora, exame. Assim, definimos os conceitos do filósofo e apresentamos sua biografia. Partimos de uma questão sensibilizadora: “O que ‘as paredes me dizem’?” (Conhecer para identificar-se com ‘o lugar’), para aproximá-los dos conteúdos. Explicitamos inicialmente a relação da arquitetura brasileira 132 com o poder na época da ditadura militar. Também citamos que a música brasileira denuncia tal elo entre o poder e suas ferramentas. Em seguida, trouxemos tais características para a cidade de Cuiabá. 2° momento da aula Dentro deste roteiro, explicamos o conceito de “bom adestramento”: um poder que adestra para se apropriar depois. Explicamos o conceito de poder: o autor o define como “poder disciplinar”, que separa, divide e individualiza, que determina “o louco”, “o prisioneiro”. Também explicamos o exercício da disciplina, que requer vigilância para o funcionamento do poder. A arquitetura tem o papel de transformar os indivíduos, porque ela “adestra” e “adestrar” envolve disposição do espaço. Outro conceito importante é o de “sanção normalizadora”. Com este conceito, o autor trata não só do enquadramento do espaço, mas também do ser humano, e isto é feito tanto pela arquitetura (espaço), quanto pela medicina (o exame) e pela educação (treinamento e correção). Explorando tais conceitos, percorremos a construção argumentativa do autor, para trabalharmos o conceito de poder em sua totalidade e suas relações. 3° momento da aula Apresentamos um resumo do conteúdo abordado, argumentando junto aos alunos a necessidade de estarmos cientes do conceito de poder que produz realidade (indivíduo e conhecimento). Isso significa que o Poder apresenta vários polos negativos, porém é necessário que os conheçamos e a suas implicações, para que consigamos ser conscientes deles e críticos de seu funcionamento e suas ferramentas (discurso, arquitetura, arte etc.). Obs.: Nas aulas, foi solicitada a participação dos alunos, tanto oralmente como na escrita, pois o objetivo era fazer com que eles exercitassem a capacidade de síntese do conteúdo abordado; assim, tínhamos em mãos os pontos teóricos que não só eram relevantes para os alunos, como incentivaram a importância da anotação para uma melhor assimilação dos conteúdos. 3ª Aula Título: Cuiabá: paisagens e espaços da memória Subtítulo: estruturas arquitetônicas: igrejas, sobrados, casarões, ruas e praças. 1° momento da aula Nesta aula, apresentamos aos alunos a linha histórica da cidade de Cuiabá, desde sua fundação em 1719, relatando sua estrutura colonial e seus hábitos. Mostramos as mudanças físico-estruturais da cidade, ressal133 tando sua violenta transformação de cidade colonial em cidade moderna. A preocupação consistia em demonstrar que as mudanças físicas têm como base discursos políticos (ferramenta de poder). Assim, demonstramos os patrimônios não preservados, como o calçamento de pedra de cristal e os antigos sobrados coloniais, entre outras estruturas físicas da antiga Cuiabá, hoje já não existentes. 2° momento da aula Apresentamos os sobrados, casarões existentes no centro histórico de Cuiabá, citando os principais e relatando suas breves histórias. Apresentamos trechos de autores que tratavam de tais questões, como Lenine Povoas. Em seguida, demonstramos as características arquitetônicas das “Casas Senhoriais”, mostrando suas plantas. 3° momento da aula Descrevemos a cidade de Cuiabá, nos séculos 18 e 19. Nesse momento, comentamos sobre os estilos arquitetônicos que se modificaram de um século ao outro, até a atualidade. Os alunos tomaram conhecimento das primeiras ruas de Cuiabá, as primeiras casas e seus estilos, como fachada estreita, paisagem monótona, construções simples, que caracterizaram o século XVIII. Em seguida, partimos para a arquitetura do século XIX, a Arquitetura Neoclássica, estilo artístico da Europa entre 1770 e 1830, e pela Antiguidade Grega, seguido das características ─ pilastras, portas e janelas enquadradas e arrematadas em arco pleno ─ seguido de exemplos, como os prédios do MISC e do SESC Arsenal. Isso foi feito com os demais estilos arquitetônicos: Arquitetura Eclética, Arquitetura Neocolonial, Arquitetura Art Déco, Modernismo, Arquitetura Neogótica (referentes aos séculos XIX e XX). Assim, trabalhamos cada um dos estilos arquitetônicos que influenciaram a arquitetura cuiabana, estilos estes originados em sua grande parte da Europa. Tratamos também das técnicas construtivas. Nosso principal objetivo era demonstrar que as mudanças arquitetônicas estão intimamente ligadas às mudanças histórico-sociais do lugar. 4° momento da aula Trouxemos a questão histórica para o eixo filosófico, enfatizando que as mudanças nas paisagens de uma cidade possuem uma origem políticosocial. Destacamos para os alunos, através dos exemplos apresentados, a importância de se ter uma consciência crítica quanto às mudanças propostas à cidade, tendo que questionar racionalmente as decisões do Governo, do Estado, do Município. Isso equivale a conhecermos nossa cidade e suas mudanças históricas, ajudando a compreender a importância do patrimônio histórico-cultural, além de nos identificarmos com a cidade, na qual obtemos os fundamentos para pensá-la de forma crítica e consistente. 134 Com essas aulas, tínhamos como objetivo estimular o aluno a desnaturalizar seu olhar para aquilo que já lhe é natural; para isso, propusemos uma atividade entre a reflexão e a imaginação: olhar para o passado e o presente. A atividade consistia em escrever, a partir de dois enunciados: 1°: “viver e ver o não visto” ─ para o aluno escrever como ele imaginava a Cuiabá antiga, sobretudo do século XVII ao XIX, e 2° ─ “olhar e analisar os fatos” ─ para analisar as mudanças que estão ocorrendo na cidade – políticas e sociais. 4ª Aula Título: A formação da cidade e do cidadão Aristóteles: Vida e Obra Iniciamos com uma aula teórica sobre Aristóteles, com o tema “A Formação da Cidade”, para, assim, promover uma reflexão sobre os conceitos de cidade e de cidadão, na visão do filósofo, e a relevância de conhecer o meio em que vivemos. Abordamos também a arquitetura da cidade e suas disposições prediais, propondo discussões sobre o assunto. O fragmento trabalhado foi extraído da obra A Política: A POLÍTICA Fica evidente, portanto, que a cidade participa das coisas da natureza, que o homem é um animal político, por natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, por instinto, e não por inibição de qualquer circunstância, deixa de participar de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem. Esse indivíduo é merecedor, segundo Homero, da cruel censura de um sem-família, sem leis, sem lar (ARISTÓTELES. Política. Traduzido por Torrieri Guimarães. São Paulo: Martins Claret, 2002, p. 14). 5ª Aula Título: A arte como meio de comunicação entre os humanos Immanuel Kant: Vida e Obra Subtítulo: Arte e Cultura local / Registro de nossa existência A aula ministrada tratou da vida e das principais obras de Immanuel Kant; utilizamos fragmentos da obra Crítica do Juízo, especificamente a que faz referência à divisão das belas artes: as artes elocutivas, figurativas e a arte do jogo das sensações. Nesta aula, expusemos a defesa de Kant sobre o modo de expressar do homem para comunicar-se. Para o filósofo, esse modo é perfeito, pois o homem se utiliza das sensações através das palavras, gestos e sons (articulações, gesticulações e modulação) e que sem esses artifícios/ligações, a comunicação não se daria, não seria completa. Essas ligações ocorrem com o pensamento, a intuição e a sensação simultânea e unificadamente e são transmitidas a nossos semelhantes. Explicamos que Kant define a arte 135 como meio de comunicação entre os homens: nossos atos como produtos/ registros da nossa existência. Expusemos, ainda, imagens de obras de artistas regionais como forma de sensibilização quanto ao reconhecimento e valorização da cultura local, enfatizando a necessidade de conhecer nosso ambiente de vivência, nossa história, nossas raízes. Esse é um modo de reconhecer a nós mesmos, pois só dessa forma poderemos deixar registrados informações e conhecimentos aos futuros habitantes. 6ª e 7ª Aulas ─ Aulas de campo 1ª Aula de campo No dia 27 de junho de 2012, às 8h, saímos da Escola Raimundo Pinheiro da Silva no ônibus solicitado pela Coordenação da Escola junto à SEDUC (Secretaria de Educação); levamos os 17 alunos participantes do projeto para visitar e conhecer os seguintes pontos turísticos urbano da cidade: SESC Arsenal, Casa do Artesão, Museu do Rio/Peixe, locais onde os alunos puderam conhecer empiricamente a história de cada prédio, ver e reconhecer a arquitetura predial estudada em sala, bem como a função de cada prédio no passado e atualmente. 2ª Aula de campo Na aula do dia 28 de junho de 2012, contamos com a presença do professor/ historiador/guia Oscar, que relatou com muita propriedade a história da fundação da cidade, sua extensão territorial e seus principais e ilustres fundadores e habitantes. Esse encontro se deu primeiramente em frente à Catedral Metropolitana de Cuiabá e Palácio da Instrução: neste ponto, o professor Oscar fez uma exposição sobre a arquitetura predial das construções. Aula de campo: Palácio da Instrução e Catedral Basílica Senhor Bom Jesus de Cuiabá no Centro de Cuiabá 136 No Centro Histórico da Cidade, foi mostrada aos alunos a arquitetura que sofreu influência portuguesa, italiana etc., bem como o formato e o modo como foram construídos os casarões antigos da cidade, que hoje são tombados patrimônio histórico da humanidade e zelados pelo IPHAN -MT (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de Mato Grosso). Visitamos, também, o MISC (Museu da Imagem e do Som de Cuiabá), aberto ao público com exposições diárias de fotos da Cuiabá antiga, instrumentos de som e imagens das primeiras imprensas/mídias locais (rádio/ jornal/ revista etc.). Os alunos participantes ficaram bastante impressionados com o acervo. Estudantes fascinados com a historicidade contada através das imagens expostas no MISC Palácio Episcopal: último ponto turístico visitado Seguimos para a sede do IPHAN, Igreja Nossa Senhora do Rosário e Capela de São Benedito, sempre acompanhados e guiados pelo professor/ historiador Oscar; encerramos a visitação em frente ao Palácio Episcopal. 8 ªAula Autoavaliação e aplicação de exercícios Solicitamos que os alunos participantes do projeto avaliassem as atividades desenvolvidas até aquele momento, sobretudo as aulas de campo que ocorreram. Em seguida, foi solicitado que eles pesquisassem sobre os locais visitados durante as aulas de campo; cada aluno ficou responsável por um determinado Patrimônio Histórico, para pesquisar os seguintes itens: definição das características arquitetônicas; influência arquitetônica do Patrimônio Histórico escolhido; história do patrimônio e sua função atual. 137 9ª Aula Monitoria Aulas de monitoria aos alunos, para revisão e correção dos trabalhos por eles efetuados. Bolsistas monitorando alunos na confecção de zine e textos. Nesta aula, oferecemos aos alunos uma forma de colocar sua pesquisa de maneira artística; para isso, apresentamos o gênero denominado Zine, no qual colamos figuras e recortes conjuntos ao texto, de uma forma aleatória, aberta à criatividade, porém com uma lógica interna, levando em conta o tema e o que este representa. Essa ideia foi bem aceita pelos alunos. 10ª Aula Oficina de encerramento: Nesta aula, ocorreu a finalização do Projeto e a conclusão das atividades propostas (pesquisa e zine), atividade executada com apoio de materiais disponibilizados pelo PIBID, sendo eles: tesoura; cola; periódicos; imagens; fotos; giz de cera etc. 138 Oficina de colagem (encerramento) Avaliação Geral O aparato técnico da escola comprometeu em parte a aplicação do projeto devido ao fato de a estrutura física da instituição não comportar determinados aparelhos que precisamos ultilizar nas aulas. Nessa escola, não há uma sala específica para vídeo e projetos extraclasse. Além disso, a participação dos estudantes em projetos extraclasse ainda é uma cultura em construção. Durante o desenvolvimento do projeto, encontramos a seguinte dificuldade: por ser um projeto interdisciplinar, percebemos que, em alguns momentos, o aspecto filosófico se perdia nas discussões dos estudantes, pois, várias vezes, levantavam questionamentos voltados às outras áreas do conhecimento, exigindo do bolsista ministrante a retomada das questões filosóficas centrais, voltando, assim, ao objetivo principal do projeto, ou seja, ao aprendizado da cultura local e da cidadania e à reflexão sobre essa relação. Neste momento, avaliando a desenvolvimento geral do projeto, podemos enfatizar que, apesar de, no início, os alunos demonstrarem uma tímida aproximação com as questões filosóficas, aos poucos percebemos sensibilização e compreensão dos temas abordados, associações entre a base teórica e a experiência pessoal. Confirmaram tal compreensão por meio de produção textual e comparações, relacionando os temas filosóficos, históricos e arquitetônicos apresentados em sala aos pontos turísticos visitados. 139 Considerações finais Consideramos que a aplicação do projeto possibilitou experiência relevante para a formação dos alunos, e dos próprios bolsistas, já que, ao término do projeto, gerou-se a preocupação de analisá-lo, buscando uma fundamentação teórica para todas as atividades desenvolvidas em cada aula, repensando seu processo didático e metodológico, sobretudo refletindo sobre a nossa postura como futuros docentes Entendemos, ainda, que a oportunidade a nós concedida pelos coordenadores e supervisores, com autonomia para elaborar e aplicar projetos nas escolas conveniadas, mesmo que de forma direcionada, só vem a contribuir para a formação do bolsista PIBID como um futuro profissional qualificado para a área educacional. Referências ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Ed. Escala, 2006. FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, Vozes, 1987. GOMES, W. Dicionário Cuiabanês. Disponível em: <http://www.coisasdematogrosso.com.br/cidades/sobreacidade/exibir.asp?id=37&item=Dicionario_de_Cuiabanes>. Acesso em: 03 set. 2012. KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. São Paulo: Abril Cultural, 1980. MARTINS, M. Música: Tipos populares. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Gkkn7Cu1Dnw>. Acesso em: 03 set. 2012. PÓVOAS, L. C. Sobrados e casa senhoriais de Cuiabá. Cuiabá: Fundação Cultural de Mato Grosso, 1980. 140 2.2 OFICINA: A MÚSICA COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS DE PAISAGEM E ESPAÇO GEOGRÁFICO Antonio Carlos da Silva Oliveira Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Sebastião Martins dos Santos Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Apresentação Com os avanços tecnológicos é possível constatar nos dias atuais, cada vez mais, a proximidade dos jovens com a música, seja em casa, no ônibus e até na escola. Ao analisar as letras das músicas, observa-se a narração de uma história, em que existe um sujeito desenvolvendo uma ação em um determinado espaço. Sendo assim, a música nos permite realizar várias abordagens sobre a temática do espaço geográfico e da paisagem. Ao pensar nisto, o subprojeto de Geografia do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência (PIBID) campus Cuiabá, ofertou para a “16ª Semana da Geografia”, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá, no ano de 2012, uma oficina pedagógica que se propôs a relacionar a música ao ensino de Geografia. O objetivo da oficina foi compreender, a partir da música, os conceitos da ciência geográfica, de modo a ressaltar sua importância como um instrumento pedagógico. A importância dessa atividade foi oferecer aos futuros professores mais uma forma de abordar a Geografia em sala de aula, de maneira que os alunos do ensino básico possam perceber a presença constante da Geografia em seu cotidiano, em suas ações e atitudes. O público alvo da oficina foram os acadêmicos do Curso de Geografia da UFMT, campus Cuiabá, e da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campus Cáceres. Para apresentação do conteúdo, este artigo está dividido em três partes: O ensino de Geografia e a música; A música e a Geografia na academia, e Considerações. 141 O ensino de Geografia e a música Muitos pesquisadores da área de ensino de Geografia, como Callai (2005), Cavalcanti (2005) e Couto (2006), apontam para a importância da prática pedagógica escolar alicerçada nos conceitos geográficos. Entretanto, não devemos ter a pretensão de transformar os alunos em pequenos geógrafos. Ao pensar o desenvolvimento dos conteúdos geográficos através da música, nos preocupamos em fazer uso das principais categorias (espaço, paisagem, lugar, território e região). Entre tais, escolhemos o espaço e a paisagem para pensar a música como instrumento de linguagem que possibilite a leitura geográfica do mundo. A música e a Geografia estão presentes no cotidiano de todos, então se faz necessário desenvolvê-las como instrumentos que possibilitem a leitura ampla e crítica da realidade. Assim, a linguagem musical visa a contribuir para a realização da leitura geográfica da realidade. Desse modo, a proposta da oficina é demonstrar ao público alvo que existem várias formas de compreender um mesmo fato e que podemos utilizar também a produção musical como estratégia. Ao pensarmos a música como um instrumento para o ensino de Geografia, faz-se necessário, no desenvolvimento das atividades na escola, que o professor não interprete de forma simplista ou equivocada os conceitos científicos. Essa mesma preocupação nos é apresentada por Moreira (2007), ao afirmar que, ao tentarmos compreender o mundo em sua totalidade, nos deparamos com várias representações do mundo e realidades que podem parecer infinitas, a princípio. Neste sentido, à primeira vista, tudo se apresenta como singular; assim, temos o conceito que irá reunir os vários elementos da realidade a partir das características integradoras. Moreira (2007, p.107) amplia a discussão, ao dizer que: A representação é o mundo construído na dialética a partir da imagem e da fala. Vimos que a imagem surge no campo da senso-percepção, e a fala surge no campo da tradução intelectiva dessa imagem, e que ambas estão inscritas no conceito. A representação é o produto da transcodificação que se estabelece entre imagem e fala dentro do conceito, na qual a imagem se exprime através da fala e a fala codificada dá voz à imagem. E é por meio delas que se faz presente. De modo que mundo é imagem e a fala com que o representamos ao fazermos intervir o sentido da significação no conceito. Dessa maneira, a aproximação da música com os conceitos geográficos, em especial com o espaço e a paisagem, juntamente com as práticas sociais de cada sujeito, permite o desenvolvimento da leitura científica da 142 realidade, deixando de reproduzir o senso comum na interpretação dos elementos do cotidiano. A oficina com a música é uma oportunidade para que possamos promover, junto com os acadêmicos e futuros professores de Geografia, um estudo que compreenda o processo de construção de importantes conceitos geográficos para a atividade de ensino, visando a contribuir para uma aprendizagem científica. Portanto, para incorporar o conceito de espaço e paisagem à música, foi necessário trabalharmos com duas composições: uma representando o campo e a outra a cidade e seus problemas e belezas. A música e a Geografia na academia O método de abordagem que utilizamos neste trabalho está localizado na perspectiva da abordagem qualitativa, que, para Ludke & André (1986, p. 11), [...] tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. [...] a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo. A metodologia utilizada para o desenvolvimento da oficina envolveu a teorização e fundamentação de prática pedagógica sobre a importância da música para o ensino de Geografia. A oficina iniciou-se com uma dinâmica de cartas de baralho (Figura 1), que teve o intuito de mostrar a construção, desconstrução e reconstrução do espaço geográfico e da paisagem. Esta atividade proporcionou aos participantes da oficina compreender de forma diferente o espaço geográfico e a paisagem. Figura 1: Dinâmica do baralho. Fonte: Marinho, 2012. 143 Na sequência, os participantes construíram conceitos individuais e coletivos de espaço geográfico e paisagem, formando uma “árvore geográfica” (Figura 2). A discussão teórica foi o passo seguinte e Milton Santos (1988) se tornou a base para as discussões dos conceitos geográficos. Figura 2: Bolsista Pibid discutindo a árvore geográfica. Fonte: Marinho, 2012. Após esse momento, fez-se a proposta para os grupos: escolher uma música que representasse o espaço geográfico e a paisagem, enfocando o campo e a cidade, suas belezas e seus problemas. As músicas escolhidas foram “Meu reino encantado” (2012) e “Cidadão” (2012). A primeira narra a vida no campo e a segunda, o árduo cotidiano citadino. A partir das músicas escolhidas, desenvolveu-se um momento de reflexão e socialização dos participantes sobre os elementos geográficos contidos nas letras, de forma a explorar a riqueza geográfica presentes nas músicas. Além dos conceitos já mencionados, foi possível construir um olhar da realidade pela geografia, a partir de conteúdos como campo e cidade, urbano e rural (Figura 3). 144 Figura 3: Trabalho com as músicas e conceitos. Fonte: Marinho, 2012 Esta atividade foi desenvolvida no laboratório do PIBID – Geografia e no laboratório do Programa de Educação Tutorial – PET, Geografia. Os resultados foram divididos em momentos: no primeiro, a observação do público, composto por acadêmicos do curso de Geografia da UFMT, campus Cuiabá, e UNEMAT, campus Cáceres; no segundo, a representação e apresentação dos conceitos produzidos pelos participantes, proporcionando a reflexão sobre a ciência geográfica; no terceiro, a introdução da música como o elo harmônico do cotidiano com a Geografia. Considerações A experiência com a música mostrou-se prazerosa para os participantes, possibilitando o desenvolvimento de atividades em grupos, sendo possível discutir as categorias de análise da Geografia a partir das representações do espaço geográfico, da paisagem e da música. O trabalho com a música significou um maior contato com novas práticas pedagógicas que poderão instrumentalizar melhor os trabalhos na sala de aula, além de ser uma ponte com a ludicidade no ensino. Referências CALLAI, H. C. Do ensinar geografia ao produzir o pensamento geográfico. In: REGO, N. [et al] (Org.). Um pouco do mundo cabe nas mãos: geografizando em Educação o local e o global. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003, p. 57-73. 145 CAVALCANTI, L. S. Cotidiano, Mediação Pedagógica e Formação de Conceitos: Uma Contribuição de Vygotsky ao Ensino de Geografia. Cadernos do Cedes, São Paulo, v. 25, n. 66, p.185-207, maio/ago, 2005. COUTO, M. A. C. Pensar por conceitos Geográficos. In: CASTELLAR, S. (Org.). Educação geográfica: Teorias e práticas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 79-96. DANIEL. Meu reino encantado. Disponível em: <http://letras.mus.br/daniel/45388/>. Acesso em: 03 mar. 2012. LUDKE, M.; ANDRÉ. M. E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. Fundamentos teórico e metodológico da geografia. São Paulo: Hucitec, 1988. RAMALHO, J. Cidadão. Disponível em: <http://letras.mus.br/ze-ramalho/75861/>. Acesso em: 03 mar. 2012. 146 2.3 ENSINO MÉDIO INTEGRADO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: INTERVENÇÕES EM ESCOLAS ESTADUAIS DE ENSINO MÉDIO DO ESTADO DE MATO GROSSO José Carlos Marinho da Silva Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Meire Rose dos Anjos Oliveira Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Introdução O debate acerca de políticas públicas implementadas em âmbito educacional requer atenção especial, pois estas são decisórias para o crescimento e desenvolvimento de uma nação. O presente artigo expõe políticas públicas na esfera da educação profissional, a partir da atenção básica às necessidades populacionais do currículo integrado no Ensino Médio da rede estadual de ensino do estado de Mato Grosso. Nos tempos atuais, se caracteriza a profissionalização como instrumento de qualificação profissional, com vistas às necessidades do mundo do trabalho, cujo objetivo é a capacitação para além do capital, conforme afirma Mészáros (2008), sobre a integração da ciência e tecnologia. A Geografia, como ciência social atuante nas decisões e nos acontecimentos mundiais, apresenta-se como instrumento de análise a partir da esfera constituinte de formação cidadã, comprometida com os acontecimentos oriundos do seu espaço de convivência. As transformações decorrentes em relação ao trabalho englobam a geografia como mediadora de discussões voltadas às revoluções e acontecimentos que influenciam os direitos e deveres adquiridos pela sociedade no decorrer dos anos. Para integrar o Ensino Médio à educação profissional, implantouse em Mato Grosso o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional – EMIEP, cujo objetivo é atender a 30% dos alunos matriculados na instituição receptora. Neste Estado, o EMIEP está presente em 64 instituições, distribuídas em 41 municípios, sendo três delas na Capital, Cuiabá, com habilitações profissionais diversas, sempre voltadas ao contexto regional do polo em funcionamento. É importante dizer que a análise tem como escopo as observações e intervenções realizadas nas Escolas Estaduais André Avelino Ribeiro e Presidente Médici, durante a atuação dos bolsistas do Programa de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID/ Geografia. 147 Educação para o trabalho – breve histórico A formação de mão de obra sempre foi um árduo objetivo no Brasil, desde os tempos mais remotos da colonização, tendo como os primeiros aprendizes de ofício os indígenas e os escravos, mesmo que estes obtivessem remuneração barata ou à base de alimentação e moradia. Nos dias atuais, não se objetiva apenas formar mão de obra, mas implementar políticas públicas educacionais voltadas ao atendimento da sociedade, evidenciando as exigências do mundo do trabalho, em que a educação profissional se torna fator preponderante de qualificação. No início do século XX, após a abolição da escravatura e o início do processo do êxodo rural, o Brasil deixa de ser um país imperial e inicia um processo de industrialização; porém, permanece com sua economia assentada no modelo agrário exportador. O ano de 1906 marcou a educação profissional devido aos múltiplos acontecimentos ocorridos no período, que favoreceram o crescimento do ensino técnico–industrial no Brasil. Nesse início de século, foi apresentado ao Congresso Nacional um projeto de promoção do ensino prático industrial, agrícola e comercial, integrando a capital da união e os estados. Esse projeto previa a construção de ambientes onde os alunos ingressantes no ginásio (hoje, ensino fundamental) obtivessem formação profissional em manuseio de instrumentos de trabalho. Outro fator preponderante para o crescimento da educação profissional no Brasil foi a criação da Rede Federal de Educação, implantada no país no governo de Nilo Peçanha. Com o passar do tempo, essas instituições sofreram grandes modificações, em suas grades curriculares e suas denominações, chegando hoje a ser conhecidas como Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A oferta dessa grande rede é do Ensino Médio integrado ao ensino profissionalizante, tecnólogo, ensino superior, pós-graduação, proeja e subsequentes. Dando um salto na história, no final do século XX e início do XXI, a sociedade aponta outras necessidades para o ensino profissionalizante, o que se apresenta como território para outras propostas. Dentre essas propostas, estavam o Plano Nacional de Qualificação (PNQ, 2003), o Certifique, o Programa Primeiro Emprego (Rede Certific 2009) e o Projovem. Outras necessidades, novas políticas e programas! Em 2004, a partir do decreto 5.154/2004, é estabelecido o Programa “Brasil Profissionalizado”, cujo objetivo é incentivar iniciativas públicas municipais e estaduais, além de expandir a oferta de cursos profissionalizantes, com auxílio na 148 construção de laboratórios, espaços adequados e materiais didáticos e pedagógicos. No âmbito das políticas nacionais, mediante o decreto nº 5.154/2004, foram regulamentadas formas nas quais instituições especializadas e governos municipais e estaduais poderiam integrar a educação profissional ao Ensino Médio, capacitando em um único curso, com duração entre 3 e 4 anos, com formação básica e técnica. Ciavatta (2010) afirma a importância e o objetivo do currículo integrado como formação humana: superar as desigualdades históricas idealizadas pela divisão social do trabalho. Nesse processo, distingue a ação de execução e a ação de pensar, dirigir ou planejar. A ideia do decreto era, em conjunto com o Programa Brasil Profissionalizado, tornar os cursos profissionalizantes eficientes, por serem uma formação integrada de modo gratuito e acessível às expectativas do mundo do trabalho, pois este teria possibilidade de investimentos consideráveis. No estado de Mato Grosso, o investimento baseou-se na ampliação do EMIEP, passando de cinco e chegando a sessenta e quatro escolas atendidas, em quarenta e um municípios, no ano de 2011 (MATO GROSSO, 2007). Na concepção do estado, o Brasil está em processo contínuo de crescimento; isso exige o desenvolvimento de políticas públicas educacionais voltadas à formação profissional em todo o território, diminuindo a importação de mão de obra estrangeira e aumentando a qualificação profissional dos jovens e adultos, o que é enfatizado por Frigotto et al (2010). Implementar políticas públicas educacionais voltadas à qualificação profissional requer competências necessárias de modo a suprir as carências existentes no processo de formação integrada. Frigotto et al (2010) constroem um sério debate sobre a formação do ingressante no Ensino Médio, argumentando a necessidade de conhecimentos que o levem a perspectivas para além do capital, permitindo a ampliação de seus conhecimentos em proporções humanistas e científicas, com a finalidade de prepará-lo para o exercício de funções/profissões no mundo do trabalho. Ensino Médio ↔ Integração ↔ Educação profissional Se há preocupação em formar os cidadãos brasileiros para assumirem um posto de trabalho, o poder público atua sobre isso na implementa- 149 ção de políticas e programas para tal. Esse fato pode ser comprovado em todo o decurso da história brasileira. Mas, é preciso pensar nessa implementação e agir sobre ela, principalmente quando o alvo for a educação básica. Frigotto et al (2010) explanam sobre as concepções da articulação entre a educação básica e o mundo do trabalho, da cultura e da ciência, afirmando que se constituem em direito social e subjetivo, dessa forma, vinculado a todas as esferas e instantes da vida. É a partir dessa preocupação que a Secretaria de Estado de Educação – Seduc/MT implementou, em 2007, o EMIEP. A implantação aconteceu em parceria com a Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia - SECITEC - e o Centro Estadual de Educação Profissional e Tecnológico - CEPROTEC. A princípio, a implementação do currículo integrado na educação de nível médio da rede estadual de ensino foi iniciado em cinco escolas, localizadas no interior do estado, com habilitações voltadas ao contexto regional econômico. Em 2009, o EMIEP expandiu sua oferta de atendimento após a realização de parcerias com o governo federal, a partir do programa Brasil Profissionalizado. Atualmente, o EMIEP se faz presentes em 64 escolas, divididas em 41 municípios, com diversas habilitações, sempre baseadas no contexto econômico regional. No processo de análise dos documentos que compõem a base legal do EMIEP (2007), verificou-se que o objetivo dos gestores desta inovadora modalidade de ensino é qualificar para o trabalho, a ciência e a tecnologia, que, conforme Frigotto et al (2010), são conceitos delineadores da oferta de ensino integrado e da proposta educacional para além do capital e formação de mão de obra. Porém, conforme muitos programas governamentais, o EMIEP apresenta deficiência e desafios a serem superados. O diagnóstico sobre o funcionamento do EMIEP foi elaborado a partir de observações realizadas nas instituições de ensino Presidente Médici ─ EPM ─ e André Avelino Ribeiro– EAAR, escolas tradicionais de atendimento à educação básica na cidade de Cuiabá – MT. Na EAAR, o EMIEP foi implantado em 2009, com a habilitação em Administração e Vendas, com carga horária total de 3.680 horas, divididas em três anos, com carga horária semanal de 35 horas, incluídas as disciplinas curriculares dos núcleos propedêutico e técnico. Há mais de cinco anos, o EMIEP está implantado na instituição e até o momento da redação deste artigo não tinha recebido livros didáticos e ambientes adequados para a realização de aulas práticas; os índices 150 de desistência são alarmantes, pois, de 70 alunos matriculados nas duas habilitações em 2009, apenas 20, em média, concluíram o curso em 2011. Os fatores para a desistência são inúmeros, mas, geralmente, os alunos abandonam a modalidade por conta da carga horária superior, falta de adequação, estrutura deficiente e desmotivação pessoal (Figura 1). Figura 1: Estrutura interna e externa dos laboratórios do EMIEP – EAAR, ainda em construção. Fonte: Marinho, 2013. Na EPM, há duas habilitações, Informática e Administração, atendendo a 30% dos alunos matriculados na escola. Implantado em 2010, matricularam-se no EMIEP 120 alunos em ambas as habilidades, sendo concluintes após três anos, em média, 18 alunos. Somente no ano de 2013 a instituição recebeu livros didáticos voltados a disciplinas técnicas e um laboratório para a realização de atividades práticas de informática, resultante de esforços entre os gestores da instituição. Porém, o laboratório não supre a carência de aprendizagem prática de manutenção dos computadores, pois além de serem aparatos antigos, o prédio não possui capacidade em sua estrutura elétrica. Recentemente, a EPM fechou parceria com instituições públicas e privadas para a destinação de estágio remunerado a alunos do EMIEP (Figura 02). 151 Figura 02: Laboratório de atividade práticas relacionadas ao EMIEP - Habilitação em Informática EPM. Fonte: Marinho, 2013. Para contribuir com o processo educacional nas duas instituições, em 2011, o PIBID, bem como outros alunos do curso de Licenciatura em Geografia, da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, campus Cuiabá, realizaram intervenções a partir do desenvolvimento de oficinas cujo objetivo foi desenvolver a interdisciplinaridade entre a questão técnica e a Geografia. A temática envolvia a construção de uma relação das ações do poder público diante de ocorrências provocadas por desastres naturais. Para tal, realizou-se um júri simulado na EAAR e o Geomarketing como estratégia organizacional na implantação de multinacionais e empresas coorporativas, a partir da utilização do Google Maps na EPM. O Júri simulado (Figura 03), na EAAR, abordou temas relacionados à não preservação da identidade cultural, no instante em que os habitantes vítimas de desastres naturais são transferidos para outras localidades pelo poder público, e à ausência de alternativas que impeçam os mesmo de retornarem às áreas de riscos. A partir de um debate entre os alunos, divididos entre aqueles que eram favoráveis à remoção das famílias e aqueles que eram a favor de sua permanência na área de risco, os alunos levantaram possíveis alternativas a serem assumidas pelo poder público para abrigar famílias em áreas próximas de suas localidades de origem. 152 Figura 03: Realização da sensibilização relacionada a mudanças climáticas e desastres naturais e desenvolvimento do Júri Simulado na EAAR. Fonte: Marinho, 2011. O Geomarketing se apresenta como um instrumento estratégico, utilizado por diversas multinacionais, cujo objetivo é diagnosticar informações sociais relacionadas à localização de instalação do empreendimento. A partir da Oficina (Figura 04), foi possível discutir sobre as ações de marketing e o papel do técnico em administração em fomentar estratégias organizacionais. Divididos em três grupos, os alunos desenvolveram projetos estratégicos de instalações de empresas na região metropolitana de Cuiabá – MT, empresas essas que atendiam as necessidades do local e correspondiam aos parâmetros sociais. Figura 04: Realização da sensibilização relacionada à Cartografia e ao Geomarketing e desenvolvimento dos projetos organizacionais na EPM. Fonte: Marinho, 2013. Ambas as atividades foram realizadas com êxito e resultando em experiência e troca de saberes disciplinares, associando os conteúdos assimilados em disciplinas técnicas à geografia. Disso, verificou-se a possibi153 lidade de se trabalhar em outras áreas do conhecimento, além de se mensurar os conhecimentos e a capacidade dos alunos em realizar atividades complementares, que exigem conhecimentos técnicos. Os demais dados relacionados ao EMIEP foram obtidos a partir de observações semanais e leitura do material suplementar, que possibilitou conhecimento e auxílio para a elaboração de atividades. Algumas considerações O EMIEP, proposta de integração implantada no Estado de Mato Grosso, se apresenta com uma modalidade moderna e idealizadora de novas projeções educacionais, mas necessita de aparato comprometido com a ciência e tecnologia, conforme consta em sua legislação vigente, além de espaço físico e de material pedagógico adequado para a realização de atividades teóricas e práticas. Pelas atividades realizadas com alunos das duas unidades, é possível dizer que há como construir a integração entre as disciplinas chamadas de núcleo comum e as disciplinas técnicas, sem dissociação. É, pois, esta integração que possibilitará a formação de um cidadão preparado para o mundo do trabalho, pleno, capaz de desenvolver habilidades e interpretar o mundo que o rodeia. Referências MATO GROSSO. EMIEP. Ensino Médio integrado a Educação Profissional. Ata do processo de implantação e Implementação dos EMIEP nas escolas de Mato Grosso. Cuiabá, 2007. FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. Ensino Médio Integrado: Concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2010. MÉSZÁROS, I. A Educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. 154 2.4 O DIÁRIO REFLEXIVO COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE INGLÊS1 Eladyr Maria Norberto da Silva Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Itália Cristina Maciel Pinheiro Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Maisa Luciano Oliveira Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Introdução A carreira docente é marcada por um constante processo de reflexão e mudanças, no qual os professores precisam tomar decisões e repensar o melhor caminho para ensinar. Este processo de escolhas e transformações demanda um professor autônomo e investigativo, consciente de suas opções e posturas e comprometido em melhorar o processo de aprendizagem de seus alunos e seu desenvolvimento profissional. Nesse sentido, os bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) de Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá, têm desenvolvido sua aprendizagem como professores iniciantes por meio de práticas pedagógicas diversas em sala de aula do ensino médio de uma escola pública. Para dar suporte a seu processo de desenvolvimento profissional, são utilizados instrumentos de reflexão e autoavaliação, tais como diários reflexivos, portfólios, relatórios e participação em sessões reflexivas, em que relatam suas práticas, sucessos e dificuldades e refletem sobre eles. Este capítulo relata a experiência de uso do diário reflexivo como instrumento de desenvolvimento profissional no contexto do Pibid de Inglês, vivenciada pelas duas autoras bolsistas de iniciação à docência. Iniciamos descrevendo o contexto em que a experiência se deu – o subprojeto Pibid de Inglês e sua perspectiva de formação de professor. Após definir o conceito de diário reflexivo e levantar alguns aspectos desse instrumento como suporte para o desenvolvimento de reflexão crítica por parte de professores, seguimos relatando nossa experiência com diários reflexivos. Descrevemos os procedimentos utilizados na escritura do diário e apresentamos algumas de suas contribuições para o desenvolvimento 1 Agradecemos ao Pibid/UFMT/CAPES pelo apoio recebido para a realização deste trabalho. 155 e a construção da identidade profissional dos bolsistas do Pibid de Inglês, por meio de evidências de trechos dos diários das bolsistas autoras deste texto. Concluímos o texto destacando alguns benefícios do uso dos diários e fazendo uma rápida avaliação do seu uso no contexto do Pibid. A formação de professores no contexto do Pibid de Inglês O Subprojeto de Inglês da UFMT, iniciado em maio de 2010, tem por objetivo proporcionar aos estudantes de Letras a oportunidade de conhecerem a realidade da escola pública e dela participarem, por meio de atividades pedagógicas em sala de aula e do desenvolvimento de postura crítico-reflexiva em relação aos processos de ensino e aprendizagem de inglês, ao seu desenvolvimento profissional e ao papel do inglês na educação básica, no desenvolvimento da cidadania e na promoção de inclusão social. Procura, também, instigar os licenciandos a entreverem possibilidades de aprendizagem de inglês nesse contexto, à medida que elaboram e colocam em prática atividades críticas, criativas e motivadoras junto aos seus alunos do nível médio (SILVA, 2012, p.47). Compreendemos formação de professor de línguas a partir de uma perspectiva sociocultural, que concebe aprendizagem como sendo socialmente situada (LAVE & WENGER, 1991; JOHNSON, 2009). Ao participarem de práticas e interações em comunidades de prática estabelecidas, nos contextos da escola e da UFMT, os bolsistas Pibid constroem e reconstroem sua aprendizagem e, nesse movimento, vão se tornando professores, sob a mediação e orientação de profissionais experientes – coordenadora, professoras supervisoras, outros professores e membros da comunidade escolar (WENGER, 1998; NÓVOA, 2009). Desse modo, entendemos formação de professor de línguas como um processo de socialização destes professores em formação nos valores, discursos e práticas profissionais das comunidades de prática das quais participam e de construção de identidade profissional que lhes permita exercer os diferentes papéis que lhes forem sendo solicitados em sua profissão (SILVA, 2012, p. 47-48). Acreditamos que o exercício da reflexão pode contribuir no desenvolvimento profissional dos professores iniciantes, preparando-os para o ensino crítico e tomadas de decisões fundamentadas mais à frente (ZEICHNER; LISTON, 1996). Através da prática reflexiva, o professor consegue analisar as situações vividas e observar quais foram os procedimentos por ele utilizados que contribuíram para a resolução ou não das situações experienciadas. Poderá também modificar o andamento de suas aulas, até encontrar formas mais satisfatórias de agir (RICHARDS; LOCKHART 1997). Conforme Burton (2009, p. 299), refletir sobre uma ação realizada 156 significa ser capaz de expressar e reposicionar a ação, apreciar suas características e construir estruturas avaliativas pessoais de uma maneira mais sistemática. Embora a prática reflexiva possa ocorrer espontaneamente, sua eficiência depende da qualidade da reflexão e dos seus propósitos. No caso da formação de professores iniciantes, consideramos crucial que a prática reflexiva seja estimulada desde o começo, por meio de uma série de instrumentos que lhes proporcionem narrativas diversificadas, orais e/ou escritas, tais como diário reflexivo, sessões reflexivas, portfólio, relatórios de avaliação, histórias/casos de sala de aula, pequenos textos reflexivos, entre outros. Estes instrumentos, acompanhados do apoio fornecido pelo professor orientador, podem ajudar os jovens professores a progredir a níveis mais profundos de reflexão. Começando por reflexões sobre o ambiente em que atuam, os professores podem refletir sobre suas ações naquele contexto, suas habilidades, suas crenças e identidade e, mais à frente, podem abordar aspectos mais complexos de sua profissão (KORTHAGEN; VASALOS, 2005, p. 55). Neste relato, vamos priorizar a experiência com diário reflexivo das duas autoras bolsistas de iniciação à docência, aqui apresentada por meio de recortes de situações/histórias vividas e submetida à reflexão sobre sua prática de sala de aula. O diário reflexivo O diário reflexivo, também chamado por alguns autores de diário de bordo, diário de classe ou de docência, constitui-se em um relato contínuo de observações, reflexões e outros pensamentos sobre ensino e/ou aprendizagem. Tem como principal objetivo colaborar para uma reflexão crítica do professor em relação ao seu saber pedagógico, ajudando-o a estabelecer relações entre sua ação e as teorias que a fundamentam (DINIZ-EPEREIRA; CANETE, 2009). Desde o final dos anos 70, os estudos com diários têm ganhado atenção como meio legítimo de investigar processos de ensino e aprendizagem de línguas a partir de uma abordagem antropológica de pesquisa em sala de aula (BAILEY, 1990, P. 215). Enquadram-se no que Bogdan e Biklen (1992, p. 133) denominam ‘documentos pessoais’, os quais fornecem dados em primeira pessoa, geralmente de forma escrita, de experiências pessoais vividas, acompanhadas de interpretações, opiniões, sentimentos e pensamentos acerca dos fatos ocorridos. Como instrumento de pesquisa, o diário pode auxiliar a identificar e analisar características individuais, crenças, experiências e atitudes de professores e alunos, a gerar questões e hipóteses sobre processos de ensino e aprendizagem, a desvendar a forma como o professor ensina e 157 o aluno aprende, fornecer relatos em primeira pessoa de experiências de ensino e aprendizagem, que poderão ser analisados em um segundo momento. Pode, também, auxiliar o pesquisador a estabelecer relações entre o que acontece em sala e o que é percebido pelo professor ou aprendiz. Como instrumento na formação de professor, diários são particularmente úteis ao proporcionarem oportunidades de autoconhecimento, de desenvolvimento de autoconfiança e de mudança de comportamento (BAILEY, 1990). De forma geral, podem potencialmente fornecer aos professores iniciantes uma ferramenta para reflexão, para ajudá-los a melhor compreenderem suas práticas, suas dificuldades e seus dilemas. Contudo, pesquisadores de estudos de diários e formadores de professores simpáticos ao uso do diário são unânimes em afirmar que o simples ato de escrever diários não garante ao professor iniciante alcançar seu potencial máximo (BAILEY, 1990; BARTLETT, 1990; BURTON, 2009). Para realmente tirar o máximo de proveito de seus registros, o ‘diarista’ precisa reler as entradas no diário e tentar encontrar padrões e fazer conexões entre fatos, práticas e teorias. De acordo com Bailey (1990, p, 225), ao reler, repensar e interpretar as entradas no diário, os professores ganham insights poderosos ao seu comportamento e sua motivação em sala de aula. Este exercício analítico, porém, nem sempre é realizado com sucesso por professores em formação. Estudos têm mostrado que os professores nem sempre refletem quando deixados sozinhos, mas apenas registram os fatos ocorridos em sala. Nesse sentido, boa parte das pesquisas com diários têm buscado mostrar como se pode oferecer apoio ao professor em seu processo reflexivo, por meio de grupos de discussão, feedback dialógico ou conversa estruturada (PORTER; GOLDSTEIN; LEATHERMAN; CONRAD, 1990; RICHARDS; FARRELL, 2005; BURTON, 2009). Assim, ao guiar o professor em formação no seu processo reflexivo por meio de diálogo e questões reflexivas, o formador de professores o auxilia a visualizar sua ação através do processo de descrição da prática e a interpretar essa prática e conectá-la para, a partir daí, criticá-la e reconstruí-la (LIBERALI, MAGALHÃES; ROMERO, 2003, p. 143). A experiência com diários reflexivos no Pibid de Inglês No subprojeto Pibid de Inglês-UFMT, o diário reflexivo é um dos instrumentos utilizados para dar suporte ao desenvolvimento profissional e pessoal dos professores em formação. Tão logo iniciam seu trabalho na escola, os bolsistas são orientados a escrever um relato sobre sua prática no contexto escolar ao final de cada dia, reportando os fatos, suas impressões, seus sentimentos sobre tais fatos e atividades, sobre si mesmo, os 158 alunos ou seus colegas de trabalho, aí incluídos os colegas bolsistas, a professora supervisora, ou a coordenadora do projeto, e sobre a escola, tanto nos aspectos físico como institucional. Enfim, eles devem se sentir livres para relatar e expressar o que lhes for relevante no dia, seus sucessos, suas dúvidas, incertezas e inseguranças. Para isso, cada um deles cria um arquivo em Word, no qual registrarão todos os relatos diários, dia após dia. Após escrever uma entrada no diário, o bolsista envia o arquivo por e-mail para a coordenadora e esta lê e responde, comentando, apoiando, questionando, auxiliando-o a buscar respostas para suas dúvidas, esclarecendo dúvidas, mostrando possíveis caminhos ou outro olhar sobre o fato narrado, ajudando-o a estabelecer relações entre fatos e conhecimentos estudados, confortando-o nos momentos difíceis e auxiliando-o a compreender e buscar soluções em momentos críticos. Após receber os comentários da orientadora, o bolsista geralmente responde acrescentando novas observações ou reflexões sobre os pontos abordados e envia novamente o arquivo para a orientadora. Ela lê suas anotações e novamente lhe responde, assim seguindo até que aquele assunto tenha sido encaminhado ou resolvido. Para facilitar a comunicação, cada uma dessas entradas é feita em uma cor diferente – o que resulta, muitas vezes, em verdadeiras aquarelas ao longo das páginas dos diários. Nesse sentido, o diário se estabelece como lócus de diálogo entre o bolsista e o coordenador e de desenvolvimento de ensino reflexivo. Além de oferecer suporte à formação profissional do professor iniciante e de fornecer evidências do seu desenvolvimento ao longo do tempo, o diário também oferece condições para que o orientador possa acompanhar o trabalho do bolsista a distância, a partir do olhar do próprio bolsista. Os bolsistas do Pibid de Inglês-UFMT geralmente são receptivos a essa atividade, alguns deles chegando a produzir arquivos relativamente longos (de mais de 100 páginas) ao longo de sua participação no projeto. Embora reconheçam ser uma atividade que demanda tempo e disposição para escrever e compartilhar fatos, opiniões e sentimentos, a maioria deles percebe seus benefícios para sua prática e se engaja na atividade. Metodologia Para este relato de experiência, optamos por selecionar diários das duas bolsistas, Itália e Maisa, autoras deste texto, que se dispuseram a ler, analisar seus diários e a compartilhar com os leitores trechos de suas narrativas e suas interpretações. Itália tem 21 anos e estava cursando o 3º e o 4º anos do Curso de Letras à época da escritura dos diários. Maisa tem 23 anos e estava no 2º e no 3ª anos nesse período. Ambas não tinham experiência em sala de aula anterior ao Pibid, embora Maisa tivesse experiência 159 com crianças e adolescentes como chefe escoteira. Ambas relataram suas atividades desenvolvidas na Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva, em Cuiabá-MT em diferentes períodos, correspondentes às suas atuações na escola (Figura 1) Período Abril-Julho 2012 Agosto-Setembro 2012 Junho-Agosto 2013 ITÁLIA Diário reflexivo 1 (51 páginas) (Tutoria em pequenos grupos em sala de aula) Diário reflexivo 2 (28 páginas) (Assistência à professora supervisora em dupla) Diário reflexivo 3 (15 páginas) (Curso de extensão em dupla) MAÍSA Diário Reflexivo 1 (31 páginas) (Tutoria em pequenos grupos em sala de aula) Diário Reflexivo 2 (13 páginas) (Curso de extensão em dupla) Figura 1 – Informações gerais sobre os diários reflexivos A elaboração deste relato seguiu os seguintes passos: 1. As três autoras leram e discutiram textos sobre diários reflexivos para melhor compreender o papel do diário como instrumento na formação de professores e terem subsídios teóricos para fazer a análise dos diários. 2. Cada uma das duas bolsistas leu diversas vezes as entradas dos seus diários, buscando identificar padrões de comportamento, fatos e sentimentos recorrentes, eventos significativos, questões relevantes. Ao identificar e selecionar trechos dos diários, elas os categorizavam e faziam anotações sobre suas interpretações do que havia acontecido (JOVCHELOVITCH; BAUER 2002). 3. Os trechos selecionados foram discutidos pelas três autoras e reinterpretados em conjunto. 4. Foram selecionados os trechos do diário que comporiam este relato de experiência, acompanhados das interpretações das bolsistas. 5. Ao final da etapa de análise, as duas bolsistas escreveram um texto reflexivo sobre suas percepções dos benefícios do diário em seu desenvolvimento profissional para ser incluído neste texto. 6. Foi feita a escritura deste relato de experiência que apresenta e discute as contribuições do diário reflexivo para a formação profissional das duas bolsistas e incorpora amostras de seus diários e trechos de sua análise e interpretação. Na seção seguinte, apresentamos os resultados da análise das entradas nos diários, acompanhadas de comentários de suas duas autoras. 160 Contribuições do diário reflexivo para a formação docente no Pibid Inglês Nas releituras e análises dos diários, foi identificada uma série de aspectos que estão em consonância com os benefícios de diários para a formação de professores na literatura sobre diário reflexivo (BAILEY, 1990; PORTER et al.; 1990; BURTON, 2006, entre outros). Destacamos aqui alguns deles, considerados mais significativos pelas duas bolsistas. Temas recorrentes De acordo com Zabalza, A análise dos diários de professores permite compreender como funciona esse instrumento e que tipo de seleção de acontecimentos fazem os professores que participam na experiência, qual o aspecto da dinâmica de suas aulas e de sua própria experiência profissional que destacam como mais relevantes (ZABALZA, 1994, p. 104). Ao realizar a análise de seus diários, Itália percebeu a recorrência de registros de sua insatisfação com o sistema escolar, com o modo como a coordenação lida com os bolsistas, com o descaso com que a escola trata os alunos e a falta de apoio ao professor na escola. Os excertos abaixo mostram dois momentos em que ela expressa seu sentimento de frustração sobre a forma como a escola trata alunos, professores e a própria disciplina, e reflete sobre as consequências dessa postura na carreira do professor. Eu não gosto de como a escola trata os alunos, tudo bem que é um quadro comum na educação brasileira, já vi e ouvi muitas vezes atitudes semelhantes tomadas pela direção/ coordenação da escola. (...) De qualquer forma ainda causa um sentimento de indignação... todo mundo diz as escolas são capengas, que os professores não são qualificados, que os alunos não demonstram interesse, mas a própria escola não busca um interesse ou mesmo a qualificação dos profissionais... (I., Diário 1; 21/06/12, p. 42). A professora nos informou que não haveria a última aula, pois iria ter uma reunião sobre o Grêmio. Novamente fico nervosa com essa situação da escola. Será que não teremos uma semana com todas as aulas normalmente, sem interrupções, falta de professores, reuniões inesperadas e muitas vezes desnecessárias? Enfim, é a situação perfeita 161 p/ professores desmotivados que não querem dar aula (I., Diário 2, 29/09/12, p. 21). A questão das condições de ensino e aprendizagem proporcionadas pela escola pública está no cerne dos problemas enfrentados por professores de inglês no Brasil (COX, ASSIS-PETERSON, 2008) e constitui um dos dilemas mais fortes enfrentados pelo professor iniciante de inglês – como ensinar inglês em condições tão desfavoráveis? – a ponto de, muitas vezes, levá-lo a desistir da carreira de professor nos primeiros anos (ASSIS-PETERSON; SILVA, 2011). Para que o diário não se torne ‘muro de lamentações’ ou ‘paredão de fuzilamento’, a sensação de perplexidade e impotência diante de fatos comuns no dia a dia escolar precisa ser trabalhada por meio de diálogos no grupo, com colegas, com as professoras supervisora e coordenadora do Pibid, por meio de leitura e discussão de textos relevantes e, principalmente, no gradual desenvolvimento de uma reflexividade crítica, que Zeichner e Linston acreditam auxiliar os jovens professores a se tornarem desejosos e capazes de refletir sobre as origens, propósitos e consequências de suas ações, bem como sobre as limitações materiais e ideológicas e sobre os encorajamentos presentes na sala de aula, na escola, e nos contextos sociais nos quais vivem. Estes objetivos são direcionados a capacitar os professores a desenvolver as práticas e habilidades pedagógicas necessárias para seu auto-crescimento e para prepará-los, individual e coletivamente, a participar como parceiros plenos da construção de políticas educacionais (ZEICHNER; LISTON, 1985, p. 4 apud BARTLETT, 1990). Dentre os temas mais presentes no diário de Maisa, estão a atenção que dá ao comportamento e sentimentos de seus alunos, como pode ser percebido nos excertos abaixo: ... a K. estava meio inquieta, os amigos ficavam meio que zoando com ela, [...] tive que pedir para que ela se concentrasse várias vezes. Até que por fim, ela conseguiu prestar mais atenção. Teve um momento, em que estávamos respondendo as perguntas do handout, e a K. errou a resposta. Então ela me disse que não ia mais responder, pois não acertava. Falei para ela e para o grupo todo que o erro assim como os acertos fazem parte de nossa vida, e que ele é importante para o nosso crescimento, e que eu não ia ficar zoando eles só porque eles erraram e nem queria que eles tirassem sarro uns dos outros, pois isso é absolutamente normal. Quando eu terminei de falar, percebi que todos estavam olhando pra mim, com olhos muito interessados, fiquei 162 bem desconcertada, pois parecia que uma coisa tão simples, que qualquer um poderia ter falado pra eles, estava fazendo a diferença naquela hora para eles. Aproveitei a chance e fiz um combinado com eles, de que eles iriam tentar sempre, pelo menos tentar fazer as atividades, responder as minhas perguntas, e eles concordaram. Então perguntei novamente somente para a K., ela me disse que tudo bem, meio sem graça. (M.. Diário 1, 18/06/2012, p. 18) Percebi que nessa turma, o nível de inglês dos alunos é diferente, alguns sabem mais, outros sabem menos, alguns se esforçam bastante, outros acompanham o ritmo do outro [...] Mesmo tendo trocado de lugar alguns alunos, como no caso do L., que tem um bom nível de inglês em relação aos outros, e estava querendo começar a criar uma certa desordem no fundão, conversando com seus amigos. Então, decidi trazer ele para frente, de uma forma muito amigável, dizendo que eu e a teacher Itália gostaríamos que ele ficasse mais próximo de nós, para ele nos ajudar com o datashow se precisasse. Ele relutou um pouquinho mas acabou indo. Percebi em outro aluno, o V., um grau de timidez muito grande, ainda assim ele tentava participar, porém por muitas vezes vi que o L. atrapalhava ele em alguns momentos. Também trouxe ele para frente, pois ele estava lá no fundo e depois de uma certa parte da aula, eu vi que ele não estava participando mais, que não queria falar, que não queria fazer dupla, mas quando ele veio pra frente, até que ele participou um pouco mais (M., Diário 2, 06/06/2013, p. 1). A análise dos diários de Maísa revelou seu olhar constante e solidário aos seus alunos. Com certeza, esta não é uma característica que ela desenvolveu no Pibid ou com o auxílio do diário. Sua experiência no convívio com crianças e adolescentes no Escotismo pode tê-la ajudado a desenvolver tais características. Contudo, ao analisar suas reflexões sobre os acontecimentos da aula, ela percebeu estes aspectos de sua identidade pessoal e profissional, dos quais ainda não tinha se dado conta. Percebi que tenho tato com os alunos, que busco formas diferentes de conduzir cada um deles a fazer o que precisa ser feito nas atividades, mesmo quando se sentem arredios ou desanimados. Percebi que minha postura como professora é inclusiva, que procuro agir de forma positiva, descontraída, e dessa forma, os conduzo a se movimentarem nas atividades da aula (M., anotações de análise, 05/11/13). Neste processo reflexivo, Maísa se pergunta: “O que eu faço?”, “Como faço o que faço?”, “O que isso significa para mim e para meus alu163 nos?”. Tais questões, segundo Burton (2009), fundamentam como a ação reflexiva é teorizada pelo professor. Esta descoberta, feita por meio da análise de seu diário, adquire um valor especial para o professor em formação quando consideramos que parte do processo de aprender a ensinar é se conhecer, é construir sua identidade profissional e, nesse movimento, tornar-se professor. Construindo sua identidade profissional A análise dos diários trouxe inúmeros indícios do processo de construção de identidade e de projeção de futuro. O trecho abaixo, contado por Maisa mostra como ela ‘conversa’ consigo mesma sobre sua profissão e seu futuro profissional, nas primeiras semanas de seu trabalho em sala de aula. ... mesmo não conseguindo seguir o plano afinco, sinto que foi bem legal para a primeira aula, pensei que não ia dar conta, fiquei nervosa a semana inteira, mas foi muito divertido, quando cheguei em casa e comentei com minha família, a minha irmã disse: ‘É minha fia, cê nasceu pra isso mesmo’ [...] Estava me sentindo um pouco perdida e insegura em relação a minha profissão, pensando se teria futuro com isso, e agora levo a sério, isso que o pessoal fala de fazer por amor, sou uma idealista, mas acho que saberei canalizar minhas energias. Não é aquela idealista que acredita que vai mudar a educação no Brasil, mas sim aquela que começa aos poucos, plantando uma sementinha aqui e ali e trabalhando também muitas coisas dentro de mim, pois só assim saberei transmitir para as pessoas a minha volta (M., Diário. 1, 17/05/2012, p. 8). Embora ainda seja cedo para um professor em formação definir seu futuro profissional nas suas primeiras aulas, temos aqui uma evidência do que Sfard e Prusak (2005, p. 18) chamam de identidade designada – denominação de “narrativas que apresentam o estado de coisas que, por uma razão ou outra, espera-se que aconteçam, se não agora, no futuro”. São histórias que a pessoa conta no tempo futuro ou “através de palavras que expressam desejo, comprometimento, obrigação ou necessidade, tais quais devo, tenho que, preciso, quero, posso, não posso, etc. e que, no futuro, potencialmente, podem vir a compor a identidade real” (SFARD & PRUSAK, 2005, p. 18). Este movimento é salutar ao jovem professor, uma vez que o auxilia a organizar seus pensamentos e a verbalizar e projetar seus desejos, fortalecendo aos poucos a identidade que vai sendo construída na sua prática e nas suas narrativas. 164 No final do processo de análise, Maisa tem clareza da identidade de professora que está construindo para si: Aprendi a lidar com a insegurança de entrar em sala, aos poucos fui conquistando o respeito dos alunos e vencendo isso em mim mesma. Entendi que o respeito deve ser construído aos poucos com os alunos, não conseguimos isso do dia pra noite, não é imposto a eles. Por vezes eles também precisam que um professor seja mais firme com eles, é necessário e eles respeitam quando existe um professor firme. Eu sou do tipo de professora que sou amiga, parceria, porém na hora do trabalho eu tento ser o mais firme possível e vi alguns resultados (M., Anotações da análise, 10/11/13). Itália, por sua vez, ao analisar suas anotações nos três diários, pode traçar a trajetória que percorreu na construção de sua identidade ao longo de dois anos no Pibid, salientando suas dificuldades e seus ganhos no processo. Notamos que, nas experiências narradas no seu primeiro diário, Itália se sentia muito ansiosa em relação a como seriam as aulas, como os alunos iriam recebê-la e se conseguiria se estabelecer como professora diante deles. Os problemas iniciais apontados no primeiro diário mostravam sua insegurança em como lidar com aluno. No começo estava com uma apreensão danada, pensava se ia dar certo, se ia conseguir, se as coisas iam dar errado, se algum aluno iria se comportar com indisciplina, o que eu deveria fazer etc. No caminho do ônibus eu reli o livro e me passava dezenas de coisa na cabeça. Porém quando um aluno me chamou de professora, me deu uma satisfação tão grande, é como se tudo fizesse sentido ali e era só eu conversar com eles, de forma bem simples... Depois de quatro anos de estudo me fez sentido estudar e planejar, e tentar melhorar a pronúncia e adquirir conhecimento todo dia, desejo realmente que essa motivação se mantenha (I., D. 1; 14/05/12, p. 6). Tais sentimentos, embora naturais no início de carreira, são marcantes para ela e, naquele momento, constituíam o que realmente mais lhe importava. Por isso, precisavam ser compreendidos e trabalhados. No segundo diário, notamos que ela estava mais preocupada com o desenvolvimento de suas aulas, com a adoção de procedimentos e/ou métodos, embora a construção de uma relação amistosa e respeitosa com os alunos ainda estivesse presente em seus relatos. O exemplo a seguir mostra um momento em que é tomada por uma sensação de fracasso quando 165 o plano de aula, que foi tão bem elaborado, não deu certo: “Hoje me sinto péssima. O plano de aula que eu havia planejado com tanta atenção foi mal sucedido por mim” (I., Diário. 2, 02/08/12, p.1). O sentimento de insatisfação com sua forma de conduzir a aula só muda quando sua orientadora, em um diálogo no diário, propõe uma reflexão e reavaliação dos reais motivos que poderiam ter levado ao fracasso da aula: “Será que foi mesmo mal sucedido por você? Agora que as emoções estão mais esfriadas, pense melhor, Itália, sobre quais foram as possíveis causas de a aula não ter dado certo e anote-as abaixo” (Orientadora, Diário 2, 02/08/12, p.1). O convite à reflexão a fez enxergar os fatores reais do insucesso daquela aula, conforme pode ser notado em sua resposta ao comentário da orientadora. Foram vários fatores que levaram a aula a não ser bem sucedida: o fato da turma já ter um histórico de ser complicada com alunos que aparentam serem mais velhos e provavelmente reprovados, a aula de inglês ser a última do dia e ainda na 6ª feira, possivelmente a minha aparência de ser nova e não ser a professora efetiva deles, além do principal, da turma se tratar de adolescentes que mudam constantemente de humor afetou o rendimento da aula. (I. Diário 2, 02/08/13, p. 1) Por essa época, sua preocupação inicial em ser reconhecida como professora/bolsista em sala de aula deu espaço à necessidade de estabelecer limites e, principalmente, normas de conduta para os alunos, ao mesmo tempo em que continuava questionando a metodologia e os procedimentos que utilizava em suas aulas. [...] esses últimos dias eu estava na dúvida eu se tinha tato para lidar com adolescentes, e durante essa duas semanas eu estava em profunda dúvida no porque das aulas de inglês não terem dados bons resultados, por várias vezes pensei que talvez eu não estivesse sabendo como explicar o conteúdo (I., Diário 2, 26/09/12, p. 27). Foi-lhe necessário um período distante da escola, leituras de textos sobre motivação no ensino de línguas e manejo de sala de aula, e, principalmente, a análise dos dados de uma pesquisa ação, que havia realizado com seus colegas em suas aulas (PINHEIRO, OLIVEIRA, GOMES, 2013) para compreender essa experiência e se refazer para retornar à escola no ano seguinte. No terceiro diário, em que narrou sua experiência com um curso de extensão na escola, percebemos que Itália se sentia mais expe- 166 riente e autônoma para escolher estratégias eficazes para as aulas e, inclusive, fazer mudanças nos procedimentos durante a aula, para promover uma participação mais efetiva dos alunos, como pode ser visto no excerto a seguir. Na atividade do role-play, mudamos o procedimento das atividades na hora da aula. Percebemos que não iria funcionar bem da forma como havíamos planejado. [...] E notamos que a mudança foi muito bem sucedida, porque possibilitou que os alunos repetissem e memorizem o diálogo e os nomes dos objetos com facilidade e se divertindo. A prática foi interativa e todos participaram de forma positiva (I., Diário 3, 27/06/13, p. 9). Em seu diário, Itália observou haver definido para si mesma que a afetividade e a empatia são essenciais em sua relação com os alunos e que considerava importante levá-los a perceber a relevância do inglês para suas vidas, despertar seu interesse e integrá-los para a participação nas aulas: “Gosto de trabalhar com a afetividade em sala de aula. Acredito que uma boa conversa com o aluno pode apresentar melhores resultados do que “gritaria e puxões de orelha” (I. Diário 3, 06/06/13, p. 3). Outro fato marcante na sua construção de identidade profissional diz respeito às relações interpessoais no grupo de quatro bolsistas que desenvolvia o curso de extensão na escola. Apesar do incentivo que sempre recebiam para trabalhar colaborativamente, ocorreram conflitos no grupo devido a ritmos de trabalho diferentes e ao empenho no cumprimento das tarefas nos prazos estabelecidos, a ponto de a outra dupla de bolsistas, insatisfeita com a aparente falta de colaboração de Itália e sua parceira, propor separar os trabalhos e não mais planejar e elaborar materiais em conjunto. Este fato foi motivo de grande desgosto e conflito pessoal para ela, na época, conforme narra abaixo: [...], nunca antes estive em tanto conflito como estou nesse momento: ao mesmo tempo em que tenho uma interação maravilhosa com os alunos e também, como a minha dupla, o que me deixa muito tranquila em sala de aula, não posso dizer a mesma coisa sobre o grupo de trabalho. Tenho notado que há um grande clima de insatisfação entre as duplas. Eu sei que as insatisfações delas devem vir por conta dos atrasos, descontentamento que eu entendo, pois sou ciente que tenho problemas em cumprir prazos. Esse é o meu jeito de ser, não é algo que eu faça propositalmente, afinal, que pessoa gostaria de ficar sendo cobrada? (I. , Diário 3, 04/06/13, p. 10) 167 Diante da proposta de separação do grupo, ela relacionou o que estava vivenciando à crença corrente de que os professores têm o costume de trabalhar individualmente em sua profissão. E isto a levou a questionar sua própria escolha em ser professora. (...) parei para pensar no ambiente de professores, que é um lugar extremamente individualista, em que parece que ninguém está preocupada com ninguém... Será que é isso que quero pra minha vida? Será que realmente o professor está sozinho em sala de aula com os alunos? E se os alunos não aceitarem o professor, com quem ela poderá partilhar seus anseios? (I. Diário 3, 04/06/2013, p. 11) Inicialmente, esta situação gerou desarmonia no grupo e desgosto e desânimo em Itália e sua colega. Contudo, ao reler suas anotações no diário para a composição deste texto, Itália pode re-significar sua postura e seus sentimentos, conforme reflete em suas anotações após a análise dos diários. A reler e analisar meu diário, foi possível observar que estava tendo dificuldade em aceitar meus defeitos e estava culpando os outros por não compreendê-los. Ainda acho necessária a relação amistosa no ambiente de trabalho. Após o diálogo com a orientadora por meio do diário, em que, juntas, fizemos a análise e reflexão da situação, conclui também a necessidade da minha mudança pessoal para o trabalho em grupo. Desde essa experiência, venho tentando superar a minha tendência para o atraso de atividades, e tenho notado que essa atitude vem me trazendo crescimento pessoal e profissional (I., Anotações de análise, 10/10/13). Esta breve síntese dos pontos principais de trajetória de Itália na escola na escola, por meio dos seus diários, nos mostra como ela percebeu suas capacidades, seus sentimentos e suas mudanças ao longo do processo de construção de sua identidade profissional. Da preocupação inicial em ser reconhecida como professora pelos alunos, passa à inquietação com a necessidade de ter controle sobre o comportamento deles em sala e, à medida que vai refletindo, discutindo, estudando e buscando compreender como se dá a relação de respeito e autoridade entre professor e aluno, vai se posicionando e definindo a professora que quer ser. No estágio seguinte, centra suas reflexões nas escolhas metodológicas e na condução das aulas, dando indícios que o aluno, e não mais a figura do professor, é seu foco. No final, ao vivenciar um conflito com colegas de trabalho, envolvendo suas características pessoais, volta-se para si mesma 168 novamente; porém, desta vez, em busca de mudanças mais profundas, que podem vir a afetar sua identidade pessoal e profissional. De acordo com Beijaard, Meijer e Verloop (2004), a identidade docente se desenvolve tanto pessoal como coletivamente por meio de um processo de interpretação e reinterpretação de experiências à medida que são vividas. E, nessa perspectiva, o diário reflexivo pode ser um instrumento poderoso ao ajudar o professor em formação a fazer sentido das forças que atuam na construção de sua identidade profissional. Momentos críticos Os bolsistas Pibid passam por diversas situações inusitadas ou conflituosas em sua prática em sala de aula. O diário reflexivo geralmente, por seu caráter intimista, é uma ótima ferramenta para o registro de tais situações. Dentre os momentos críticos vivenciados pelos jovens professores, diversos deles estão relacionados a situações de indisciplina dos alunos. Itália relata uma situação de indisciplina pela qual passou em uma de suas turmas, em uma aula em que trabalhava uma música, e que a marcou profundamente, conforme registrado no seu segundo diário. Os alunos começaram a conversar, chegando a gritar mesmo, não dava pra escutar a música, não dava para fazer nada. Eu meio que me apoiei em uma mesa que estava à frente da sala e comecei a dizer ‘Olha aqui, pessoal, vocês entraram na sala de aula com mais de 15minutos de atraso e ainda não pararam de conversar nem um minuto, eu vou passar essa música para vocês e se o sinal tocar vocês irão continuar em sala até terminar a atividade’. Isso eu disse com uma expressão muito brava, eu realmente estava brava, não nervosa de estar a frente da sala, mas nervosa com a situação e falta de respeito dos alunos. (I., Diário 2, 02/08/12, p. 3) Os alunos, provavelmente, percebendo sua falta de experiência, reconheceram seu momento de fraqueza e agiram com desrespeito. Vários alunos enquanto eu chamava a atenção deles diziam uns para os outros rindo ‘É... todo baixinha é invocada’ ou ‘Mulher baixinha é brava mesmo’ e coisas do tipo, conversavam gritando na sala todo o tempo. Foi a pior sensação que tive em sala de aula, e me senti totalmente perdida... (I., Diário 2, 02/08/12, p. 5) Após conversas com a orientadora no diário, reflexões e análise sobre aquele episódio, ela chegou à conclusão de que “ [...] tenho observado 169 também que não é o grito que conquista o respeito do aluno, acho que é principalmente a imagem que os alunos têm em relação ao professor” (I., Diário 2, 09/08/12, p. 14). Além do diálogo no diário, o trabalho de leituras no Grupo de Estudos do Pibid de Língua Inglesa (GEPLI) sobre o comportamento dos adolescentes, uma oficina da qual participou sobre indisciplina, oferecida por bolsistas Pibid mais experientes (RIBEIRO, BORGES; SILVA, neste volume), e a pesquisa-ação sobre motivação que desenvolveu naquele ano a ajudaram a melhor compreender a indisciplina dos alunos e a pensar em formas de abordá-la em suas aulas. Este conjunto de apoio à reflexão que o Pibid oferece é crucial para amenizar o choque vivenciado pelo professor em formação em momentos críticos como esses. Situações conflituosas, quando não resolvidas, podem levar a mágoas profundas e sentimentos de derrota e, até mesmo, à desistência da carreira de professor (ASSIS-PETERSON; SILVA, 2010; 2011). A relação dialógica com o orientador Um dos benefícios do diário reside na possibilidade de diálogo entre o diarista e o professor orientador ou supervisor, quando a escrita é compartilhada entre ambos. Essa oportunidade é proveitosa para o diarista, que pode desabafar, trocar ideias, esclarecer dúvidas com alguém mais experiente. Por sua vez, o professor orientador, ao ler e responder ao seu orientando nas páginas do diário, pode perceber as necessidades e dificuldades que estão sendo vivenciadas e fornecer suporte para seu desenvolvimento profissional, por meio de comentários, perguntas pontuais, exploratórias e reflexivas ou mesmo de busca de outras estratégias de apoio à sua formação. Pode também auxiliar o diarista a fazer conexões entre a teoria e a prática (RICHARDS; FARRELL, 2005, p. 73-75). Os excertos a seguir dão evidências de como a relação dialógica entre orientador-bolsista, estabelecida no diário, encaminha as reflexões das bolsistas em diferentes situações. Neste trecho do primeiro diário de Itália, podemos perceber como a orientadora tenta ajudá-la a racionalizar seus sentimentos diante da impossibilidade de cumprir o plano de aula e da não participação dos alunos na aula. Em comparação com as outras turmas, essa foi mais trabalhosa, eles estavam mais indisciplinados, talvez isso tenha ocorrido por ser primeira aula na semana, de qualquer modo fiquei decepcionada de ter perdido tempo na primeira atividade e de ter feito pouca leitura com os alunos (I., Diário. 1, 14/05/12, p. 1). 170 Geralmente, a primeira turma é a aquela em que os bolsistas não conseguem cumprir todo o plano. Já nas próximas, eles parecem que, rapidamente, conseguem perceber o que funcionou e não funcionou na primeira turma e fazer os ajustes necessários nas outras. E parece que com você não foi diferente. Em relação à indisciplina dos alunos, o que aconteceu exatamente? Por que acha que isso aconteceu? O que pode ser feito para evitar que isso se repita nas próximas aulas? (Comentários da orientadora) Os alunos estavam bastante inquietos, houve muita conversa enquanto a professora explicava. Quando iniciei a leitura, eles participaram, mas houve uma dupla de meninos que fugia do assunto, pedi que prestassem atenção, pois o tempo era curto e precisamos terminar a leitura, expliquei que é necessário um trabalho de cooperação e respeito de ambas as partes para que possamos trabalhar de forma produtiva (Resposta de I.). Precisamos levar em conta que eles já estão acostumados a se comportar assim nas aulas da professora e, possivelmente, até nas de outros professores também. Vocês, bolsistas, terão que quebrar com essa cultura e construir outra com eles. Isso leva algum tempo, é preciso que eles aprendam a respeitá-los e que saibam que existem limites a serem respeitados. Vocês terão a oportunidade de construir essa relação com eles, mas é importante que comecem já (Comentário da orientadora). No trecho seguinte, a orientadora tenta ajudar Maisa a fazer conexão entre o que está vivenciando em sua sala de aula e teorias de aprendizagem. [...] fiquei meio chateada depois que conversei com as meninas, pois elas conseguiram ir mais a frente. T. me disse que até terminou e já fizeram o homework na sala mesmo. Fiquei chateada comigo mesma, mas também senti um tom de competição entre os bolsistas. Acho que demorei porque eles perguntavam coisas em que não conseguia simplesmente deixar passar, por exemplo, o significado de palavras ou quando um me perguntou: ‘Professora porque o português não é igual o inglês, que todo o mundo quer falar?’ E eu procurava tirar suas dúvidas e ajudá-los a entender as atividades (M., Diário 1, 17/05/2012, p. 7). Então, Maisa, esse sentimento de competição, embora normal, precisa ser trabalhado. Alguns deles saíram coma sensação de satisfação por terem completado o plano, mas de 171 dúvida se seus alunos realmente estavam aprendendo alguma coisa. Então, o mais importante aqui é a aprendizagem. Precisamos conversar sobre isso no grupo. Pode ser que alguns bolsistas tenham ido mais rapidinho porque não sabiam lidar com as dúvidas dos alunos. Precisamos entender a função de vocês, tutores, nos pequenos grupos e aprender a trabalhar dentro da zona de desenvolvimento proximal dos alunos e como oferecer ‘andaimes’ para os alunos. Você já estudou a teoria de Vygostsky na Psicologia da Educação? Estamos trabalhando com ela nessa dinâmica de pequenos grupos. Não sei se você conhece essa teoria, mas percebo que você está tentando trabalhar com essa orientação junto a seus alunos (Comentários da orientadora) . Não me lembro direito. Lembro apenas que gostei da teoria dele, pois ele é “discípulo” de Piaget, o escotismo foi fundado baseando-se na teoria de Piaget e Montessori... (Resposta de M.) Creio que ele não foi discípulo de Piaget. Eles viveram na mesma época, nunca se encontraram. E embora ambos abordem o conceito de interação e coloquem a mente como essencial para o processo de aprendizagem, eles diferem em vários pontos. De qualquer forma, o conceito de aprendizagem de Vygostky é muito importante para nosso trabalho. Quem sabe possamos conversar mais sobre isso no nosso grupo de estudos (Comentários da orientadora). Gosto de pensar que somos os mediadores entre as crianças e o mundo e que podemos ajudá-los a interagir com os outros e consigo mesmo (Resposta de M.). Os benefícios do diálogo que se estabelece entre orientador e o professor que escreve o diário são diversos, conforme a literatura na área (PORTER et al., 1990; RICHARDS; FARRELL, 2005; BURTON, 2009). Ao reler seus diários, Itália comentou o papel desta relação dialógica no seu desenvolvimento. Relendo os diários, eu notei que na minha escrita eram muito presente os meus sentimentos. Quando a aula não tinha resultados positivos com os que eu esperava, eu me culpava por não ter desenvolvido bem a aula, ou me questionava como professora, ou discutia os problemas tanto físico como de organização da escola, todos eram questionamentos ligados a emoção do momento. Através do diálogo com a orientadora, eu era levava a refletir sobre os motivos e quais procedimentos poderiam ser escolhidos para que a situação fosse diferente. Eu revia o meu posicionamento e analisava de forma menos pessoal, mais crítica. A relação dialógica foi 172 muito importante para eu compreender as minhas inquietudes. Em algumas situações que aconteciam na sala de aula, eu não me sentia a vontade de partilhar com o grupo, pois eram pensamentos muito pessoais, mas por meio do diário, eu podia escrever todas as emoções, anseios, inquietudes, conflitos e tinha a oportunidade de dialogar sobre o assunto, refletir e reavaliar a minha atitude, pensando formas de sanar alguma problemática ou simplesmente desabafando algum momento difícil que eu tenha passado (I., Anotações de análise, 25/11/13). Considerações Finais Neste capítulo, buscamos mostrar como o diário reflexivo é utilizado como instrumento de desenvolvimento profissional na formação dos jovens bolsistas do Subprojeto Pibid de Inglês da UFMT de Cuiabá. Iniciamos apresentando, de forma breve, nossa visão de formação de professor de línguas e do papel da prática reflexiva nesse processo. Não tivemos, aqui, a intenção de fazer uma discussão teórica sobre prática reflexiva2, mas apenas de situar o leitor nas teorias que informam nosso fazer pedagógico. Em seguida, apresentamos o diário reflexivo e suas características como suporte para o professor em formação e descrevemos sua utilização no nosso projeto. Após relatar como organizamos nosso trabalho de análise e interpretação dos dados dos diários das duas bolsistas de iniciação à docência, também autoras deste texto, apresentamos e discutimos alguns dos benefícios do diário em seu desenvolvimento profissional, os quais foram ilustrados com evidências dos relatos e das reflexões contidas nos diários. A prática de escritura do diário reflexivo nem sempre é fácil, demandando tempo e disposição do professor diarista (e de seu orientador) para escrever, olhar para os fatos e seus sentimentos a partir de outra perspectiva e, no caso do Pibid, de expor seus pensamentos e se abrir para o diálogo com o outro. Nem todos os bolsistas Pibid se engajam com a mesma intensidade nesse trabalho. Para vários, o diário se torna um ‘gosto adquirido’, que vai tomando forma à medida que veem as possibilidades e benefícios que essa prática lhes oferece. A maioria, porém, percebe a significância dessa ferramenta em seu processo de aprendizagem no ofício de professor. Itália e Maisa, ao relatarem suas experiências nos diários e refletirem sobre elas, ao lerem e analisarem o que haviam escrito ao longo de um ano e meio, tiveram a oportunidade de traçar sua trajetória na iniciação à docência, de se perceber como professoras e de, ao recontarem suas histórias e refletirem sobre elas, construir sua identidade profissional. 2 Para uma discussão crítica e teórica sobre prática reflexiva na formação de professor, recomendamos Zeichner e Liston (1996), Pimenta (2005), Burton (2009) e Bradbury, Frost, Kilminster e Zukas (2010). 173 O relato da experiência com diários que trouxemos indica que a prática reflexiva nos tem ajudado a buscar caminhos para solucionar problemas encontrados em sala de aula, a enfrentar ansiedades, a projetar anseios, a partilhar alegrias e a construir trajetórias que têm ajudado os bolsistas a serem profissionais comprometidos com a profissão e, esperamos, bem sucedidos em suas escolhas futuras. Concluímos este relato com as palavras de Maisa, ao apreciar a relevância da experiência com diários em sua formação: Escrever o diário nos dá a sensação de que não estamos sozinhos em sala de aula. Pois, como professores iniciantes, temos nossos anseios, nossas inseguranças e quando temos esse apoio através dos diários, nos sentimos mais confiantes. Lá acontecem diálogos incríveis com assuntos que, se fossem falados numa conversa, não teriam o mesmo efeito. Na escrita você pode refletir melhor sobre o que vai escrever, tem um tempo maior para a escolha de cada palavra, de como dizer isso ou aquilo, como responder à professora, ou diante daquilo que me aconteceu em sala e, com a “cabeça fria”, entender melhor o que aconteceu. Com a análise do diário, aprendi diversas coisas, tanto sobre mim quanto sobre meu trabalho. Sinto que conheci um lado meu que não tinha percebido – de saber notar e conduzir meus alunos nas aulas. Percebi como aprendi a lidar com a insegurança de entrar em sala, aos poucos fui conquistando o respeito dos alunos e vencendo isso em mim mesma. É uma prática para quem gosta de escrever e de se deixar envolver em suas próprias histórias. (M., Anotações da análise, 10/11/13) Referências ASSIS-PETERSON, A.; SILVA, E. M. N. “Não tenho estoques de sonhos para me manter em pé”: Construção de identidades de uma professora de inglês. In: BARROS, S. M. & ASSIS-PETERSON, A. A. (Orgs.). Formação Crítica de Professores de Línguas: desejos e possibilidades. São Paulo, SP: Pedro & João Editores, 2010, p. 145-174. ASSIS-PETERSON, A. A.; SILVA, E. M. N. Os primeiros anos de uma professora de Inglês na escola pública – Tarefa nada fácil. Revista Linguagem & Ensino, Pelotas, v.14, n.2, p. 357-394, jul./dez. 2011. BAILEY, K. M. The use of diary studies in teacher education programs. In: RICHARDS, J. C.; NUNAN, D. (Eds.). Second Language Teacher Education. 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Tendo em vista isso, e que o professor não é a única forma de compreensão e ensino, o Subprojeto PIBID-Matemática, de Cuiabá, desde o início do ano letivo de 2013, desenvolve atividades de monitoria na Escola André Avelino Ribeiro. Essa atividade visa a auxiliar alunos, principalmente do primeiro ano do Ensino Médio, que apresentam dificuldades em entender e compreender os conteúdos inerentes à disciplina de matemática. Juntamente com a atividade de monitoria, e paralelamente a ela, desenvolvemos uma outra ação, denominada ”Aulão para o ENEM”. Essa atividade, diferentemente da monitoria, que trabalha com matemática básica e auxilia nos conteúdos ministrados em sala de aula, é voltada única e exclusivamente para as questões referentes à prova do ENEM, de maneira que possam ser trabalhadas as dúvidas frequentes não apenas em relação ao dia da prova do ENEM, mas também dicas de como estudar e organizar o tempo de estudos de maneira mais proveitosa, para que se possa obter um melhor resultado. O principal objetivo da Monitoria e do “Aulão para o ENEM” é de contribuir na formação acadêmica do futuro docente, o bolsista, cuja função é esforçar ao máximo para ajudar os alunos que encontram algumas dificuldades inerentes aos conteúdos matemáticos ministrados pelos 178 professores dessa disciplina, em sala de aula. Além disso, também é parte das atividades do bolsista fazer com os mesmos alunos com dificuldades venham a evoluir durante o período letivo em termos de suas notas nas avaliações bimestrais. Esse resultado pode ser alcançado por meio do trabalho do conteúdo ministrado, de uma forma diferente daquele vivenciado em sala de aula, em seu dia-a-dia na escola. Desse modo, a orientação do bolsista se realiza de maneira que os estudantes possam relacionar as atividades com o seu cotidiano, tentando trazer os problemas para a sua realidade, para que eles os entendam de uma maneira mais prática. Além de auxiliar os alunos no processo de ensino-aprendizagem, o bolsista está, ao mesmo tempo, colaborando com os professores em sala de aula. É indiscutível que, a cada dia, o ser humano lida com resolução de problemas, sejam eles ainda no formato empírico, sejam já formalizados cientificamente/ pedagogicamente. A identificação de situações problemas, em que procuramos estruturas do cotidiano do aluno, dos mais simples aos mais difíceis, é atividade indispensável, uma vez que a resolução de problemas é um dos assuntos muito debatidos e aplicados no ensino da Matemática, principalmente como indicado por Dante (1989) e Polya (2006): Um dos principais objetivos do ensino de matemática é fazer o aluno pensar produtivamente e, para isso, nada melhor que apresentar-lhe situações-problemas que o envolvam, o desafiem e o motivem a querer resolvê-las (DANTE, 1997. p. 11). A respeito desse assunto, Polya (2006) faz a seguinte observação: uma grande descoberta resolve um grande problema, mas há sempre uma pitada de descoberta na resolução de qualquer problema. O problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios, experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta (POLYA, 1978, Prefácio da 1ª tiragem). Trabalhar com problemas matemáticos irá favorecer ao aluno uma melhor compreensão dos conteúdos, desde que e uma vez relacionados ao seu dia-a-dia. Com isso, espera-se que os alunos busquem estratégias de solução para os problemas e que serão valorizadas as diferentes formas que esses alunos utilizam para resolvê-los. Smole e Diniz (2001) afirmam que é importante, no trabalho com problemas matemáticos, respeitar e incentivar essas diferentes formas de resolução apresentadas pelos alunos, pois, desse modo, eles podem se 179 posicionar com autonomia e confiança frente aos problemas apresentados. A presença de situações-problemas pode ser observada em várias áreas do conhecimento, mas hoje está em destaque nas avaliações educacionais, principalmente no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), realizado anualmente para estudantes que concluíram a Educação Básica, com o objetivo de avaliar seu desempenho após o término dessa etapa de sua escolarização. O “Aulão para o ENEM”, na proposta desenvolvida pelo Pibid-Matemática/ UFMT, visa básica e primeiramente, a tranquilizar os alunos nos dias das provas, dando-lhes dicas de como estudar, de como organizar o tempo de estudo durante o ano. São estratégias simples, mas que podem fazer a diferença no dia da prova. Uma outra perspectiva é também ajudar os alunos com os principais conteúdos matemáticos que são abordados nesse tipo de prova, revisando alguns conteúdos de caráter básico fundamental para, com isso, auxiliá-los na resolução de questões em que encontram dificuldades e resolvendo também questões das edições anteriores da prova do ENEM, identificando as bases para resolver essas questões. Concomitantemente, esse projeto visa a desenvolver a cooperação entre seus pares e fazer com que os alunos também tenham a percepção de que o trabalho, se desenvolvido em grupo, de maneira que eles possam ajudar uns aos outros, permitirá integração e aprendizagem mais fortes. Esse trabalho é uma forma de ampliar o relacionamento com outras pessoas; assim, eles vão aprendendo e aperfeiçoando a forma de lidar com diversos problemas e diferentes tipos de situações e raciocínios na resolução dos mesmos e até dirimindo os conflitos existentes em sala de aula. Desenvolvimento O projeto de monitoria da UFMT, além de ter apresentado resultados satisfatórios em termos de aproveitamento, inicialmente para os alunos que participam regularmente das monitorias que são propostas pelos seus Departamentos nos Cursos de Ensino Superior da UFMT, dá ao aluno monitor uma breve ideia do que é atuar como professores e em quais situações ele estará envolvido nas salas de aula, futuramente. Mesmo observando esses resultados de melhoria no ensino-aprendizado do aluno, podemos identificar raros projetos que trabalham com a monitoria nos Ensino Fundamental e principalmente no Ensino Médio da Rede Pública de Ensino. Essa ação permite o enriquecimento da prática pedagógica individualmente aos bolsistas do Pibid, bem como aperfeiçoamento da aplicação das técnicas de ensino-aprendizagem, como constatam BEZERRA et.al. (2008) 180 ... após a realização de um projeto de monitoria, há uma grande contribuição para o enriquecimento do processo ensino-aprendizagem, e uma melhor compreensão dos objetivos e da importância das disciplinas para seus respectivos cursos; além do mais, tem auxiliado a desenvolver no que diz respeito ao monitor, tanto no âmbito pessoal, melhorando o seu relacionamento com os demais alunos, quanto no profissional, proporcionando um maior conhecimento dos conteúdos inerentes à disciplina (BEZERRA et.al., 2008, p.13) Por ser a matemática considerada por muitos uma das áreas mais complexas e em que mais se encontram dificuldades de entendimento por parte dos alunos, também no Ensino Médio o trabalho de monitoria que vem sendo realizado na Escola Estadual André Avelino Ribeiro é de fundamental importância. A proposta de trabalhar a monitoria diferentemente da maneira que o aluno vivencia diariamente em sala de aula com os professores tem como objetivo primordial valorizar a matemática dos diferentes grupos sociais e culturais e propor, assim, uma maior valorização dos conceitos matemáticos, inicialmente informais, construídos pelos alunos através de suas experiências, fora do contexto escolar. No processo de ensino, propõe-se que essa matemática, informalmente construída, seja utilizada como ponto de partida para o ensino formal, construindo essa formalização. Essa proposta de trabalho requer uma preparação dos bolsistas para reconhecer e identificar as construções conceituais desenvolvidas pelos alunos. Acredita-se que a metodologia de trabalho dessa natureza tem o poder de dar ao aluno a autoconfiança em sua capacidade de criar e fazer matemática. Com essa abordagem, a matemática deixa de ser um corpo de conhecimento pronto e simplesmente transmitido aos alunos e passa a ser algo que o aluno usa, integrando-a ao processo de construção de seus conceitos. Após algumas leituras e discussões, foi possível perceber que uma formação de qualidade para os futuros professores não se realiza somente com teoria, mas também com a oportunidade de que estes possam experimentar, praticar e vivenciar modos de trabalho no ambiente educacional no qual estão sendo preparados para trabalhar. Essa estratégia de integração e de aplicação da Monitoria e “Aulão para o ENEM” envolve atividades de apoio aos alunos da Escola André Avelino Ribeiro. Nas duas atividades, os bolsistas aplicam, inicialmente, uma pequena prova avaliativa e diagnóstica para detectar e mensurar os conhecimentos já existentes, bem como identificar as dificuldades dos alunos no entendimento de determinados conteúdos. A partir desse diagnóstico, os bolsistas podem dar um enfoque especial ao conteúdo e determinar 181 estratégias diferenciadas de ensino, visando a resolver essas maiores dificuldades apresentadas pelos alunos. A partir desse mesmo diagnóstico, é feito todo um roteiro de conteúdo, exemplos de situações aplicadas e banco de novas questões a serem resolvidas, para serem trabalhadas durante o ano letivo, seja por meio de atendimento individual do aluno, seja coletivamente, com grupos de alunos em salas de aulas regulares. A monitoria foi realizada duas vezes por semanas no contraturno dos alunos tanto da Escola como dos bolsistas do Pibid, às quartas e quintasfeiras, no período matutino. Nesses dias, os seis bolsistas se revezaram três a três e foram supervisionados pela professora supervisora do projeto, que também é a professora da disciplina Matemática. O “Aulão para o ENEM” é realizado aos sábados, tanto no período matutino quanto no vespertino. Nesses encontros, as áreas matemáticas e os conteúdos que são mais frequentemente detectados nas provas do ENEM são “divididos” entre os bolsistas, para serem trabalhados de maneira bastante detalhada, junto aos alunos da escola. Para observar e acompanhar o desenvolvimento e a evolução dos alunos, os bolsistas criaram fichas de controle individual, a fim de registrarem o desenvolvimento dos alunos que frequentam tanto as Monitorias como o “Aulão para o ENEM” durante o período letivo nas aulas, bem como a performance deles nas avaliações bimestrais, para comparação dessa evolução. Em média, as Monitorias tinham a frequência regular com participação entre 15 e 20 alunos, e no “Aulão para o ENEM”, por ser uma ação que abrange mais alunos, compareciam em média entre 150 e 200 alunos regularmente. Os resultados obtidos até o momento vêm se mostrando satisfatórios, embora o percentual de alunos que participam da monitoria e a frequentam, em relação àqueles que apresentam dificuldades em acompanhar os conteúdos e a disciplina Matemática, ainda seja relativamente baixo, se compararmos a quantidade de alunos que estão matriculados na Escola aos que frequentam regularmente a Monitoria e o “Aulão para o ENEM”. Porém, identificamos um aumento considerável dessa frequência em períodos próximos a avaliações bimestrais. Nesses momentos, a procura por ajuda por parte dos alunos é maior por conta de os mesmos estarem precisando de nota em suas provas de Matemática. Por outro lado, verifica-se melhor aprendizado dos alunos que frequentam regularmente a Monitoria. Essa melhora vem se notando na efetiva participação na resolução dos exercícios que são propostos pelos professores em salas de aulas regulares. Os alunos que participam da monitoria interagem mais em sala de aula, passaram a ajudar seus colegas no 182 entendimento dos conteúdos e interferem positivamente na disciplina dos alunos, tanto em sala como na Escola. É um reflexo positivo e significativo de que os alunos que frequentam a monitoria melhoraram sua performance e é perceptível nas avaliações bimestrais realizadas pelos professores de Matemática da Escola Estadual André Avelino Ribeiro. São comentários informais desses professores. Abaixo, pode-se notar a evolução no desenvolvimento dos alunos através do gráfico relativo ao primeiro semestre de 2013. Gráfico 01: Evolução do rendimento de alguns alunos que participaram da Atividade de Monitoria na Escola André Avelino em 2013, primeiro semestre. O reflexo da monitoria nos resultados avaliativos tem, aos poucos, despertado o interesse dos demais alunos da escola que, até então, não participavam das ações do subprojeto PIBID. O fato de os alunos que frequentam a Monitoria e o “Aulão para o ENEM” estarem se destacando e mostrando nas suas respectivas salas de aula regulares a sua evolução durante os bimestres tem atraído e influenciado os demais colegas, levando-os a perceber a necessidade e a importância da Monitoria e demais atividades de suporte, contribuindo para um melhor aprendizado e entendimento dos conteúdos matemáticos que são ministrados pelos professores em sala de aula. 183 Conclusão Durante o desenvolvimento das ações de monitoria e do “Aulão para o ENEM” na Escola Estadual André Avelino Ribeiro, ficou evidenciada a sua importância para o futuro dos bolsistas do Pibid, que serão também, futuramente, docentes, pois eles passaram a conhecer e a entender, na prática, como se dá o funcionamento de uma instituição de ensino (embora o tenham vivido, mas como alunos delas, e não experienciando a docência), em que poderão ser inseridos, quando entrarem no mercado de trabalho. Isso os levou a refletirem sobre suas práticas e a determinar metodologias a serem utilizadas em sala de aula. Sintetizando, os contatos dos bolsistas do Pibid com os alunos da Escola, durante essas ações, trazem uma oportunidade e uma experiência ímpar para a sua formação acadêmica. Ao perceber que a Monitoria e o “Aulão para o ENEM” vêm se mostrando uma ação importante não só para os alunos da Escola, mas também no conhecimento dos alunos bolsistas sobre como é trabalhar com alunos em sala de aula e, com isso, ampliando essa experiências para eles, imaginamos que ações como essas, num formato de projeto, possam ser ampliadas para as demais escolas, principalmente para as que se encontram com dificuldades de proporcionar entendimento e um melhor desenvolvimento da Matemática. Portanto, essa ação é de suma importância na formação de futuros professores, pois, ao contribuir para a formação inicial dos monitores bolsistas, os bons resultados se expandem para os alunos do Ensino Médio da Rede Pública de Ensino. Referências BEZERRA, F. T. C.; ARAÚJO, L. M.; BORGES, P. de F. Monitoria para o ensino e contextualização da matemática para os cursos de Agronomia, Ciências Biológicas e Zootecnia do Cca-Ufpb. Centro de Ciências Agrárias/ Departamento de Ciências Fundamentais e Sociais/MONITORIA, 2008. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. PCN+ Ensino Médio: Orientações Curriculares Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, 2002. DANTE, L. R. Didática da resolução de problemas de Matemática: 1ª a 5ª séries. São Paulo: Ática, 1989. 184 ______. Matemática: Contexto & Aplicações. Vol. Único Ed. Ática, São Paulo, 2002. POLYA, G. A arte de resolver problemas: um novo aspecto do método matemático. Tradução e adaptação: Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 2006. SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez. Ler, escrever e resolver problemas: Habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2001. 185 2.6 MATEMÁTICA COM PIPOCA: POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES E ATITUDES INTERDISCIPLINARES Gladys Denise Wielewski Professora do Departamento de Matemática/UFMT/Cuiabá Larise Trajano Gomes Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Luis Henrique Cabral Generoso Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Paulo Cesar Rodrigues da Silva Aluno voluntário do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Sergio Antonio Wielewski Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Introdução Desde a sua criação, a relação entre cinema e conhecimento transcende o campo da educação formal. Assim, “os novos métodos educacionais devem se utilizar dos meios de comunicação, como o rádio e o cinema” (MIRANDA, 2007 apud ARAÚJO 2007, p. 1). O cinema é considerado uma importante forma de arte, uma fonte de entretenimento popular e um método poderoso para educar os cidadãos quando, de fato, usado. Os elementos visuais dão aos filmes um poder de comunicação universal. Por que não, então, utilizar seus feitos e efeitos para aprimorar a aprendizagem? Segundo Machado (2008),1 “o elemento mais importante está relacionado à aplicação do filme durante as aulas, ou seja, como o professor pode orientar a ação dos alunos para que os melhores resultados possíveis possam ser atingidos”. O problema é que, mesmo na “era da informação”, que tem por característica o livre acesso aos mais diversos conteúdos, a maioria dos jovens ainda apresentam um baixo nível de rendimento nas disciplinas científicas e de formação básica no ambiente escolar. Dessa forma, o interesse pela ciência e pela educação formal é cada vez menor, conforme indica Santos (2013). Essa precariedade do Brasil envolvendo dificuldades no ensino da disciplina matemática aparece em indicadores educacionais, tais como o 1 João Luis de Almeida Machado, Doutor em Educação pela PUC-SP e Mestre em Educação Arte e Historia da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). 186 PISA – Programme for International Stundent Assessment (Programa para a Avaliação Internacional de Estudantes), organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Uma avaliação realizada em 2009 aponta que, dentre 65 países participantes do processo, o Brasil encontrou-se no 57º lugar, isto é, relacionado entre os últimos colocados nesse ranking. Nas pesquisas mais recentes, a evolução melhorou muito pouco. Para o sociólogo Simon Schwartzman (MARQUES, 2012, apud SANTOS, 2013), é indispensável fazer com que as pessoas adquiram os métodos e as atitudes típicas das ciências modernas, caracterizadas pela curiosidade intelectual, dúvida metódica, observação dos fatos e busca de relações causais, qualidades estas conhecidas como fazendo parte do desenvolvimento do espírito crítico e da autonomia intelectual dos cidadãos (SANTOS, 2013, p. 2). É fundamental para o aperfeiçoamento da educação científica no país, e de fato, essa é a nossa intenção, através do Projeto Matemática com Pipoca, despertar a curiosidade dos alunos, fazer com que eles questionem e, desta forma, possam aprimorar seus conhecimentos. Mas a forma e a intensidade da popularização da ciência entre os jovens brasileiros ainda é um grande problema a ser resolvido, e estimular o gosto pela ciência é um desafio para os professores. Selbach (2010) (apud SANTOS, 2013, p. 2) afirma que “as próprias dificuldades para melhorar o desempenho do ensino de ciências estão relacionadas à imensa distância entre a realidade da ciência mostrada aos alunos na escola e a realidade de vida destes alunos”. A realização do projeto Matemática com Pipoca, desenvolvido pelos alunos do Curso de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso, para os alunos do Ensino Médio da Escola Estadual André Avelino Ribeiro em Cuiabá – MT, integrado ao Programa PIBID/CAPES/UMT ─ tem como proposta aproximar os conteúdos curriculares escolares da vida do aluno, estimulando também a busca pelo conhecimento matemático, em especial, essencial para a formação individual e coletiva dos jovens. A aproximação do aluno com os conteúdos matemáticos ensinados antes, de forma tradicional, agora torna-se mais atrativa, com a utilização de filmes e documentários, que introduzem normalmente os mesmos conceitos científicos encontrados nos livros didáticos usuais, porém sob outra perspectiva, geralmente mais estimulante para o alunos. É crença que, ao motivarmos nossos alunos do Curso de Licenciatura Plena em Matemática da UFMT a desenvolver projetos dessa natureza, 187 estamos atendendo ao objetivo de ampliar nossas ações de capacitação docente e discente e, ao mesmo tempo, preencher lacunas no acesso a opções de atuações metodológicas possíveis de serem desencadeadas, principalmente envolvendo tecnologias. Em filmes, buscamos perceber e analisar contextos de realidade, discutindo principalmente comportamentos, ética e tecnologias presentes; nos documentários, procuramos abordar questões mais focadas e específicas das ciências naturais e sociais, correlações históricas etc., dentre outros aspectos. Em todas as situações, as atividades propostas sempre objetivavam evidenciar ações que resultam em práticas de resolução de problemas, de atividades de análise, seja comparativa ou estatística, cálculo de performance, situações de modelagem, criação de estruturas de representação, diagramação etc., dentre outras possibilidades. Desafiamos ainda o aluno, quando possível, em produção coletiva, a desenvolver resenhas, resumos e, principalmente, a avaliar todo o processo de que tenha participado. Existem diversas estratégias para a utilização de filmes e documentários, principalmente na educação básica, atraindo estudantes para “olhar”, vivenciar a ciência, e interagir com ela, de maneira mais completa e com significados mais facilmente relacionados com a sua realidade ou com uma realidade imaginável. Para que o cinema seja utilizado na escola, é importante que exista um plano didático que aponte as reais motivações para a prática proposta. É fundamental especificar os objetivos da utilização do cinema na sala de aula, antecipar os resultados esperados, definir os conhecimentos prévios que o aluno deve ter para assistir ao filme e pensar nas possíveis discussões para se ter posteriormente com os alunos, relacionando o filme com os conteúdos disciplinares. Todos estes aspectos são importantes para que esta prática não se torne apenas uma maneira de desperdiçar o tempo de aula (NAPOLITANO, 2011 apud SANTOS, 2013, p. 4). Muitos gêneros cinematográficos, como comédia, drama, ação, ficção científica, além dos filmes e documentários educativos, se fazem cada vez mais presentes nas residências e também nas salas de aula devido à “democratização” do acesso, seja pela TV por assinatura, repositórios educacionais, disponibilidade pela internet etc. A maioria dessas obras não são criadas para cunho educacional propriamente, mas possuem um potencial pedagógico interessante para estabelecer relação entre conteúdos e situações escolares para os alunos. Tudo depende de o professor identificar e promover maneiras de estabelecer essa relação. A relação direta com a ficção e o uso de conceitos científicos são mais facilmente percebidos e explorados pelos produtores. 188 Metodologia A proposta do projeto Matemática com Pipoca, de estimular e aprimorar o ensino dos conteúdos programáticos de matemática, fazendo uso do cinema nas salas de aula, requer do professor conhecimentos específicos nas áreas de influência da ciência e linguagem Matemática. A estratégia de ação prevista pelo projeto procura relacionar os conteúdos evidentes e aparentes nos filmes/documentários, identificando aplicações da Matemática integradas com variadas disciplinas e setores, como Geografia, Biologia, Química, Física, Economia, Administração, Contabilidade, Produção, Construção, dentre outras. Esse querer “olhar” para o processo de ensino procurando uma relação de expectativa interdisciplinar dá condições para que o professor realize um trabalho de integração possível e pertinente com as diferentes áreas do saber, caracterizando um trabalho de cooperação, que evidencia e promove o diálogo entre as áreas. Além disso, as experiências educacionais mais recentes têm apontado a interdisciplinaridade como sendo uma necessidade, ainda que apresente muitas dificuldades para implementação. Embora a multiplicidade de fatores acene para a interdisciplinaridade como uma solução para os limites e as incapacidades das disciplinas isoladas de compreender a realidade e responder às demandas do mercado de trabalho, na prática, difunde-se ainda na maioria das escolas um conhecimento fragmentado, deixando para o aluno estabelecer sozinho as relações entre os conteúdos (TOMAZ, 2008, p. 13). No planejamento de uma aula, o professor tem à sua disposição diversos mecanismos que podem torná-la mais atraente para os alunos, de forma que essa aula extrapole e supere a aula “expositiva” tradicional, normalmente utilizada na escola. Dentro deste leque de possibilidades de que o professor dispõe, está o cinema. Mas como utilizar o cinema na sala de aula? Utilizar o filme pedagogicamente exige muito planejamento e clareza quanto a objetivos, metas e resultados a serem alcançados. É uma estratégia que deve ser utilizada com cautela, pois se usada de forma indevida irá apenas atrapalhar o desenvolvimento do programa; sem objetivos claros, servirá apenas para os alunos como distração ou o valor de uma aula vaga, sem resultados. O cinema, quando bem utilizado como ferramenta didática, pode motivar até mesmo aqueles alunos menos interessados nas aulas. Assim, para que filmes/documentários sejam bem utilizados na escola, é de suma importância que exista um plano de aula que aponte a motivação da prática proposta, indique que o filme é o início de outra ação 189 que irá ser desencadeada, a partir dela. Os objetivos precisam estar explícitos, os resultados esperados precisam ser previstos, assim como os conhecimentos prévios que os alunos precisam ter para entender o filme e o seu propósito. Enfim, é importante que o professor orientador pense nas possíveis discussões que possam surgir ou ser provocadas ao fim de cada sessão, e que outras atividades, relacionadas com os conteúdos disciplinares e interdisciplinares identificados com o filme, podem ser propostas/desenvolvidas. Todos estes aspectos são importantes para que esta prática não se torne apenas uma maneira de desperdiçar o tempo de aula (NAPOLITANO, 2011, apud SANTOS, 2013, p. 4). Levando em consideração que um filme convencional possui em média 90 minutos de duração e que a aula no Ensino Médio das escolas públicas geralmente é de 50 minutos, normalmente o professor deve fazer uso de duas aulas consecutivas ou geminadas, para trabalhar o filme escolhido. Uma alternativa encontrada para que a estratégia não perca a motivação (pela duração e cansaço de um filme convencional) e nem envolva um volume muito grande de princípios, conceitos e variáveis ─ pelo fato de um filme ser, estruturalmente mais complexo ─ é a escolha de documentários científicos, que normalmente levam menos tempo para serem assistidos, ou então a seleção de apenas algumas cenas de filmes, com potencial didático, ao invés do filme na íntegra. Lembramos sempre que nosso objetivo nesse projeto não é divulgar a arte da cinematografia e, sim, fazer uso dela para trabalhar conteúdos curriculares, matemáticos ou não, em sala de aula. Prender a atenção dos alunos por um longo período é algo complicado, de maneira que quanto menor for o intervalo, o limite de tempo para as discussões e as atividades relacionadas é mais bem aproveitado. Um exemplo prático vivenciado em nossas sessões já realizadas, e que ilustra essa proposta de atuação do projeto “Matemática com Pipoca” na escola, foi a utilização de parte do documentário Discovery na Escola - Grandes Invenções Matemáticas, em conjunto o filme Matemática em Toda Parte – Matemática nas Finanças, num total de 45 minutos, com o objetivo de motivar os alunos para temas, como: matemática financeira; a transformação do valor do dinheiro no tempo; a história do dinheiro; a evolução e sistematização do comércio, dentre outros. O primeiro filme (Discovery na Escola - Grandes Invenções Matemáticas) traz um roteiro da história das invenções e inovações que contribuíram para o desenvolvimento do comércio moderno, de moedas a cartões de crédito, de caixas eletrônicos a robôs. O outro (Matemática em Toda Parte – Matemática nas Finanças), por sua vez, discute a matemática nas finanças. O que determinou a escolha destes dois filmes para utilizar em nosso Projeto foi o potencial científico e pedagógico que propiciaram 190 discussões científicas interessantes junto aos alunos que participaram da sessão. Para preparar o trabalho, foram feitos recortes nos filmes e remontagem em um único documentário. Para fazer esse recorte de um dos filmes e agregação em outro, foi utilizado o software Movie Maker, desenvolvido pela Microsoft, programa que está inserido no leque de ferramentas a que o professor da rede pública tem acesso. Ao final do documentário produzido, foram montadas telas explicando o objetivo e a citação das fontes utilizadas para o trabalho. Esta primeira sessão teve como objetivo preparar os alunos e trazer à tona conhecimentos prévios necessários para, então, apresentarmos e entendermos o longa-metragem Wall Street – Dinheiro e cobiça (1987). Este filme se passa em Nova York e conta a história do jovem e ambicioso corretor Bud Fox (Charlie Sheen), que trabalha no mercado de ações e se envolve com Gordon Gekko (Michael Douglas), um inescrupuloso bilionário do ramo do mercado de ações. Na Escola André Avelino Ribeiro, em Cuiabá-MT, onde planejamos a realização da sessão, em um dia dedicado ao projeto para alunos dos 3º Anos, período matutino, os alunos assistiram ao filme que tem a duração de 122 minutos. Após o término, foram liberados para o intervalo e ao retornarem começamos as atividades planejadas. Com o propósito de despertar a visão crítica dos alunos para as questões do mercado financeiro brasileiro e mundial, para esta sessão convidamos um aluno do Curso de Ciências Econômicas, da Universidade Federal de Mato Grosso, para um debate sobre a bolsa de valores brasileira. Por fim, os alunos participaram de uma atividade em que eles próprios criaram seus dinheiros e estabeleceram relações de compra e venda, de acordo com o mercado cambial escolhido. As sessões que aconteceram quinzenalmente já contaram com as apresentações dos filmes “A Velha Nova York” – o documentário permitiu comparar estruturas de cidades gregas e romanas antigas identificadas em Nova York, funcionando perfeitamente após adequações apropriadas. Isso levou os alunos a perceberem muitas indagações e as responderem: “Para que serve isso que estou estudando?” “De onde surgiu?” “Nunca havia percebido a matemática desta maneira!”. Usar simulações, previsões, projeções e demais estruturas de pensamento, aguça, solidifica e amplia a base de conhecimentos. Na sessão em que apresentamos o filme “História do Número 1”, com o objetivo de despertar a curiosidade dos alunos acerca da história da matemática, antes da apresentação do filme os alunos responderam a indagações do tipo: “Será que os números sempre existiram?” “Além de contar, para que podem ser utilizados os números?” “Vocês conhecem 191 algum sistema de numeração?” “Quantos são os símbolos do sistema de numeração hindu-arábico?” Após a apresentação do filme, escrevemos no quadro negro o número 258 e perguntamos aos alunos o que este símbolo representava para eles, obtendo a resposta: “duzentos e cinquenta e oito, professor(a)!” Em outra parte do quadro-negro, escrevemos outro número com os mesmos algarismos, como 825, e dissemos: “Bem, aqui está, duzentos e cinquenta e oito, certo? ”. E obtivemos a resposta: “Não! Esse é o oitocentos e vinte e cinco.” Essa resposta conduziu o debate para o seguinte questionamento: por que eles não representam a mesma quantidade já que são escritos com os mesmos símbolos: 2, 5 e 8? Esse questionamento os alertou para o fato de o sistema decimal ser posicional, no qual cada posição corresponde a uma potência de 10. A posição das unidades corresponde a 100=1; a das dezenas, 101=10; a das centenas, 102=100; e assim sucessivamente. Em conclusão, a característica do sistema decimal é a criação de grupos de 10 em 10, que podem ser reagrupados em grupos maiores, também de 10 em 10. Assim: 258=2x102+5x101+8x100, ou seja, duas centenas, cinco dezenas e oito unidades. 825=8x102+2x101+85x100, ou seja, oito centenas, duas dezenas e cinco unidades. Nesse momento, os alunos foram questionados sobre a possibilidade de se utilizar outro modo para agrupar as quantidades. Para isso, utilizamos um tipo de material que permitiu a manipulação pelos alunos, uma sacola cheia de tampas de refrigerante. Eles deveriam estabelecer a correspondência entre cada tampa e a unidade, e representar uma dezena e uma centena. Depois de terem manipulado o material para representar algumas posições do sistema decimal, eles deveriam criar, com as tampas, grupos de 3 em 3. Aqui, os alunos puderam observar que, ao juntar 3 unidades, eles formavam um grupo que correspondia à posição das dezenas, que neste caso são ternas. Assim, nesse sistema, uma terna corresponde a 3 unidades. Se juntarem 3 ternas irão formar um grupo que corresponde no sistema decimal às centenas, e neste caso são utilizadas 9 unidades. Perguntamos, então, quantas unidades, neste sistema ternário, correspondem à quarta posição (ou posição da unidade de milhar no sistema decimal) e eles conseguiram responder; no entanto, quando as dúvidas persistiam, recorríamos ao sistema binário para explicações mais formais. Como o potencial pedagógico deste filme não se restringiu à matemática, pudemos relacionar também as disciplinas História e Geografia nos debates sobre a história do número 1. No documentário “Inventos da Antiguidade - Balística”, trata-se dos estudos de projéteis, balas, morteiros e foguetes. Elas são consideradas invenções modernas, mas novas pesquisas e descobertas estão obrigando engenheiros e cientistas a reconsiderar essa hipótese. Evidências revelam que armas super-balísticas eram usadas em campos de batalha 192 já há milhares de anos. Enquanto estudavam e analisavam evidências, os cientistas chegam a conclusões explosivas. Nesta sessão, os bolsistas do Pibid levaram para a sala de aula uma catapulta construída artesanalmente para que os alunos realizassem lançamentos de objetos de massas distintas a um alvo escolhido. Após os lançamentos, eram discutidas todas as relações feitas ao lançamento, como ângulos de lançamento e distância atingida pelo projétil, dentre outras. Esses são alguns filmes/documentários apresentados e escolhidos para ampliar a visão dos alunos sobre a Matemática e demais áreas de conhecimento, seja do mundo antigo, seja do atual, sem perder o “foco” dos fundamentos teóricos que a escola utiliza formalmente. Resultados Obtidos Como processo para analisar e avaliar a aceitação e o envolvimento com a proposta desenvolvida pelos bolsistas do projeto, ao fim das sessões os alunos responderam a questões específicas sobre o tema do filme apresentado ou sobre a forma como foram conduzidas as atividades após o filme, buscando, com isso, avaliar o impacto das apresentações. Entre o segundo semestre de 2012 e o primeiro de 2013, cerca de 300 alunos dos primeiros, segundos e terceiros anos do Ensino Médio da Escola André Avelino Ribeiro haviam participado desse projeto. A média de idade dos participantes foi de 16 anos e as respostas revelaram que uma parcela mínima afirmou não gostar de matemática. Outra parcela, igualmente mínima, afirmou não gostar de disciplinas que estudam ciências, de um modo geral. 87% afirmaram gostar de matemática. Essa enquete não foi feita antes da implantação do projeto, porém levantase a hipótese de que estes resultados positivos podem ser derivados das apresentações que tinham justamente como objetivo motivar o gosto dos alunos pela matemática. Uma nova enquete foi elaborada para abordar duas questões: a primeira sobre os hábitos do aluno entrevistado com relações a filmes e livros com temas de ficção científica; a segunda sobre se o mesmo costumava ver filmes que abordavam questões envolvendo a matemática. Com relação à primeira pergunta, 91% dos alunos responderam que nunca leram livros que traziam temas científicos, mas que costumavam assistir a filmes que abordavam esse tipo de tema. Quase que unanimemente os alunos afirmaram gostar de cinema, o que revela a força da indústria cinematográfica na sociedade moderna. Sob essa premissa, o ideal é que a escola se organize para dialogar com esta realidade e tecnologia em prol de uma educação mais efetiva. 193 Também ao fim de cada sessão, alguns alunos eram entrevistados, com o objetivo de compreender as perspectivas dos mesmos sobre o tema trabalhado. A pergunta principal era: o que mais os atraía na matemática? Um aluno do 1º ano do Ensino Médio da Escola André Avelino Ribeiro respondeu da seguinte maneira: “Pra dizer a verdade, a matemática está em toda parte e ela está dentro de todas as outras matérias, ela está em tudo que você faz”. Fica evidenciado que, nas salas de aula, há geralmente uma divisão entre alunos que gostam de matemática e alunos que não gostam de matemática. O mesmo ocorre com alunos que não gostam de ciências e alunos que gostam de ciências. Esse é, portanto, um dilema que o professor pode amenizar fazendo uso do cinema como um agente motivador para o ensino aprendizagem da matemática e demais ciências; por isso, estamos estudando a apresentação de novos documentários, já pensando nos trabalhos que serão desenvolvidos em 2014, documentários esses que abordem temas mais diversificados, possibilitando o envolvimento de alunos pibidianos de outras licenciaturas, propondo uma vivência interdisciplinar mais efetiva. Referências ALMEIDA, M. J. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Editora Cortez, 2001. ARAÚJO, S. A. Possibilidades pedagógicas do cinema em sala de aula. Revista Espaço Acadêmico n. 79, dezembro de 2007, Ano VII. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/079/79araujo.htm>. Acesso em: 25 maio 2013. MACHADO, A. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997. ______. O cinema e a condição pós-midiática. In: Cinema sim: narrativas e projeções: ensaios e reflexões. MACIEL, K. (Org.). São Paulo: Itaú Cultural, 2008. MACHADO, J. L. A. Na sala de aula com a sétima arte. Aprendendo com o Cinema. São Paulo: Ed. Intersubjetiva, 2008. MARQUES, F. Gargalo na sala de aula. Pesquisa Fapesp, n. 200, p. 3238, out. 2012. MIRANDA, C. E. A. A educação pelo cinema. Disponível em: <http://www. artigocientifico.com.br/uploads/artc_1153335383_46.pdf>.. Acesso em: 25 maio 2013. 194 PISA. 2009. Disponível em: <http://www.oecd.org/pisa/pisa2009keyfindings.htm>. Acesso em: 25 maio 2013. SANTOS, G. L. O Cinema como Motivador da Educação Matemática e Científica na sala de aula. IX ENEM, Curitiba-Pr. Disponível em <http:// sbem.esquiro.kinghost.net/anais/XIENEM/pdf/2504_1583_ID.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2013. SELBACH, S. Matemática e Didática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. (Coleção Como Bem Ensinar). TOMAZ, V. S. Interdisciplinaridade e aprendizagem da matemática em sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. 195 2.7 WEB-RÁDIO PIBID: O ENSINO DA MATEMÁTICA ATRAVÉS DA ORALIDADE Ana Maria Ferreira Lemes Aluna voluntária do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Jasmim Neves Valles Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Luzia Aparecida Palaro Coordenadora institucional do PIBID/UFMT Rafaela Fernanda Félix Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Sérgio Antonio Wielewski Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Introdução Ao percorrer muitas escolas, ouvia-se falar muito sobre uma atividade regular denominada “rádio na escola”. Ao tentar saber como funcionava, todas elas tinham o mesmo padrão: no horário do intervalo, diariamente, cada turma era responsável por gravar um CD contendo músicas de gosto específico de cada grupo. Esse CD era reproduzido no intervalo por meio de sistema de som com caixas acústicas espalhadas pela escola. Nada mais era comunicado. Encerrado o intervalo, a rádio “saía do ar”. O efeito produzido pela ação da rádio era observar grupos aleatoriamente dançando ou “esboçando movimentos” ao som da música tocada. Para fins educativos, não encontramos nenhum efeito, a não ser o trabalho em equipes, ou iniciativas de grupos que atuassem na organização e execução dessa rádio na escola. Daí surgiu a ideia de uma Web-Rádio, que somasse na área educativa e, ao mesmo tempo, fosse voltada para a matemática, nossa área específica. E, desde então, estamos em formação e buscando alternativas para levarmos ao ar nossa Web-rádio PIBID Matemática, procurando formas de abordar suas potencialidades e as possibilidades que surgem desta nova configuração. Sendo um meio mais acessível e interativo, sendo “mediametamorfizado”, abre espaço para veiculação de novas propostas, como a educação. Numa busca de espaço para experimentação e/ou para dar visibilidade a projetos e trabalhos de alunos e professores, nós, como Universidade, 196 também buscamos nosso espaço na rede e tentamos fazer dela um campo de novas aplicações, linguagens e aprendizado, com foco no ensino da matemática. Durante muito tempo, a palavra comunicação esteve ligada a áreas que não incluíam a matemática. Trabalhos recentes afirmam que, em todos os ambientes, os alunos devem aprender de certa forma a se comunicar, inclusive matematicamente, e o papel claro dos educadores é estimular o questionamento e os levar a pensar e comunicar ideias. Considerando que aprender matemática exige comunicação, no sentido de que é através dos recursos de comunicação que as informações, conceitos e representações são veiculados entre as pessoas, a comunicação do significado é a raiz da aprendizagem. Desta forma, promover comunicação em matemática é dar aos alunos a possibilidade de organizar, explorar e esclarecer seus pensamentos e delinear raciocínios. O nível ou grau de compreensão de um conceito ou ideia está intimamente relacionado à comunicação bem sucedida desse conceito ou ideia. A Web-Rádio PIBID Matemática tem por objetivo principal estimular o ensino de matemática, tendo como premissas iniciais o estímulo e o exercício da oralidade. É um projeto em andamento, no qual seus integrantes se encontram em formação continuada, tanto nos aspectos técnicos como pedagógico, e em discussão permanente sobre como colocar em prática esse objetivo, procurando maneiras de estimular o desenvolvimento de potencialidades cognitivas com o auxílio de professores, priorizando os conceitos de cunho puramente matemáticos. Ela busca uma interação entre a Escola onde o PIBID Matemática desenvolve atividades atualmente e a UFMT. Quanto aos resultados esperados, não são tantos, tendo em vista que a Web-Rádio não foi ao ar definitivamente, pois a programação inicial está sendo estruturada ainda e será testada ao longo dessa formação, esperando concretizar o objetivo descrito acima. O início do conceito e seu desenvolvimento No Brasil, uma das maiores contribuições para ampliar a abrangência da educação iniciou-se com o desenvolvimento do Projeto Minerva, um dos precursores da rádio voltada para educação e que atendia à Lei número 5.692/71 (Capítulo IV, artigos 24 a 28) que dava ênfase à educação de adultos. O parecer nº 699/72 determinava a extensão desse ensino, definindo claramente as funções básicas do ensino supletivo: suplência, suprimento, qualificação e aprendizagem. A meta era utilizar o rádio para atingir o homem, onde ele estivesse, ajudando-o a desenvolver suas potencialidades, tanto como ser humano, quanto como cidadão participativo 197 e integrante de uma sociedade, principalmente nos locais mais isolados do país. Em Assis (2011), encontramos um estudo que teve como objetivo descrever e analisar aspectos da trajetória histórica do ensino da matemática pelas experiências de rádio no Rio Grande do Norte, entre as décadas 1950 e 1970. O propósito era organizar um documentário, em formato de CD-ROM, que contivesse informações sobre Matemática e seu ensino via rádio. Esse estudo teve como apoio o referencial teórico da História Cultural e estudiosos da memória, como Certeau (1998), Chartier (1990), Le Goff (2008), Thompson (2002) e Peter Burke (2004). Além disso, foram usados elementos da história oral detectados no ensino e alfabetização matemática, envolvendo ouvintes de rádio em duas comunidades rurais ─ Logradouro e Catolé, que atualmente fazem parte da cidade de Lagoa Salgada (RN). Também foram usadas fontes escritas de documentos encontrados no Arquivo Geral da Arquidiocese de Natal (RN) e alguns aspectos do curso de Madureza em Rádio. Essas foram leituras que principiaram nosso conhecimento teórico inicial sobre esse tipo de trabalho. Também identificamos, no material de pesquisa de Assis (2011), descrições sobre o Método Global juntamente com a pedagogia de Paulo Freire, que guiou a produção de aulas de alfabetização e cursos primários em que o conteúdo em Matemática apresentava vestígios de tendência empírico-ativista. No Curso de Madureza, houve uma tendência tecnicistaformal, citada por Fiorentini (1995). Outro movimento ocorreu com o desenvolvimento do Projeto Minerva, criado em 1970 para atender aos objetivos do governo militar brasileiro que, desde 1964, propunha mudança radical no processo educativo, com a utilização do rádio e da televisão. Nesse contexto, a proposta do governo era solucionar os problemas educacionais existentes, com a implantação de uma cadeia de rádio e televisão educativas para a educação de massa por meio de métodos e instrumentos não convencionais de ensino. O Projeto Minerva foi concebido e desenvolvido pelas seguintes instituições: Ministério da Educação, Fundação Padre Anchieta e Fundação Padre Landell de Moura, com base na Lei 5692, com ênfase na educação de adultos. Esse Projeto foi transmitido, em rede nacional, por várias emissoras de rádio e de televisão, visando à preparação de alunos para os exames supletivos de Capacitação Ginasial e Madureza Ginasial, produzidos pela Fundação Padre Landell de Moura e pela Fundação Padre Anchieta. Ele foi implementado, inicialmente, como uma proposta de solução a curto prazo, visando a resolver problemas do desenvolvimento do país, que tinha como cenário um período de crescimento econômico em que o pressuposto da educação era o de preparação de mão de obra e, para isso, a alfabetização e a educação inicial mínima para adultos eram primor198 diais. O Projeto Minerva foi mantido até o início dos anos 80, apesar das severas críticas e do baixo índice de aprovação, ou seja, 77% dos inscritos não conseguiram obter o diploma. As principais características do Projeto Minerva: a)Contribuição para renovação e desenvolvimento do sistema educacional e para a difusão cultural, conjugando o rádio e outros meios. b)Complementação ao trabalho desenvolvido pelo sistema regular de ensino. c)Possibilidade de promoção da educação continuada. d)Divulgação de programação cultural de acordo com o interesse da audiência. e)Elaboração de textos didáticos de apoio aos programas instrutivos. f) Avaliação dos resultados da utilização dos horários da Portaria nº408/70 pela emissora de rádio. A história do rádio é marcada por dois momentos de intensos debates acerca de sua existência no futuro, sendo o primeiro deles na década de cinquenta. Com o surgimento da televisão, acreditava-se que o rádio iria acabar, já que o novo veículo de comunicação, além de som, possuía também imagem. E no início deste século houve outro debate entre os profissionais radiofônicos: será que o rádio desapareceria por causa da internet? Os inovadores formatos em áudio poderiam ser definidos como rádio? Os novos gêneros que existem na Web iriam acabar com o modelo tradicional que todos nós conhecemos? Mídias como rádio, televisão e jornal existiriam apenas no computador em um futuro próximo? São esses questionamentos que proporcionaram dois momentos de acirradas discussões e estudos sobre o nascimento de um novo tipo de rádio: numa Web-Rádio, podemos falar em termos de “ferramentas” e em “conteúdos” que podem ser explorados e aplicados quando pensamos no uso desse recurso no contexto da prática de ensino. Numa escola, essa ferramenta pode apresentar algumas vantagens: • No caso, a primeira disciplina a ser beneficiada é a Língua Portuguesa, favorecendo, por exemplo, a compreensão da diferença entre a língua culta e a popular. • Através da produção de pequenos programas de rádio, podem ser experimentadas as várias opções de expressão, do gênero descritivo ao opinativo, em formatos os mais variados, enriquecidas com a mixagem de linguagens, em que a voz humana é associada aos cenários sonoros oferecidos pela música instrumental e cantada. 199 • Outras disciplinas, especialmente as que privilegiam as narrativas, como a história e a geografia, ou mesmo atividades interdisciplinares, como as voltadas para a educação em valores ou a educação ambiental, apresentam-se como espaços naturais para o uso da linguagem radiofônica. • A presença de uma web-rádio na escola pode representar o primeiro passo para uma mudança mais profunda na maneira de educar e ser educado: a autogestão do conhecimento sobre o próprio processo de comunicação. • Na Matemática, esse aprendizado das várias ferramentas auxilia a própria compreensão dos textos, pois, muitas vezes, a falta de compreensão dos problemas dificulta sua resolução, sendo que a interação verbal e a mediação pedagógica possibilitam modos de argumentação e a circulação de significações matemáticas. A Web-rádio e a educação são conceitos que se integram e trabalham juntos na construção do conhecimento e, mais do que nunca, muitas instituições de ensino utilizam recursos virtuais como processo de aprendizagem, favorecendo o domínio educativo e coletivo, produzindo ensino através da informação, associando novas formas de comunicação em rede e tornando a informação mais acessível. Numa era de comunicação, a sociedade encontra-se apoiada pelas novas tecnologias, o que exige mudanças que possam nos auxiliar e, com isso, a escola não pode perder o foco em preparar o aluno para que ele possa compreender toda a transformação da comunicação e o seu uso. Surge, então, o conceito Educomunicação, que se identifica em pesquisas que visam ao trabalho com os meios de comunicação e as tecnologias disponíveis na educação, indo além das salas de aula. Nesse contexto, ela usa os meios de comunicação, sejam Revista, TV, Jornal, Rádio, Internet etc., tendo o processo educativo através da inter-relação comunicação/ educação como parte fundamental dessa integração. A relação educação/comunicação desenvolvida busca propor, na produção das diversas mídias, instrumentos que possam ser usados e que nos auxiliem no processo de ensinoo-aprendizagem, ao mesmo tempo em que mostrem aos alunos a importância desses meios de comunicação. Porém, ao termos a possibilidade do auxílio dessas comunicações como instrumentos, não podemos apenas usá-las como complemento da educação, mas trabalhar o processo de criação e a elaboração de novas situações e contextos educativos. A Web-Rádio Pibid-Matemática Cuiabá é um projeto que envolve educação e comunicação e que visa a levar aos alunos, através da rádio na internet, fatos e informações no contexto educacional, ao mesmo tempo 200 de uma forma abrangente e simplificada. A proposta é despertar o interesse desses alunos e envolvê-los nessa estratégia educacional. A Web-rádio e a educação são conceitos que se integram e trabalham juntos na construção do conhecimento. Mais do que nunca, muitas instituições de ensino já se utilizam de recursos virtuais como processo de aprendizagem, favorecendo o domínio educativo e coletivo e retrabalhando o ensino através dos diferentes acessos à informação, tornando-a mais disponível e produtiva, associando novas formas de comunicação em rede. Na Web-Rádio Pibid-Matemática/Cuiabá, um dos desafios é promover ações cujo foco sejam o estímulo e o desenvolvimento da oralidade, ou seja, formas de ensino que façam uso da oralidade como expressão primeira: oralidade é a transmissão oral dos conhecimentos armazenados na memória humana. Antes do surgimento da escrita, todos os conhecimentos eram transmitidos oralmente. A memória auditiva e a visual eram os únicos recursos de que dispunham as culturas orais para o armazenamento e a garantia da transmissão do conhecimento às futuras gerações. A inteligência estava intimamente relacionada à memória. Os anciões eram os mais sábios, pelo conhecimento acumulado. Desde as reformas curriculares da década de 1980, vem-se discutindo a necessidade de uma nova cultura de aula que possibilite os processos de significação, principalmente de matemática, rompendo com práticas centradas apenas em procedimentos algorítmicos e mecanizados. Nesse contexto, podemos experienciar uma maneira que proporcione o desenvolvimento da oralidade nas aulas de Matemática, como forma de desenvolver a argumentação nos alunos e possibilitar o movimento de elaboração e reconstrução conceitual. A ausência de comunicação é comum em matemática e há uso excessivo de cálculos mecânicos apresentados de forma descontextualizada. A atenção nos procedimentos e a linguagem usada para o ensino de matemática são fatores que tornam a comunicação quase inexistente, ou pouco frequente, nas aulas desse componente curricular. Assim, ao encorajar os educandos a se comunicar matematicamente, seja uns com os outros, com os pais ou com o educador, eles terão a oportunidade de organizar e explorar novos conhecimentos, pensamentos e diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto. Desse modo, há a exigência de comunicação para aprender matemática, sendo por meio dos recursos de comunicação que os conceitos e as informações são veiculados. Estimular a comunicação matemática é levar aos alunos o sentido de organizar e esclarecer seus pensamentos. Nesse processo, o grau de compreensão de um conceito é relacionado à 201 comunicação bem sucedida dessa ideia. Desse modo, quanto mais oportunidades os alunos conseguirem de refletir sobre um determinado assunto, seja falando, escrevendo ou até mesmo representando, eles o compreenderão melhor. Essa mudança de visões e possibilidades diferenciadas solidifica ainda mais esses conceitos. É ao trocar suas experiências em grupo, compartilhando suas dúvidas e descobertas, ouvindo, lendo e analisando as ideais uns dos outros que eles compreenderão os conceitos e significados que estão envolvidos neste tipo de linguagem, de forma a envolvê-los com suas próprias ideais. Podemos dizer que a oralidade é o recurso de comunicação mais acessível em toda nossa vida de falantes e que podemos usá-la, seja em matemática, seja em qualquer área do conhecimento. É um recurso simples e direto de comunicação que nos permite revisões praticamente imediatas, que podem ser reiniciadas, assim que se observa uma falha ou inadequação, de forma independente da idade e da série escolar. A Web-rádio também pode ser uma forma diferenciada e inovadora (para muitos...) de auxílio a esse rompimento tão arraigado em nosso cotidiano acadêmico, segundo o qual só se aprende matemática fazendo contas e repetindo dez vezes a mesma coisa para memorizar, e não utilizar realmente de forma significativa a nossa memória. Mas devemos ficar atentos ao que se quer conseguir por meio desse projeto. Uma das possibilidades está na rádio que nasce na própria rede midiática e, pelo fato de não ser transmitida por ondas, é feita exclusivamente para a internet. Esta modalidade, segundo Alves (2003), é embrionariamente digital. Importa destacar que os autores pesquisados não fazem diferenciação entre as rádios na internet que veiculam ao vivo ou não o seu conteúdo na rede, estando ambas dentro da mesma categoria citada acima. Normalmente veiculam ao vivo na internet aquelas que transmitem por ondas, transmitindo na web ao mesmo tempo em que transmitem por sinal aberto. Existem, de maneira similar, alguns sites que disponibilizam formas de acessar arquivos de áudio pela internet, possibilitando aos usuários criar uma web-rádio particular, com suas listas particulares de arquivos de áudio, normalmente músicas, para serem ouvidos pessoalmente em seu computador, a partir de uma conexão com os servidores de áudio. De acordo com Bufarah (2004): Estes sites são serviços de áudio bem organizados, mas pela falta de algumas características que determinam a natureza do produto sonoro radiofônico não os considero su- 202 ficientemente elaborados para serem denominados ‘rádios’. Por isto, cabe afirmar que nem todo áudio na Internet pode ou deve ser chamado de “rádio”, erro comum entre os profissionais (BUFARAH, 2004, p. 08). Ele destaca também algumas vantagens e desvantagens que o rádio adquire ao agregar-se à rede da Internet. Com isso, podemos perceber as possibilidades oferecidas através da nova configuração deste antigo meio de comunicação, que, sob nova ótica: 1) É um sistema isento de Concessão: na internet, o rádio não precisa da liberação de concessão para radiodifusão, tornandose mais fácil e rápida a disponibilização dessa modalidade. 2) É de baixo custo: este tipo de rádio dispensa os equipamentos de emissão de alto custo de recepção1. Basta um computador; pode-se utilizar uma mesa de som para agilizar, mas é opcional. 3) Possui maior flexibilidade: a hipermídia confere flexibilidade e plasticidade aos meios que se utilizam dela. Nesta estrutura, temos mais liberdade para gerenciar sua navegação entre os diversos produtos e conteúdos midiáticos disponíveis. 4) Possibilita maior interatividade: esse processo possibilita a realização de diversos eventos informativos e comunicacionais. Os primeiros apenas transmitem fatos e os segundos são abertos ao diálogo, à intervenção. Os eventos informativos são transmitidos através das mídias de massa. Por outro lado, desenvolvem no produtor o ato comunicacional que consiste na interação e negociação do significado entre os sujeitos. Outra característica da rede que altera a relação do usuário/ouvinte com o rádio é a capacidade de armazenamento de informações, possibilitando uma individualização da comunicação de massa; embora os produtos sejam produzidos para audiências maiores, podem ser recebidos de forma pessoal (TRIGO-DE-SOUZA, 2002). Isso significa que o processo de segmentação do rádio na Internet é realidade sem volta e em permanente aceleração (KUHN, 2001). Kuhn (2001) aponta que o rádio na Internet autoriza o resgate de algumas utopias adormecidas, como a do rádio interativo, o rádio alternativo, o rádio educador. Para tanto, o autor indica algumas das implicações da tecnologia do rádio na rede: a) a remoção da barreira da distância: qualquer rádio de alcance local pode ser transmitida via rede, gerando a desterritorialização da transmissão; b) a relação custo-benefício para o investimento de uma emisso1 Informação divulgada na Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007. 203 ra transmitir na rede é bem favorável à Internet, se comparada com outras formas de transmissão à longa distância, como o uso de satélites e transmissores de ondas curtas; c) a democratização da informação e do acesso à cultura, potencializando-se as opções para ouvir programas de diferentes países; d) a horizontalização da relação emissora/ouvinte: o usuário ganha poder de interagir com a programação, comunicando-se com a emissora de forma mais consistente, convidativa e imediata do que por cartas e telefone; e) a convergência de mídias: o som da emissora na Internet pode ser acompanhado de textos e imagens, criando uma nova linguagem, diferentemente da que estaria chegando ao ouvinte, leitor, ou telespectador comum; f) o impacto sobre as línguas com a possibilidade de formação de comunidades virtuais em que, por exemplo, imigrantes afastados podem retomar contato com suas culturas. Para a execução do projeto web-rádio, algumas condições são indispensáveis: concepção clara do tipo de projeto que se quer; ideia definida sobre o alcance desse projeto no tempo (semana, mês, semestre, ano) e no âmbito (ciclo, série, disciplina, período) do que se pretende realizar; construção pretendida: oficina prática com duração limitada, atividade de apoio para alguma disciplina específica, no nosso caso, a matemática, grupo de trabalho permanente dentro da escola (a “equipe do rádio”), dentre outras finalidades. Se o que se pretende é montar efetivamente uma estação de rádio restrita (veja sobre o tema no Módulo Básico de rádio), é necessário ir adiante na análise dos passos a serem seguidos, relacionados com as demandas a que o projeto de rádio deverá atender. A primeira demanda é a natureza mesma do processo, isto é, melhorar o coeficiente comunicativo das ações educativas. Tanto esta questão quanto a maioria das outras demandas de natureza curricular não são supridas com a atuação isolada de alguns professores e/ou alunos, ou de um único plano de ação. Então, é melhor partir dos objetivos propostos no Plano Político Pedagógico (PPP) e recortar especificamente aqueles que dizem respeito à melhoria do coeficiente comunicativo no ambiente escolar. Embora tenhamos destacado a pertinência e a importância da linguagem radiofônica no PPP escolar em geral, um educador participativo provavelmente se interessará pelas propostas que se identificam com os anseios de sua comunidade escolar e com as quais tem maior afinidade. Explicitar seu interesse pessoal reforça sua linha de argumentação para consolidar a rádio escola. 204 Considerações finais Durante todo o processo de leituras, discussões e descobertas, percebemos como as rádios na internet constituem um espaço aberto para os mais variados temas, quadros e programas, um espaço para assuntos que não são pauta na grande mídia serem destinados a diferentes áreas de conhecimento, na infinita possibilidade interdisciplinar. Assim, podemos levar para a rede novos e variados conteúdos, formatos diferenciados e outras abordagens, já que a maioria dos projetos surge da necessidade de articulação, em maior ou menor grau, de dois elementos principais: Comunicação e Educação. Foi possível perceber a presença e possibilidade de conteúdos diferenciados voltados à cultura, educação, ética e formação dos indivíduos, além da ampliação quanto ao uso da Hipermídia, oriundos das mais variadas necessidades e iniciativas. Começar as experiências por meio de discussões em grupo ou nas salas de aulas, que, após estruturação, passam a ser programas das emissoras, até a busca de abrangência e amplitude que esses programas atingem, pode tornar-se resultado de projetos de pesquisa, extensão e Trabalhos de Conclusão de Curso. Pelo aprendizado em inúmeras áreas e competências, como administração e gerenciamento de projetos, desenvolvimento da rádio, acesso aos mais variados meios de hipermídia etc., ao produzir uma rádio na internet, ou simplesmente pelo aprendizado que os indivíduos podem adquirir nos afazeres do dia a dia, dentro e fora da rádio, ou mesmo ao desfrutar da escuta de alguns destes programas, é possível constatar que uma rádio na internet, tanto durante a produção quanto em sua veiculação, proporciona experiências educativas e diferenciadas de ensino-aprendizagem. É importante observarmos que, no contexto da internet, de livre acesso, não existem ainda formas fixas que possibilitem a exploração deste espaço para aquisição de capital, por isso ela constitui-se, por enquanto, em um espaço de experimentação. É fundamental discutir e planejar o tipo de rádio que se deseja. Nosso programa piloto ainda é experimental e, até a redação deste artigo, ainda não o tínhamos colocado no ar. Estamos em fase de aprendizagem quanto ao uso dos equipamentos de gravação, o que, muito em breve, permitirá sua divulgação. A realização desse projeto conta com a participação de todos os integrantes do projeto PIBID-Matemática em Cuiabá e segue como indicado na programação constante em anexo. O próximo passo, após a veiculação do programa, será analisar o impacto a ser produzido com a transmissão. Mas esse é assunto para outro artigo. 205 Referências ALVES, R. P. A. S. Rádio no Ciberespaço – Interseção, adaptação, mudanças e transformação. In: XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação. Belo Horizonte, 2003. BUFARAH, A. J. Rádio na Internet: desafios e possibilidades. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. ANAIS do XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – NP 06 – Rádio e Mídia Sonora, do IV Encontro dos Núcleos de Pesquisa do Intercom, 2004. BURKE, P. O que é história cultural? Tradução: Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. CERTEAU, M. A Escrita da História. Tradução: Maria de Lourdes de Menezes; revisão técnica Amo Vogel. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. CUNHA, M. R. da. Rádio e Internet: o encontro de duas grandes invenções. Trabalho apresentado no Núcleo de Rádio e Mídia Sonora. XXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Porto Alegre, 2004. GARNICA, A. V. M. História Oral e Educação Matemática. In: BORBA, M. C.; ARAÚJO, J. L. (Org.). Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. 257 p. (série Debates - Ciência). Ciências da Comunicação, Porto Alegre, 2004. LE GOFF, J. História e Memória. Trad. Irene Ferreira et al. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. MENEZES, E. T;; SANTOS, T. H. “Projeto Minerva” (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2002. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=291>. Acesso em: 14 jul. 2014. 206 THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Tradução: Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. TRIGO-DE-SOUZA, L. M. Rádios.internet.br: o rádio que caiu na rede. Revista USP, 80 anos de Rádio, São Paulo, n. 56, p. 92-99, dez./jan. /fev. 2002-2003. ___________________________________________________________ ANEXO: Web-Rádio Pibid Matemática/UFMT ROTEIRO PARA PROGRAMA RADIOFÔNICO – RÁDIO PIBID -MATEMATICA/UFMT “O Grande Dia” Legendas LOC: Locutor BG: Background TEC: Técnico de Estúdio CONV: Convidado ETV: Entrevistado FADE: Diminui som Nome do Programa: “O Som do Pibid-Matemática” Locutor: Ana Maria Lemes Duração: 1h TEC BG: Vinheta de abertura “O Som do Pibid-Matemática-Abertura” – 2” FADE TEC BG: – Céu - “Malemolência”, até final da fala do LOC 207 LOC TEC TEC TEC LOC TEC TEC LOC Boa tarde a todos! Estamos abrindo “O Som do Pibid-Matemática”, programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/web-radio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17h30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Neste primeiro bloco, iniciaremos com uma cantora brasileira da novíssima geração, que está entrando agora na programação da Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT! Seu nome é Céu; o disco que vamos ouvir também se chama Céu e foi lançado este ano pela Warner. Ouviremos as faixas “Lenda”, “Cumadi” e “O Ronco da Cuíca”. Reparem na voz inconfundível e rouquinha da Céu, e nos arranjos. A Céu transita entre o samba, a world music e o pop com a mesma elegância e qualidade. Na sequência, abriremos o novo disco do band leader brasileiro Sérgio Mendes. Ouviremos as faixas “Magalenha”, “Berimbau” e “One Natio”. Sérgio Mendes, radicado há décadas nos Estados Unidos, é um dos maiores divulgadores de nossa música no exterior. Como Eumir Deodato, criou uma música brasileira com sotaque americano e universal. Nestas faixas, do repertório já clássico da música brasileira, ele também apostou na mistura da música brasileira com o hip hop e o pop americano. É isso aí, pessoal! Em matemática não se tem dúvidas... Só problemas... Vinheta “Caixa de Entrada” – 2” - FADE - Céu - “Lenda” - Céu - “Cumadi” – Céu - “O Ronco da Cuíca” – Sérgio Mendes - “Magalenha” – Sérgio Mendes - “Berimbau” – Sérgio Mendes - “One Natio” BG: - Cassandra Wilson – “Love Is Blindness”, até final da fala do LOC “O Som do Pibid-Matemática”, programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terçasfeiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Vamos abrir agora, para vocês, o segundo bloco do programa, desta vez com músicas internacionais, que entraram recentemente para o acervo Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT e que farão parte de nossa programação. Começaremos com uma cantora americana espetacular, pouco conhecida no Brasil, com um repertório jazzístico e pop de altíssima qualidade: seu nome é Cassandra Wilson, americana, negra, com uma voz deliciosa! Vocês ouvirão três faixas de dois cd’s lançados aqui pelo selo EMI: as faixas “Closer to You” do cd Thunderbird, “Death Letter” e a versão de “Strange Fruit”, clássico do jazz na voz de Bilie Holiday, ambas do cd “New Moon Daughter”, de 1995, relançado aqui em 2003. Em matemática não se tem dúvidas... Só problemas... Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Abertura” Cassandra Wilson – “Closer to You” Cassandra Wilson –“Death Letter” Cassandra Wilson –“Strange Fruit” Ouvimos a cantora americana Cassandra Wilson, aqui no programa “O Som do Pibid-Matemática”, programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT,no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. 208 TEC LOC TEC TEC No terceiro bloco de nosso programa, abrimos os microfones do estúdio para sua participação, ouvinte! Esta é a nossa seção “Gostou? Foi Bom para você??” Nosso telefone é o 3615-8716, ramal 212, e você pode ligar a partir de agora para dizer o que acha de nossa programação. Sugestões de músicas, ideias para o programa ou para a programação são bem-vindas! Só lembrando que nosso programa é ao vivo somente às terças-feiras. Às quintas-feiras ele é apenas reprisado. Você também poderá participar enviando-nos e-mails, ao endereço [email protected]. Estamos na linha com um ouvinte! -Alô! ETV - Entrevista telefônica ao vivo É isso aí pessoal! Críticas e sugestões ao programa serão sempre muito bem recebidas em nosso programa! Vamos agora a um giro pela programação da Web-Rádio Pibid Matemática, para vermos o que está rolando nos outros programas de nossa rádio. Nosso convidado de hoje é o Prof. Almir Cavalcante, Coordenador de Área do Pibid-Matemática Cuiabá. ETV – Entrevista com CONV no estúdio, ao vivo BG: música do cd a ser indicado pelo entrevistado O nosso colega e Coordenador de área do Pibid Matemática indicou mais um cd lançado na programação da Web-Rádio Pibid-Matemática: é o cd dos Irmão Zezé Dias, do grupo cacerence de mesmo nome, lançado aqui no Brasil em 2012, que faz uma música rasqueada de altíssima qualidade! Vamos ouvir, por sugestão do CONV, a faixa “É bem Mato Grosso”, encerrando nosso programa de hoje! Lembrando que o Som do Pibid-Matemática teve a produção Sergio Antonio Wielewski e apresentação de Ana Maria Lemes, com trabalhos técnicos de Naiane Gajo. Para todos, uma boa tarde! Em matemática não se tem dúvidas... Só problemas... Vamos resolver todos. Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total” Irmãos Zezé Dias: “É bem Mato Grosso” Vinheta abertura “O Som do Pibid-Matemática” Nome do Programa: “Flashs de Notícias Pibidinas” Locutor: Naiane Gajo Duração: 1/2h TEC BG: Vinheta de abertura “O Som do Pibid-Matemática-Noticias ”- – 2” FADE TEC BG: – Barry White- “Can’t Get Enough Of Your Love, Babe”, até final da fala do LOC LOC Estamos inciando nosso serviço de informação e entretenimentos aos nossos ouvintes, com o programa Noticias Pibidianas. Esse Programa vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. A Rádio PIBID Matemática UFMT, diretamente de Cuiabá, a cidade da Copa, para esse imenso Brasil sem fronteiras, onde a matemática não é um problema é uma solução, uma diversão! Escolas estaduais entram em greve em todo o Estado Os profissionais da educação da rede estadual de ensino de Mato Grosso iniciam greve por tempo indeterminado a partir de segunda-feira (12). A paralisação foi deliberada em assembleia geral realizada na última segunda-feira (5) na Escola 209 Estadual Presidente Médici em Cuiabá. A categoria exige que o governo apresente proposta concreta sobre as reivindicações, entre elas, a dobra do poder de compra do salário dos trabalhadores em um prazo de 7 anos. Após 3 horas de discussões e avaliações sobre a pauta de reivindicações dos educadores em Mato Grosso, os profissionais aprovaram com grande maioria o início da greve geral. Cerca de 2 mil trabalhadores da educação, entre professores, técnicos e apoios administrativos participaram da assembleia geral. Noventa municípios estiveram representados na instância de deliberação. Caravanas do interior chegaram à Escola Presidente Médici e lotou o ginásio, o que demonstrou inicialmente a insatisfação da categoria. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep/MT) Henrique Lopes do Nascimento diz que a assembleia geral confirma o sentimento dos trabalhadores que vinha sendo registrado nos últimos meses. O estado de greve desde abril não surtiu efeito no governo, que se limitou a responder à pauta de reivindicações sem apresentar propostas concretas de investimento em educação. A greve dos trabalhadores da educação em Mato Grosso exige a dobra do poder de compra dos educadores, imediata realização de concurso público, chamamento dos classificados do último concurso, garantia da hora-atividade para interinos, melhoria na infraestrutura das escolas, aplicação dos 35% dos recursos na educação como prevê a Constituição Estadual e autonomia da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) nos recursos devidos na área. Henrique destaca que a pauta atual já é conhecida do governo estadual e os trabalhadores não encontram respostas para avançar. “Exigimos uma política de estado, que transponha a política de governo. Quando se fala em Ensino Médio, nós temos além da ausência de instrumentos pedagógicos a falta de investimentos concretos em infraestrutura e pessoal”. O secretário de articulação sindical do Sintep/MT João Eudes Anunciação apontou à categoria durante a assembleia geral que a greve se tornou inevitável. “Esse governo não nos engana com um documento travestido de negociação. Esse governo nunca debateu a pauta de reivindicações e nós estamos cansados de compromissos que não são honrados”. A greve tem apoio do Fórum Sindical, União Estadual dos Estudantes, Central única dos Trabalhadores, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) e Grêmio Estudantil da Escola Estadual Eucaris de Moraes Poconé. O primeiro ato público em manifestação será realizado no dia 13 na Praça Alencastro em Cuiabá às 15h. Fonte: http://www.jangadamt.com.br/portal/editorias/geral/696-escolas-estaduais -entram-em-greve-em-todo-o-estado Estamos finalizando nosso serviço de informação e entretenimentos aos nossos ouvintes com o programa Flash de Notícias Pibidianas. Esse é um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Até o próximo Flash! E Lembrem-se: Em matemática não se tem dúvidas... Só problemas... Vamos resolver todos. Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total” Nome do Programa: ““Falando em Matemática”” Locutor: Jaderson Dias Duração: 2h TEC BG: Vinheta de abertura “O Som do Pibid-Matemática-Noticias ”- – 2” FADE TEC BG: Matemática - High School Musical - O Desafio 210 LOC TEC LOC TEC LOC TEC Boa tarde! Aqui é Jaderson e estaremos neste espaço apresentando algumas curiosidades e situações envolvendo a Matemática e o Cotidiano, além de curiosidades, diversões, pegadinhas, músicas e também falar de coisas sérias. Esse é um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Vamos inicialmente ouvir uma música para aquecer o ambiente. Vêm aí Fernando e Sorocaba – com a música Veneno. É prá morrer! BG: “Veneno” música de Fernando e Sorocaba Esse é o programa “Falando em Matemática”. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Hoje trazemos uma entrevista com um trabalhador, o Sr. José Carlos de Arruda, que ocupa o cargo de chapeiro em uma lanchonete. Nesta entrevista ele explica como, utilizando a matemática, conseguiu em menos tempo que os outros candidatos fazer a mesma quantidade de bifes. Com isso, ele deixa claras a funcionalidade e a necessidade da matemática em nossas vidas. “Esse é o programa “Falando em Matemática””. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. BG: Vinheta de abertura “O Som do Pibid-Matemática-Total Durante toda programação, ouvimos algumas músicas, umas voltadas pra matemática e outras comuns, rodando tanto durante o intervalo como no programa “”Falando em Matemática””. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid -Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintasfeiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Alguns momentos juntamente com as ações na Web-Rádio. Primeiramente, vamos ouvir Jorge e Mateus – “A hora é agora”; após, Gusttavo Lima – “As mina pira na balada” e CPM22 – “Nossa Música”. Vamos finalizar esse grupo com a música BONDE DAS MATEMÁTICAS - Paródia Bonde das Maravilhas, somente para mostrar que também encontramos matemática presente na música. BG: Vinheta de abertura “O Som do Pibid-Matemática-Total Jorge e Mateus – “A hora é agora”; Gusttavo Lima – “As mina pira na balada” CPM22 – “Nossa Música”. BONDE DAS MATEMÁTICAS - Paródia Bonde das Maravilhas BG: Vinheta de abertura “O Som do Pibid-Matemática-Total 211 LOC Prof.ª Naiane: TEC LOC Ouvinte LOC Ouvinte: LOC Naiane Ouvinte: Naiane: LOC Esse é o programa “”Falando em Matemática””. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo, com vocês até às 17:30 horas. Caros ouvintes, hoje estamos aqui com a Professora Naiane para conhecer a curiosidade de hoje. Queridos ouvintes, a curiosidade de hoje é: Vocês conhecem o número mágico? Para conhecer isto, vamos ver quem está nos ligando. Telefone toca. _ Alô, quem está falando? _ Alô, meu nome é Suellen. _ Suellen, você conhece o número mágico? _ Não. O que é o número mágico? Prof. Naiane, nos explique essa curiosidade. 1089 é conhecido como o número mágico. Vejamos por que: Escolha qualquer número de três algarismos distintos: por exemplo, 875. Agora escreva este número de trás para frente e subtraia o menor do maior: 875 - 578 = 297 Agora inverta também esse resultado e faça a soma: 297 + seu inverso que é 792 = 1089 (o número mágico) Aviso: antes que você nos envie um e-mail dizendo que não funciona com determinados números, lembramos que devem ser usados três dígitos no cálculo. Exemplo: façam num pedaço de papel! 574 - 475 = o resultado será 099 Então fazendo agora 099 + seu inverso 990 = 1089 Não conhecia, gostei! Deixa ver se eu entendi: se eu utilizar o número 754, subtraindo por 457, o resultado dessa subtração vai ser 297. Agora vamos inverter o resultado que é 792. Somando 297 com 792 que é igual a 1089. Muito bem Suellen, é isso mesmo. É isso aí, Suellen, muito obrigado pela participação e venha sempre brincar sério com a gente. Muito obrigado, Prof. Naiane pela contribuição e até a próxima! Lembrando que esse é o programa “”Falando em Matemática”. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt. br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo com vocês até às 17:30 horas. Voltamos agora para apresentar a vocês mais algumas músicas. Esse é o programa “”Falando em Matemática””. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. 212 Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo, com vocês até às 17:30 horas, para vosso deleite. Vamos ouvir Victor e Leo, com participação de Zezé di Camargo e Luciano – “Quando você some”; depois ouviremos Marcos e Belutti, com “Amanhã”. A seguir Matheus e Kauan, com participação de Jorge e Mateus – “Mundo Paralelo”. Também ouviremos Cristiano Araújo, com “Caso indefinido”; a seguir, internacionalmente, Linking Park, com a música “Burn it down”, e não podendo deixar de apresentar uma música que fala de matemática, denominada “Vagalumes”, executada por Ângulos Pollo, com a participação de Ivo Mozart. Aproveitem o momento. Sintam a emoção!! Não se esqueçam que esse é o programa “”Falando em Matemática””. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www. ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo, com vocês até às 17:30 horas. TEC LOC BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Tota: Victor e Leo, participação de Zezé di Camargo e Luciano, “Quando você some”. Marcos e Belutti, com “Amanhã”. Matheus e Kauan, com participação de Jorge e Mateus – “Mundo Paralelo”. Cristiano Araújo, com “Caso indefinido”. Linking Park, com a música “Burn it down”. Ângulos Pollo, com a participação de Ivo Mozart: “Vagalumes” BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total. Esse é o programa “Falando em Matemática”. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo, com vocês até às 17:30 horas. Temos a sessão riso, ou seja, piadas matemáticas, para espairecer e sorrir um pouquinho. Ai vai uma delas: O Inteligente e o Burro O inteligente e o burro estão fazendo uma brincadeira, cujas regras são: Cada um faz perguntas ao outro. Se o burro não sabe a resposta, ele paga R$1,00 real ao outro. Se o inteligente não sabe a resposta, ele paga R$ 100,00 reais ao outro porque se ele é mais inteligente, assim parece justo. Ditas as regras, o inteligente começa: – O que é que tem quatro patas e mia? – Não sei. Toma R$1,00 real. – O que é que tem 4 patas e late? – Não sei. Toma 1 real. – Faz uma pergunta você – pede o inteligente. – Tá bom! O que é que tem oito patas de manhã e quatro de tarde? O inteligente pensa, pensa, pensa, mas depois de uma hora sem achar a resposta, tem que desistir: – Não sei. Toma cem reais. O que é, hein? – Não sei. Toma um real. Ah, ah, ah! Nem sempre o burro é burro. Por isso, em matemática não se tem dúvidas... Só problemas... Vamos resolver todos. 213 TEC DOC TEX LOC Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total” Lembrando mais uma vez que esse é o programa “Falando em Matemática”. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo, com vocês até às 17:30 horas. Vamos então para mais uma sequência musical, lembrando que sequência é coisa de matemático. Fiquem ligado!!! Vem aí Jorge e Mateus, com a música “Logo eu”; depois ouviremos Charlie Brown – “Me encontra” (se procurar, é bem capaz...). Para quem curte, trazemos Munhoz e Mariano, com o cobiçado “ Camaro amarelo”. Apertem o coração, pois, dos “strangeiros”, ouviremos AvicII, com a composição “Wake me up”. Não podendo deixar de apresentar nosso momento matemático, com a música “Fatoração”. Para relaxar a cabeça, apresentamos ainda o Exalta Samba – “Tá vendo aquela lua”, e, para encerrar essa sequência musicalmente matematizada, temos Nx zero, com a canção “Ligação”. Apurem os ouvidos que as ondas senoidais, cossenoidais e tangenteodais estão vibrando!!! BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total Jorge e Mateus – “Logo eu”. Charlie Brown – “Me encontra”. Munhoz e Mariano – “Camaro amarelo”. AvicII – “Wake me up”. Músicas de matemática – “Fatoração”. Exalta Samba – “Tá vendo aquela lua”. Nx zero – “Ligação”. BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total Este é o programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo com vocês até às 17:30 horas. Apresentaremos agora uma sessão de eventos, relacionados tanto à matemática como a tudo em nível acadêmico da UFMT e Universidades locais. -Ouvintes da Rádio PIBID Matemática, agora vamos ficar antenados para alguns eventos relacionados à Matemática que irão ocorrer em todo o Brasil e a nível internacional. Vem aí o X COLÓQUIO NACIONAL DO MUSEU PEDAGÓGICO e III COLÓQUIO INTERNACIONAL DO MUSEU PEDAGÓGICO, na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) – Vitória da Conquista – BA, que ocorrerá entre os dias 28 e 30 de agosto de 2013; maiores informações através do site: http://www.uesb. br/eventos/coloquiomuseupedagogico/ Também está bombando o 6º CONGRESSO NACIONAL DE AMBIENTES HIPERMÍDIA PARA APRENDIZAGEM – 6º CONAHPA, que será realizado em João Pessoa – PB, entre os dias 04 e 06 de setembro de 2013 ; maiores informações através do site: http://www.conahpa.org/ 214 Bem de longe estamos e cada vez mais para perto temos que ficar para participar do 19º CONGRESSO INTERNACIONAL ABED DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – 19º CIAED, que será realizado no Centro de Convenções da Bahia – Salvador – Bahia, de 09 a 12 de setembro de 2013; maiores informações através do site: http://www2.abed.org.br/ Nas Europas- está “pintando” o IX CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE INVESTIGACIÓN EN LA DIDÁCTICA DE LAS CIENCIAS, na Universidade de Girona – Girona – Espanha, que ocorrerá entre os dias 9 a 12 de setembro de 2013; maiores informações através do site: saiba mais no site http://www.congresoenseciencias.com/PT/index.php Também para exercitar o castelhano, temos o VII CONGRESO IBEROAMERICANO DE EDUCACIÓN MATEMÁTICA – VII CIBEM, que ocorrerá em Montevideo, no Uruguay, entre os dias 16 e 20 de setembro de 2013; maiores informações através do site: http://www.cibem7.semur.edu.uy/home.php -Para quem é do ramo, devemos prestigiar o CONGRESSO DE MATEMÁTICA APLICADA E COMPUTACIONAL – SUDESTE, que será realizado na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), em Bauru – SP, entre os dias 23 e 27 de setembro de 2013; maiores informações através do site: http:// www.sbmac.org.br/index.php LOC TEC De ouvidos ligados na nossa programação para ficar por dentro dos principais eventos matemáticos. E você que é aluno da Escola André Avelino, fique atento a nossa programação, que em breve estaremos divulgando informações sobre o evento “Talentos do André”; não fique de fora desse evento. Ouça esse conselho. Estamos chegando ao fim de nossa programação e, para encerrar, estaremos apresentando essa última sequência musical. Vem aí Israel e Rodolfo, com a participação de Matheus e Kauan, “Frio e calor”. Após essa sensação térmica extrema, apresentamos uma música quente: com Thaeme e Thiago – “Deserto”. Participando conosco, vem Creed, com “Away in silence”. Mudando o ritmo, apresentamos Luan Santana – “Tudo o que você quiser”; depois colaboram conosco Fernando e Sorocaba, com a participação de Inimigos da hp – “Tá tirando onda”. Para concluir, Doors Doun – “Here without you”, BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total Israel e Rodolfo, part. Matheus e Kauan – “Frio e calor”. Thaeme e Thiago – “Deserto”. Creed – “Away in silence”. Luan Santana – “Tudo o que você quiser”. Fernando e Sorocaba, part. Inimigos da hp – “Tá tirando onda”. Doors Doun – “Here without you”. BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática-Total Um grande abraço a todos vocês, ouvintes da Rádio Pibid-Matemática. Este é o programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. 215 TEC Quem vos fala é Jaderson Dias, o Filósofo, com vocês até agora. Queremos agradecer a participação técnica e radiofônica de todos os alunos do PIBID-Matemática Cuiabá pelo apoio e o desenvolvimento experimental dessa Web-Rádio. Esperamos abrir espaço para desenvolvermos inúmeros outros programas e colaborarmos com a Educação de um modo Geral. Felicidades a todos. Agradecemos a todos os colaboradores: Prof. Sergio Antonio Wielewski, Profª Luzia Aparecida Palaro, Prof. Almir Cavalcante, Profª Gladys Denise Wielewski; aos Bolsistas e alunos voluntários do Pibid Matemática, Ana Maria Ferreira Lemos; Jasmim Neves Valles; Rafaela Fernanda Félix; Larise Trajano Gomes; Luis Henrique Cabral Generoso; Paulo Cesar Rodrigues da Silva; Jaderson Antonio Nascimento Dias, Bolsista PIBID que é o locutor que vos fala, e sem esquecer da Profª Veruscka Duarte Araujo, Supervisora do PIBID na Escola André Avelino Ribeiro em Cuiabá, Mato Grosso. Um bom resto de dia para todos vocês ouvintes. Até a próxima oportunidade! BG: Vinheta “O Som do Pibid-Matemática- Abertura” Esse é o programa “Falando em Matemática”. É um programa que vai ao ar pela Web-Rádio Pibid-Matemática UFMT, no endereço www.ufmt.br/webradio_pibid, AO VIVO, todas as terças-feiras, das 14 às 17:30 horas, com reapresentação GRAVADA, às quintas-feiras, das 13 às 18 horas. Edição Experimental. 216 2.8 O USO DO GEOGEBRA EM ATIVIDADES NO ENSINO DA MATEMÁTICA COM ALUNOS DO PIBID DA ESCOLA ESTADUAL ANDRÉ AVELINO - CUIABÁ-MT Naiane Gajo Silva Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Sérgio Antonio Wielewski Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Apresentação Com as constantes inovações tecnológicas, fica cada vez mais difícil manter a atenção dos alunos em sala de aula; mais complexo ainda é ampliar o interesse, principalmente pelas aulas de Matemática, visto que a concorrência com smartphones, notebooks, tablets é cada vez maior e mais constante. Hoje em dia, ainda muitos dos professores da rede pública de ensino têm receio de se capacitar e buscar métodos e/ou recursos tecnológicos como meio alternativo ou diferenciado para tornar sua aula mais “atrativa”. Em alguns casos, temos situações em que, nesse campo tecnológico, muitos alunos podem saber até mais que o próprio professor sobre tecnologia. Isso normalmente traz insegurança para o docente. Em alguns casos, quando existe algum projeto atuando na escola, como, por exemplo, o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), professores permitem a utilização dessas tecnologias e estratégias, que eles não costumam utilizar em sala, desde que seja fora do horário de aula regular do aluno ou no contraturno. No primeiro semestre de 2013, o PIBID/Matemática de Cuiabá ofertou aos alunos da Escola Estadual André Avelino Ribeiro - EAAR, em Cuiabá, Mato Grosso, dentre outras ações, 5 (cinco) oficinas, sendo uma delas envolvendo atividades matemáticas com o uso do software Geogebra, nos dias 08 e 15 de junho de 2013, para alunos do 1º e 2º anos do Ensino Médio. Alguns Pressupostos As concepções sobre processos de ensino e aprendizagem, bem como construção de conhecimento, são atualmente exploradas abundantemente em pesquisas envolvendo a utilização das TIC em sala de aula e enfatizam a compreensão desses termos no uso de aulas exploratórias. 217 A respeito da noção de conhecimento, Borba e Penteado (2001) afirmam: A perspectiva histórica, a qual abraçamos, sugere que os seres humanos são constituídos por técnicas que estendem e modificam seu raciocínio e, ao mesmo tempo, esses mesmos seres humanos estão constantemente transformando essas técnicas. Assim, não faz sentido uma visão dicotômica. Mas, ainda entendemos que o conhecimento só é produzido com uma determinada mídia, ou com uma tecnologia da inteligência. É por isso que adotamos uma perspectiva teórica que se apoia na noção de que o conhecimento é produzido por um coletivo formado por seres-humanos-com-mídias, ou seres-humanos-com-tecnologias e não, como sugerem outras teorias, por seres humanos solitários ou coletivos formados apenas por seres humanos (BORBA; PENTEADO, 2001, p. 46). Sobre coletivos pensantes, estrutura ampliada hoje em dia, pois são formados por humanos e não-humanos, Borba (2002) aponta uma visão, com base em Levy (1993) e Tikhomirov (1981): Tikhomirov, um discípulo de Vygotsky que pensou sobre a questão da informática, propõe que uma mídia como a informática reorganiza o pensamento em vez de substituí-lo ou suplementá-lo. [...] De maneira semelhante, o autor argumenta que não devemos aceitar a teoria da suplementação que propõe que tecnologias, como a informática, suplementam o ser humano. Em tal teoria, há tarefas do pensamento que são feitas pelo ser humano e outras por máquinas informatizadas (BORBA, 2002, p.136-137). Borba (2002) ainda comenta que a informática é vista como uma mídia qualitativamente diferente da linguagem corrente, pois reorganiza o pensamento de forma diferente: não é linear. Esse autor (2002) enfatiza que “o pensamento não é mais ou menos quando interagimos com as mídias informáticas, da mesma forma que nosso pensamento não é pior ou melhor quando é utilizada a linguagem em suas diferentes facetas” (BORBA, 2002, p.137). Atualmente encontramos diversos resultados de pesquisas envolvendo o uso do software geogebra, que relacionam a aprendizagem em geometria e álgebra aliada à utilização de ambientes de geometria dinâmica. A credibilidade de um trabalho de investigação, seja por parte dos professores, seja dos alunos quando se utiliza um software de geome- 218 tria dinâmica está diretamente relacionada ao tipo de atividade geométrica proposta, aponta Dias (2009). Deste modo, a constituição das atividades e tarefas para a pesquisa perpassa a análise de estratégias e situações vivenciadas em trabalhos já desenvolvidos pela comunidade científica, inicialmente por replicação e posteriormente por criação dessas atividades. Ao mesmo tempo, é preciso identificar a importância destas para o transcurso das ações, constituindo um ambiente colaborativo junto ao grupo de alunos, estimulando-os a um constante processo de questionamento, motivando-os a interagir e experimentar construções geométricas com o software geogebra ou análogos. Santos (2010) investigou as dificuldades e possibilidades de professores de matemática, ao utilizarem o software geogebra em atividades que envolvem o Teorema de Tales, não somente para alunos do Ensino Fundamental. O autor indica como fator relevante que a estratégia didática e procedimentos elaborados para a utilização dos softwares são primordiais para garantir uma maior compreensão na experimentação das construções e também no desenvolvimento da autonomia do aluno. Isso se apresenta como elemento mediador da aprendizagem, ou seja, é a metodologia de que o professor lança mão ao utilizar o software que faz a diferença. Por isso, o conhecimento matemático do professor é fundamental para o bom funcionamento da estratégia traçada. Dessa forma, a utilização do software de geometria dinâmica tem como premissa a necessidade de compreender estratégias e constituir metodologias que possam potencializar seu uso. Temos a colaboração de Araújo (2010), que investigou como a aplicação de situações adidáticas, isto é, aquelas em que o professor propõe problematizações que o aluno possa aceitar e que o levem a agir, falar, refletir e evoluir por seu próprio movimento, sem a intervenção direta do professor, para que o aluno adquira o conhecimento esperado. Essas situações adidáticas, ao serem estruturadas em uma estratégia pedagógica mediada por um programa de geometria dinâmica, podem contribuir substancialmente para a aprendizagem dos temas “circunferência” e “mediatriz”, vistos como lugares geométricos, fundamentalmente pelo caráter colaborativo proporcionado pela junção de ambas as ações. Vieira (2011), por sua vez, analisa o impacto que os ambientes de geometria dinâmica têm na aprendizagem de matemática, em especial no ensino da geometria e da demonstração de propriedades geométricas: As ferramentas como os ambientes de geometria dinâmica permitem a utilização de todo um tipo de tarefas diversificadas que permitem explorar conceitos, trabalhando as aplicações matemáticas, favorecendo a experimentação e são uma mais-valia no que respeita à motivação dos alunos (VIEIRA, 2011, p.11). 219 Isso também indica que as potencialidades na utilização de ambientes de geometria dinâmica em sala de aula estão associadas a tarefas de natureza exploratória, caracterizando, consequentemente, atividades de investigação. Assim, No que diz respeito ao ensino da Geometria e da utilização dos ambientes de geometria dinâmica, as potencialidades de exploração de situações geométricas, através da manipulação e construção de objetos matemáticos, promovem um ambiente de exploração e investigação criando situações propícias à formulação e teste de conjecturas (VIEIRA, 2011, p.14). Desta forma, encontramos nas redes de pesquisas nacionais e internacionais vários estudos que destacam o papel preponderante que os ambientes de geometria dinâmica têm no trabalho com a geometria em geral, apresentando para isso características notáveis, pois potencializam a exploração de situações geométricas, possibilitando o arrastar da figura construída e verificando diversas situações de uma mesma família de configuração. Além disso, propiciam a formulação de conjecturas e sua reformulação dentre outras. Assim, nessa ação desenvolvida na Escola André Avelino, a construção do conhecimento teve como pretensão ser desencadeada na interatividade entre os seguintes participantes: professor, aluno, computador e software geogebra, atuando integradamente. O desenvolvimento A Oficina de Geogebra, como atividade do PIBID/Matemática, foi realizada nos dias 08 e 15 de junho de 2013, dois sábados, com carga horária de 8 (oito) horas/dia, totalizando 20 horas, contando com as atividades adicionais propostas para serem realizadas em casas. Tinha por intenção ambientar os alunos com a UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), além do ensino de métodos alternativos no ensino da matemática. A participação foi limitada ao total de 20 alunos para cada oficina, para que houvesse maior qualidade no seu desenvolvimento e também para permitir um aluno por computador. Cada aluno-bolsista do PIBID/Matemática, alunos de Licenciatura em Matemática, ficou responsável por elaborar o material a ser utilizado nos cursos, incluindo a seleção dos métodos que cada um iria adotar. Quanto à versão do Software a ser utilizada, ficou a dúvida entre utilizar a versão 4.2 do Geogebra, que possui uma versão final e estável, ou a versão 5.0, que é beta e instável. Com base em experiências anteriores, 220 e com o contato com os alunos na escola, foi decidido utilizar a versão 5.0, apesar da instabilidade, pois seria mais atrativo para os alunos, devido a recursos não disponíveis na versão anterior. Para dinamizar mai o desenvolvimento matemático, foi elaborado um manual de utilização básico do Geogebra 5.0 e distribuído aos alunos, para que eles tivessem um suporte a mais no seu aprendizado e no uso das atividades propostas. O convite para a participação na oficina foi feito a todos os alunos de Ensino Médio da Escola Estadual André Avelino Ribeiro, mas atentando ao número limitado de vagas (20). Assim, com todas as vagas preenchidas por alunos de 1º e 2º anos, foi planejado um conteúdo que pudesse ser trabalhado em comum com essas turmas. Em todos os computadores foi instalado o Geogebra 5.0 para a utilização na oficina, realizada no laboratório de informática da FAET, visto que o laboratório de informática da Matemática estaria sendo utilizado para outra oficina. O laboratório conta com computadores com as seguintes especificações: • Intel Pentium 4 3GHz, 2.99GHz, 2 Gb de memória RAM, 80 Gb de HD, sistema operacional Windows XP. • AMD Atlon 64 Processador 3800+ 2.40GHz, 2 Gb de memória RAM, 80 Gb de HD, sistema operacional Windows Vista. Como nenhum dos alunos havia tido contato com o Geogebra, alguns ficaram com “medo” do novo e pensaram em não participar da Oficina, apesar de matriculados, imaginando que seria uma coisa “chata”. Dos 20 inscritos, compareceram 18 alunos no primeiro dia; já era esperado que faltasse uma média de 10% dos inscritos. Os alunos gostaram tanto no primeiro dia que um deles, mesmo não estando inscrito, compareceu no segundo dia do curso, totalizando 19 alunos nesse dia. O desenvolvimento da oficina iniciou-se mostrando e testando que é o Geogebra e apresentando alguns exemplos do que ele pode produzir, sendo ele um software de geometria dinâmica utilizado principalmente no ensino de matemática, envolvendo e desenvolvendo estruturas de geometria e álgebra, tanto individual como concomitantemente. Logo em seguida, foi explicada e testada a funcionalidade do programa, com a demonstração do que pode ser feito nele, mostrando cada item do menu. No decorrer da Oficina, estavam previstos alguns problemas decorrentes do uso do software, pela versão beta, identificando algumas funções do software que não funcionaram adequadamente. Além disso, tivemos alguns problemas no laboratório, pois alguns computadores não inicializaram no início do curso, reduzindo o número de computadores disponíveis para os alunos. Por isso, alguns deles tiveram que trabalhar em duplas. Tivemos ainda computadores que apresentavam muita lentidão, pois tinham 221 diversos programas instalados, o que exigiu muito processamento, já que o laboratório é bem mais utilizado por alunos das engenharias. As atividades desenvolvidas Para o primeiro dia, foram utilizadas as mesmas atividades descritas no artigo “Geometria dinâmica – Uma nova maneira de ensinar”, além dos descritos abaixo: • Utilizando a janela CAS, fatorar os seguintes valores 120, 250 e 330. • Construa uma pirâmide, na Janela 3D, na qual os pontos deverão ser fixados no eixo X (-1,1,0), no eixo Y (-1,1,0) e no eixo Z (0,0,2). • Altere a cor de um dos lados da pirâmide do item anterior. • O que pode ser observado, se mexer um dos pontos da atividade da questão 2? • Gire a janela de visualização 3D e observe como ficou a atividade anterior. No segundo dia de oficina foram realizados os seguintes exercícios: Efetue os cálculos e depois faça o gráfico da função dada no Geogebra. Dica: Caso necessite de ajuda nos cálculos, utilize a Janela CAS. 222 Na Janela de Visualização 3D, o que acontece se clicarmos em prisma, colocarmos um ponto no 2 e -2 no eixo x, 2 e -2 no eixo y, 2 no eixo z? Apresenta alguma imagem? Se, sim, qual? Aproveitando a construção da questão anterior, como fica o plano perpendicular passando pelo ponto F? Responda com V (Verdadeiro) e F (Falso): ( ) Ponto H é fixo. ( ) Ponto B é móvel. ( ) Ponto F é fixo. ( ) Ponto F é móvel. ( ) Ponto D é fixo. ( ) É possível animar e habilitar rastro num ponto móvel. Identifique a combinação correta dos itens acima: F–V–V–F–F–V F–F–F–V–V–F V–V–V–F–F–V F–V–F–V–F–V V–F–V–F–V–V • Crie uma esfera cujo raio é igual a 3, com o centro nos pontos (0, 0, 0). • Crie um círculo com centro – raio + direção, no qual o raio é igual a 2, e o centro nos pontos (0, 0, 0), isso dentro da esfera criada na questão 5. • Altere a cor da esfera da questão 5, lembrando que o círculo da questão 6 tem que estar visível. • Altere a cor e a espessura do círculo da questão 6. • Oculte o objeto da questão 5. O que pode ser observado com essa atividade? • Resolva o sistema de equações lineares abaixo, depois mostre como ficará graficamente cada questão e defina o ponto de intersecção de cada uma delas (utilizar o comando “S=intersecção[a,b]”): a: b: a: b: a: b: 3x+4y=12 y=2x-8 5x-2y=15 x=-2y-5 7x-3y=9 4x+2x=11 223 • Forneça as informações abaixo no Geogebra, analise toda a questão e descreva a que a função descrita se refere. a=3 f(x)=2*sin(x) T=(a,f(a)) t:X=T+k*(1,f’(a)) • É possível animar o ponto T? Se sim, o que acontece se animar esse ponto? • É possível limitar o intervalo da tangente? Se sim, defina e informe qual você utilizou. Imagem 1 – Um exemplo do que pode ser feito no Geogebra 3D Durante os dois dias, os alunos tiveram muito interesse, claro, e muitas dúvidas sobre a ferramenta que estava sendo utilizada, e com relação aos exercícios também, pois mudou-se a maneira de se relacionar com as atividades de matemática, lembrando que os participantes do curso eram alunos de 1º e 2º ano de Ensino Médio. Após a realização dos exercícios e das atividades desenvolvidas, foi feita uma pesquisa com os alunos a respeito da oficina e também sobre a vivência deles na universidade, já que muitos deles podem ser futuros universitários da UFMT. O resultado dessa avaliação será fornecido na seção Resultados. 224 Alguns resultados observados Já era esperado que os alunos tivessem grandes dificuldades com relação à matemática, independentemente da série, mas percebemos que durante as atividades, além do conteúdo matemático, os alunos tiveram muita dificuldade para ler e interpretar as atividades propostas. No segundo sábado, foi solicitado que os exercícios de funções e de sistemas de equações lineares fossem resolvidos numa folha à parte e depois realizassem a atividade no Geogebra. Os alunos não conseguiam resolver individualmente e, constantemente, foi necessário explicar no quadro, discutindo coletivamente como se resolvem as atividades. As primeiras delas eram desenvolvidas pelo monitor. Aos itens “c”, “d”, “g”, da questão 1, foi preciso atribuir um valor numérico para o x, no caso x=2, para que os alunos pudessem entender e tentar resolver as questões; ainda assim, houve alunos que erraram as questões. Apesar disso, alguns alunos afirmaram que fizeram poucas contas durante a oficina. Os grupos de alunos que estavam com “medo” da oficina, achando que não iriam gostar, principalmente tendo como referência o nome Geogebra, se interessaram e, muito, pela oficina; ficaram bastante empolgados, principalmente com a parte de criação em 3D, mesmo com problemas durante a oficina com relação ao software. Na vivência da UFMT, o item “campeão” de reclamação entre os alunos da UFMT também foi alvo de reclamação dos alunos da Escola André Avelino, pois criticaram a comida do Restaurante Universitário (RU); um dos alunos cursistas, inclusive, passou mal por causa da comida, não podendo ficar para as atividades no período vespertino do primeiro sábado. Alguns alunos nunca haviam ido à UFMT, nem mesmo ao zoológico. Os que haviam ido, nunca haviam entrado para conhecer os Blocos de Ensino do Instituto de Ciências Exatas e da Terra (ICET), sendo que um deles comentou ter gostado da estrutura física da universidade. Um dos alunos reclamou que não tinha internet durante a realização da Oficina, sem saber que estava apenas desligada, para garantir a coesão do trabalho e evitar dispersão. A seguir, foi elaborado um gráfico de acordo com uma enquete realizada com os 19 alunos, que responderam ao questionário, no qual poderam apontar pontos positivos e negativos, além de fazer sugestões para os próximos eventos. 225 Gráfico 2 – Resultado da Pesquisa de Avaliação dos alunos sobre a oficina. Imagem 3 – Foto dos alunos no laboratório, durante a oficina. Com o objetivo de introduzir estratégias diferenciadas, visando a desenvolver aprendizagens por meio de atividades, percebemos que isso estimulou os alunos a aprenderem de forma mais consistente, se interessando mais pelo desenvolvimento da matemática e refletindo sobre esse assunto. Alguns deles começaram a fazer relação com o conteúdo que já 226 tinham desenvolvido em anos anteriores, na Escola, porém realizados com o uso de outro ferramental, a informática. O fato de se utilizar de processos que fogem dos “padrões” de ensino aos quais os alunos estão acostumados faz com eles se interessem mais por esse conteúdo. Vários alunos relataram que ganharam novos conhecimentos e alguns que estavam esquecidos puderam ser relembrados. Além disso, disseram que também puderam entender melhor os conhecimentos adquiridos anteriormente e que não tinham ficado bem compreendidos. Como o interesse foi grande, houve um grande número de solicitações para continuar a oficina, já no segundo semestre. Houve alunos que consideraram pequena a carga horária de 20 horas de oficina. Por isso, já está sendo elaborado um material de estudo para a continuação da oficina, com previsão de cursos de sistemas de equações lineares, funções, geometria plana e espacial. Espera-se que com os próximos módulos os alunos possam se interessar mais pela matemática, pelo Geogebra e continuar utilizando-o como uma ferramenta de auxílio nos estudos. Também é esperado que possam divulgar o Geogebra para os amigos da escola e aumentar o interesse entre os alunos por esse ferramental. Da mesma forma, pretende-se envolver os professores que atuam na referida Escola em atividades de capacitação no decorrer do segundo semestre e procurar atuar articuladamente para desenvolver atividades juntamente com os bolsistas do PIBID/Matemática durante as aulas regulares. Referências ARAÚJO, P. B. Situações de aprendizagem: a circunferência, a mediatriz e uma abordagem com o Geogebra. 120p. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. BARCELOS, G.T.; BATISTA, S.C.F. (2009). Geometria Dinâmica utilizando o Software Geogebra. Campos, CEFET. Disponível em: <http://www. es.iff.edu.br/softmat/projetotic/download/atividades1/apostilageogebra. pdf>. Acesso em: 21 ago. 2011 BORBA, M. de C. Coletivos seres-humanos-com-mídias e a produção de Matemática. I Simpósio Brasileiro de Psicologia da Educação Matemática. 2002a, p 135-146. Disponível em: <http://www.rc.unesp.br/gpimem/ downloads/artigos/borba/borba_coletivos-seres-humanos-com-midias. pdf>. Acesso em: 21 ago. 2011. 227 BORBA, M. de C.; PENTEADO, M. G. Informática e Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (Coleção Tendências em Educação Matemática, 2). DIAS, M. S. da S. Um estudo da demonstração no contexto da licenciatura em matemática: uma articulação entre os tipos de prova e os níveis de raciocínio geométrico. 213p. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009. IEZZI, G.; MURAKAMI, C. Fundamentos da Matemática Elementar 1. Conjuntos, Funções. 3. ed. São Paulo, Atual Editora, 1977. LÉVY, P. As Tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. SANTOS, R. P. dos. As dificuldades e possibilidades dos professores de matemática ao utilizarem o software Geogebra em atividades que envolvem o Teorema de Tales. 143p. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. SILVA, N. G.; KRINDGES, A. Geometria dinâmica Geogebra. Uma nova maneira de ensinar. Revista do Instituo GeoGebra Internacional de São Paulo. v. 1, CCCXLVII-CCCLX, 2012. VIEIRA, M. J. P. da S. M. O Estudo de Pavimentações Regulares e Semi -Regulares com Ambientes de Geometria Dinâmica. 96p. (Dissertação de Mestrado). Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2011. 228 2.9 EQUAÇÃO E FUNÇÃO QUADRÁTICA POR MEIO DE JOGOS Admur Severino Pamplona Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Alex da Silva Damaceno Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Apresentação Em nossa contemporaneidade, temos nos deparado com o desafio de se implantar um ensino mais contextualizado e, em aclamações mais recentes, até mesmo chamativo e lúdico, se possível. Nesse contexto, e como parte das ações do subprojeto PIBID Matemática do Campus Universitário do Araguaia, da UFMT, foi realizado um minicurso com o intuito de explorar o ensino das equações e funções quadráticas. Do minicurso, destaca-se a apresentação de quatro atividades por meio das quais foram exploradas determinadas maneiras de representar uma equação quadrática, com a finalidade de se chegar a uma situação em que, por meio de reflexão lógica, o aluno conseguisse chegar à solução da equação. Para tanto, foram utilizados jogos de cartas como atividades de aprendizagem, com o intuito de exercitar o conteúdo e/ou conceito trabalhado e capacitar os alunos à resolução de equações e funções quadráticas sem o auxílio de fórmulas ou até mesmo sem a necessidade de recorrer a muitos cálculos. Como essas atividades estão referenciadas nos estudos acerca da aplicação de jogos em sala de aula e no conceito de função quadrática, o relato da experiência trará, na próxima seção, algumas considerações a esse respeito. Na sequência, serão descritas e analisadas as atividades foco deste trabalho. Finalmente, serão apresentadas as considerações conclusivas. Caracterização da Escola Este trabalho foi desenvolvido no Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) do campus de Barra do Garças – MT, que oferece cursos técnicos a mais de uma centena de estudantes que, em sua maioria, não reside nas proximidades da escola. A faixa etária dos alunos com quem a atividade aqui relatada foi aplicada está compreendida entre 15 e 18 anos e a composição da turma está limitada ao número máximo de 30 alunos. 229 Fundamentação teórica A origem do conceito de função está relacionada ao estudo das variações quantitativas presentes nos fenômenos naturais. Utilizado quando se quer analisar fenômenos, descrever regularidades, interpretar interdependências e generalizar relações, o conceito de funções é um dos mais importantes em Matemática. Segundo Eves (2004), o conceito de função passou por um longo processo evolutivo, sendo utilizado desde a Antiguidade, principalmente na Astronomia. Entretanto, a utilização de eixos cartesianos para a representação de uma função surgiu somente no século XVII, com o filósofo e matemático francês René Descartes. Naquele mesmo século, explica o autor, outras importantes contribuições foram dadas para o desenvolvimento do conceito de função, com destaques para Kepler e Galileu, com seus estudos acerca das leis sobre as trajetórias planetárias e sobre a queda dos corpos e a relação entre espaço e tempo, respectivamente. Mas quem primeiro utilizou o termo função, pontua Eves (2004), foi o filósofo e matemático alemão Leibniz, no século XVIII; e uma definição mais formal só surgiu com o matemático suíço Leonard Euler, o qual utilizou pela primeira vez a notação f(x). É verdade que o desenvolvimento do conceito de funções esteve amplamente relacionado a estudos da Física, mas ele tem sido útil também em várias outras ciências, como se depreende, inclusive, por meio dos PCN+ (BRASIL, 2002), na sua afirmação de que: O estudo das funções permite ao aluno adquirir a linguagem algébrica como a linguagem das ciências, necessária para expressar a relação entre grandezas e modelar situações -problema, construindo modelos descritivos de fenômenos e permitindo várias conexões dentro e fora da própria matemática. Assim, a ênfase do estudo das diferentes funções deve estar no conceito de função e em suas propriedades em relação às operações, na interpretação de seus gráficos e nas aplicações dessas funções (BRASIL, 2002, p.165). Tais estudos podem ocorrer, por exemplo, por meio do uso de jogos. Estes, quando relacionados ao ensino, são considerados importantes para o desenvolvimento do pensamento lógico, pois a aplicação sistemática dos mesmos encaminha para deduções e generalizações. De todo modo, especialistas como Grando (1996) e Rizzo (2010), entre outros, apontam que o trabalho com jogos matemáticos em sala de aula trazem benefícios, tais como: 230 • conseguir detectar os alunos que estão com dificuldades reais; • o aluno demonstra para seus colegas e professores se o assunto foi bem assimilado; • durante o desenrolar de um jogo, o aluno se torna mais crítico, alerta e confiante, expressando o que pensa, elaborando perguntas e tirando conclusões sem necessidade da interferência ou aprovação do professor; • não existe o medo de errar, pois o erro é considerado um degrau necessário para se chegar a uma resposta correta; • o aluno se empolga com o clima de uma aula diferente, o que faz com que aprenda sem perceber. Em especial, Grando (1996) argumenta que os jogos em sala de aula são tão importantes que o educador deve ocupar um horário dentro de planejamento de modo a permitir que seja explorado todo o potencial desse material, notadamente, os processos de solução, os registros e as discussões sobre possíveis caminhos que poderão surgir. Segundo esse autor, os jogos podem ser utilizados para introduzir, amadurecer conteúdos e preparar o estudante para aprofundar os itens já trabalhados. Devem ser escolhidos e preparados com cuidado para levar o estudante a adquirir conceitos matemáticos de importância. Rizzo (2010) também discorre sobre o planejamento necessário para a aplicação dos jogos em sala de aula. Ele afirma que os jogos como recurso didático se constituem como uma oportunidade de socializar os alunos, promover a cooperação mútua, a participação da equipe na busca incessante de elucidar o problema proposto pelo professor. Mas, para que isso aconteça, afirma o autor, o educador precisa de um planejamento organizado e de um jogo que incite o aluno a buscar o resultado. Portanto, precisa ser interessante, desafiador. De fato, os jogos, se convenientemente planejados, são um recurso pedagógico eficaz para a construção do conhecimento matemático. O uso de jogos no ensino da Matemática tem o objetivo de fazer com que os estudantes gostem de aprender essa disciplina, mudando a rotina da classe e despertando o interesse dos discentes. Mas, segundo Borin (1996), outro motivo para a introdução de jogos nas aulas de Matemática é a possibilidade de diminuir bloqueios apresentados por muitos de nossos estudantes, que temem a Matemática e sentem-se incapacitados para aprendê-la. Essa autora afirma que, dentro da situação de jogo, em que é impossível uma atitude passiva e a motivação é grande, esses alunos apresentam um melhor desempenho e atitudes mais positivas frente a seus processos de aprendizagem. 231 Foi a partir desse raciocínio que visualizamos a importância de testar a utilização dos jogos matemáticos na sala de aula, visto que havia a perspectiva de, por meio deles, estimular a capacidade do aluno e fazer com que o mesmo desenvolvesse meios de compreender conceitos matemáticos de uma forma mais simples, clara e colaborativa. Descrição da experiência Estudos teóricos nos indicavam que trabalhar com jogos envolvendo matemática faz com que se tenha uma expectativa de resultados mais evidentes e perceptíveis. Uma argumentação frequentemente encontrada era a de que este método estimula a capacidade de raciocínio e faz com que se tenha um desempenho melhor na realização das atividades, até mesmo pelo fato de que este meio de ensinar a matemática a torna mais interessante e menos monótona. Essas considerações teóricas nos despertaram para a necessidade de realizar um projeto envolvendo questões matemáticas que pudessem ser abordadas eficazmente por meio dos jogos. Em vista disto, realizamos um minicurso, que tinha como principal referência Almeida e Silva (2007). Na fase inicial de sua preparação, testamos e adaptamos os jogos, gerando os protótipos que seriam replicados para a utilização em sala de aula. A partir deste trabalho inicial, foi criada uma apostila, que tinha como meta apresentar, de forma sucinta, esclarecedora e prática, tanto os conceitos matemáticos, quanto as regras dos jogos que utilizaríamos. Assim, ela continha todos os objetivos e conceitos que se queria trabalhar em cada jogo, com suas respectivas regras e até mesmo exemplos de como deveriam ser efetuadas as jogadas. A apostila foi construída em torno de quatro jogos matemáticos envolvendo função quadrática e equações: pares fora, quadrados perfeitos, bingo das equações e dominó. Finalmente, nos dedicamos à construção de vários exemplares dos jogos. Foram confeccionadas todas as peças para os quatro jogos, em sua maioria produzidas com materiais reutilizáveis. O minicurso foi aplicado para os alunos do primeiro ano do Instituto Federal de Mato Grosso. Esta aplicação nos permitiu analisar se, de fato, os jogos seriam eficazes para a aprendizagem do conceito em foco. Avaliação dos resultados Para a aprendizagem é necessário que o aprendiz tenha um determinado nível de desenvolvimento. As situações de jogo são consideradas 232 parte das atividades pedagógicas, justamente por serem elementos estimuladores do desenvolvimento. Durante a realização do minicurso, buscávamos contribuir para que os alunos atingissem tal desenvolvimento, mas eles mostraram certa dificuldade no começo das atividades. Sua dificuldade se dava com relação às diversas maneiras de se reescrever equações matemáticas. Entretanto, após a formalização dos conceitos que se queria trabalhar, percebemos que foi ampliada a capacidade dos estudantes de desenvolver algumas questões matemáticas mais complexas de uma forma mais simples. Eles adquiriram maior confiança e destreza no uso do cálculo mental para a resolução das equações. Assim, ao final do minicurso, avaliamos que o material didático proposto atendeu às expectativas, isto é, a aplicação dos jogos numa perspectiva da resolução de problemas levou à obtenção de um resultado satisfatório quanto à aprendizagem matemática. Mas foi perceptível também o interesse manifestado dos alunos durante a apresentação dos jogos e a resolução dos mesmos. Considerações finais Um dos objetivos do subprojeto PIBID Matemática CUA/UFMT é proporcionar aos professores em formação inicial a participação, a oportunidade de proposição e o apoio na execução de experiências metodológicas, tecnológicas e de práticas docentes inovadoras, que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem de matemática. Para tanto, uma das estratégias tem sido promover ocasiões nas quais os licenciandos possam elaborar, testar, aplicar e difundir atividades e recursos didáticos, utilizando diferentes abordagens metodológicas, tais como: resolução de problemas, novas tecnologias, jogos, história da matemática, modelagem, etnomatemática, Educação Matemática Crítica e projetos didáticos investigativos. A experiência aqui descrita se deu no sentido de utilizar os jogos na perspectiva da resolução de problemas, aplicados ao ensino-aprendizagem de um dos mais importantes conceitos matemáticos: equações e funções. Ao vivenciar esta experiência, buscando transformar para melhor as relações dos estudantes da Educação Básica com a disciplina de Matemática, também nos transformamos. De fato, a elaboração das atividades aumentou não somente o domínio conceitual acerca das Funções, mas também a clareza de que o professor precisa planejar suas aulas de modo a ter uma consistência metodológica na adoção dos recursos didáticos. 233 Referências ALMEIDA, M. F. L. B. de P.; SILVA, Uyanna S. Equações e funções quadráticas por meio de jogos e problemas. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 9. IX ENEM: Diálogos entre a pesquisa e a prática educativa. Belo Horizonte-MG, 2007. Disponivel em <http://www.sbem. com.br/files/ix_enem/Html/minicursos.html>. Acesso em: 01 set. 2013. BORIN, J. Jogos e resolução de problemas: uma estratégia para as aulas de matemática. São Paulo: IME-USP, 1996. BRASIL, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2002. EVES, H. Introdução à História da Matemática. Trad. Hygino H. Domingues. Campinas, SP: Unicamp, 1995. 844 p. ISBN: 9788526806573. Edição/reimpressão, 2004. GRANDO, C. R. O Jogo e suas Possibilidades Metodológicas no Processo Ensino-Aprendizagem da Matemática. 175 p. Dissertação de Mestrado em Educação Matemática, Faculdade de Educação/UNICAMP: Campinas, 1995. RIZZO, G. Jogos Inteligentes: a construção do raciocínio na escola natural. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. ___________________________________________________________ Anexo Jogo e Atividade I Atividade I: Resolvendo equações através do cálculo mental. Apresentação do jogo: pares fora. Regras do jogo: • O jogo consta de vinte e oito cartas a serem distribuídas igualmente entre quatro jogadores. • Escolhe-se um jogador para começar o jogo, que comprará uma carta do adversário à sua direita. 234 • Após comprá-la, o jogador deve descartar todos os pares que porventura tenham se formado, sendo que um par consiste numa equação e sua respectiva solução. (Dica: é interessante que, ao descartar os pares, eles sejam colocados à mostra para que todos os jogadores possam conferir se o par é mesmo uma solução). • O jogador do qual foi retirada uma carta deve comprar outra carta do jogador à sua direita e também descartar os pares que tiver formado e, assim, sucessivamente. • O jogo prossegue até que algum dos jogadores fique sem nenhuma carta; este será o vencedor. Jogo e Atividade II Atividade II: aprender a reconhecer a possibilidade de resolução das equações por meio da identificação dos quadrados perfeitos. Jogo: quadrados perfeitos. Regras do jogo: • O jogo é constituído por trinta e duas cartas, vinte das quais são distribuídas igualmente entre quatro jogadores, enquanto doze permanecem em um monte para compras. • Se o jogador possuir pelo menos duas entre três cartas relacionadas à mesma equação, na sua vez, ele pode arriá-las. • Uma dupla de cartas arriada vale vinte pontos, e um trio vale trinta pontos. • No jogo há oito cartas-lixo, isto é, cartas que não se relacionam a nenhuma outra do jogo. • Inicia-se a brincadeira com um jogador pegando uma carta do bolo de compras e descartando alguma sobre a mesa. Neste ínterim, ele pode arriar duplas ou trios que possua. • Se o jogador seguinte comprar do bolo, deve descartar alguma carta na mesa. Se optar por comprar da mesa, pode escolher apenas as cartas que interessam, deixando pelo menos uma sobre a mesa. • Assim, o jogo segue e só termina quando acabarem as cartas do bolo de compras ou quando um dos jogadores bater, isto é, ficar sem cartas. • A batida vale vinte pontos. Vence quem totalizar mais pontos. Jogo e Atividade III Atividade III: Resolvendo equações de 2º grau usando o método de completar quadrados. Apresentação do jogo: bingo das equações. 235 Regras do jogo: • O jogo apresenta oito equações de referência e um total de trinta e duas cartas. São retiradas do jogo as oito equações que estão no mesmo modelo que x2+8x+16−16+15 = 0. • Divide-se a turma em quatro grupos, cada um recebendo aleatoriamente seis das vinte e quatro cartas restantes. • Sorteia-se uma das oito cartas previamente reservadas. Cada grupo deve apresentar ao professor as cartas referentes à equação sorteada. • Fazem-se sucessivos sorteios, até que acabem as cartas de um dos grupos; este será o grupo vencedor. Jogo e Atividade IV Atividade IV: Explorando a fatoração do trinômio. Apresentação do dominó. Regras do jogo: • O jogo é composto por dezesseis peças, sendo oito delas cartas-solução, e as outras oito chamadas cartas-mistas, pois constam de duas equações separadas por uma linha. • Os participantes são dispostos em duplas ou grupos de quatro. • Equações equivalentes aparecem em peças distintas, como por exemplo, x2 − 49 = 0 e (x − 7)(x + 7) = 0, em peças diferentes. • Inicia o jogo quem possuir a peça: x = 7 ou x = −7. • O jogo segue encaixando-se lado a lado a equação com sua respectiva solução, ou duas equações equivalentes. • Encerra-se o jogo quando um dos jogadores ficar sem peça. O objetivo desta atividade é tornar os alunos atentos aos casos em que é fácil fatorar o trinômio, relacionando a soma e o produto das raízes da equação quadrática com seus coeficientes. 236 2.10 O JOGO DA TORRE DE HANÓI: SUA CONFECÇÃO E ESTUDO DE CONCEITOS MATEMÁTICOS Admur Severino Pamplona Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Rosane Vilela Sales Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Apresentação As observações frequentemente realizadas em sala de aula como bolsista PIBID e a análise de artigos de relato de experiência nos levam a constatar a necessidade de uma aula diferenciada, que se afaste do modelo clássico no qual o professor apresenta os conceitos seguidos de exemplos e exercícios. Neste tipo de situação, é comum o professor não mostrar o uso e a importância dos conceitos no dia a dia, relacionando-os ao meio social em que seus alunos convivem. Então, frequentemente, os alunos perdem o encanto pela matemática, concebendo-a como difícil e abstrata. Como afirmam Drabeski e Francisco (apud MEDEIROS, 2005, p. 20): No ensino tradicional da matemática não tem havido, em geral, um respeito pela criatividade do aluno. Na prática de ensino de um grande número de professores, alheios à preocupação com a criatividade matemática, há um desencontro entre esta e a forma metódica como as ideias parecem surgir àqueles em suas exposições de sala de aula. Deparamo-nos, então, com o aluno cuja principal atividade consiste em copiar e resolver uma lista de exercícios ou seguir o livro didático que é oferecido pela escola. Contrapondo-se a esta situação, as orientações de formadores docentes têm sido as de que o professor deve inovar para que seus alunos sejam motivados. Isto pode ocorrer, por exemplo, com o uso de novas metodologias que explorem a imaginação dos educandos, com o uso de material concreto e lúdico. No caso da experiência aqui relatada, utilizamos o jogo Torre de Hanói. Os alunos confeccionaram o jogo, e familiarizaram-se com ele, através da manipulação dos seus discos. Ao fazê-lo, puderam relacionar ao mesmo tempo os conceitos abstratos referentes à indução finita e à função exponencial durante os movimentos mínimos possíveis de n quantidade de discos. 237 A importância dessa experiência está em sua capacidade de ilustrar o fato de que a utilização do jogo como um recurso metodológico é capaz de despertar no aluno a predisposição para aprender novos conceitos e interligá-los a outras aplicações cotidianas. Mas, sobretudo, queremos destacar, para os professores de matemática, que situações relativamente simples, criadas por eles em sala de aula, com o uso de materiais do tipo “faça você mesmo”, contribuem para que o aluno tenha autonomia na construção do seu conhecimento. Caracterização da Escola Este trabalho foi desenvolvido no primeiro ano “E” do Ensino Médio, da Escola Estadual Irmã Diva Pimentel, como uma das atividades do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), do Curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário do Araguaia. Posteriormente, foi replicada no primeiro ano do curso de Controle Ambiental, do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), do campus de Barra do Garças – MT, como atividade do Laboratório de Educação Matemática do CUA/UFMT, em colaboração com o grupo PET Matemática. A Escola estadual Irmã Diva Pimentel atua nos níveis de ensino Fundamental e Médio, com 304 alunos matriculados no ensino fundamental II e 308 alunos no Ensino Médio, distribuídos, em 2013, em 26 turmas. Esses alunos, na grande maioria, moram no próprio bairro onde está situada a Escola, um bairro da periferia de Barra do Garças. Por sua vez, o IFMT/BG oferece cursos técnicos a mais de uma centena de estudantes que, em sua maioria, não reside nas proximidades da escola. Em ambas as escolas, a faixa etária dos alunos com quem a atividade aqui relatada foi aplicada está compreendida entre 15 e18 anos, e a composição da turma está limitada ao número máximo de 30 alunos. A situação entre as duas escolas difere sensivelmente quando observamos o contexto socioeconômico dos estudantes. Se na Escola Irmã Diva Pimentel os estudantes são de baixa renda e os pais se caracterizam pelo pouco estudo, no IFMT/BG, os estudantes estão mais bem posicionados socialmente, e seus pais, em grande parte, possuem curso de graduação ou pelo menos Ensino Médio completo. Ainda assim, pode-se dizer que, em termos de envolvimento com a atividade aqui descrita, os estudantes se comportaram de forma semelhante, demonstrando interesse e fácil compreensão do que lhes foi proposto. 238 Fundamentação teórica A experiência aqui relatada esteve referenciada nas leituras sobre o uso de jogos para o ensino da matemática, de modo geral, e no uso da Torre de Hanói, de modo específico. Com relação ao recurso aos jogos, Grando (2004, p. 18) afirma que: [...] a psicologia do desenvolvimento destaca que a brincadeira e o jogo desempenham funções psicossociais, afetivas e intelectuais básicas no processo de desenvolvimento do aluno. O jogo apresenta-se como uma atividade dinâmica que vem satisfazer uma necessidade do aluno, dentre outras de movimento e ação. De fato, a chamada Torre de Hanói, além de promover a construção do conhecimento matemático, permite que o estudante se movimente, interaja e argumente com seus colegas. Além disto, o jogo apresenta outras características que, autores tais como SMOLE e DINIZ (2005) consideram essenciais para a contribuição ao aprendizado matemático, como é o caso da aproximação à metodologia de Resolução de Problemas. Em vista disto, são vários os autores que descrevem e propõem o uso da Torre de Hanói em sala de aula, para a abordagem de diversos conteúdos matemáticos. Como exemplo, podemos citar: COSTA (2010), GONÇALVES (2007), MEDEIROS (2005) e SOUZA (2013), dentre vários outros. Como descrito pelos autores acima citados, o jogo é composto por um por tabuleiro no qual são fixados três pinos e sobre um desses pinos estão sobrepostos vários discos de tamanhos diferentes, em ordem decrescente. O jogo original foi fabricado em madeira pelo matemático francês Edouard Lucas, no ano de 1883. Segundo o autor do jogo, ele deu o nome Torre de Hanói porque teve inspiração na cidade santa Hanói, no Vietnã, e era muito popular na China e no Japão. Como estratégia de venda do brinquedo, junto com ele foi criada uma curiosa lenda. Segundo esta lenda, o centro do mundo encontra-se sob a cúpula de um templo situado em Benares, na Índia. Sob a cúpula do templo, havia uma placa onde estavam fixados três pinos de diamantes. Num destes pinos, Brahma, ao criar o mundo, colocou sessenta e quatro discos de tamanhos diferentes, um sobre o outro e em ordem decrescente, isto é, do maior para o menor. Esta era a Torre de Brahma. Junto a esta Torre, o criador colocou um grupo de monges cuja função era mover os discos da haste original para a terceira haste, usando a outra haste como auxiliar, trabalhando dia e noite. Mas para realizar esta tarefa eles deveriam respeitar três regras importantes: mover apenas um disco de cada vez; nunca colocar um disco maior sobre outro menor e 239 nunca deixar disco algum fora das hastes. Segundo esta lenda, antes que os monges consigam terminar sua tarefa, o templo transformar-se-á em pó e, então, o mundo acabará com o estrondo de um grande trovão. Não somente com relação ao jogo da Torre de Hanói, mas também a outros, Costa (2010) afirma que não é necessário usar apenas o material original. De fato, ao discorrer sobre a criação e o uso de laboratórios de ensino de matemática na Educação Básica, a autora ressalta que podemos, sim, fazer uma adaptação de vários jogos utilizando materiais recicláveis. O mais importante é que eles sejam capazes de apoiar o professor mediador e criativo a promover o diálogo entre teoria e prática, entre conhecimentos matemáticos cotidianos e escolares, contribuindo na construção e incorporação de saberes por parte dos alunos. Descrição da experiência Na Escola estadual Irmã Diva Pimentel, os alunos, primeiramente, foram orientados a pesquisarem as regras e objetivos do jogo e a adquirirem materiais para confeccionarem o jogo Torre de Hanói. Os resultados deveriam ser apresentados em reuniões realizadas no contraturno. Após estas reuniões, foi decidido que alunos que delas participaram iriam ensinar o jogo aos outros colegas na noite cultural da escola. Para isso, daríamos primeiro uma aula com o jogo. Em sala de aula, o objetivo era utilizar o jogo como introdução aos conteúdos de “indução finita” e “função exponencial”, além de tornar os estudantes capazes de atuarem como monitores na noite cultural. Por sua vez, o uso do jogo na noite cultural esteve relacionado a três objetivos: a) promover o gosto pela matemática junto aos estudantes das outras séries/turmas da escola; b) promover a autoestima e a capacidade de apresentação oral dos estudantes do 1º ano (junto aos quais ocorrem nossas atividades rotineiras) e c) divulgar as ações do PIBID na escola. No IFMT, um dos objetivos era levar os estudantes a aplicar os conceitos de indução finita e função exponencial, relacionando-os com o número mínimo de jogadas com n discos. Outro objetivo era compor e apoiar um projeto da escola relacionado à sustentabilidade, visto que na construção do jogo utilizamos materiais recicláveis. Em ambas as escolas, pensando em uma aula prazerosa que levasse à motivação em aprender brincando, como atividade introdutória, foi relatada a lenda da Torre Hanói como motivação no início da aula. Ao final, interrogamos os estudantes: quando será que o mundo acabará? Para saber do resultado, eles teriam que participar de todas as atividades para saber em que ano exato aconteceria o fim do mundo. 240 A segunda atividade foi a confecção do jogo, para a qual utilizamos: papelão (reaproveitados de caixas variadas) e papel cartão para construir o tabuleiro. Na base, construída com 32 cm de comprimento, foi destacada, com lápis, a divisão do espaço em três partes iguais e numeradas (1, 2, 3), representando os três pinos. Como a confecção de discos iria requerer maior tempo, decidimos por representá-los por quadrados. Na confecção dos quadrados, usamos emborrachado EVA de cores sortidas, nas dimensões: 3, 4, 5, 6, 7, 8 cm. Estas peças deveriam ser movimentadas de acordo com as regra do jogo. Jogo confeccionado por um dos alunos do IFMT. O terceiro passo foi manipular os jogos, para que os alunos se familiarizassem com eles. Após uma primeira jogada para tirar quaisquer dúvidas acerca das regras, os alunos tiveram que fazer os mínimos movimentos possíveis para cada um dos “discos” e anotar os resultados numa tabela que lhes foi repassada, conforme modelo abaixo. A tarefa foi repetida para cada um dos seis “discos”. Número de discos N Número de movimentos mínimos possíveis m(n) 241 Nesta tabela, os alunos anotaram todos os dados da atividade; eles jogaram em grupo de duas pessoas e, enquanto um fazia os movimentos com os “discos”, ou seja, os quadrados, o colega contava o movimento mínimo que seu parceiro conseguia jogar e anotava na tabela. Em seguida, ocorreu a discussão dos resultados dos jogos das várias duplas e a busca pela generalização dos resultados. Ao final, esta generalização foi relacionada aos conceitos de “indução finita” e “função exponencial’ e os estudantes foram convidados a voltar ao contexto original do problema, isto é, ao cálculo da data para o final do mundo. Então, explicamos que se considerarmos n=sessenta e quatro discos, a fórmula da função exponencial nos levará a valores tão grandes que é impossível suportar na calculadora. Isto significa que o mundo não acabará tão cedo. Avaliação dos resultados Todas as duplas da turma envolvidas na atividade em sala de aula na Escola Estadual Irmã Diva Pimentel conseguiram chegar ao resultado com as mínimas jogadas possíveis com até três discos. Já com quatro discos, apenas sete duplas, das onze, conseguiram chegar ao resultado com quinze jogadas mínimas possíveis. Nenhuma dupla conseguiu chegar ao resultado a partir do quinto disco. Então, foi-lhes indagado se não havia uma forma melhor de saber qual seria o número mínimo de movimentos sem precisar ficar jogando. Para auxiliá-los na composição de uma resposta para a questão, foi-lhes mostrada a possibilidade de relacionar os n discos e m(n) movimentos mínimos possíveis aos conceitos de função exponencial. Em seguida, o novo conceito foi aplicado para chegarmos a uma resposta acerca da data para o final do mundo e o conteúdo foi formalizado com o apoio do livro didático. Na noite cultural da escola, os estudantes/ monitores dos primeiros anos do Ensino Médio foram capazes de ensinar o jogo aos demais alunos da escola. No evento, a Torre de Hanói foi uma das atividades mais procuradas. Por sua vez, os alunos do IFMT, que já conheciam este conteúdo matemático e para os quais o jogo foi apresentado como uma aplicação (e não como atividade introdutória como no caso da Escola Irmã Diva), perceberam facilmente que a relação matemática se dá da seguinte forma: somando a quantidade de disco mais o dobro dele e mais um, encontra-se o valor procurado. Durante a jogada, eles deduziram que um disco requer apenas um movimento; com dois discos só poderá ser: um mais um são dois e aumentando mais um terão três movimentos mínimo possíveis. A partir deste momento, descobriram como resolver toda a atividade fazendo esta relação matemática; não tendo interesse em jogar, ficaram dispersos. Então, eles foram desafiados a provar se realmente os valores encontra242 dos por meio da função seriam possíveis de serem encontrados nas jogadas. Depois desta provocação, os grupos retornaram ao jogo. Em ambas as escolas/ocasiões, os alunos tiveram a oportunidade de observar que, na função exponencial, os valores crescem e decrescem muito rápido. Na avaliação que pedimos aos alunos, eles afirmaram que o jogo é muito interessante, pois ajuda a concentração e o desenvolvimento da habilidade e agilidade matemática de uma forma desafiadora e divertida. Considerações finais Esta atividade contribuiu para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem dos alunos, pelo fato de participarem ativamente durante todas as atividades que ministramos. Mesmo encontrando dificuldades em achar o número mínimo de jogadas possíveis, eles foram persistentes na resolução de problema, envolveram-se ativamente com a estória, com o jogo e na generalização matemática dos resultados. O fato de estarmos envolvidos numa atividade tão diferenciada – quanto aos contextos, aos objetivos e ao público alvo – nos fez compreender a veracidade da concepção freiriana de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a produção ou a sua construção. Permitiu-nos, ainda, perceber a importância de o professor não se limitar a seguir o “modelo padrão” de aulas, mas assumir uma postura crítica quanto à replicação da mesmice, buscando a atualização, a criação, a capacitação constante que o tornem, ao mesmo tempo, mestre e aprendiz. Referências COSTA, W. N. G. (Org.). Práticas Compartilhadas: caderno de apoio ao Professor de Matemática. Goiânia: Kelps, 2010. DRABESKI, E. J.; FRANCISCO, R. Estudo da Função Exponencial e a Indução Matemática Com Aplicação da Torre de Hanói. Disponível em: <http:// www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/696-4.pdf> Acesso em: 30 set. 2013. GONÇALVES, A. O. A Torre de Hanói em Sala de Aula. Revista do Professor de Matemática, n. 63, p. 16-18. São Paulo, 2007. GRANDO, R. C. O jogo e a matemática no contexto da sala de aula. São Paulo: Paulus, 2004. 243 MEDEIROS, C. F. Por uma Educação Matemática como Intersubjetividade. In: BICUDO, M. A. V. (Org.) Educação Matemática, 2. ed. São Paulo: Centauro, 2005 SANTOS, C. A. M.; GENTIL, N.; GRECO, S. E. Matemática Série Novo Ensino Médio Edição Compacta, volume Único. 3ª impressão. São Paulo: Editora ática, 2003. SMOLE, K. C. S.; DINIZ, M. I. S. V. Matemática ensino médio volume 1. 1ª série 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. SOUZA, A. E. Torre de Hanói: O Jogo Como Recurso Metodológico Nas Aulas de Matemática. Disponível em: <http://sbem.bruc.com.br/XIENEM/ pdf/1529_1752_ID.pdf>. Acesso em: 01 out. 2013. 244 2.11 O ESTUDO DE INEQUAÇÕES DO 1º GRAU POR MEIO DE JOGOS DE CARTAS: INTERAÇÃO ESTÁGIO-PIBID Sérgio da Costa Kaisa Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Admur Severino Pamplona Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Apresentação Frequentemente, tenho-me deparado com estudantes do Ensino Médio que encontram dificuldades em resolver exercícios relacionados à inequação do 1º grau, pelo fato de não estarem familiarizados com o uso de números misturados com incógnitas e desigualdades. Alia-se a isso o fato de os alunos da atualidade já estarem cansados dos métodos tradicionais de ensino que os acomodam cognitivamente, por não terem um papel ativo em sala de aula. Em face deste contexto, considerei que o uso de jogos poderia ser uma ótima sugestão a ser testada pelos estudantes. Colaboraram também para esta minha decisão duas outras características dos jogos: a) eles permitem que os estudantes possam se autoavaliar e interagir com outros colegas; b) ao trabalhar atividades lúdicas de forma planejada, o professor de Matemática pode despertar neles o interesse pela disciplina e colaborar também na formação e socialização dos mesmos. A partir dessas considerações, e tendo em vista a minha participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, formulei uma proposta de ensino que foi apresentada aos estudantes do 1º Ano “F” e estendida às demais turmas do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Irmã Diva Pimentel, em Barra do Garças, durante parte de minha extensão do Estágio Supervisionado III. A este respeito, cabe elucidar que, no Curso de Licenciatura em Matemática do Campus Universitário do Araguaia/ UFMT, as atividades relacionadas ao estágio se dividem em três eixos: ensino, pesquisa e extensão. Também é importante pontuar que tanto o professor orientador do PIBID quanto os professores da área de Estágio têm incentivado que as ações relacionadas a esses dois âmbitos formativos ocorram de forma integrada e complementar. De fato, considerei que, para a realização do Estágio Supervisionado, seria bastante oportuno aproveitar os aprendizados e experiências decorrentes 245 de minha atuação como bolsista PIBID. Afinal, se o estágio, como afirmam Pimenta e Lima (2008), é uma atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, o PIBID também apresenta essas características, visto que este programa promove e evidencia discussões e reflexões fundamentais, tecendo redes de relações entre conhecimentos teóricos e práticos que são cotejados no dia-a-dia da escola. Caracterização da Escola A Escola Estadual Irmã Diva Pimentel está situada no bairro Santo Antônio, na periferia da cidade de Barra do Garças - MT. Seu perfil sócio-econômico é bem diversificado, mas a maior parte dos alunos encontra-se situada na renda mínima, e aproximadamente 70% dependem de programas da bolsa escola. A estrutura física da escola é adequada para receber alunos com necessidades especiais, possui 15 salas disponíveis para aulas, 1 sala de vídeo, 1 sala de apoio, biblioteca, laboratório de informática com 40 computadores com internet, quadra coberta, laboratório de ciências e muito espaço para desenvolvimento de atividades diversificadas. Fundamentação teórica A busca pelo aprendizado se faz de diversas formas, entretanto muitos alunos estão ainda presos ao sistema de passividade que comumente se estabelece em grande parte das escolas de nosso país. Sabemos que os recursos tecnológicos e pedagógicos são grandes aliados dos professores para que haja o aperfeiçoamento e avanço do ensino nas instituições; entretanto, seu uso ainda tem sido relativamente restrito. Em especial, a ideia de se aplicarem jogos pedagógicos em sala de aula pode facilitar a compreensão dos estudantes em vários aspectos cognitivos e os preparar também para a vida fora do ambiente escolar. Durante as atividades lúdicas, eles tornam-se capazes de serem críticos, participativos, desinibidos e de compartilhar saberes muitas vezes escondidos de si mesmos pela falta de oportunidade de demonstrá-los. Um fato interessante que podemos destacar é que, por meio da realização dos jogos matemáticos, o professor pode perceber as dúvidas inerentes a cada aluno, algo que raramente pode ser notado durante as aulas tradicionais. De acordo com Grando (1995), a utilização de jogos no processo de ensino-aprendizagem pode atingir diversas finalidades, dentre as quais a autora destaca: A fixação de conceitos, a motivação, a construção de conceito, aprender a trabalhar em grupo, propiciando solidarie- 246 dade entre os alunos, estimular a raciocinar, desenvolver o senso crítico, a disposição para aprender, e descobrir coisas novas, além do desenvolvimento da cidadania (GRANDO 1995, p. 86) As palavras da autora indicam que o uso de jogos, por meio dos quais podemos verificar um breve afastamento da mesmice, tornam as aulas mais proveitosas. Vários conteúdos matemáticos podem ser abordados com o uso de jogos e entre eles, neste trabalho, destaco o conteúdo de Inequação do 1º grau. As inequações são de grande importância no ensino da matemática e podem ser descritas a partir de Bazzini e Tsamir (2001): Inequalities play an important role in mathematics. They are part of various mathematical topics including algebra, trigonometry, linear planning and the investigation of functions. They also provide a complementary perspective to equations. Accordingly, The American Standards documents specify that all students in Grades 9-12 should learn to represent situations that involve equations, inequalities and matrices 1 (TSAMIR; BAZZINI, 2001, p.58). O eixo estruturador Geometria e Medidas, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, inclui um trecho que, de maneira explícita, relata a importância da ferramenta inequação: A unidade Geometria analítica tem como função tratar algebricamente as propriedades e os elementos geométricos. O aluno do ensino médio terá a oportunidade de conhecer essa forma de pensar que transforma problemas geométricos na resolução de equações, sistemas ou inequações (BRASIL, 2002, p. 124). Boero e Bazzini (2004) consideram o assunto inequações importante, entretanto difícil para os estudantes, além de pouco considerado por pesquisadores até aquele ano. Segundo os autores, as inequações são tratadas de forma subordinada em relação às equações, em diversos países. Isso se justifica pelo fato de muitos professores conduzirem o processo de ensino-aprendizagem por meio da memorização, podendo levar os 1 As desigualdades desempenham um papel importante na matemática. Elas fazem parte de várias áreas da matemática, incluindo álgebra, trigonometria, álgebra linear e o estudo de funções. Elas também fornecem uma perspectiva complementar às equações. Assim, os documentos americanos de normas especificam que todos os estudantes nas classes de 9 a 12 anos devem aprender a representar situações que envolvem equações, desigualdades e matrizes (tradução nossa) 247 alunos a ficarem desesperados para lidarem com inequações de outras maneiras. Por sua vez, Fontalva (2006), ao desenvolver uma pesquisa com o intuito de apurar as dificuldades de alguns alunos do Ensino Médio com as inequações, destaca que tais dificuldades devem ser constatadas, relacionadas e devem ser utilizados procedimentos que levem à sua solução. Então, neste contexto, torna-se bastante oportuno abordar as inequações do 1º grau com a aplicação de atividades lúdicas em sala de aula. Descrição da experiência Em minha atuação junto aos alunos do 1º Ano do Ensino Médio da Escola Estadual Irmã Diva Pimentel, pude detectar certas dificuldades de alguns deles durante a resolução das inequações do 1º grau. Dentre elas, menciono o esquecimento da troca de sinal de desigualdade, quando se multiplica por “menos um” de ambos os lados nos casos em que o sinal negativo aparece acompanhando o coeficiente angular, e a confusão ao se trabalharem números misturados com incógnitas. Pensando nesta e em outras situações pertinentes ao conteúdo e ao uso dos jogos para o ensino-aprendizagem da matemática, confeccionei o jogo de cartas “Conjunto Verdade”. Ele é uma adaptação do jogo “Pares Fora”, sugerido por Maria de Fátima Lins Barbosa de Paiva Almeida e Uyanna Souza Silva, ambas da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ). O jogo “Conjunto Verdade” consta de 28 cartas que obedecem ao modelo abaixo: Figura 1: Cartas do jogo. As cartas devem ser distribuídas igualmente entre quatro grupos. Um dos grupos dará início ao jogo comprando uma carta do adversário situado à sua direita. Após a compra da carta, o grupo deve descartar todos os pa248 res formados, sendo que um par consiste numa inequação e seu respectivo conjunto verdade. O grupo do qual foi retirada uma carta deve comprar uma carta do grupo à sua direita e descartar os pares que tiver em mãos e assim sucessivamente até que algum dos grupos fique sem nenhuma carta. Este será o vencedor. De acordo com Rizzo (2010), “[...] o material permite que sejam feitas algumas alterações nas regras para adequá-lo a faixas de idade inferior ou superior, conforme seja o desejo ou necessidade do profissional que vai aplicá-lo”. Além disto, este jogo, assim como outros do gênero, ao levar os alunos a vivenciarem uma nova perspectiva de aprendizagem, instiga-os a encontrarem as soluções que satisfazem as inequações dadas. Mas a escolha deste jogo em particular levou em consideração também o fato de que ele poderia ser feito com materiais recicláveis e de baixo custo. Com o uso do jogo “Conjunto Verdade”, antes de apresentar técnicas para a resolução das inequações, induzi os estudantes a solucioná-las por tentativas, para que se ativessem inicialmente ao significado de resolvê -las, focando a atenção em satisfazer as desigualdades. Percebi que, no decorrer da partida, os alunos tornam-se mais observadores, participativos e capazes de encontrar as soluções de maneira mais rápida. O método utilizado em sala de aula serve também como diagnóstico de aprendizagem para avaliar coletivamente os estudantes, permitindo ao professor perceber se eles estão realmente aprendendo o conteúdo e, mesmo que algum dos grupos enfrente dificuldades em resolver as inequações, o fato de jogar diversas vezes facilita a compreensão do conteúdo por parte dos estudantes e contribui para que o professor possa avaliar esta evolução. As experiências vivenciadas durante quase dois anos como bolsista PIBID fizeram com que eu pudesse enfrentar uma sala de aula com novas perspectivas, ficando atento à realidade dos estudantes e procurando, na medida do possível, entender as dificuldades inerentes a cada um e tentar amenizá-las. Graças a esse fator positivo, desenvolvi as minhas aulas de Estágio de maneira tranquila, interativa e focando na participação dos meus alunos. O fato de ter um pleno conhecimento do ambiente escolar contribui bastante para a vida de um estagiário que, sem dúvida, entra muitas vezes em desespero ao se deparar com uma ou várias turmas em condição adversa. Avaliação dos resultados Com esta proposta de ensino, os estudantes desenvolvem suas habilidades de cálculo e obtêm os resultados das inequações com maior agilidade, descartando a necessidade de memorizar fórmulas. No jogo, eles descobrem outras maneiras de chegar a um mesmo resultado, usando o 249 raciocínio lógico e aperfeiçoando sua atuação em sala de aula. Foi possível perceber também que um mesmo jogo, aplicado mais de uma vez, leva o aluno a criar estratégias diversas a partir do aparecimento de novas situações. Assim, o uso dos jogos para o ensino-aprendizagem das inequações de 1º grau transformou em prática o discurso de que os alunos devem participar efetivamente das aulas como formadores de opinião, como pessoas autônomas que influenciam de modo decisivo a sua própria aprendizagem e a dos colegas. O entusiasmo dos alunos em sala de aula frente ao recurso lúdico me proporcionou bastante satisfação e inspirou-me confiança ao explicar o conteúdo. Comparando-se tal aula provida de atividade lúdica com as outras nas quais o uso do jogo não pôde ser realizado, ficam notórias as diferenças de aprendizagem. Considerações finais Finalizo o relato da experiência com as considerações sobre a realização da atividade, a contribuição para formação pessoal e profissional, o relacionamento com os alunos durante a atividade proposta, a aprendizagem que “ficou” para o professor depois da realização da atividade, bem como com outras possibilidades de ensino puderam ser identificadas ao final da experiência. Ensinar é algo que nos faz sentir bem perante os educandos e isto se torna ainda mais relevante quando conseguimos encontrar meios de fazer com que os estudantes se tornem mais participativos e autônomos na sala de aula. Fazer com que os estudantes interajam em sala de aula, tanto com seus colegas quanto com o professor, demonstra um ensino de qualidade e livre da passividade, dando segurança a todos os envolvidos na aprendizagem. Durante as aulas, pude aprender muito com os alunos e isso é importante na carreira de um educador. Procurar inovar os conhecimentos já existentes diversifica as aulas e as torna menos cansativas. O planejamento das aulas é primordial em qualquer circunstância de ensino-aprendizagem. Sendo assim, a utilização consciente de jogos leva o educando a ter motivação e facilita a apropriação cognitiva. Referências BAZZINI, L.; TSAMIR, P. Can x=3 be the solution of an inequality? A study of the Italian and Israel students. Educ. Mat. Pesquisa, São Paulo, vol.3, n.1, p.57-67, 2001. 250 BOERO, P.; BAZZINI, L. Inequalities in Mathematics Education: The need for complementary perspectives. Proceedings of PME 28, p.139-142, 2004. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília, 2002, p.124. FONTALVA, G. M. Um estudo sobre inequações: entre alunos do ensino médio. 2006. 145 p. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/PUC-SP. São Paulo, 2006. GRANDO, C. R. O Jogo e suas Possibilidades Metodológicas no Processo Ensino-Aprendizagem da Matemática. 175 p. 1995. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Campinas-SP, 1995. RIZZO, G. Jogos Inteligentes: a construção do raciocínio na escola natural. 4 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. 251 2.12 GEOMETRIA NO NATAL: integrando matemática e artesanato por meio de oficinas decorativas Valéria Ramos dos Santos Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Divina Sandra Ramos Lôbo Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Admur Severino Pamplona Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Araguaia Apresentação Observando a dificuldade das pessoas de variadas faixas etárias e etapas escolares com o aprendizado da disciplina Matemática, em nossos trabalhos no grupo PIBID Matemática UFMT/CUA, procuramos buscar métodos que amenizem possíveis concepções negativas criadas por elas. Neste contexto, surgiu a proposta de relacionar o ensino-aprendizagem da Geometria ao período Natalino, já que é possível explorar, nas peças decorativas utilizadas nesta época do ano, muitos conceitos geométricos. A partir desta ideia inicial, surgiu a proposta de montar uma oficina com duplo objetivo: explorar os conceitos principais da geometria básica em peças decorativas natalinas previamente escolhidas e estreitar os laços com as comunidades escolares, integrando matemática e artesanato. Fundamentou a proposta a ideia de que atividades como essa contribuem para que nós, pibidianos, estejamos em contato com um público diversificado, desde os docentes em exercício na Educação Básica, até os pais e alunos das escolas estaduais visitadas. Lembrando ainda que a integração entre a Universidade e a Escola Básica, em prol da melhoria da qualidade da educação, é um os objetivos prioritários do PIBID, entendemos que os conhecimentos - matemáticos, disciplinares e profissionais - que construímos enquanto bolsistas PIBID devem ser partilhados com os demais estudantes do Curso de Licenciatura em Matemática. Por esta razão, a oficina também foi oferecida para estudantes do primeiro, terceiro e quinto semestres desse curso. Assim, a oficina de Geometria Natalina permitiu a constituição de um espaço informal de ensino e aprendizagem capaz de proporcionar a 252 todos os envolvidos grande benefício. Os pais e estudantes participantes da oficina puderam relacionar a matemática ao seu cotidiano, percebendo de forma mais clara as aplicações e aproximando-se mais do saber matemático. Por outro lado, para os professores de matemática em formação inicial ou continuada, a oficina de Geometria Natalina revelou-se uma oportunidade de criar/utilizar materiais didáticos versáteis, que podem servir de apoio na atuação frente a públicos diversos, como narraremos no decorrer deste trabalho. Caracterização das Escolas As escolas nas quais ocorreram a aplicação da oficina sobre Geometria Natalina fazem parte da rede estadual de Ensino Básico do estado de Mato Grosso, sendo elas: a Escola Estadual Antônio Nonato Rocha, no distrito de Paredão Grande, no Município de General Carneiro-MT, e a Escola Estadual Irmã Diva Pimentel, em Barra do Garças-MT. Nessas instituições, a oficina foi oferecida para os professores, alunos do Ensino Médio e pais. A Escola Estadual Antônio Nonato Rocha é a única escola do distrito de Paredão Grande, atendendo a mais de duzentos alunos entre o Ensino Fundamental e o Médio. Por sua vez, a Escola Estadual Irmã Diva Pimentel é a escola parceira do projeto Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID Matemática UFMT-CUA. Situada na periferia da cidade de Barra do Garças, esta escola lida com aproximadamente trezentos estudantes no Ensino Fundamental e outros trezentos no Ensino Médio, a maioria deles vivenciando uma situação socioeconômica delicada. A oficina foi também oferecida no saguão do Campus I, da Universidade Federal de Mato Grosso, em Pontal do Araguaia. Neste local, participaram das oficinas os licenciandos matriculados nas disciplinas ‘Desenho Geométrico’, ‘Ensino e Aprendizagem de Matemática no Ensino Fundamental’ e ‘Laboratório de Ensino de Matemática e Estatística’. Fundamentação teórica Segundo Almeida (2006), trata-se de uma grande simplificação do problema, ao se falar de dificuldades em Matemática, afirmar-se que esta é uma disciplina complexa e que muitos não se identificam com ela. A autora afirma que essas dificuldades podem ocorrer por vários fatores, sendo eles mentais, psicológicos e pedagógicos, que envolvem uma série de conceitos e trabalhos que precisam ser desenvolvidos. 253 Reconhecendo a complexidade que envolve a rejeição à matemática e a necessidade de agir sobre os vários fatores que acarretam o problema, temos efetuado várias ações no âmbito do projeto PIBID Matemática. Dentre tais ações, podemos citar, por exemplo: elaboração de aulas dinâmicas com uso de vários métodos e mídias, aulas de reforço, organização de exposições. A maioria destas atividades fica restrita à escola, pois o principal público-alvo são os estudantes da educação básica. Entretanto, sabemos que as crenças e as atitudes das famílias acerca da matemática podem contribuir para instalar-se, nas crianças e nos adolescentes, rejeição à disciplina. Além disto, reconhecemos a importância da integração entre escola e comunidade e concordamos com Piletti (2012), na sua afirmação de que, aos educadores caberia promover atividades que facilitassem a interação entre a escola e a comunidade, tanto no sentido escola-comunidade, quanto no sentido comunidade-escola, entre as quais estariam visitas às famílias (especialmente dos alunos com maiores dificuldades), saídas dos alunos para melhor conhecerem a sua comunidade, atividades culturais e recreativas nos finais de semana (abertas à comunidade), organização de eventos nas dependências da escola, enfim, um grande leque de possibilidades. (PILETTI, 2012, p. 1). Então, uma de nossas ações foi aproveitar o período natalino para abordar conceitos matemáticos utilizados na confecção de objetos decorativos, tais como: miniaturas de árvores de natal, bolas, pinhas, estrelas, anjos e guirlandas, dentre vários outros. Buscamos, nesta atividade, resgatar, nas mães dos estudantes, que foram o público-alvo da oficina, o gosto pela matemática e, ao mesmo tempo, organizar ações capazes de dinamizar as ações e interagir com as comunidades escolares. Afinal, para Bertoni et all (2007), é importante a realização periódica de ações em espaços ou escolas para favorecer o debate, de forma lúdica, acerca da aprendizagem e do ensino da matemática e a troca de experiências, nos mais diversos níveis e modalidades de ensino. Contemplando o aspecto artístico da matemática, despertando o fascínio, as oficinas visam ao aprender fazer e ao desenvolvimento simultâneo de conceitos matemáticos. Descrição da experiência Para ministrarmos a oficina, empenhamo-nos inicialmente em pesquisas que nos permitiram tanto escolher os objetos natalinos matematicamente mais interessantes, quanto pensar em meios de tornar mais fá- 254 cil a sua confecção e abordagem pedagógica. Em seguida, passamos a adaptar modelos dos objetos decorativos, utilizando, ao máximo, produtos recicláveis e de baixo custo. Ocupamo-nos também da elaboração de uma apostila que, além de salientar a relação que pode haver entre Matemática e Artesanato, de forma dinâmica e clara, trazia um ‘passo-a-passo’ ilustrado, como se observa na figura a seguir, que se refere à construção de uma “bola geométrica”, a partir do uso do Desenho Geométrico: PASSO A PASSO: 1º _Desenhe um círculo com 3 cm de raio, o que dará uma bola de Natal de 10 cm de diâmetro 2 - Deixe o compasso aberto na mesma medida do raio do seu círculo, coloque a ponta seca bem onde seu risquinho se encontra com o círculo e faça um semicírculo ligando as duas extremidades (repare que a linha passa exatamente no centro do círculo). 255 Após esta primeira etapa, a Oficina de Decoração Natalina passou por um processo de teste, quando foi oferecida inicialmente para os bolsistas do PIBID/Matemática, do Programa de Educação Tutorial (PET) Matemática e para os alunos da disciplina Laboratório de Ensino de Matemática e Estatística, recebendo sugestões e os ajustes necessários. Finalmente, em colaboração com o grupo PET Matemática Araguaia, esta oficina foi oferecidas em três instituições, localizadas em diferentes cidades mato-grossenses. Foto 1: oficina-teste, realizada com bolsistas PIBID e PET no Laboratório de Educação Matemática do Campus do Araguaia/UFMT Nas ocasiões em que a oficina foi oferecida aos estudantes e seus pais, ao construirmos cada um dos objetos decorativos, chamávamos a atenção para os conceitos matemáticos utilizados. Por exemplo, ao construirmos uma guirlanda, explicávamos sobre os elementos que definem um círculo e solicitávamos a construção de círculos concêntricos. Na construção de flores, destacámos os vários tipos de simetria. 256 Fotos 2 e 3: objetos decorativos construídos nas oficinas. Na oficina para os professores de matemática em formação inicial e continuada, buscamos ser mais rigorosos na abordagem dos conceitos geométricos e também colocamos em discussão questões tais como a interdisciplinaridade e a necessidade de maior integração entre universidade e escola e entre esta e a comunidade na qual está inserida. Foto 4: realização da oficina para mães de alunos, na Escola Estadual Antônio Nonato Rocha Assim, argumentamos, de forma prática, que é possível modificar crenças e atitudes negativas com relação à disciplina, quando aliamos seu ensino à confecção de artesanato. Também ficou explícita a importância da interdisciplinaridade no ensino-aprendizagem, relacionando as disciplinas em prol de uma construção mais consistente do saber, sem deixar de destacar as características de cada uma delas. 257 Avaliação dos resultados Aos professores de matemática em exercício, a oficina proporcionou sugestões de aulas sobre temas da Geometria e, também, meios para cultivar o gosto estético dos estudantes. Nestas ocasiões, nós, ministrantes, tivemos que lidar, de modo especial, com a dificuldade de alguns participantes, notadamente aqueles que atuam no Ensino Fundamental I, em compreender os conceitos matemáticos e relacioná-los ao artesanato natalino. Mas, com as peças finalizadas, tais relações puderam ser visualizadas com mais clareza. Quando oferecidas para os estudantes e seus pais, além de salientarmos o uso da matemática no cotidiano, enfatizamos que as peças também poderiam tornar-se elementos de renda para a família. E os pais e alunos puderam nessa oficina sanar algumas dúvidas sobre Geometria e relataram a surpresa de poder aprender através de trabalhos manuais. Cabe destacar que a maioria dos que participaram desta atividade falaram do desejo de estar em outras oficinas oferecidas pelo grupo PIBID e também dar continuidade à confecção de artesanato, o que evidencia a eficácia de nossa ação. No oferecimento da oficina para os licenciandos em Matemática do CUA/UFMT, foi possível não apenas relacionar teoria e prática na exploração de conceitos matemáticos, mas também discutir métodos de ensino de matemática e a atuação em escolas públicas e em ambientes não-formais de ensino-aprendizagem. Ao término de cada seção da oficina, os participantes elogiaram o trabalho. Para nós, ministrantes, foi muito gratificante observar que o trabalho teve êxito e que os nossos objetivos foram alcançados, mas concluímos que um dos nossos maiores aprendizados foi decorrente da experiência de trabalhar um mesmo tema com um público tão diversificado. Considerações finais Educar é uma função que recai, em especial, sobre a família e a escola. Em vista disto, considera-se que, quanto mais estreita for essa relação, melhor será o resultado, pois é a partir do diálogo com a comunidade que se dará a construção da escola cidadã. Esta maneira de pensar tem levado os professores a inventar e propor novas formas de construir e compartilhar conhecimentos e responsabilidades com os pais dos alunos. Por sua vez, em seu cerne, o PIBID preocupa-se com a integração entre Universidade e Escola. Esta preocupação com o ensino-aprendizagem da matemática e com a integração entre universidade/escola/comunidade deu origem à experi258 ência aqui relatada. Entretanto, no decorrer do trabalho, vislumbramos que a oficina de Geometria Natalina poderia incitar os professores e licenciandos que se envolvessem na atividade a usar novos métodos de ensino, capazes de abordar conteúdos matemáticos na resolução de problemas cotidianos e, em paralelo, envolver a confecção de artesanato. Esta pode ser uma alternativa metodológica importante quando sabemos que muitas escolas brasileiras sofrem com a falta de infraestrutura. Essa oficina, através da junção entre Matemática e Artesanato, permitiu que os participantes expusessem seus saberes e suas dúvidas diante do conteúdo sobre geometria. Ela também contribuiu para a nossa formação docente, posto que, revendo em cada peça de artesanato os conceitos de geometria presentes nelas, pensávamos sobre a melhor forma de proporcionar aos participantes a oportunidade de abordar aqueles conceitos matemáticos. Mas, finalmente, podemos dizer que, para nós que ministramos a oficina, ver os resultados positivos que obtivemos tem sido importante para continuar buscando novas formas de ensinar a Matemática, em especial, de forma dinamizada e interagindo com outros saberes, outros fazeres e outras disciplinas. Referências ALMEIDA, Cínthia Soares de. Dificuldades de aprendizagem em Matemática e a percepção dos professores em relação a fatores associados ao insucesso nesta área, Artigo (Trabalho de Conclusão do Curso de Matemática) Universidade Católica de Brasília-UCB, Brasília, 2006. Disponível em <http://www.ucb.br/sites/100/103/TCC/12006/CinthiaSoaresdeAlmeida.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2012 BERTONI, Nilza Eigenheer; BATISTA, Carmyra Oliveira; MUNIZ, Cristiano Alberto; SILVA, Erondina Barbosa da; AMORIM, Jodette Guilherme; SANTOS, Maria Auxiliadora A. dos; GASPAR, Maria Terezinha Jesus; BACCARIN Sandra Aparecida de Oliveira; Geometria Natalina-Exposição, Oficinas, Bazar. In: IX ENEM (Encontro Nacional de Educação Matemática - 9), Belo Horizonte, 2007. Disponível em <http://www.sbem.com.br/files/ ix_enem/Html/posteres.html>. Acesso em: 27 abr. 2012. PILETTI, Nelson. Escola e comunidade: uma interação necessária. São Paulo: Ática Scipione, 2012. Disponível em <http://blog.aticascipione.com. br/gestao-escolar-2/escola-comunidade-uma-interacao-necessaria-nelson-piletti> Acesso em: 27 abr. 2012. 259 2.13 OFICINA “O CORPO HUMANO COMO RECURSO MUSICAL” Robson Emanuel Pinheiro Leão Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Música/Cuiabá Rita de Cássia Domingues Santos Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Música/Cuiabá Um dos eixos norteadores do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência é a interdisciplinaridade. Visando a atendê-la, os subprojetos de Música e Biologia da UFMT se uniram para desenvolver a oficina “O Corpo Humano como Recurso Musical”, pretendendo, através da expressão musical e da ludicidade, promover a consciência corporal, unindo cultura e educação numa ação integrada para a educação interdisciplinar e em prol de uma vida saudável e prazerosa. A educação contemporânea, como foi abordado em Educação: Um Tesouro a Descobrir (DELORS et al, 1998), relatório da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI, editado em 1998 pelas Edições Unesco Brasil, manifesta a necessidade de romper com modelos tradicionais para o ensino. Nesse contexto, a interdisciplinaridade se apresenta como espaço propício para novas abordagens de ensino. Para entender interdisciplinaridade, é necessário compreender o conceito de disciplinar. A disciplina é uma forma de organizar por secções os conteúdos e pensar em métodos para a transmissão desse conhecimento. Para Fortes (2012), a forma disciplinar de ensino apresenta problemas, pois “dificulta a aprendizagem do aluno, não estimula ao desenvolvimento da inteligência, de resolver problemas e estabelecer conexões entre os fatos, conceitos, isto é, de pensar sobre o que está sendo estudado” (FORTES, 2012, p. 3). A interdisciplinaridade caracteriza-se, dentre outros, pela interação entre as disciplinas, ou seja, a interdisciplinaridade não tem o objetivo de criar uma nova disciplina, mas de utilizar várias áreas de conhecimento para resolver um único problema. A interdisciplinaridade não dilui as disciplinas, ao contrário, mantém sua individualidade. Mas integra as disciplinas a partir da compreensão das múltiplas causas ou fatores que intervêm sobre a realidade e trabalha todas as linguagens necessárias para a constituição de conhecimentos, comunicação e negociação de significados e registro sistemático dos resultados (BRASIL, 1999 apud FORTES, 2012, p. 4). 260 O currículo deve contemplar conteúdos e estratégias que capacitem o aluno para a vida em sociedade, visando à cidadania. As disciplinas isolam o objeto do seu meio e isolam partes de um todo, enquanto a interdisciplinaridade propõe ligações de complementaridade, convergência, interconexões e passagens entre os conhecimentos. Um dos objetivos principais do PIBID é o desenvolvimento de trabalhos interdisciplinares; sendo assim, os subprojetos de Música e Biologia se uniram para a realização de um projeto com este cunho. Todas as etapas do desenvolvimento da oficina serão retratadas aqui, assim como suas bases teóricas. O PIBID de Música possui dez bolsistas e uma voluntária e é coordenado pela professora da área de estágio da licenciatura em Música, Rita Domingues. O subprojeto de música atua prioritariamente na Escola Estadual Liceu Cuiabano, na região central de Cuiabá, que oferta apenas o ensino médio. As intervenções ocorreram nas aulas de Artes dos primeiros anos. Algumas aulas foram ministradas pela professora de Artes da instituição e outras pelos bolsistas de Música, atuando em duplas em sala de aula. Outras frentes de atuação são as oficinas, ofertadas aos alunos uma vez na semana. São elas: Banda Pop Liceu Cuiabano, Coralic, Grupo de Flautas Doces e Grupo de Violões, sendo os bolsistas divididos de acordo com suas aptidões musicais para essas oficinas. No segundo semestre de 2013, iniciamos a parceria na escola Raimundo Pinheiro com o PIBID de Inglês da UFMT, coordenado pela professora Drª Eladyr Maria Noberto da Silva. Para o desenvolvimento de ações interdisciplinares, foram feitas em 2013 três parcerias, sendo uma dessas ações com a própria escola Liceu Cuiabano. O projeto “Viagem ao conhecimento através dos continentes” foi um trabalho desenvolvido por todas as disciplinas dessa escola e o subprojeto de Música tinha como produto final a apresentação musical para a comunidade escolar sobre os continentes. Outra ação foi realizada entre os PIBIDs de Música e Pedagogia da UFMT, para apoio às pedagogas na sua docência sobre música nos anos iniciais e posterior confecção de uma apostila de musicalização infantil, a ser ministrada por pedagogos na aula de Artes das escolas públicas. A terceira parceria foi com o Subprojeto Biologia para a realização da oficina relatada neste texto. O PIBID de Biologia, sob a orientação da professora Jane Vignado, possui atualmente quatro bolsistas e dois voluntários que atuam na Escola Estadual André Avelino Ribeiro, no bairro do Centro Político Administrativo de Cuiabá, escola que também oferta apenas o Ensino Médio. A atuação do subprojeto de Biologia ocorre através de intervenções esporádicas nas aulas de Biologia, com práticas pedagógicas em sala e em laboratórios equipados para práticas dessa área; além disso, os bolsistas desenvolve261 ram o projeto de horta na escola, no qual os alunos que apresentam interesse cuidam da horta no contraturno de suas aulas. Para ações interdisciplinares na escola André Avelino, foram realizadas parcerias entre os PIBIDs de Biologia e Matemática para a realização de um workshop, com a oferta de seis minicursos ao longo de um dia e também a parceria com o PIBID de Música, para realização da oficina “O Corpo Humano como Recurso Musical”. Na elaboração e execução dessa oficina foram envolvidos quatro bolsistas do subprojeto de Música: Anderson Cardoso Mendes, Gleciane Oliveira Freitas, Kaleb Pereira Rios e Robson Emanuel Pinheiro Leão; do curso de Biologia, o bolsista Mackson Alexandre. A concepção desse projeto foi baseada nas ideias de Paulo Freire (1996) e Humberto Maturana (1984). Freire (1996) destaca que a educação é ideológica, tem poder de tornar algo real mesmo que não seja, porém, dialógica, ou seja, ensinar não é repassar conhecimentos, mas potencializar o diálogo, o trabalho coletivo e colaborativo na construção de conhecimentos. Além disso, Paulo Freire acredita que apenas o próprio indivíduo é capaz de libertar-se por meio da autoconfiguração, tornando-se ser autônomo. No entanto, é necessário que seja lhe dada a oportunidade da libertação. Zatti (2007), ao se referir a Freire, afirma: Ao se libertarem pela autoconfiguração responsável, os homens estão fazendo-se autônomos, pois estão suprimindo situações que limitavam sua autonomia e ao mesmo tempo fazendo-se por si mesmos. Há então, uma relação entre libertação e autonomia, na medida em que a libertação das condições opressoras possibilita o aumento do poder de se autodeterminar, de ser para si, e consequentemente do poder de ser autônomo (ZATTI, 2007, p. 60). Paulo Freire, com suas ideias, supera o pensamento de que há um sujeito ativo, o professor, e outro passivo, o aluno, no processo de aprendizagem. Para ele, a educação é dialógica: “Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1983, apud ZATTI, 2007, p. 61). Freire também destaca a importância de se respeitarem os saberes que os alunos já possuem ao chegarem à escola e, a partir deles, desenvolver novos conceitos, novos conhecimentos: “Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de [...] respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela” (FREIRE, 1996, p. 16). 262 Maturana (1984), em convergência com Freire, acredita na autonomia do homem, defendendo a Autopoiesis, característica de um sistema capaz de se autoconfigurar. Esse autor não considera o meio como fator determinante para o sistema, porém um agente ativo na transformação do homem. Sob o ponto de vista de Maturana, há um determinismo biológico, porém este é dinâmico e mutável. Andrade (2012), baseado nos estudos de Maturana e Vilela, diz que viver é conhecer e, sobre isso, comenta: Entender, pois, que viver é conhecer torna ainda mais necessários os estudos epistemológicos por ressaltar a importância do conhecimento, como algo constitutivo da própria existência. Nisto consiste uma análise que considera a vida, e toda a complexa rede que a envolve, como a linguagem, a razão e a emoção, enquanto objetos de estudo da epistemologia, a partir da experiência do homem na linguagem e, por conseguinte, nas relações humanas (ANDRADE, 2012, p. 100). Logo, o ser humano está carregado de aprendizados, informações e conceitos formados ao longo de sua existência e interação com o meio, ou seja, para o educador, é necessário utilizar essa carga intelectual para o desenvolvimento de novos saberes. Sob os princípios de Paulo Freire e de Humberto Maturana, desenvolvemos a oficina. Nossa integração teve início no mês de março de 2013, com o estudo de alguns textos para despertar os interesses em comum da equipe de trabalho. Foram discutidos os temas ciência e fé (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1993), abordado pelo bolsista de música Kaleb Rios e pela coordenadora de biologia Jane Vignado, e estudos culturais (ESCOSTEGUY, 2006), explanado pelo bolsista de Música, Robson Leão e pelo de biologia, Mackson Alexandre. O primeiro tema teve como objetivo despertar-nos para a possibilidade de interdisciplinaridade, mesmo entre assuntos que pareçam contrastantes, já que é um tema sobre o qual todos, cada um a sua maneira, compartilhavam conceitos e princípios. O segundo tema visou à humanização e integração dos integrantes do grupo e também ao preparo para a melhor recepção nos diferentes contextos onde iríamos atuar, já que o Liceu Cuiabano possui estrutura privilegiada, por ser um patrimônio histórico-cultural, enquanto a Escola André Avelino não recebe os mesmos benefícios. A oficina compreendeu os conceitos de som, ruído, silêncio e ecologia sonora, fundamentados em Schafer (1991), anátomo-fisiologia dos sistemas auditivo e respiratório (DUARTE, 2009), aparelho fonador, as inter-relações entre voz falada e cantada (ANDRADE; FONTOURA; CIELO, 2007), respiração diafragmática, colocação da voz, projeção e cuidados com a voz (BEHLAU; PONTES, 1995). 263 Após estas etapas, havia o momento da prática do canto aliado à percussão corporal com as músicas “Napue” (Thelma Chan), “Tal Tatu (parlenda com arranjo de Sonia Ray)”, “Duas Cirandas” (folclore do Recife), “Carimbó (Lilia Valente)”, “Kukaburra” (folclore italiano), “Baião de ninar” (Edino Kreiger), “É Preciso Saber Viver” (Roberto Carlos) e “Tempos Modernos” (Lulu Santos). A oficina era iniciada com as explicações teóricas sobre som, ruído, silêncio, o funcionamento do corpo humano relacionado à audição e à fala, a técnica vocal com respiração e vocalises e, por fim, a prática musical. Em todas as apresentações da oficina foram utilizados caixa de som, violão, projetor multimídia e computador. Explicação do aparelho fonador pelos bolsistas Kaleb Rios (Música) e Mackson Alexandre (Biologia), na E. E. André Avelino – 15 de junho de 2013. Nossa primeira atuação foi em vinte e cinco de maio de 2013, na Sala de Educador da Escola Estadual Liceu Cuiabano “Maria de Arruda Müller”, com duração de três horas e meia. Nesse dia, o público foi exclusivamente de professores, coordenadores e direção da escola, havendo cerca de 30 participantes. Os professores demonstraram interesse, pois o assunto faz parte do cotidiano e professores, assim como cantores, são considerados profissionais da voz. Muitos deles já haviam tido algum problema nas pregas vocais ou ao menos sentiam dor, apresentando rouquidão após um dia cansativo de aulas. 264 Bolsista Robson Leão (voz e percussão corporal) - 25 de maio de 2013, na Escola Estadual Liceu Cuiabano. Para esse dia em especial, foram distribuídas cartilhas de saúde vocal, elaboradas pelos próprios bolsistas, para que os ensinamentos daquela oficina fossem de fato aplicados no ofício dos docentes. Nas semanas posteriores à oficina, muitos professores procuraram os bolsistas pelos corredores da escola para manifestar a satisfação pela oferta da oficina e comentar os resultados positivos, como não sentir mais dor nas pregas vocais após as aulas e sentir-se menos cansado ao fim do dia de trabalho. Alunos com o bolsista de Música, Anderson Cardoso, na Escola Estadual André Avelino – 07 de julho de 2013. 265 Na Escola Estadual André Avelino Ribeiro, fizemos a segunda atuação no dia quinze de junho de 2013, com duração de três horas; nosso público foram alunos de diferentes anos. Nessa primeira oficina na escola André Avelino, houve problemas de divulgação e apenas cerca de dez alunos compareceram à escola. Os presentes demonstraram satisfação em participar da oficina, principalmente em relação à percussão corporal, pois a maioria fazia parte da banda de percussão da escola. A terceira oficina foi ministrada na disciplina “Atividades Rítmicas, Expressivas e Danças”, do curso de Educação Física da UFMT, no dia vinte e cinco de junho de 2013. Essa foi uma pequena intervenção do PIBID na disciplina, com duração de duas horas. O público foram cerca de trinta alunos do segundo semestre de Educação Física. Todos foram bastante atenciosos e se mostraram abertos às atividades propostas. Para cumprir o horário, foi diminuído o tempo de explicação teórica e exercícios relacionados à técnica vocal, pois o enfoque maior, em relação à disciplina, era a percussão corporal. Ao fim da oficina, muitos alunos vieram manifestar gratidão pelo curso ofertado. Devido às falhas de divulgação quando ofertamos a oficina pela primeira vez na escola André Avelino, apareceram poucos alunos naquela ocasião, dia quinze de junho de 2013. Fomos convidados pela supervisora do PIBID na escola, professora Mônica, a retornar. Pela segunda vez, então, oferecemos a oficina na escola, no dia sete de julho, com duração de três horas. Nesse dia estiveram presente cerca de vinte alunos de diferentes anos do Ensino Médio. A oficina ocorreu tranquilamente e houve bastante aplicação dos alunos nas atividades musicais propostas. Alunos realizando exercícios de respiração diafragmática, na Escola Estadual André Avelino – 07 de julho de 2013. 266 A última atuação desse grupo de integração ocorreu no Seminário de Educação – SEMIEDU 2013 da UFMT, nos dias onze e doze de setembro de 2013, com duração total de quatro horas. Nessa oficina, como tínhamos maior carga horária e com distribuição em dois dias, fizemos alguns enxertos na estrutura da atividade. Para o primeiro dia, explicamos a teoria sobre som, ruído, silêncio, ecologia sonora e sistema auditivo e, em seguida, algumas atividades de percussão corporal. Para o segundo dia, preparamos a parte teórica sobre sistema respiratório e aparelho fonador, exercícios de respiração diafragmática, algumas atividades de pulso baseadas na pedagogia de Jaques-Dalcroze (1925) e o repertório de canto e percussão corporal. A resposta do público foi positiva; participaram alunos da UFMT e professores de diferentes cidades de Mato Grosso. Uma professora da cidade de Denise solicitou que fôssemos ministrar essa oficina no seu município, possibilidade que estamos estudando. Para os bolsistas envolvidos neste projeto, todas essas experiências colaboraram para o desenvolvimento de inteligências intrapessoal e interpessoal, foram desenvolvidos novos conceitos teóricos, houve transferência de conteúdos entre um curso e outro. Para o PIBID de Biologia, foi proporcionada a oportunidade de conhecer as técnicas de uso da respiração e da voz vinculadas à arte, e para os bolsistas de Música houve a possibilidade de teorizar sobre conceitos que, por vezes, foram empíricos, devido à deficiência na formação relacionada à anátomo-fisiologia do corpo humano. Enquanto futuros docentes, puderam experimentar turmas de distintas faixas etárias, em diversos ambientes, com diferentes objetivos. Foi possível vivenciar dinâmicas e reações diferenciadas em cada oficina ministrada. Considerações finais A oficina, além de atender às necessidades do público-alvo, também teve por objetivo propiciar o aprendizado da docência aos acadêmicos bolsistas, através da experiência, pois alguns dos objetivos do PIBID são: elevar a qualidade da formação inicial de professores e inserir os licenciados no cotidiano das escolas públicas através de experiências metodológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar (BRASIL, 2013). Os bolsistas, com a assistência das coordenadoras dos subprojetos envolvidas e das supervisoras das instituições contempladas pela oficina, vivenciaram distintas realidades com diferentes turmas e puderam observar como as experiências que cada aluno traz para a sala de aula torna diferente a abordagem do mesmo conteúdo programado, o que reafirma 267 as ideias de Freire (1996) e Maturana (1984), quando defendem a necessidade de dar importância aos saberes que os alunos carregam de suas experiências anteriores e, a partir deles, construir novos saberes. Referências ANDRADE, Claudia Castro de. A fenomenologia da percepção a partir da autopoiesis de Humberto Maturana e Francisco Varela. GRIOT – Revista de Filosofia. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Vl. 6, n. 2, 2012 Disponível em: <http://www.ufrb.edu.br/griot/images/vol6-n2/8-A_FENOMENOLOGIA_DA_PERCEPCAO_A_PARTIR_DA_AUTOPOIESIS_ DE_HUMBERTO_MATURANA_E_FRANCISCO_VARELA-_Claudia_Castro_de_Andrade.pdf>. Acessado em: 04 out. 2013. ANDRADE, S.; CIELO, C.; FONTOURA, D. Inter-relações entre fonoaudiologia e canto. Universidade de Goiás. Disponível em: <https://www. revistas.ufg.br/index.php/musica/article/view/1758/12190>. Acessado em: 05 out. 2013. BEHLAU, M. S.; PONTES, P. Avaliações e Tratamento das Disfônicas. São Paulo: Lovise, 1995. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ministério da educação. Brasília, 1999. BRASIL. PIBID – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid>. Acessado em: 06 out. 2013. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 3 ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria, 1993. DELORS, J. et. al. Educação: um tesouro a descobrir. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em: <http://www.pucsp.br/ecopolitica/documentos/cultura_da_paz/docs/Dellors_alli_Relatorio_Unesco_ Educacao_tesouro_descobrir_2008.pdf>. Acesso em: 05 out. 2013. DUARTE, H. E. Anatomia Humana. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.cos.ufrj.br/~alfredo/classnotes/LUIS%20ALFREDO%20Livro_ Anatomia_Humana_Professor_Hamilton.pdf>. Acessado em: 05 out. 2013. 268 ESCOSTEGUY, A. C. Estudos Culturais. CARTOGRAFIAS: website de estudos culturais. Disponível em: <http://www.pucrs.br//famecos/pos/cartografias/teoria.php>. Acessado em: 04 out. 2013. FORTES, C. C. Interdisciplinaridade: origem, conceito e valor. Faculdade do Vale do Juruena. Disponível em: <http://www.pos.ajes.edu.br/arquivos/ referencial_20120517101423.pdf>. Acessado em: 04 out. 2013. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://plataforma.redesan.ufrgs.br/biblioteca/ pdf_bib.php?COD_ARQUIVO=17338>. Acessado em: 04 out. 2013. JAQUES-DALCROZE, E. Ritmo, Música e Educazione. Milão: Ulrico Hoepli Ed., 1925. MATURANA, H. R.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do entendimento humano. Campinas, Psy II, 1995. SCHAFER, R. M. O ouvido Pensante. São Paulo. Tradução de Marisa Fonterrada. Fundação Editora da UNESP,1991. ZATTI, V. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomiaeeducacao.pdf >. Acessado em: 05 out. 2013. 269 2.14 PIBID DE MÚSICA NO LICEU CUIABANO: AÇÕES E REFLEXÕES Gesiel da Silva Leonel Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Músic/Cuiabá Rita de Cássia Domingues Santos Professora coordenadora do PIBID/Música/Cuiabá Introdução A interdisciplinaridade permeia todas as atividades do trabalho que vem sendo realizado pelo PIBID de Música, no Liceu Cuiabano. Em todo processo pedagógico levado a cabo nas escolas, a interdisciplinaridade é vista como fator preponderante, algo que deve estar impregnado no contexto escolar. Consideramos a interdisciplinaridade como o trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento (NOGUEIRA, 2008). Pensando nessa proposta, o PIBID de Música desenvolveu todas as suas ações com esse olhar interdisciplinar. Segundo autores como Carvalho (1988, apud FUCCI-AMATO, 2012), a cooperação de diferentes áreas com aplicação de métodos variados pode ser vista como interdisciplinaridade. O que deve ocorrer não é a simples cooperação sem a intercomunicação, mas uma relação direta com o aprendizado de diferentes áreas e soluções que acrescentem aos pesquisadores de diferentes áreas, sejam eles alunos ou professores. Klein (1990, apud FUCCI-AMATO, 2012) ressalta a interdisciplinaridade como uma lembrança de algo que ficou para trás, sendo hoje a especialização o “foco”. Diante disso, perdemos a oportunidade de termos vários métodos e um conhecimento amplo em relação a várias disciplinas, todas servindo a nosso favor nos variados contextos. A partir desse pressuposto, os pibidianos de música recuperam a visão positiva sobre interdisciplinaridade em suas atividades, que se dividem em corais, conjuntos mistos, oficinas itinerantes, aulas em sala, entre outras que permeiam o fazer musical. Semanalmente, os 15 bolsistas se reúnem na UFMT com a coordenadora, para planejamento das diversas ações e estudos de teóricos, tanto da formação de professores ─ como Mizukami (2006), Garcia (1999) e Clandinin e Connely (2011) ─ quanto teóricos da interdisciplinaridade ─ como Nogueira (1998), Zampronha (2006), Fucci-Amato (2012) e Granja (2006) e para estudar os teóricos da Educação Musical ─ como Swanwick 270 (2003), Hentschke (2006), Sobreira (2008) e Beineke (2001). Frequentemente, são convidados pesquisadores e estudiosos das áreas da Educação ou da Música para ministrar palestras e/ou oficinas para formação dos pibidianos, como profª Dra Jorcelina Fernandes (IE –UFMT), profª Tássia Costa (especialista no método Dalcroze), prof. Tarcisio Sobreira (especialista no método O Passo). A construção de conhecimento pedagógico musical requer tempo e oportunidades para repensar o papel do professor, suas práticas e vencer resistências diante das exigências sócio-históricas. Ela é uma das vias de aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores (MIZUKAMI, 2006). Neste relato, descreveremos oportunidades que tivemos para a construção do nosso conhecimento pedagógico no primeiro ano de atuação do PIBID da licenciatura em Música, sendo que a maioria das ações que serão aqui descritas foram executadas na Escola Estadual Liceu Cuiabano “Maria de Arruda Muller”. Esta instituição de ensino é a mais antiga escola de Cuiabá; atualmente tem apenas o Ensino Médio nos três períodos e vem se destacando na implantação de ações de Novas Políticas de Educação, o que está registrado no seu Projeto Político Pedagógico: Nos dias de hoje, o grande desafio é a qualidade de inovação. Para buscar, dia-a-dia, a qualidade, a Escola Liceu Cuiabano vem buscando desenvolver projetos que possibilitem aos educandos novas interações em um mundo globalizado, aliando tradição/inovação para proporcionar qualidade de ensino (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2007, p.5). Reunião com alunos para relato de experiência. 271 Observa-se que esta política está refletida nas ações concretas da Escola na comunidade escolar, sendo considerada pela maioria dos cidadãos cuiabanos como referência em excelência de ensino. Nos últimos anos, observa-se fila enorme nos arredores da Escola na véspera do dia inicial de matrícula de alunos novos, com os pais ou responsáveis pernoitando numa fila, acampados ao redor do estabelecimento de ensino, para conseguir vaga no Ensino Médio. Este estabelecimento de ensino apresenta os seus indicadores de aproveitamento anual geral – 2012, para os primeiros anos – da seguinte forma: 46,28% aprovados; 30,67% aprovados PP1; 13,57% reprovados; 9,48% abandono, para um total de 538 alunos matriculados nesta série, e ocupa o 36º lugar no Estado de Mato Grosso no ENEM 2011. Como se observa, há uma pré-existente preocupação da direção do estabelecimento com a qualidade do ensino proporcionado. Atuação dos pibidianos em sala de aula no colégio Liceu Cuiabano. Neste relato, explanaremos o questionário diagnóstico que foi aplicado no primeiro bimestre de 2013 e traremos ações que são executadas nesta escola, como as aulas quinzenais na disciplina ARTES e as oficinas de flauta doce, banda POP e o CORALIC, assim como o projeto interdisciplinar Viagem do Conhecimento através dos Continentes. Deixaremos para narrar sobre outras ações de integração com os PIBIDs de Pedagogia e de Biologia em outros relatos de experiência. 1 PP = Progressão Parcial, ou seja, o aluno que estiver com notas abaixo da média em quatro disciplinas no final do ano poderá passar para a série seguinte, mas estudará mais os conteúdos que ficou devendo do ano anterior e terá outras avaliações ou trabalhos que atestem o seu aprendizado para seguir normalmente seus estudos. No caso de cinco disciplinas abaixo do índice de aprovação, o aluno já é considerado reprovado. 272 Ações diagnósticas No primeiro semestre de 2013, duas bolsistas fizeram a análise de quatro tópicos do questionário diagnóstico realizado com os alunos dos primeiros anos do Ensino Médio, em março de 2013, sendo que no mês de outubro esse trabalho foi apresentado no IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, em Curitiba-PR. Essa pesquisa procurou investigar os desejos e as preferências desses jovens para a disciplina Música, suas expectativas e seus consumos musicais (gêneros musicais, teoria musical, execuções instrumentais, aprendizado de instrumentos etc.). Como é recente a inclusão da Música nas Escolas, a experiência de avaliação diagnóstica ajuda a orientar as aulas para uma aprendizagem que seja significativa para os alunos da nossa região. Toda essa ação foi elaborada pelos bolsistas do PIBID. No diagnóstico, eram solicitados nome completo, idade, sexo, classe, data, e constavam onze perguntas sobre o gosto musical e a prática musical vivenciada pelos alunos. No trabalho, foi possível inferir, através das respostas dadas por eles, que sua expectativa em relação à aprendizagem de música na escola é primordialmente abrangida pelo caráter procedimental2. Conteúdo música nas aulas de artes A inclusão da música no currículo das escolas públicas se deu com a Lei n° 9.394/96 (BRASIL, 1996), declarando que o ensino de arte deverá ser componente obrigatório na Educação Básica, sendo que a Lei n° 11.769/2008 (BRASIL, 2008) estabelece a obrigatoriedade do ensino de Música na Educação Básica. Apesar de a lei estar em vigor, ainda há dificuldades a serem superadas quanto ao ensino de música nas escolas. Sobreira (2008) alerta que deve haver uma mudança na concepção da música como atividade periférica, para que a obrigatoriedade do ensino tenha eficácia. A atuação do PIBID em sala de aula no Colégio Liceu Cuiabano acontece quinzenalmente, intercalada com as aulas de artes: em uma semana a professora de Artes atua; na outra semana, uma dupla de bolsista PIBID ministra o conteúdo de música. As aulas são todas ministradas no período matutino com as turmas dos primeiros anos do Ensino Médio. No ano de 2013, somaram-se mais de 10 aulas, todas dedicadas ao conteúdo exclusivo de música. 2 Estamos considerando caráter procedimental da música baseados na classificação de conteúdos de aprendizagem que Merrill (1983) usa, distribuindo-os em três grandes grupos: conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Maiores explicações: “Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula” (ZABALA, 1999). 273 Esse conteúdo de música abordado em sala complementa a ementa do curso de artes desenvolvido na escola. Para que todo esse trabalho fique registrado e sirva para outras turmas do primeiro ano da Escola Liceu Cuiabano, os pibidianos iniciaram a pesquisa para a criação da apostila de música, com o objetivo de estabelecer parâmetros para o ensino de música, paralelamente ao contexto histórico trabalhado na disciplina de artes. Todo o material tem embasamento histórico em Grout e Palisca (1994), dentre outros autores. CORALIC – Coral do Liceu Cuiabano O CORALIC, coral de vozes mistas formado por alunos de todos os períodos do Colégio, é um dos projetos em execução no Liceu Cuiabano, sob a atual regência de um dos bolsistas deste PIBID, Robson Leão. Esse coral já estava em funcionamento quando o PIBID de Música iniciou seus trabalhos na escola; porém, a partir daí, foram retomadas as apresentações e concertos para a comunidade escolar, além do fomento à participação de novos integrantes. Ao todo, são trinta alunos do colégio Liceu Cuiabano que participam das atividades do coro. Todos eles desempenham atividades com a voz, exercícios de vocalize, além do canto do repertório, que para a temporada 2013 compreendeu as músicas: Vamos Fugir – Skank , Vagalumes – Airplanes, Haleluia – Michael W. Smith, Asas – Mascavo, além de um medley com canções típicas cuiabanas Apresentação do Coralic no Seminário Integrador 2013 na UFMT. 274 O objetivo geral do CORALIC é desenvolver as inteligências inter e intrapessoais, e também a inteligência musical, através da prática coral. Os objetivos específicos são o desenvolvimento da criatividade, da acuidade vocal, da percepção auditiva, da respiração diafragmática e intercostal e dos sensos crítico e estético, sendo o trabalho embasado em teóricos como Swanwick (2003) e Granja (2006). No segundo semestre de 2013, iniciaram-se os trabalhos de teoria musical com os componentes do coro, no intuito de fortalecer a musicalidade e capacitá-los à leitura musical, proporcionando uma melhoria significativa no fazer musical. Naquele momento, todos os bolsistas do PIBID de Música estavam aprendendo o repertório do coral para apoiarmos o coro em suas atividades. A explicação para essa solicitação da coordenadora deve-se ao fato de os colégios estaduais terem estado em greve no segundo semestre de 2013, alterando assim nossas atividades na escola. O único projeto que permaneceu em andamento na escola durante aquele período foi o CORALIC, ficando os demais todos em recesso. Alguns problemas também foram enfrentados pelo regente, o aluno Robson Leão. Quando o mesmo iniciou suas atividades no CORALIC, procurou não interferir no que vinha sendo desempenhado na escola; porém, houve resistência por parte de alguns professores e alunos do próprio Coral. Aos poucos, o bolsista Robson foi ganhando espaço até desempenhar suas atividades de forma competente com um bom número de vozes, contando com total apoio dos alunos da escola Liceu Cuiabano que, inclusive, quiseram continuar com o coral durante a greve. Flauta doce O ensino de flauta doce é mais uma das frentes de trabalho desenvolvidas por parte dos alunos bolsistas do PIBID de Música na escola Liceu Cuiabano. Três dos alunos do PIBID em Música da UFMT ministraram aulas de Flauta Doce Soprano em horário extracurricular, uma vez por semana, dentro do projeto Ensino Médio Inovador. A faixa etária dos alunos que participam da oficina está entre 14 e 18 anos. Todos os alunos participantes são avaliados a cada aula pelos três bolsistas (avaliação processual e contínua). Assim, têm suas notas da oficina de flauta somadas às notas de outras disciplinas, considerando-se a participação desses alunos durante as aulas de flauta. O objetivo dessa oficina é fornecer uma noção geral do instrumento musical, propiciando a técnica básica de digitação e emissão do som no instrumento, com a finalidade de aguçar e educar a percepção auditiva dos alunos. Um dos pontos positivos da oficina é a fácil aquisição do instrumento musical, encontrado em qualquer loja de instrumentos musicais a preço acessível. Neste caso específico, a escola Liceu Cuiabano cede 20 flautas para esta oficina. No início, os bolsistas se depararam com 275 algumas dificuldades quanto à metodologia de ensino, a disparidade da turma com relação à habilidade no instrumento, com diferentes graus de competência dos alunos. O diálogo nas reuniões com outros bolsistas e a assistência da coordenadora de área foram fundamentais para um aprendizado significativo, não só para os bolsistas como também para os alunos do colégio estadual. A partir de estudos dos trabalhos de Beineke (2001) e Hentschke (1993), foram feitas modificações para sanar as dificuldades encontradas pelos pibidianos, como a avaliação por critérios pré-estabelecidos, a divisão da turma em vários níveis e a proposta para apresentação em público, apesar de a turma ser bem tímida. Assim como em outras frentes de trabalho, a Oficina de Flauta Doce sofreu com a justa greve dos professores nas escolas estaduais. Os ensaios ocorriam no horário destinado ao projeto Ensino Médio Inovador. No momento da redação deste relato, os pibidianos aguardam a volta às aulas para retomar as atividades. Banda Pop do Liceu O projeto inicial da Banda Pop do Liceu nasceu no final de 2012. Como a proposta sugeria, de início, a compra de instrumentos musicais e um investimento por parte da escola, fomos orientados pela coordenadora do subprojeto PIBID de Música a atuar em um projeto que estivesse em andamento, a partir do qual poderíamos inserir a música no contexto do trabalho escolar. Apresentação da Banda Pop Liceu Cuiabano, na finalização do Projeto Viagem do Conhecimento através dos Continentes. 276 O projeto Viagem do Conhecimento através dos Continentes foi o escolhido e teve por objetivo propiciar a aprendizagem significativa dos alunos do Ensino Médio sobre a cultura dos continentes através de várias estratégias, inclusive apresentações musicais realizadas no anfiteatro do Colégio. Para tanto, estudamos, nas reuniões em grupo do PIBID no departamento de Artes, alguns teóricos da interdisciplinaridade, como Granja (2006) e Nogueira (1998). Granja (2006) salienta que o foco das atenções na interdisciplinaridade está relacionado à articulação horizontal entre as disciplinas e não diretamente nas pessoas. Baseando-se em argumentos de Machado, afirma: “É preciso ir além das disciplinas situando o conhecimento a serviço dos projetos das pessoas” (Machado, 2002 apud GRANJA, 2006). Granja sugere o uso da música em um contexto intra/transdisciplinar: Faria mais sentido que a Música fizesse parte do currículo escolar num contexto intra e transdisciplinar, onde seja possível não só a articulação transversal com outras disciplinas, mas também contemple uma nova abordagem metodológica, onde a dimensão perceptiva seja valorizada tanto quanto a dimensão conceitual (GRANJA, 2006, p.110). Carvalho (1988 apud FUCCI-AMATO, 2012) salienta que interdisciplinaridade diz respeito a uma coordenação mais acentuada entre as disciplinas, com uma intercomunicação mais efetiva entre pesquisadores de diferentes áreas. Klein (1990 apud FUCCI-AMATO, 2012) descreve a interdisciplinaridade como uma lembrança da inteireza de mundo perdida pela especialização. Para Nogueira (1988), a interdisciplinaridade é o trabalho de integração das diferentes áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e ao planejamento. Com base neste teórico, foi realizada uma parceria entre a UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso – e a Escola Estadual Liceu Cuiabano, com o objetivo de estudar os diferentes contextos musicais de cada continente do nosso planeta. O subprojeto foi elaborado dentro das diretrizes do projeto Viagem do Conhecimento através dos Continentes, que envolveria todos os alunos da escola, sendo cada ano responsável por dois continentes. Para o referido trabalho, foram realizadas várias reuniões com a diretoria e a coordenação da escola, no intuito de direcionar os trabalhos a um projeto que já estivesse em andamento. A interdisciplinaridade norteou toda a proposta a partir do momento em que se iniciaram as pesquisas, o estudo do repertório, a fonética das músicas para o canto, o estudo da geografia cultural dos continentes, entre outros temas abordados. Fazenda (2002, p.8) afirma que a interdis277 ciplinaridade é uma abertura não preconceituosa, postura em que todo conhecimento é igualmente importante, sendo que Japiassu (1976 apud FUCCI-AMATO, 2012) pontua que só a troca de informações entre disciplinas do saber não é suficiente para a interdisciplinaridade. Esta só se efetiva quando a intercomunicação entre áreas do conhecimento provoca mudanças sensíveis nessas próprias áreas e em sua interação. A equipe de professores de diferentes disciplinas trabalhou juntamente com os pibidianos de música com um mesmo propósito: entender a música dos diferentes lugares do mundo. Professores das disciplinas de Inglês, Espanhol, Artes, Português, História atuaram juntamente com os alunos, cada qual relacionando, integrando, as diferentes metodologias disciplinares para o mesmo propósito. Alunos bolsistas do PIBID após uma oficina Dalcroze. As apresentações finais de cada música ocorreram nos dias 03, 04 e 05 de junho, no anfiteatro do Colégio Liceu Cuiabano. Foram observados vários resultados positivos no período compreendido entre os meses de março e junho. Os alunos tiveram uma melhor disciplina, tornaram-se mais proativos, houve uma redução na quantidade de faltas dos alunos envolvidos, entre outras ações benéficas. Todos esses dados foram disponibilizados pela direção da escola. Posteriormente, alguns alunos do Liceu Cuiabano, que compõem a Banda Pop Liceu, apresentaram a parte musical deste projeto no dia 19 de junho de 2013, no Auditório do Centro Cultural da UFMT, campus Cuiabá, no V SEMINÁRIO INTEGRADOR DO PIBID. 278 Considerações finais O objetivo deste relato é apresentar o plano de atividades do PIBID de Música no ano de 2013 e, ao mesmo tempo, promover um debate sobre as práticas pedagógicas interdisciplinares, na busca de propostas pedagógicas que atendam à diversidade de perfis de alunos do ensino médio das escolas públicas cuiabanas. Os alunos do colégio em questão disseram ter conseguido, durante as oficinas do PIBID da licenciatura em Música, agregar conhecimento de outras áreas e não somente da linguagem musical. Foram descobertos vários aspectos positivos, como o fomento à cultura e integração dos alunos na escola, a possibilidade de pesquisa dos alunos em relação aos diferentes contextos musicais no mundo, a motivação da coordenação junto à direção para criação de novos projetos que trabalhem a música como elemento integrador na escola, o aprendizado musical dos alunos através da troca de experiência com os bolsistas do PIBID em Música, entre outros pontos que permeiam nosso trabalho. Em relação aos bolsistas PIBID envolvidos nesta ação, observa-se um contexto de aprendizagem da docência significativa, na qual a todo momento mobilizam-se os saberes pedagógico-musicais docentes, favorecendo a construção da identidade profissional docente dos educadores musicais que atuam neste subprojeto. Referências BEINEKE, V. Teoria e Prática pedagógica: encontros e desencontros na formação do professor. Revista da ABEM, Associação Brasileira de Educação Musical, n. 6, Setembro de 2001. BRASIL. Decreto nº 7.219 de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o programa institucional de bolsa de iniciação à docência - PIBID e dá outras providências. Lex: Ministério da Educação – MEC. Diário Oficial da União, Brasília, 2010, p. 4. CLANDININ D. J.; CONNELLY, F. M. Pesquisa Narrativa: experiências e história em pesquisa qualitativa. Uberlândia: EDUFU, 2011. FUCCI-AMATO, R. Escola e educação musical: (Des)caminhos históricos e horizontes. Campinas: Papirus, 2012. GARCIA, C. M. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. 279 GRANJA, C. E. S. C. Musicalizando a escola: música, conhecimento e educação. São Paulo: Escrituras Editora, 2006. GROUT, D. J.; PALISCA, C. V. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 1994. HENTSCHKE, L. Os saberes docentes na formação do professor: perspectivas teóricas para a educação musical. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006. MIZUKAMI, M. G. N. et al. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigação e formação. 2 reimp. São Carlos: EdUFSCAR, 2006. NOGUEIRA, N. R. Interdisciplinaridade Aplicada. São Paulo: Érica Editora, 1998. PIBID, Música. Pibid de Música UFMT: não divulgada data da matéria. Disponível em: < http://ufmtmusicapibid.blogspot.com.br/>. Acesso em: 01 out. 2013. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO da Escola Estadual Liceu Cuiabano “Maria de Arruda Muller”. CUIABÁ, 2007. SOBREIRA, S. Reflexões sobre a obrigatoriedade da música nas escolas públicas. Revista da Abem, Porto Alegre, n. 20, p. 42-52, set. 2008. SWANWICK, K. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003. ZABALA, A. (Org.) Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto Alegre: Editora Artes Médicas Sul Ltda, 1999. ZAMPRONHA, M. L. S. Arte e Cultura IV: estudos interdisciplinares. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006. 280 2.15 PIBID – AS EXPERIÊNCIAS NO SUBPROJETO DE LICENCIATURA PLENA EM LÍNGUA PORTUGUESA Ewerton Viegas Romeo Miranda Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Português/Cuiabá Lirian Daniela Martini Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Português/Cuiabá Introdução Muitas discussões acontecem, frequentemente, acerca da formação docente e seus reflexos na qualidade do ensino. Os indicadores atuais de educação apontam para a fragilidade do processo de capacitação, que não tem propiciado uma formação adequada aos futuros professores. Dessa forma, percebe-se a necessidade de políticas públicas que contemplem programas de incentivo e inovação do no ato de ensinar. O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) surgiu com o intuito de intensificar e qualificar o processo de formação docente, permitindo aos estudantes dos cursos de licenciatura a vivência no ambiente escolar, antes dos estágios supervisionados e práticos. O PIBID propicia aos graduandos a participação em pesquisas, o planejamento e a oportunidade de executar metodologias inovadoras, atuando efetivamente junto aos educandos. O presente trabalho tem como objetivo relatar a minha experiência adquirida no PIBID, como bolsista do Subprojeto de Licenciatura Plena em Língua Portuguesa da Universidade Federal de Mato Grosso (campus Cuiabá). O subprojeto de Língua Portuguesa (campus Cuiabá) da UFMT teve início no ano de 2010 e, até o ano de 2013, desenvolveu as atividades exclusivamente na Escola Estadual Raimundo Pinheiro, localizada na Av. Fernando Corrêa da Costa, 3610 - Coxipó da Ponte, Cuiabá – MT. A principal justificativa para a realização do projeto em tal instituição está no fato de que, nos últimos anos, durante a realização do estágio supervisionado da disciplina Prática de Ensino em Língua Portuguesa na referida escola, foi possível detectar problemas relacionados à aprendizagem, especificamente ao desenvolvimento da leitura e da produção escrita. Os estagiários observaram nos alunos dificuldades de reflexão e inferências sobre os usos da língua e da linguagem. 281 De acordo com as diretrizes do PIBID\UFMT, esse subprojeto conta com a participação dos discentes bolsistas, totalizando dez, do professor orientador, das professoras supervisoras da escola e dos coordenadores da UFMT. No trabalho serão relatadas as dificuldades enfrentadas e os sucessos alcançados durante os anos de 2011 e 2012, em que desenvolvi atividades no projeto. Relato das Experiências 1º Semestre de 2011 Metodologia Antes da ida à escola para ministrar as aulas de Língua Portuguesa, eram realizados encontros durante a semana, geralmente às terças e quintas-feiras. Durante o período de férias na universidade, os encontros aconteciam na parte da manhã. E depois, com o início das aulas, os encontros passaram a ocorrer no final da tarde. O primeiro encontro aconteceu já nos primeiros dias do mês de janeiro. Senti-me muito à vontade diante dos outros bolsistas, até pelo fato de já conhecer a maioria deles. Uns estudavam na mesma classe que eu. Os outros, eu os via nos corredores do Instituto de Linguagens. Fui apresentado, e os alunos, juntamente com a coordenadora do subprojeto, Profª Drª Denize Dall Bello, contaram-me sobre as atividades que foram desenvolvidas nos anos anteriores. Conforme o relato dos bolsistas a respeito de suas experiências no ano anterior, dentre todos os problemas anotados, destacaram-se os relacionados à dificuldade do uso da linguagem oral durante as discussões orientadas e os ligados à crença de que os livros impressos já não deveriam ocupar um papel único no processo de ensino, tendo em vista os avanços tecnológicos da cultura contemporânea e, consequentemente, o surgimento de diversos suportes de leitura. Assim, revelou-se a dificuldade que os alunos tinham de compreender os movimentos de ligação e de ruptura entre o universo midiático digital e a cultura de papel. Por esse motivo, no ano de 2011, o objetivo foi, então, o de compreender os vínculos entre o uso da língua, a cultura digital e o seu dialeto – muitas vezes – imediatista, funcional e descartável, mas que não deixa de ser instigante. Dessa maneira, iniciamos leituras de textos sobre a sociedade contemporânea, a linguagem, a comunicação e como esses objetos se relacionam com a cultura que se manifesta nos ambientes escolares. 282 Nesse contexto, as obras mais lidas e discutidas por nós foram escritas pelo Roger Chartier, dentre elas, História da Leitura no Mundo Ocidental e Práticas de Leitura. Para esse autor, diferentemente dos que preveem o fim da leitura e dos livros por causa dos computadores, a internet pode ser uma poderosa aliada para manter a cultura escrita. Isso ocorre porque, além de auxiliar no aprendizado, a tecnologia faz circular os textos de forma intensa, aberta e universal, criando um novo tipo de obra literária ou histórica. Finalizadas as leituras e reflexões acerca dos textos, nos preparamos para a entrada no colégio. Fomos divididos em duplas, totalizando cinco. Cada dupla ministraria aulas em uma determinada turma. Fiz parceria com a bolsista Leydiane Ribeiro da Silva, e ficou definido que realizaríamos as atividades com a turma do 1º ano G, durante o período vespertino. A partir da divisão das duplas, a coordenadora estipulou reuniões não mais com todos os integrantes, mas com as duplas separadamente. Esses encontros tinham como objetivo a preparação das aulas. As aulas do 1º ano eram ministradas pela professora Ana Maria Gama. Antes de iniciarmos nossas atividades no colégio, conversamos com a docente, e juntos decidimos os conteúdos que trabalharíamos com os alunos. Ficamos responsáveis por ministrar os conteúdos: gêneros literários (épico, lírico e dramático), gênero textual ‘carta pessoal’ e gênero textual ‘conto’. Então, organizávamos as aulas durante as reuniões. Descrição da Prática No primeiro dia no colégio, eu estava bem nervoso. Tudo era novidade, desde a entrada no espaço da escola, até o momento de adentrar o espaço da sala de aula. Antes de iniciarmos a aula, nos apresentamos e, em seguida, pedimos para que os alunos se apresentassem. Fizemos questionamentos a respeito do gosto literário deles, sobre seus autores e obras preferidas etc. Eles se sentiram à vontade, e eu mais tranquilo. Principiamos, então, o desenvolvimento do conteúdo sobre gêneros literários, explicitando suas características em contraposição às características dos gêneros não literários. Na sequência, explicamos que quanto ao conteúdo (tema) e à estrutura, podemos enquadrar as obras literárias nos gêneros literários épico, dramático e lírico. Não ficamos restritos às formalidades do livro didático. Para facilitar a aprendizagem dos estudantes, apresentamos a eles letras de canções, trechos de filmes e trechos de novelas, pois essas produções artísticas trazem em si peculiaridades desses gêneros e, às vezes, até englobam todos eles numa mesma produção. Assim, as aulas a respeito dos gêneros literários foram bastante proveitosas e os alunos se mostraram muito interessados e participativos. 283 Nas aulas sobre o gênero textual “carta pessoal”, explicitamos os aspectos desse gênero, mostrando exemplos. E, juntamente com eles, respondemos as questões do livro didático. Ao final, levamos envelopes e solicitamos que os alunos que escrevessem uma carta. O destinatário foi escolhido por eles. Grande parte direcionou a carta aos amigos, ou do bairro, ou da própria classe. Ficamos surpresos, pois alguns escreveram cartas para nós, parabenizando-nos pelo trabalho. Quanto ao gênero conto, apresentamos diversos contos curtos e deixamos que os próprios alunos nos dissessem as características encontradas por eles nos textos. Em seguida, fizemos um fechamento das peculiaridades do gênero. Ao final, lemos e discutimos o conto “Venha ver o pôr do sol”, de Lygia Fagundes Telles, solicitando que os alunos continuassem a história ou escrevessem um desfecho diferente. As aulas na escola foram ministradas durante todo o mês de maio, e todas as produções realizadas pelos alunos foram corrigidas, entregues e comentadas. Cabe frisar que, em nossos encontros na universidade, a coordenadora Denize Dall Bello nos orientava sobre o processo de correção dos textos. Resultados e Discussões Ficou visível a alteração de postura dos estudantes diante de aulas diferentes daquelas com as quais eles estavam habituados. Relacionar outras formas de arte, como a música e a dramaturgia, com gêneros literários despertou o interesse e a participação dos alunos. Quanto às produções, pude observar a dificuldade que boa parte deles apresentava quanto à escrita padrão. Inúmeros equívocos foram cometidos em grande parte dos textos, principalmente quanto à ortografia e adequação dos elementos coesivos. Ficou evidente a falta de prática de escrita, visto que boa parte dos alunos introduziu, desenvolveu e concluiu seus textos em pouquíssimas linhas, isso quando conseguiram cumprir sequencialmente esses passos. Uma pequena parcela atendeu a todos os requisitos de um texto e construiu excelentes produções. No que tange à indisciplina, por exemplo, não houve grandes problemas. Os alunos já vinham de um convívio harmônico e disciplinado com a professora regente Ana Maria Gama, que desempenhou um bom papel de orientadora-supervisora e sempre nos ajudou no que foi possível. A interação entre a dupla de bolsistas foi eficaz e prazerosa. Como Leydiane já havia tido a experiência de executar as práticas docentes naquele colégio, ela me passou segurança e tranquilidade, principalmente nos momentos iniciais da minha experiência, além de ser uma pessoa que apresenta um comportamento extremamente agradável, facilitando o convívio e o desenvolvimento do trabalho. 284 2º Semestre de 2011 Metodologia No 2º semestre de 2011, as reuniões com os integrantes principiaram logo após o término das férias da universidade. A ida ao colégio para ministrar as aulas estava prevista para o final do mês de outubro. Durante esse período que se estendeu de agosto a outubro, continuávamos a ler textos referentes aos ambientes virtuais de leitura e escrita e os desafios da escola e do professor diante dos suportes digitais, como a tela dos computadores e de celulares, cada vez mais utilizados pelos alunos, inclusive, dentro de sala de aula. Para tal, estendemos nossas reflexões com leituras de textos da escritora Giselle Beiguelman, além de outras produções de Roger Chartier. Antes da entrada na escola Raimundo Pinheiro, participamos da II Semana Acadêmica da UFMT. Nesse evento, expusemos banners relatando nossas experiências positivas e negativas vivenciadas na escola no primeiro semestre. Além dessa participação acadêmica, o subprojeto de licenciatura de Língua Portuguesa realizou, ainda, dois grandiosos eventos na UFMT. O primeiro foi a Conferência “Arte, Ciência e Ficção”. O convidado foi o professor Jorge de Albuquerque Vieira, doutor em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e que atua, também, como docente na Faculdade de Dança Angel Viana. Ele defendeu o ponto de vista de que a arte é uma estratégia evolutiva e adaptativa da espécie humana e de toda espécie viva. O segundo evento foi o I Ciclo de Conversas “Linguagem em Movimento: a linguagem como percepção do contínuo”. Com a participação de professores de diferentes áreas, o ciclo tratou dos aspectos dinâmicos envolvidos nas concepções de língua e linguagem. Todas essas participações em muito contribuíram para que ampliássemos nosso arcabouço teórico acerca de língua, linguagem, fala e escrita. E, evidentemente, isso influenciou em nosso desempenho posterior em sala de aula. A preparação das aulas que seriam ministradas na escola deu-se no princípio do mês de outubro. Aconteceram reconfigurações no que diz respeito às duplas de bolsistas. Alguns integrantes saíram, outros entraram. Dessa vez, fiz parceria com o bolsista Michael Jhonatan Sousa Santos. Ficamos responsáveis por ministrar, novamente no meu caso, aulas para a turma do 1º Ano G. A professora Ana Maria sugeriu que trabalhássemos as aulas iniciais com um conteúdo gramatical e as aulas restantes com o tema que estávamos discutindo e desenvolvendo no âmbito das 285 reuniões do subprojeto, acerca da leitura e escrita, e estabelecimento de vínculos em contextos virtuais. Quanto ao conteúdo gramatical, escolhemos trabalhar com o uso dos “porquês”, tendo em vista as dificuldades dos alunos na utilização do vocábulo, observadas nas produções entregues no primeiro semestre. A professora solicitou, também, que, ao final desse ciclo, aplicássemos uma avaliação que englobasse tudo o que foi discutido, desde os aspectos linguísticos até os enunciativos e discursivos. Descrição da Prática Na primeira aula nos apresentamos. Reapresentei-me. Já conhecia os alunos, e isso me deixou um pouco mais confortável. Descrevemos por meio de uma ementa o conteúdo conceitual/procedimental que desenvolveríamos durante o período que ali estaríamos. Iniciamos, então, as explicações referentes aos diferenciados empregos do vocábulo ‘porque’. Sendo quatro as formas de utilização, nessa primeira aula trabalhamos com duas delas, e na aula seguinte com as outras duas. Ao final de cada aula, juntamente com os alunos, realizávamos atividades sobre o tema, para reforçar e fixar o aprendizado. Encontramos dificuldades na aplicação desse conteúdo, posto que alguns alunos não apresentavam uma base normativa suficiente, não tendo conhecimento suficiente de determinadas classes gramaticais, como conjunção e preposição, fundamental para a compreensão desse conteúdo. Isso, sem duvida, é reflexo de um ensino fundamental ineficaz. Dessa forma, didaticamente, retomamos conceitos e aplicações dessas classes gramaticais para que, principalmente, esses alunos pudessem compreender e utilizar os porquês de forma adequada. Nas aulas posteriores, as discussões e reflexões tiveram como foco a construção de processos de comunicação e de estabelecimento de vínculos e de como esses processos se dão nas redes sociais. Para a realização dos debates, utilizamos como fonte básica os textos de apoio apresentados na prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). O tema proposto para a construção da redação naquele ano foi Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado. Esse assunto ia ao encontro daquilo que discutíamos em nossas reuniões no subprojeto, por essa razão, aproveitamos para ampliar a capacidade crítica dos alunos acerca desse contexto, que remetia ao seu cotidiano. Como previsto, ao final do nosso período na classe, aplicamos uma avaliação, que foi dividida em duas partes, sendo realizadas em duas aulas. 286 A primeira aconteceu na antepenúltima aula. Uma parte abrangeu todo o conteúdo gramatical por meio de questões objetivas. A outra parte desse primeiro dia de avaliação conteve cinco questões discursivas acerca das tensões entre as diferenças da vida na “rede” e na vida real. A segunda avaliação consistia em desenvolver a própria proposta de redação do ENEM. Os alunos deveriam discutir sobre os reflexos da vida em rede no século XXI. A prova exigiu do aluno a capacidade de estabelecer relações entre sua realidade e informações e teorias que envolvem a sociedade contemporânea. Na última aula, entregamos as avaliações devidamente corrigidas e comentadas, e esclarecemos aos alunos os aspectos positivos e negativos encontrados nas produções. Entregamos, também, à professora as notas de todos os estudantes. Resultados e Discussões Na avaliação inicial, os alunos demonstraram aproveitamento razoável, obtendo uma média de 60% de acertos das questões objetivas. Quanto às questões discursivas e a redação, alguns alunos apresentaram boas reflexões e considerável capacidade de organização textual. Em outras produções, ficaram evidentes as dificuldades de organização, além dos problemas de coesão e coerência. Outra parte dos estudantes não conseguiu desenvolver as respostas e, em poucas linhas, se pautava no senso comum. Os alunos conseguiram aliar bem o conteúdo gramatical aplicado à produção textual, visto que constatamos nos textos poucos erros quanto ao uso dos porquês. No que diz respeito ao comportamento dos alunos nesse período na escola, em muitas aulas eles se comportaram agitadamente, provavelmente devido à aproximação do final do ano letivo e, consequentemente, pelo desgaste. Mas conseguimos manter o controle e desenvolver aquilo que propusemos. Foi interessante perceber o ímpeto com que os estudantes dialogavam e debatiam sobre os temas referentes à escrita, leitura e interação em ambientes virtuais. Eles se mostraram bastante participativos, pois quase todos passavam muitas horas do dia à frente dos computadores e dos celulares acessando a rede e, assim, comentavam seus interesses e anseios diante da tecnologia virtual. 287 1º Semestre de 2012 A nossa participação na escola no ano de 2012 estava prevista para o 2º semestre. Dessa forma, as atividades do 1º semestre foram inteiramente dedicadas a leituras a respeito da linguagem e comunicação que se estabelece na sociedade contemporânea e como isso se manifesta nos ambientes escolares. Obras de autores como Norval Baitello Junior, Ciro Marcondes Filho e José Ângelo Gaiarsa nos orientaram para nossa ampliação teórica acerca do assunto. Essas leituras resultaram, inclusive, em excelentes produções dos bolsistas, que foram apresentadas durante as reuniões. Nesse semestre realizamos, também, outro evento o II Ciclo de Conversas ‘Linguagem em Movimento’. Nele, os participantes exploraram o vocábulo MESA no sentido que Vilém Flusser atribui à palavra: mesa não como metáfora, mas como método, isto é, modos de comunicação. Foi, então, um evento dedicado à conversa, à relação com o outro, o estranho. Todas as apresentações alargaram minhas reflexões a respeito do estabelecimento de vínculos com o próximo, inclusive, com o aluno, no processo de interação em sala de aula. Participamos, também, nesse primeiro semestre, do IV Seminário Integrador do PIBID e II Seminário do Programa de Tutoria. Juntamente com o integrante Michael, apresentei o pôster ‘Homo Machinalis’, no qual propusemos uma reflexão referente às formas mecânicas de se construção de relações com o entorno, observando em particular as relações comunicacionais estabelecidas em ambiente de sala de aula e sua interferência no processo de ensino-aprendizagem. Esse trabalho foi fruto das discussões das leituras realizadas nas reuniões do subprojeto e das conversas do II Ciclo “Linguagem em Movimento”. Nesse período criamos o blog ‘PIBID-LP: Café, Chipa e Cultura’1, que, em princípio, surgiu como um espaço de divulgação das práticas complementares organizadas pelo grupo. 2º Semestre de 2012 Metodologia No 2º semestre de 2012, mesmo durante o período de greve na universidade, nos reunimos para planejar nossas atividades, que foram realizadas na escola Raimundo Pinheiro. A coordenadora Denize Dall Bello nos apresentou a proposta de oferta de oficinas. Ficou estipulado que duas 1 ‘PIBID-LP: Café, Chipa e Cultura’ está disponível no seguinte endereço: http://pibid-linguagemovimento.blogspot.com.br/ 288 duplas iniciariam as atividades explanando a justificativa e a importância das oficinas, e outras duplas participariam na sequência, desenvolvendo o trabalho de correção e refacção dos textos produzidos pelos alunos durante as oficinas. Michael Jhonatan e eu ficamos responsáveis por ministrar a oficina de leitura e escrita. As aulas foram ministradas nas turmas do 1º ano F e 1º ano G, de forma alternada. A regente das turmas era a professora Elizabeth Sartori. Aconteceram, então, frequentes reuniões com a coordenadora, que nos auxiliou no processo de preparação das aulas e seleção dos textos a serem utilizados. Descrição da Prática A oficina teve início em setembro e se estendeu por três semanas desse mês. O objetivo foi desenvolver nos alunos estratégias de leitura e interpretação. Assim, no decorrer do nosso trabalho, exploramos os mecanismos de estruturação textual, como intertextualidade, informatividade, inferência etc. em diferentes gêneros textuais, que iam desde contos até anúncios publicitários. Na aula inicial, expusemos a justificativa e a importância da oficina de leitura e escrita. Ministramos noções básicas de texto, leitura, arte e literatura, mostrando as relações existentes entre essas manifestações culturais. Solicitamos, ainda, que os alunos respondessem a um questionário, registrando seus interesses de leitura. Alguns escreveram que não tinham o hábito de leitura, outros que liam apenas os livros que os professores pediam. No dia seguinte, a partir do conto infantil A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen, que traz em seu enredo a morte de uma menina abandonada, discutimos com os estudantes as diferenças entre texto literário e não literário. Para ressaltar as distinções, mostramos na narrativa os elementos que a diferenciavam de uma narrativa jornalística, por exemplo. Mostramos que, embora o conteúdo abordado pelo conto fosse muito facilmente verificado nos noticiários, a organização desse tema pelo viés literário garantia a ele uma universalidade de sentido capaz de gerar um maior apelo à sensibilidade do leitor. Os alunos se mostraram bastante comovidos com o texto. Nas aulas subsequentes, apresentamos textos em diferentes gêneros, dentre eles, charges e anúncios publicitários. Os discentes tiveram a oportunidade de averiguar as semelhanças e distinções existentes entre eles, principalmente no que tange à organização textual e à intencionalidade do autor. Na última aula, aplicamos uma avaliação que se deu através de uma produção textual referente ao conto A Primeira Só, de Marina Colasanti, 289 que havíamos lido e discutido na aula anterior. A proposta era que os alunos refletissem sobre como se estabelecem as relações entre os indivíduos nos ambientes que eles frequentam e sobre suas próprias maneiras de construir relações. Resultados e Discussões Tanto na turma F, quanto na turma G, recebemos boas produções. Isso se deveu ao fato de que, em uma das aulas, trabalhamos a estrutura textual, bem como as ideias de coerência e coesão. Lecionamos, ainda, as estruturas textuais de frase, oração e período em sua constituição na ordem direta da língua portuguesa. Os conteúdos aplicados foram os mesmos nas duas turmas; contudo, obtivemos experiências diferenciadas. As reações dos alunos em cada classe eram distintas. Ficamos impressionados com respostas tão bem desenvolvidas e argumentadas e, ao mesmo tempo, com condutas tão agressivas que presenciamos. Os problemas de comportamento tiveram, talvez, maior agravante na turma G, pois foram dias de intenso calor e a sala não possuía uma estrutura adequada. Assim, eles estavam agitados, conversavam bastante e, muitas vezes, foi difícil manter o controle. A professora Elizabeth nos auxiliou sempre que possível. Outro empecilho encontrado nesse trajeto refere-se ao tempo das aulas, que, de 1 hora passou a 35 minutos, devido ao calor. Logo, em algumas aulas não conseguimos desenvolver o conteúdo da maneira como havíamos planejado. Mas, de forma geral, fiquei satisfeito com o nosso desempenho, pois consegui perceber o nível de crescimento da capacidade de interpretação e criticidade dos alunos perante os textos, que era o objetivo da oficina. A experiência de ministrar aulas com o bolsista Michael Jhonatan foi enriquecedora durante todo esse período, que compreendeu o primeiro semestre de 2011 e todo o ano de 2012. O graduando se mostrou preocupado com a apreensão de conhecimento dos alunos e procurou desenvolver práticas inovadoras para a realização das atividades, contribuindo para a eficiência do nosso trabalho. No início de 2013, houve mudança na coordenação do Subprojeto porque a professora Denize Dall Bello afastou-se para o pós-doutorado, em Portugal. No lugar dela, entrou a professora Lirian Martini, que deu continuidade às atividades, a partir do estudo da Língua Portuguesa no livro didático adotado na escola. Mas, antes de analisarmos o livro da escola e, posteriormente propormos atividades aos alunos a partir dele, reuníamonos toda semana para fazer discussões a respeito dessa ferramenta de 290 trabalho. Muitas ideias pré-concebidas sobre o livro didático foram tomando novos rumos, a partir dessas discussões reflexivas, e fomos aprendendo a entender o livro didático como uma ferramenta que pode ser aliada do professor na sua prática diária de trabalho. Elaboramos questionários e fomos à escola Raimundo Pinheiro e em outras escolas de Cuiabá e Várzea Grande entrevistar professores de português das redes públicas de ensino, para verificar qual a postura deles frente ao livro. Como produto dessas discussões e das entrevistas coletadas por todos os membros nesses quatro meses em que ficamos sob orientação da professora Lirian, houve a produção de um artigo científico, a partir de uma comunicação apresentada no SEMIEDU/2013. Conclusão A participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) foi de grande importância para minha formação profissional, porque tive a oportunidade de entrar em contato com o ambiente escolar e, diante das experiências vivenciadas, refletir sobre a busca de melhorias no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, o envolvimento com o subprojeto me proporcionou interação com outros bolsistas dedicados e interessados em aperfeiçoar métodos didáticos em prol de um ensino eficaz. E, ainda, com a realização dos eventos, pude conhecer teóricos e pesquisadores de diferentes áreas, ampliando meu conhecimento sobre cultura e comunicação. Durante todo o meu período de desenvolvimento do projeto, juntamente com meus companheiros, busquei práticas de caráter inovador e interdisciplinar, com o intuito de fornecer aos alunos subsídios para que desenvolvessem suas possibilidades de reflexões sobre a língua e linguagem e o uso de cada uma. Almejei, também, desenvolver atividades que estimulassem o interesse dos estudantes pela leitura e interpretação de textos, de modo que atentassem não apenas aos aspectos normativos da língua, como tem sido comum no contexto escolar, mas também aos enunciativos e discursivos. Dessa forma, os alunos puderam ampliar sua capacidade crítica, entendendo as relações entre aquilo que leem e o ambiente ao redor. A inserção no projeto me permitiu refletir criticamente sobre a prática docente de um professor de Língua Portuguesa e, assim, perceber que o conhecimento deve ser sempre sua finalidade maior. Assim, ele deve estar sempre atualizando seus conhecimentos tecnológicos, políticos, pedagógicos e de relacionamentos que surgem com a evolução da sociedade. Só assim ele será um facilitador do processo de ensino-aprendizagem. 291 Referências ANTUNES. I. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BAITELLO, N. A era da iconofagia. Ensaios de Comunicação e Cultura. São Paulo: Hacker Editoras, 2005. BEIGUELMAN, G. O Livro depois do Livro. São Paulo: Peirópolis, 2003. CANCLINI, N. G. Leitores, Espectadores, Internautas. São Paulo: Iluminuras, 2008. CHARTIER, R. História da leitura no mundo ocidental. Volumes 1 e 2. São Paulo: Ática, 1998. ELIAS, V. M.; KOCH, I. V. Ler e compreender: os sentidos do texto. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2007. FILHO, C. M. Perca Tempo: é no lento que a vida acontece. São Paulo: Paulus, 2005. GAIARSA, J. A. O olhar. São Paulo: Editora Gente, 2000. PROENÇA FILHO, D. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 2005. 292 2.16 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM CUIABÁ E A EXPERÊNCIA PIBIDIANA1 Ana Maria Marques Professora coordenadora do PIBID/UFMT/História/Cuiabá Nayara Bianca Serra Varella Aluna bolsista do PIBID/UFMT/História/Cuiabá Introdução Essa proposta de trabalho resultou de uma experiência de oficina realizada durante o ano de 2012, cuja temática foi o Patrimônio Cultural Mato-grossense, especificamente o patrimônio material2, aliada à educação patrimonial, na Escola Estadual de Ensino Médio Raimundo Pinheiro3, como parte do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) – Subprojeto História. O objetivo principal neste artigo é apresentar a importância do Patrimônio Cultural no contexto histórico e político, aliado à Educação Patrimonial, culminando em um relato de experiência no PIBID, que buscou desenvolver alternativas didáticas e metodológicas que contribuíssem para despertar o interesse de alunos do ensino médio pela temática e pela abordagem, por meio de seu contexto escolar. Patrimônio Cultural: conceito e contextualização A palavra patrimônio é usada atualmente com muita frequência: falamos em patrimônios cultural, arquitetônico, artístico, histórico, imobiliário, jurídico etc., havendo, assim, várias possibilidades para seu uso. Essa palavra é de origem latina, traduzida por pater (pai) e nomos (herança em grego), que remete à ideia de propriedade. Na etimologia, traduz a concepção de herança, associada ao que herdamos do pai e da família, mais precisamente nos domínios de ordem material. 1 Termo utilizado coloquialmente para designar a “identidade” do grupo envolvido no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). 2 Cabe ressaltar que existem outras tipologias de Patrimônio Cultural, como por exemplo os Bens Tangíveis (Bens Móveis e Bens Imóveis) e os Bens Intangíveis (ideias, crenças, costumes, rituais, saberes, tradição oral, etc.). 3 A Escola Estadual Raimundo Pinheiro, está localizada na Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 3610 – Coxipó da Ponte - Cuiabá/MT. 293 A partir da Revolução Francesa, no século XVIII, “o significado de patrimônio estendeu-se do privado, dos bens de uma pessoa ou de um grupo de pessoas - a nobreza - para o conjunto de cidadãos” (ABREU; CHAGAS, 2003, p.31), ou seja, a passagem de posse começou a formar os bens de ordem nacional, e o domínio público francês assumiu as primeiras iniciativas de assistência aos bens de valores de um povo, compondo um referencial comum a todas as pessoas de um mesmo território. Desse modo, a concepção de patrimônio passou a vincular-se à ideia de unidade nacional. A noção de patrimônio implica um conjunto de posses que devem ser identificadas como transmissíveis; ela mobiliza um grupo humano, uma sociedade, capaz de reconhecê-las como sua propriedade, além de demonstrar sua coerência e organizar sua recepção; ela desenha, finalmente, um conjunto de valores que permitem articular o legado do passado à espera, ou a configuração de um futuro, a fim de promover determinadas mutações e, ao mesmo tempo, de afirmar uma continuidade (POULOT, 2009, p. 203). O patrimônio é constituído de concepção simbólica, que, por meio de interesse e tradição, procura dar base cultural de pertencimento a todos, envolvendo uma construção de identidade social: “Os monumentos históricos, os saberes e as práticas que os rodeiam, institucionalizaram-se e, com a criação dos primeiros instrumentos de preservação – museus e inventários –, surgiu e consolidou-se a ideia de patrimônio nacional” (SANT’ANNA, 1995, p.47). Esse patrimônio vai adquirir tal concepção à medida que os indivíduos estejam incluídos na gestão e planejamento patrimonial. Esses aspectos ideológicos induziram ao desenvolvimento de políticas de proteção e conservação do patrimônio de uma sociedade: Diversas nações europeias, no decorrer do século XIX, foram organizando estruturas públicas e privadas devotadas à conservação, salvaguarda e seleção dos bens considerados patrimônios nacionais. Ainda assim, o entendimento que essas entidades tinham de patrimônio se restringia às edificações, aos monumentos e objetos de arte, visto como exemplares autênticos e geniais das riquezas nacionais. Todavia, a proteção desses bens foi institucionalizada a princípio pela França em 1830, mediante a criação da Inspetoria dos Monumentos Históricos, cuja ação se restringia ao “recenseamento” do patrimônio (PELEGRINI, 2009, p. 19-20). 294 A criação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura), na década de 1940, com ação cada vez mais importante que sinalizava para uma nova configuração de força, a partir de certo período, expandiu as fronteiras nacionais em prol dos direitos humanos e dos bens patrimoniais, com objetivo de “[...] promover a identificação, a proteção e a preservação do patrimônio cultural e natural de todo o mundo, considerado especialmente valioso para a humanidade [...]”4. A partir de então, essas práticas difundiram-se entre vários países ocidentais, que adotaram suas respectivas legislações e medidas de preservação. Patrimônio Cultural: breve contextualização no Brasil A noção de patrimônio, ou de bens patrimoniais, não existia ainda no Brasil em meados do século XIX. A construção dessa noção esteve vinculada à criação, em 1838, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), e do Arquivo Nacional, órgãos responsáveis por promoverem uma memória histórica nacional. O IHGB teve como principal função coletar, organizar e arquivar a documentação escrita e registros iconográficos que documentaram aquilo que se visava a construir: a identidade nacional. Por sua ação na tentativa de criar uma unidade nacional e desenvolver uma historiografia brasileira, o IHGB foi um dos órgãos responsáveis e iniciadores da política de preservação do patrimônio nacional. A tendência dessa valorização do que era brasileiro desenvolveu, nas décadas posteriores, nos intelectuais modernistas, a ideia de compreender e proteger as questões que tangenciavam o patrimônio. Um dos marcos da consagração do patrimônio nacional foi registrado através do decreto nº 22.928, de 12 de julho de 1933, que elevou Ouro Preto, em Minas Gerais, à categoria de “monumento nacional”, reconhecendo-se, assim, a sua importância simbólica para a nação. Cabe ressaltar que, por aquela mesma época, várias regiões do país, como Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, principalmente, apresentaram várias discussões e políticas acerca da preservação da memória nacional, com o objetivo de criar órgãos de proteção aos Patrimônios Históricos Nacionais. Durante o Estado Novo, a política de salvaguarda do bem patrimonial nasceu com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), pelo decreto-lei 25/37, que criou o Instituto do Tombamento dos Bens Materiais, sendo esse o primeiro órgão dedicado à preservação. 4 Retirado do Site da Unesco: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/world-heritage/ Acesso em: 28 maio 2012. 295 Atualmente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), criado pela Lei nº 378/1937, “[...] vem realizando um trabalho permanente de identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural brasileiro [...]”5. A partir dessas políticas, a construção do que é nacional foi atingindo novos contornos, e o IPHAN, diferentemente do IHGB, trabalha com uma memória diversificada dos bens culturais materiais (bens tangíveis e bens intangíveis). As políticas de preservação do Patrimônio sempre estiveram vinculadas às ações do domínio público, que, por sua vez, definiam o que deveria ser lembrado, preservado e esquecido pela memória nacional, estabelecendo uma memória oficial pré-definida, privando algumas culturas de demonstrarem sua heterogeneidade. Patrimônio Cultural e Memória Em cada momento da história, procura-se conceituar a memória: “Em todas as sociedades, os indivíduos detêm uma grande quantidade de informações no seu patrimônio genético, na sua memória de longo prazo e, temporariamente, na memória ativa” (GOODY apud LE GOFF, 2003, p. 469). A memória está sempre associada ao processo de aprendizagem, um elemento fundamental que contribui para o real sentido da trajetória da identidade social e histórica de cada indivíduo. Para o historiador francês Pierre Nora (1993), A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, suceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. [...] A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivo no eterno presente; [...] a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas; [...] A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto [...] (NORA, 1993, p. 9). O lugar vivenciado é uma referência importante na memória, pois possibilita aos grupos sociais estabelecer relações de construção e preservação desses espaços, assim como as representatividades que são expressas pelas manifestações, objetos, saberes, crenças, e lembranças que, corporificadas, dão sentido à memória. Segundo Le Goff, “a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade [...]” (2003, p. 469). 5 Retirado do site: <http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=11175&retorno=paginaIphan>. Acesso em: 28 maio 2012. 296 Cabe salientar que a memória coletiva que corrobora o sentido de identidade do indivíduo passa por processo de construção através de instrumentos de ações do poder público para manutenção das lembranças e dos esquecimentos: Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes mecanismos de manipulação da memória coletiva (LE GOFF, 2003, p. 422). Nesse sentido, é utilizada como instrumento de poder a criação de arquivos, museus, monumentos, mídias, entre outros lugares e objetos de memória que expõem uma identidade estabelecida na construção do contexto memorial (oficial), buscando uma legitimidade para ser transmitida para as futuras gerações. Então: O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durantes as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias [...] porque um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos (LE GOFF, 2003, p.537-538). Por tudo isso, é importante conhecer a história do nosso país, a começar pela cidade. Por meio de ações educativas, pode-se propiciar a construção de sentido histórico à identidade social do indivíduo e assimilação da importância do patrimônio por parte da sociedade: “devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens” (LE GOFF, 2003, p. 471). 297 Educação Patrimonial: processo de ensino e aprendizagem no ambiente educacional A utilização do conceito de Educação Patrimonial atualmente vem ganhando destaque, sendo bastante difundido e trabalhado por profissionais responsáveis pela valorização do Patrimônio e por professores que atuam em atividades pedagógicas de forma transdisciplinar e interdisciplinar. O desenvolvimento de aprendizagem nessa área de atuação foi sistematizado pela primeira vez nos anos de 1970, na Inglaterra, sob a denominação de Heritage Education. Inspirada por essa proposta pedagógica voltada para ações educacionais, e tendo como eixo o Patrimônio Cultural, a difusão dessa metodologia foi introduzida no Brasil na década de 1980, pela museóloga Maria de Lurdes Parreiras Horta. Posteriormente a este marco inicial, diversas regiões do país desenvolveram trabalhos pertinentes ao tema. O “Guia Básico da Educação Patrimonial”, de 1999, sistematizou as orientações advindas das décadas anteriores. Assim: A Educação Patrimonial é um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. [...] é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido (HORTA, 1999, p. 6). No ambiente escolar, essa educação patrimonial visa a causar nos sujeitos um processo ativo de conhecimento, promovendo a produção de sua formação cultural, intelectual e social, motivando os indivíduos para a problematização e compreensão do meio em que estão inseridos, por meio de atuações de defesa, valorização e conservação do patrimônio. Além disso, tem como característica o enfoque interdisciplinar, destacando-se a importância dessa prática nos currículos escolares, pelos temas transversais. Através dessas propostas, objetiva-se que o estudante sintase responsável e motivado pela preservação histórica do patrimônio e da memória da sociedade da qual faz parte, desenvolvendo, dessa maneira, o sentimento de pertencimento cultural. A Educação Patrimonial contribui para o processo de identificação do indivíduo na sociedade, à medida que lhe permite conhecer os quadros de referência do passado, percebendo as semelhanças e diferenças na paisagem cultural, constantemente transformada. 298 Essa apropriação e valorização da herança cultural como identidade e sentimento de cidadania são indispensáveis como fonte elementar de conhecimento e desenvolvimento social, levando os alunos a refletirem sobre questões críticas e significativas para a vida social e coletiva, sendo os próprios agentes históricos. A Educação Patrimonial proporciona métodos de trabalho que, vinculados ao patrimônio cultural, aplicam-se a vários ambientes e espaços de memória, tais como: escola, museu, parque, biblioteca, centro histórico, comunidade etc., ou seja, “pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifestação de cultura [...]” (HORTA, 1999, p. 6). O desenvolvimento do trabalho de Educação Patrimonial, com o propósito de desenvolver habilidades e conceitos, juntamente com a experiência empírica, traz apontamentos essenciais para o processo de ensino -aprendizagem. Maria de Lurdes Horta destaca quatro etapas importantes dessa metodologia. A primeira é a observação, que procura a assimilação dos objetos, dos saberes, de um local, bem como seu significado e simbologia. Para isso, utiliza-se de recurso de percepção visual e sensorial, coleta de informações, de acordo com a história oral, formas que explorem o tema analisado. A segunda etapa é o registro dos bens compartilhados pela comunidade, fase de fixar o aprofundamento da observação, por meio de desenho, descrições verbais ou escritas, fotografias, mapas, gráficos. A terceira etapa, de exploração, consiste na capacidade de análise e julgamento crítico do conhecimento percebido, exigindo levantamento de hipótese, questionamento, pesquisa em outras fontes, desenvolvendo a capacidade de análise crítica e construtiva. A quarta e última etapa seria a apropriação, que sugere a implicação afetiva dos estudantes com os bens culturais, a participação da imaginação criativa e a valorização do patrimônio local. Essas atividades podem ser ampliadas por meio da recriação do bem cultural, através da releitura, dramatização, entre outras diferentes formas de expressão. O uso dessas metodologias, juntamente com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que abrem espaços para várias atividades com temas transversais, é essencial para atividades de educação patrimonial, pois possibilita motivar nos participantes uma reflexão a respeito da importância da valorização patrimonial, compreendendo o mundo que os cerca e seu papel para o exercício pleno da cidadania. As atividades apresentadas neste artigo atestam o quanto o patrimônio cultural é algo rico, ativo e dinâmico para se trabalhar, dotado de sentimento de identidade e pertença, apontando inúmeras possibilidades e ressignificações, promovendo mecanismos de fuga da captura da imagem oficial pré-estabelecida. 299 Educação Patrimonial e a experiência pibidiana O subprojeto PIBID de História, campus Cuiabá/UFMT, desenvolveu, por meio de convênio institucional, suas atividades na escola estadual de Ensino Médio Raimundo Pinheiro da Silva, durante o ano de 2012. Lá foram identificados problemas enfrentados por professores e coordenadores na tentativa de explorar métodos e táticas de ensino que pudessem levar o aluno a pensar criticamente. Para o desenvolvimento das atividades didático-pedagógicas, o grupo estava composto por três professores orientadores do PIBID, um professor supervisor da escola, cinco alunos bolsistas, além da comunidade escolar em geral. Na etapa preliminar, cujo objetivo era conhecer melhor a realidade escolar, foi desenvolvida uma pesquisa por meio de questionários para turmas do 1º e 2º ano do ensino médio. Através destes, obteve-se um diagnóstico sobre o que os alunos compreendiam por história, qual seu valor prático, entre outras análises colhidas entre pais ou responsáveis e funcionários da escola. A pesquisa tinha o intuito de averiguar a importância que os mesmos atribuíam à disciplina História. Já para o professor, a coleta das informações tinha como função identificar os recursos utilizados por ele no ensino da disciplina, sua formação acadêmica e questões ligadas ao seu exercício educacional. A primeira oficina temática do subprojeto do PIBID de História teve como objeto central o Patrimônio Cultural Mato-grossense, com enfoque no patrimônio material. O cronograma estava organizado para execução entre os meses de março e abril de 2012, com carga horária total 20h/a. As atividades práticas foram realizadas junto aos alunos do 1º ano F6 (vespertino) da E. E. Raimundo Pinheiro da Silva, sempre às terças-feiras, sob a coordenação da Profª Drª Ana Maria Marques e supervisão do Prof. Marciano Max Rodrigues Vieira. Para a oficina, foram realizados encontros prévios com a presença da professora orientadora, professores colaboradores, supervisor e bolsistas, para definir os objetivos e habilidades a serem alcançadas pelos alunos, além de metodologias e refernciais teóricos empregados. Através das pesquisas, discussões e estudos, foi montado o cronograma de atividades. Nesse contexto, o objetivo principal da oficina foi trabalhar a motivação, valorização e apropriação patrimonial como instrumento de cidadania, buscando entender o contexto histórico de Mato Grosso, as percepções e ações dos sujeitos, bem como as relações com a sociedade/natureza, identificando no Patrimônio Cultural a compreensão do passado, dos seus valores e significações. 6 Para a escolha dessa turma, foram levados em consideração os critérios espacial e experi- mental, tendo em vista esta turma ser bem numerosa (40 alunos) e ficar relativamente afastada das outras e próxima ao portão de saída, de maneira que a movimentação não chamasse tanto a atenção das demais turmas. 300 A organização da oficina teve aulas expositivo-participativas, com suporte de impressão de cópias de textos, auxílio de meios audiovisuais; slides e mídia computadorizada fizeram parte da estratégia didática a ser desenvolvida, culminando a oficina com uma visita guiada pelo Centro Histórico de Cuiabá. O primeiro momento de aplicação da oficina ocorreu no dia 06 de março de 2012 e tinha como objetivos: refletir sobre memória, através dos objetos que cada aluno, previamente avisado, levou para a aula; diagnosticar o conhecimento desses alunos sobre lugares de memória na nossa cidade, por meio de imagens de alguns prédios e monumentos da cidade, trabalhando juntamente a noção de patrimônio. Segundo momento: no dia 20 de março de 2012, a aula teve como enfoque principal identificar, através de imagens parciais (slides) de bens patrimoniais, se os alunos os reconheciam, bem como se sabiam sua localização. Posteriormente, fazendo a análise de um texto didático de História de Mato Grosso, buscou-se relacionar texto, imagens e lembranças com a construção de uma memória também materializada em lugares, hábitos e construções. O texto utilizado foi de Else Cavalcante (2006), sobre o Estado Novo, 1937-1945, e a administração de Júlio Muller, em Mato Grosso. No texto, a autora trata das mudanças urbanísticas que ocorreram em Cuiabá à época. Para compor essa aula, foram fundamentais alguns conceitos e imagens embasados na obra de Leila Lacerda (2008). A terceira aula, do dia 10 de abril de 2012, propunha a reflexão e debate sobre memória e patrimônio da cidade através de estudo dirigido de texto com grau de dificuldade maior. Utilizou-se fragmento do texto de Conte e Freire (2005, p. 32-33), sobre a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Este trata da construção da igreja, que remonta ao século XVIII, ao bandeirantismo, às origens do povoado, ao garimpo na região, enfim, a dados históricos que possibilitam perceber o desenho urbanístico da cidade. Foi feita nessa mesma aula uma apresentação do roteiro da visita guiada e os critérios da escolha realizada. Na quarta aula, dia 24 de abril de 2012, foi enfim realizada a visita guiada com todo o grupo do PIBID. No total, foram trinta e quatro alunos da E. E. Raimundo Pinheiro com destino ao Centro Histórico de Cuiabá7, percorrendo o seguinte roteiro: Praça dos Bandeirantes, Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, MISC (Museu de Imagem e Som de Cuiabá), 7 A Instrução Normativa do Centro Histórico de Cuiabá regulamentou e estabeleceu normas. Em seu artigo 1º, lê-se: “Para efeito de proteção do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico de Cuiabá, tombado pela União Federal em 04 de novembro de 1992, por enquadramento no Decreto Lei nº 25, de 30/11/1937, com abrangência para área de Tombamento e para as diversas áreas de vizinhança, doravante denominadas Entornos, ficam definidos os seguintes critérios e procedimentos regulamentares [...]”. Retirado do site do IPHAN: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=15265&sigla=Institucional&retorno=paginaInstitucional. Acesso em: 19 set. 2012 301 IPHAN (Instituo do Patrimônio Histórico Artístico Nacional), Museu Histórico de Mato Grosso, Igreja Bom Despacho, Museu de Arte Sacra. Cabe ressaltar que o roteiro da visita guiada foi elaborado pensando a cidade de Cuiabá, especialmente o Centro Histórico, como meio ambiente de vivência e pertencimento dos alunos, como fonte expressiva de investigação, exploração e compreensão do passado, do presente e suas respectivas mudanças, auxiliando o processo de aprendizado, no que tange à importância da conservação dos bens patrimoniais e da memória local, com seus diversos significados. Essa atividade foi pautada pela seguinte perspectiva: “arquitetura é a única arte cujas obras exigem ser materialmente percorridas. Só ela exige visitas, percursos, desvios que implicam o investimento do corpo inteiro e que a percepção visual apenas não pode substituir” (CHOAY, 2006, p.201). O meio ambiente histórico é dinâmico, e continua a mudar no presente. O conceito de mudança e continuidade é essencial para a compreensão do Patrimônio Cultural, como um dos conceitos básicos a serem trabalhados no processo da Educação Patrimonial (HORTA, 1999, p. 17). Havendo uma relação intrínseca entre cidade e educação patrimonial, os conceitos então apresentados por Maria de Lurdes Horta foram essenciais, por exemplo, para a escolha e abordagem da Praça dos Bandeirantes, alocada na Avenida Coronel Escolástica. A escultura de Sebastião Frederico Teixeira teve sua inauguração no ano de 1969, por motivo da comemoração do aniversário de 250 anos da cidade de Cuiabá, sendo idealizada como a representação dos “elementos formadores” (LEITE, 1994, p. 17) da região: o Bandeirante, o Garimpeiro e o Índio. O monumento traz em suas características físicas e estruturais uma concepção histórica em que se exalta a visão heroica do Bandeirante, estabelecendo hierarquias ao colocar o Bandeirante em primeiro plano e num patamar mais elevado. Neste viés, foram trabalhadas com os alunos questões fundamentais como ponto de partida: o que trata esse monumento? Qual estado de preservação? Quem construiu e com que finalidade? O que representa cada personagem? Quais eram os aspectos físicos de cada um? São personagens tratados em livros didáticos? Por que estão em planos diferenciados? O que eram as Bandeiras? Qual seu contexto histórico e social em Mato Grosso? Qual era o tipo de vida e vestimentas dos bandeirantes? Qual o papel do índio no auxílio das Bandeiras? Esse exercício tinha por finalidade levantar problemas, discutir e analisar, com o propósito de demonstrar que a história faz parte de um contexto e que o monumento é uma referência histórico-cultural – em que a visão 302 mítica, heroica, no caso do Bandeirante, vem sendo combatida – alusão ao monumento edificado como símbolo coletivo e referência a uma memória já consagrada pela sociedade. Sendo assim, a Educação Patrimonial torna-se um mecanismo para a fuga da captura da representação oficial. A escolha das Igrejas Nossa Senhora do Rosário/São Benedito e Bom Despacho levou em consideração os processos estudados em sala, por meio do texto didático e slides que atestavam a trajetória histórica da fundação da cidade de Cuiabá, além da arquitetura religiosa e seus estilos Barroco-Rococó e Neogótico, atribuindo também a importância das festividades na memória do povo cuiabano. A opção pelo MISC (Museu de Imagem e Som de Cuiabá) e IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional) tinha como propósito despertar a atenção e curiosidade dos alunos no que tangia às características arquitetônicas das casas e quintais da Cuiabá antiga, além de sensibilizá-los para a preservação e proteção da memória cuiabana e seus bens patrimoniais, através das pesquisas e acervos disponíveis: arquitetura colonial, documentos, imagens, objetos etc. Ao sairmos do IPHAN, seguimos um percurso a pé pelas ruas estreitas e antigos casarios, e todos estavam fascinados e atentos quanto as suas características, mudanças, permanências e diversidades. A visita ao Museu Histórico de Mato Grosso proporcionou aos alunos a oportunidade de conhecer também uma história política e administrativa da região, por meio dos acervos de colonização, obras públicas, terras e minas. No Museu de Arte Sacra, conheceram uma exposição de fotografias da antiga Catedral, desde a época colonial até 1958, com imagens dos altares barrocos e neoclássicos, além de apresentação do filme produzido por Lázaro Papazian8 sobre a Catedral Basílica Bom Senhor Jesus de Cuiabá. Assim, foi possível trazer para o cotidiano do aluno a importância simbólica da imagem para a história e memória da região. Para que a proposta pudesse se concretizar de maneira educativa, essa experiência possibilitou aos alunos refletir e compreender que o museu ou uma casa antiga, como “lugar de memória”, não é apenas um recinto de exibição de objetos, mas, sobretudo, de formação de uma “consciência histórica”, na acepção de Jörn Rüsen (2001), ocorrida durante o processo de socialização, resultado de que o patrimônio também é algo inerente do aluno. 8 Lázaro Papazian foi o precursor do fotojornalismo em Cuiabá. Ele, ao longo do século 20, durante 60 anos, fotografou momentos importantes da capital mato-grossense. http://www.24horasnews.com.br/index.php?mat=48082. Acesso em: 22 jun. 2012. 303 Considerações Finais sobre a experiência pibidiana O desenvolvimento da oficina Patrimônio Cultural Mato-Grossense foi muito positivo, enquanto experiência acadêmica e profissional, como também para os alunos envolvidos no projeto, que sempre estiveram dispostos a participar das metodologias elaboradas. Desde a primeira aula, em que os alunos levaram objetos de memória, e a partir deles foi trabalhada a relação memória/patrimônio, pôde-se diagnosticar que eles se sentiram tocados em questões afetivo-familiares. Depois, quando instigados sobre um lugar de memória da região, muitos citavam shoppings, camelô e o Museu da Caixa d’Água Velha; mas, quando perguntados sobre outros lugares da memória cuiabana, muitos só conheciam de “ouvir falar”, nunca haviam frequentado ou percebido a importância de tais espaços. Este trabalho foi muito importante para pensar como sensibilizá-los e motivá-los ao conhecimento dos lugares que lhes eram familiares, mas ao mesmo tempo ignoto. Também foi proposto um jogo: eles versus a bolsista. Ganharia o jogo quem soubesse mais sobre os lugares apresentados em imagens parciais da cidade e monumentos de Cuiabá. Essa estratégia de trabalho foi bem produtiva e satisfatória, pois houve muita interação e aprendizagem. O dia da visita guiada pelo Centro Histórico de Cuiabá proporcionou algumas situações dignas de relato. Por exemplo: dias antes da aula de campo, alguns alunos apresentaram certa resistência quanto à ida, expondo que a visita poderia ser ruim, pois Cuiabá é uma cidade muito quente para ficar caminhando no período da tarde; apesar dessa oposição inicial, todos participaram e, quando chegaram à Praça dos Bandeirantes, foi diagnosticado que muitos passavam por lá e nunca tinham visto o monumento, outros já o tinham observado, mas achavam que o bandeirante, ali representado em estátua, fosse um fazendeiro. Curiosa essa leitura, feita com um elemento de representação do poder no Estado. Outra situação diagnosticada foram os relatos pessoais que os alunos faziam durante o passeio. Muitos diziam que os avós casaram na Igreja Nossa Senhora do Rosário, ou que frequentavam quando crianças o espaço nas missas ou nas festividades. Quando no MISC foi exibido um filme da Cuiabá antiga, muitos se impressionaram ao ver que na cidade existia linha de bonde; alguns alunos relataram que hoje poderia ser ainda assim; vista a demolição da Igreja Matriz, alguns preferiam a igreja antiga, outros já optavam pela igreja atual, pois segundo eles é “mais bonita e moderna”. A grande maioria dos alunos da turma do 1º F nunca havia visitado 304 a igreja Bom Despacho. Quando foi perguntado o que eles achavam que era a construção, muitos disseram ter ouvido de seus pais que aquele local foi um castelo e que debaixo dele havia muito ouro e passagens secretas. Diante dessa experiência fica explícito como é fundamental trabalhar a educação patrimonial nas escolas, como meio de incentivo ao conhecimento e novas ressignificações que promovam a compreensão dos indivíduos enquanto grupo e lugar social. A oficina de Patrimônio Cultural Mato-grossense foi muito bem avaliada e divulgada pelos próprios alunos na escola, para as demais turmas e, consequentemente, tivemos que realizá-la novamente, com outras turmas. Os resultados alcançados foram fundamentais para transformar a realidade escolar no que tange ao conhecimento da história da cidade e da memória regional. Desenvolveram-se os sentidos de pertencimento e cidadania, além de apresentar, com êxito, um diferencial para o exercício da docência. Referências ABREU, R.; CHAGAS, M. (Org.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. Lisboa: Edições 70, 2006. CONTE, C. Q.; FREIRE, M. V. L. (Org.). Centro Histórico de Cuiabá. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2006. CAVALCANTE, ELSE. História de Mato Grosso: para concursos e exames vestibulares. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2006. HORTA, M. L. P. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Museu Imperial, 1999. LACERDA, L. B. Patrimônio histórico-cultural de Mato-Grosso: bens edificados tombados pelo Estado e União. Cuiabá: Entrelinhas, 2008. LE GOFF, J. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão et al. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. LEITE, L. P. P. Monumentos de Mato Grosso. Cuiabá: Fundação Júlio Campos, 1994. 305 NORA, P. Ente Memória e História: A problemática dos lugares. Projeto História. Revista do Programa de Pós-Graduação em História da PUC-SP, n. 10, dez. 1993, p.7-28. PELEGRINI, S. C. A. Patrimônio cultural: consciência e preservação. São Paulo: Brasiliense, 2009. POULOT, D. Uma história do patrimônio no Ocidente, séculos XVIII-XXI: do monumento aos valores. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. RÜSEN, J. Razão histórica. Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: UnB, 2001. 306 2.17 CURSO DE EXTENSÃO PIERRE BOURDIEU: TEORIA SOCIAL E SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Edilene Cruz Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Sociologia/Cuiabá Marinete Covezzi Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política/UFMT/Cuiabá Introdução Apresenta-se neste relato uma experiência de extensão realizada no âmbito do subprojeto PIBID - Licenciatura em Ciências Sociais da UFMT. A extensão ocorreu no formato de curso, denominado “Pierre Bourdieu: teoria social e sociologia da educação”. O curso foi planejado com o objetivo de contribuir com a formação teórico-metodológica dos discentes do curso de Ciências Sociais, bolsistas do programa PIBID, e com a formação continuada dos professores de Sociologia do Ensino Médio, supervisores do PIBID. Porém, o curso foi aberto a outros professores de Sociologia do Ensino Médio, estudantes do curso de Ciências Sociais e outros cursos de graduação da UFMT. Além de contribuir com a formação teórica de estudantes de graduação e professores do Ensino Médio, essa atividade de extensão também concorreu para a produção de projetos de ensino e materiais didáticos e para a troca de experiências entre docentes da UFMT e docentes da Educação Básica. Justificativa Essa proposta de extensão surgiu após um ano e meio de vigência do subprojeto PIBID. Como um dos objetivos do subprojeto PIBID Ciências Sociais é proporcionar o aprofundamento teórico dos estudantes bolsistas e a educação continuada dos professores supervisores, esse aprofundamento foi pensado no formato de cursos de extensão. Considerando que a disciplina Sociologia no Ensino Médio aborda conteúdos das áreas de conhecimento que constituem a base da formação do cientista social no Brasil – Antropologia, Ciência Política e Sociologia – o curso foi realizado na área de Sociologia, com um autor que construiu uma teoria sociológica que busca explicar a estrutura da sociedade contemporânea, o sistema educacional, além de outras problemáticas contemporâneas, Pierre Bourdieu. A escolha desse autor justifica-se pela amplitude de 307 temas que estudou e suas contribuições para conteúdos didáticos a serem trabalhados na disciplina Sociologia para o Ensino Médio, tais como: estrutura social, relações de dominação, sistema de ensino, violência simbólica, estilo de vida, gostos, relações de gênero, dentre outros. O curso teve como objetivos gerais: a) Estudo e aprofundamento da teoria da práxis, ou praxiologia, construída por Pierre Bourdieu. b) Estudo e compreensão do sistema educacional na sociedade contemporânea. c) Aplicação do instrumental teórico-conceitual e metodológico desenvolvido por Pierre Bourdieu em atividades práticas com os estudantes do Ensino Médio. E como objetivos específicos: a) Análise e compreensão da teoria da práxis, de Pierre Bourdieu, a partir da compreensão dos principais conceitos: espaço social, habitus, campos, capitais e violência simbólica, como elementos importantes para a compreensão das ações sociais que envolvem representações, valores, regras, relações de poder, violência e conflito sociais. b) Análise do sistema educacional contemporâneo e da educação escolar como reprodutor de desigualdades sociais. c) Trocas de experiências entre discentes e docentes do Ensino Médio e docentes da UFMT. d) Elaboração de projetos de ensino e materiais didáticos para o Ensino Médio. Abrangência O curso foi planejado inicialmente para os bolsistas PIBID e as professoras do Ensino Médio, supervisoras do PIBID, porém, foi aberto à participação de outros professores de Sociologia do Ensino Médio, alunos do curso de Ciências Sociais e estudantes de outros cursos de graduação da UFMT. Ações O curso foi realizado com três atividades distintas. A primeira atividade foi constituída por aulas expositivas dialógicas, a segunda, de seminários apresentados pelos participantes do curso e a terceira, de atividades práticas em oficinas de produção de projetos de ensino. As duas primeiras atividades foram realizadas entre os meses de setembro e outubro de 2011, as oficinas foram realizadas no mês de novembro de 2011. A duração do curso foi de 40 horas, com encontros semanais de 4 horas. 308 1ª Atividade: Aulas 1) Teoria da prática ou praxiologia - 4 horas – (uma aula) Na primeira aula, foram apresentadas e debatidas as bases da teoria sociológica de Pierre Bourdieu, denominadas por esse autor de teoria da práxis. Bourdieu constrói sua teoria tendo como influência as teorias sociais clássicas, a saber, funcionalistas, fenomenológicas e subjetivistas, embora critique o modo como essas teorias se organizaram, apresentando uma dicotomia na relação sujeito-objeto. O autor parte da análise da “aparente” contradição entre sujeito (indivíduos) e objeto (sociedade) para a construção de uma terceira possibilidade de explicação da realidade social, procurando transcender os polos antagônicos e analisando a relação existente entre os dois. No centro do debate, encontra-se o conceito de estrutura, criticado pelo modo como é concebida pelos autores funcionalistas e reconstruído em sua teoria como um processo dinâmico entre ações sociais e individuais. 2) Conceitos básicos: Capitais, campo e habitus – 08 horas (duas aulas) Na segunda e terceira aulas, foram analisados os conceitos que fundamentam a teoria da prática de Bourdieu: espaço social, capitais, habitus e campo. Partindo da concepção de que as sociedades possuem estruturas relacionais, o autor explica a estrutura social como um sistema hierarquizado de poder e privilégio. As relações sociais organizam-se com base na distribuição desigual de recursos ou capitais. O conjunto dos capitais é compreendido a partir de um sistema de disposições de cultura, determinado pelo acesso aos recursos materiais e simbólicos, denominado de habitus. O campo é definido como o espaço social em que as posições dos agentes se encontram, a priori, fixadas, e é o locus no qual se trava uma luta de poder e de força entre os atores, em torno de interesses específicos, tendo como base a distribuição desigual dos capitais: social, econômico, cultural. 2) Sistema educacional na sociedade contemporânea: reprodução das desigualdades - 8 horas (duas aulas) Na quarta e quinta aulas, foram analisadas as contribuições de Bourdieu para a compreensão dos sistemas de ensino na sociedade contemporânea. Suas análises dão ênfase às relações que os diferentes grupos e classes sociais mantêm com a escola e o saber. A obra de Bourdieu “A reprodução” foi analisada no sentido da compreensão das funções escolares que possuem um caráter de reprodução cultural e de conservação social. 2ª Atividade: Seminários Os seminários foram realizados a partir da organização em grupos, compostos por discentes dos cursos de graduação da UFMT e docentes de sociologia do Ensino Médio e tiveram como objetivo analisar a aplica309 ção da teoria bourdesiana no estudo de temas contemporâneos, tendo como base a leitura e debate dos artigos: 1)Gosto de classe e estilos de vida (2011) 2)Sistemas de ensino e sistemas de pensamento (1992) 3)A escola conservadora e as desigualdades frente à escola e à cultura (1998) 3ª Atividade: Oficinas de elaboração de projetos de ensino As oficinas tiveram como objetivo a construção de projetos de ensino para a disciplina Sociologia, no Ensino Médio. Os projetos foram elaborados tendo como base o referencial teórico e metodológico de Bourdieu. Esses projetos foram realizados por grupos compostos por estudantes de graduação, bolsistas PIBID e não bolsistas, e professores do Ensino Médio, e encontram-se ao final deste relato. Avaliação dos resultados do curso de Extensão As aulas e os seminários constituíram-se em um importante espaço de estudos, debates e compreensão da teoria sociológica de Bourdieu. A integração entre docentes do Ensino Médio e discentes dos cursos de graduação proporcionou trocas de experiências importantes, enriquecendo os conteúdos e proporcionando a apreensão e socialização de um “opus operantum” (um modo de operar), ou trabalhar com a teoria bourdesiana e seus conceitos, visando à construção de um “modus operandi”, ou seja, a apropriação e aplicação da sua teoria, conceitos e métodos aos conteúdos e atividades didáticas para o Ensino Médio. O curso também proporcionou, nas oficinas de produção de projetos de ensino, a criação de propostas em que professores do Ensino Médio e estudantes de graduação iniciaram um trabalho de transposição dos conhecimentos teóricos bourdesianos em uma linguagem mais adequada ao Ensino Médio, assim como de apropriação do referencial metodológico para propor atividades de pesquisa e ensino. Conclusões O ofício de ensinar exige uma formação teórico-metodológica consistente na área de opção do professor, mas não é o único conhecimento necessário para realizar esse ofício. O futuro professor também precisa conhecer o sistema de ensino e os conteúdos e metodologias específicos do nível de ensino para o qual está sendo preparado para atuar e, ao mesmo tempo, vivenciar experiências de iniciação à atividade docente, para 310 apreender “saberes mobilizados e empregados na prática cotidiana, saberes que dela se originam e que servem para dar sentido às situações de trabalho que lhes são próprias” (TARDIFF; RAYMOND, 2000, p.211). Essa atividade de extensão realizada no âmbito do subprojeto PIBID Ciências Sociais contribuiu para ampliar a formação teórico-metodológica dos estudantes e professores que participaram, mas também foi um espaço importante de troca de experiências dos professores do Ensino Médio com os estudantes de graduação e professores organizadores da atividade de extensão, sobretudo de conhecimentos e práticas construídas no cotidiano das escolas de Ensino Médio, na experiência com a disciplina Sociologia. Os conhecimentos construídos e mobilizados nas atividades docentes cotidianas dos professores do Ensino Médio e as estratégias utilizadas pelos docentes, que podem ser explicados como “um conjunto de disposições” ou habitus, serviram como pré-requisito para a elaboração dos projetos de ensino. Esses conhecimentos utilizados para resolver os problemas que emergem nas práticas cotidianas do professor, tais como antecipar comportamentos e modos de pensar dos estudantes, contribuíram para as proposições de projetos de ensino. Essa proposta de extensão, pensada como uma via de mão-dupla, encontrou na escola de Ensino Médio a oportunidade de práxis de um conhecimento acadêmico não apenas no sentido vertical, da universidade para a escola, mas também da escola para a universidade, contribuindo com a troca de conhecimentos e experiências necessárias para os professores desses dois níveis de ensino, além de colaborar com a formação dos futuros professores de Sociologia, com a apreensão de conhecimentos e estratégias específicas do oficio de professor de Ensino Médio. Cabe ressaltar também a importância do Programa PIBID na formação dos futuros professores de Sociologia, permitindo a apreensão e domínio de conteúdos teóricos e metodológicos e o conhecimento do universo escolar do Ensino Médio, colaborando com uma formação sólida baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Referências BOURDIEU, P. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1992. ______. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. ______. A Distinção: crítica social do julgamento. Tradução Daniela Kern. 2. ed. Porto Alegre: Editora: Zouk, 2009. 311 ______. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. ______. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. ______. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). ______. O poder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. ______. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, A. (Org.). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 7179. ______. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Correa. Campinas: Papirus, 1996. ______. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (Org.) Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998, p.39-64. SILVA, E. C., & COVEZZI, Marinete. Proposta de Curso de Extensão: Pierre Bourdieu: teoria social e sociologia da educação. Cuiabá, UFMT, Disponível em Sigproj1.mec.gov.br/projetos/imprimir.php?modalidade=0&projeto_id=95248&local=home&modo=1&original=1universitaria.pdf. Acesso em: 04 out. 2013. TARDIFF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Revista Educação & Sociedade. v.21, n.73. Campinas, 2000. ___________________________________________________________ ANEXOS PROJETO DE ENSINO I TEMA: A TRANSMISSÃO DO CAPITAL CULTURAL Seriação (sugestão): 2º ou 3º Ano do Ensino Médio Autores: Iran Dias Costa (discente Ciências Sociais), José Antônio Moreira1 (docente Ensino Médio), Lucimberg Camargo Dias (docente Ensino Médio); Renata da Silva Fonseca (docente Ensino Médio) 1 Professor da Escola Estadual de Ensino Médio 312 1) Tema: A transmissão do capital cultural 2) Objetivo Geral: Apresentar aos alunos o processo de transmissão do capital cultural e o modo como a herança cultural forma gostos de classe e estilos de vida. 3) Objetivos Específicos: a) Explicar o processo de socialização e formação das práticas e representações que compõem o habitus; b) Mostrar que às diferentes posições que os indivíduos ocupam no espaço social correspondem estilos de vida e gostos de classe implícitos e explícitos ligados à suas posições; c) Demonstrar ao aluno o modo como o capital cultural influencia o seu êxito escolar. 4) Metodologia: Identificar o capital cultural, realizando uma pesquisa com uma amostra de alunos do ensino fundamental e médio de escolas públicas e privadas. Utilizar-se-á um questionário para a coleta dos dados, contendo questões que possibilitem revelar as práticas distintas e distintivas, as preferências de consumo, lazer e atividades. Durante a aplicação e tabulação dos questionários, os alunos serão sensibilizados com o uso de métodos e técnicas de pesquisa empregados pela Sociologia. Após a tabulação, os dados serão organizados e o professor elaborará um roteiro didático para exploração em sala de aula dos resultados da pesquisa, tendo em vista os itens do conteúdo programático. 5) Recursos Didáticos: Leitura dirigida de textos; aulas expositivas; recursos audiovisuais: vídeos, datashow e computador; seminários temáticos dirigidos; uso de tiras, charges e cartuns. Trabalhos em grupo. 6) Conteúdo: Capital Cultural: a transmissão do capital cultural a) Gostos de Classe e Estilos de Vida: preferências de consumo, lazer e atividades b) O Capital Cultural e o Êxito Escolar: a influência do capital cultural no êxito escolar 7) Avaliação: Será realizada com exercícios dirigidos, pesquisas, debates, seminários, produção de textos, a fim de identificar o processo do conhecimento do educando, o que permitirá ao professor o replanejamento de atividades de enriquecimento, de complementação para que haja uma melhor apreensão do conhecimento. 8) Referências: BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, M. A.. CATANI, Afrânio (Org.) Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1998, p.39-64. ______. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves,1992. ______. Gostos de Classe e Estilos de Vida. In: ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). 313 PROJETO DE ENSINO II TEMA: GÊNERO E SEXISMO Seriação (sugestão): do 1º ao 3º ano, a critério do professor. Autores: Anna Paula Leon Leite (discente Ciências Sociais - PIBID), Aryeh Hessel Craveiro (discente Ciências Sociais - PIBID), Igor Alexandre Bueno, (discente Ciências Sociais), Expedito Timóteo de Lima (discente Ciências Sociais), Milena Corrêa Ferrari (discente PIBID), e Rayane de Paula Costa (discente Serviço Social) 1. Tema: Gênero e Sexismo 2. Objetivos: Trabalhar e discutir gênero e sexismo com alunos em sua forma mais ampla e pragmática, dando a todos a oportunidade de amadurecimento a respeito do tema abordado, capacitando os alunos a utilizar as ferramentas sociológicas, favorecendo a construção de uma alteridade que contemple todas as formas de diferenças existentes entre os seres humanos, a fim de que reflitam sobre as desigualdades enraizadas na sociedade contemporânea. 3. Objetivos Específicos: a) Trabalhar a questão de gênero nas propagandas; b) Utilizar referenciais teóricos da Sociologia para trabalhar a questão do sexismo e violência simbólica nas propagandas; c) Dar novo significado às relações de gênero, promovendo um ambiente escolar de respeito às diferenças. 4. Conteúdo Curricular: Cultura, Gênero, Sexismo, violência simbólica. 5. Recursos: folhas A4, cartolinas, datashow, Laboratório de informática, câmera digital, brinquedos, papel pardo, revistas para recorte, aparelho de som, TV, DVD, máquina digital, fita adesiva, tesouras, colas. 6. Metodologia: Aulas expositivas dialogadas com apresentação de textos (ANEXO); - Apresentação de curtas metragens referentes à temática; atividade em grupo para confecção de cartazes com imagens de propagandas de revistas de cunho sexista. 7. Síntese das Atividades/Atividade de Avaliação O projeto será realizado em 4 etapas: A primeira etapa começa com a exposição aos alunos e equipe pedagógica sobre a importância de ampliar as discussões a respeito de gênero e sexismo, a fim de promover mudanças significativas em nossa sociedade e amenizar as desigualdades de gênero. Segunda etapa: levar para a sala de aula textos, imagens e propagandas de revistas e televisivas que abordem de forma implícita a temática. Textos: Mulher ao espelho (Cecília Meireles, 1988), Soneto do Corifeu (Vinícius de Morais, 1967) e Para viver um grande amor (Vinícius de Morais, 1997), Bom mesmo (Luís Fernando Veríssimo, 1996). Terceira 314 etapa: pode ser chamada de pessoal ou existencial. Aqui, a etapa da formação científica crítica é estruturada, porém de forma que o aluno consiga lidar com essa construção prévia do conhecimento acadêmico, uma visão do outro. Textos: Identidade de gênero e sexualidade (Miriam Pillar Grossi, 1998); Violência Simbólica (Bourdieu, 1984). Quarta Etapa: Os alunos deverão elaborar cartazes destacando a temática de gênero e sexismo, a fim de estimular o debate e diálogo sobre o assunto. Posteriormente, poderão reunir os cartazes e elaborar um mural expositivo para mostrar à comunidade escolar que sexualidade e preconceito de gênero estão inseridos no cotidiano e no espaço escolar e, portanto, podem e devem ser trabalhados nas escolas. 6. Proposta de Avaliação: Atividade em grupo para confecção de cartazes e avaliação conceitual. 7) Referências BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. GROSSI, Miriam Pilar. Identidade de gênero e sexualidade. Florianópolis: PPGAS/ UFSC, 1998. MEIRELES, Cecília. Flor de poemas. Rio de Janeiro: Editora Record, 1988. MORAES, Vinícius de. Livro de Sonetos. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967. (p.92-94) MORAES, Vinicius de. Soneto de Fidelidade e outros poemas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comêdias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996. ROCHA, Everardo P. G. O que é Etnocentrismo. 5. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. PROJETO DE ENSINO III TEMA: INDIVÍDUO E SOCIEDADE 1.Tema: Indivíduo e sociedade Autores: Leandro da Silva Bezerra (discente Ciências Sociais-PIBID), Jenifer da S. Gavilan (discente Ciências Sociais-PIBID), Tulio Inácio Garrido, (discente Ciências Sociais-PIBID), Mayara Bezerra Scarselli (docente, supervisora PIBID) 2 - Assunto: Habitus - Pierre Bourdieu 3 - Objetivos Gerais: Fazer com que o aluno reflita sobre a relação existente entre indivíduo e sociedade e, baseado na perspectiva de Bourdieu, compreenda que suas ações e as ações sociais como um todo sempre partem dos referenciais sociais que lhe são transmitidos durante a vida. 315 5 - Objetivos Específicos: Apresentar o conceito sociológico de habitus e as noções gerais de gostos de classe e estilos de vida, focalizando o aspecto musical enquanto estratégia de compreensão para os alunos. 6 - Justificativa: Visto que para Pierre Bourdieu, em sua obra Le bal des célibataires, “a sociologia não mereceria talvez nenhuma hora de atenção se tivesse como objetivo apenas descobrir os fios que movem os indivíduos que ela observa, se ela esquecesse que tem compromisso com os homens, justamente quando estes, à maneira das marionetes, participam de um jogo cujas regras ignoram, enfim, se ela não tivesse como tarefa restituir o sentido dos próprios atos destes homens”, faz-se necessário apresentar aos alunos o potencial existente em suas práticas, compreendendo as origens e o sentido de suas ações, bem como as ações sociais em geral. 7 – Metodologia/ Recursos: aula expositiva e dialogada; análises de letras de músicas; exercícios em sala de aula. 8 – Cronograma: 1ª Aula - Apresentação da música “Sistema”, da Banda Civil. Fazer uma contextualização da música e passar exercícios com as seguintes questões para serem discutidas: 1 - Você concorda com a afirmação de que a sociedade influencia tudo que o indivíduo pensa ou faz? 2 - Cite exemplos de como a sociedade (seja na família, escola ou no trabalho) influencia a maneira de pensar e agir das pessoas. 3 - Discussão em sala de aula com os resultados da pesquisa. 2ª aula - 1 - Falar brevemente sobre Pierre Bourdieu e introduzir o conceito de habitus. 2 - Diferenciar habitus de hábito, questionando os alunos sobre o que entendem por hábito. 3 - Indagar os alunos sobre os estilos musicais a que aderem e por meio destes exemplificar que os gostos musicais que mais parecem subjetivos são também pautados por condições de existência e de posição de classe do indivíduo. Discussão em sala de aula. 5. Referências BOURDIEU, Pierre. Sociologia. ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Ática, 1994. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). DAYRELL, Juarez. O rap e o funk na socialização dos jovens. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p.117-136, jan./jun.2002 TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. PROJETO DE ENSINO IV TEMA: DIVERSIDADE DE GOSTOS MUSICAIS Autores: Andressa dos Santos Alves (discente Ciências Sociais); Amauri Moraes (discente História); Aparecida Edneia da Silva (Discente Ciências 316 Sociais- PIBID); Letícia Rosa de Almeida Leite (discente Ciências Sociais -PIBID); Marlene Renck (discente Ciências Sociais); e Sandra Regina Ferreira (discente Ciências Sociais). Série (sugestão): 2º ano do Ensino Médio 1 – Ementa: Apresentar aspectos da diversidade musical presente no Brasil e refletir sobre eles, destacando a construção dos gostos musicais dos estudantes, contribuindo para que utilizem as ferramentas antropológicas e sociológicas, a fim de que haja uma desnaturalização e estranhamento da realidade que estes vivenciam. 2 - Objetivo Geral: Levar os alunos à compreensão da diversidade dos gostos musicais com base nos conceitos de Bourdieu e seus significados, a partir da realidade sociocultural desses alunos. 3 - Objetivos Específicos: Compreender a influência da indústria cultural nos gostos musicais presentes na sociedade; • Reconhecer a diversidade cultural presente em nossa sociedade, visando à tolerância e ao respeito ao outro; • Instrumentalizar os/as alunos/as com os conceitos de habitus, capital cultural, econômico, social e simbólico. 4 – Metodologia: O conteúdo programático será desenvolvido através de aulas expositivas dialogadas, dinâmicas, estudos dirigidos, seminários, filmes, slides (data show) e laboratório de informática. 5 – Estratégias de Aprendizagem: a) Averiguar o que os alunos entendem por estilos musicais; b) Ampliar a perspectiva de gosto musical utilizando músicas presentes no cotidiano dos/as alunos/as; c) Exibir vídeos, músicas, tirinhas e/ou charges sobre a temática abordada; d) Apontar os limites e desafios entre cultura popular e cultura erudita; e) Apresentação de seminários baseados em pesquisas dos alunos/as; f) Ministrar aulas expositivas empregando quadro e PowerPoint; g) Promover debates. 6 – Avaliação: Instrumento de avaliação: os alunos serão submetidos a uma prova escrita valendo 40% da nota; trabalho para ser feito em grupo e apresentado em sala de aula entregue com (40%) da nota; assiduidade e participação nas discussões em aulas, (20%) da nota, o que equivale a um total de 10 pontos. 7 - Conteúdos Programáticos: Diversidade dos gostos musicais; Tipos de capitais: cultural, econômico, social e simbólico; Habitus. 8 – Referências: ADORNO, T. W. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel. (Org.). Theodor Adorno. São Paulo: Ed. Ática. 1986. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol 54). TOMAZI, N. D. Sociologia para o Ensino Médio. São Paulo: Atual, 2007. OLIVEIRA, P. S. Introdução à Sociologia: volume único. São Paulo: Ática, s.d. 317 BOURDIEU, P. Gosto de classe e estilo de vida. In: _____. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo, EDUSP/ Ed. Zouk, 2011. MARX, Karl. O capital: Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. Livro 1 OLIVEIRA, L.F; COSTA R. C. R. Sociologia para os jovens do século XXI. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2007. ___________________________________________________________ ANEXOS Mulher ao espelho Hoje que seja esta ou aquela, pouco me importa. Quero apenas parecer bela, pois, seja qual for, estou morta. Já fui loura, já fui morena, já fui Margarida e Beatriz. Já fui Maria e Madalena. Só não pude ser como quis. Que mal faz, esta cor fingida do meu cabelo, e do meu rosto, se tudo é tinta: o mundo, a vida, o contentamento, o desgosto? Por fora, serei como queira a moda, que me vai matando. Que me levem pele e caveira ao nada, não me importa quando. Mas quem viu, tão dilacerados, olhos, braços e sonhos seu se morreu pelos seus pecados, falará com Deus. Falará, coberta de luzes, do alto penteado ao rubro artelho. Porque uns expiram sobre cruzes, outros, buscando-se no espelho. (MEIRELES, Cecília. Flor de poemas. Rio de Janeiro: Editora Record,1988.) 318 Soneto de Corifeu São demais os perigos desta vida Para quem tem paixão, principalmente Quando uma lua surge de repente E se deixa no céu, como esquecida. E se ao luar que atua desvairado Vem se unir uma música qualquer Aí então é preciso ter cuidado Porque deve andar perto uma mulher. Deve andar perto uma mulher que é feita De música, luar e sentimento E que a vida não quer, de tão perfeita. Uma mulher que é como a própria Lua: Tão linda que só espalha sofrimento Tão cheia de pudor que vive nua. MORAES, Vinícius de. Livro de Sonetos. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1967. Para viver um grande amor Eu não ando só Só ando em boa companhia Com meu violão Minha canção e a poesia Para viver um grande amor, preciso É muita concentração e muito siso Muita seriedade e pouco riso Para viver um grande amor Para viver um grande amor, mister É ser um homem de uma só mulher Pois ser de muitas - poxa! - é pra quem quer Nem tem nenhum valor Para viver um grande amor, primeiro É preciso sagrar-se cavalheiro E ser de sua dama por inteiro Seja lá como for Há de fazer do corpo uma morada Onde clausure-se a mulher amada E postar-se de fora com uma espada Para viver um grande amor 319 Eu não ando só Só ando em boa companhia Com meu violão Minha canção e a poesia Para viver um grande amor direito Não basta apenas ser um bom sujeito É preciso também ter muito peito Peito de remador É sempre necessário ter em vista Um crédito de rosas no florista Muito mais, muito mais que na modista Para viver um grande amor Conta ponto saber fazer coisinhas Ovos mexidos, camarões, sopinhas Molhos, filés com fritas, comidinhas Para depois do amor E o que há de melhor que ir pra cozinha E preparar com amor uma galinha Com uma rica e gostosa farofinha Para o seu grande amor? Eu não ando só Só ando em boa companhia Com meu violão Minha canção e a poesia Para viver um grande amor, é muito Muito importante viver sempre junto E até ser, se possível, um só defunto Pra não morrer de dor É preciso um cuidado permanente Não só com o corpo, mas também com a mente Pois qualquer “baixo” seu a amada sente E esfria um pouco o amor Há de ser bem cortês sem cortesia Doce e conciliador sem covardia Saber ganhar dinheiro com poesia Não ser um ganhador Mas tudo isso não adianta nada Se nesta selva escura e desvairada Não se souber achar a grande amada Para viver um grande amor! Eu não ando só Só ando em boa companhia 320 Com meu violão Minha canção e a poesia MORAES, Vinícius de. Sonetos de Fidelidade e outros poemas. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. Bom mesmo Tem uma crônica do Paulo Mendes Campos em que ele conta de um amigo que sofria de pressão alta e era obrigado a fazer uma dieta rigorosa. Certa vez, no meio de uma conversa animada de um grupo, durante a qual mantivera um silêncio triste, ele suspirou fundo e declarou: - Vocês ficam ai dizendo que bom mesmo é mulher. Bom mesmo é sal! O que realmente diferencia os estágios da experiência humana nesta Terra é o que o homem, a cada idade, considera bom mesmo. Não apenas bom. Melhor do que tudo. Bom MESMO. Um recém-nascido, se pudesse participar articuladamente de uma conversa com homens de outras idades, ouviria pacientemente a opinião de cada um sobre as melhores coisas do mundo e no fim decretaria: - Conversa. Bom mesmo é mãe. Depois de uma certa idade, a escolha do melhor de tudo passa a ser mais difícil. A infância é um viveiro de prazeres. Como comparar, por exemplo, o orgulho de um pião bem lançado, o volume voluptuoso de uma bola de gude daquelas boas entre os dedos, o cheiro da terra úmida e o cheiro de caderno novo? - Bom mesmo é o cheiro de Vick VapoRub. Mas acho que, tirando-se uma média das opiniões de pré-adolescentes normais brasileiros, se chegaria fatalmente à conclusão de que nesta fase boa mesmo, melhor do que tudo, melhor até do que fazer xixi na piscina, é passe de calcanhar que dá certo. Mais tarde a gente se sente na obrigação de pensar que bom mesmo é mulher (ou prima, que é parecido com mulher), mas no fundo ainda acha que bom mesmo é acordar na segunda-feira com febre e não precisar ir à aula. Depois, sim, vem a fase em que não tem conversa. Bom mesmo é sexo! Esta fase dura geralmente até o fim da vida, mesmo quando o sexo precisa disputar a preferência com outras coisas boas (“Pra mim é sexo em primeiro e romance policial em segundo, mas longe”). Quando alguém diz que bom mesmo é outra coisa, está sendo exemplarmente honesto ou desconcertantemente original. - Bom mesmo é figada com queijo.- Melhor do que sexo? - Bom...Cada coisa na sua hora.Com a chamada idade madura, embora persista o consenso de que nada se iguala ao prazer, mesmo teórico, 321 do sexo, as necessidades do conforto e os pequenos prazeres da vida prática vão se impondo. - Meu filho, eu sei que você aí, tão cheio de vida e de entusiasmo, não vai compreender isto. Mas tome nota do que eu digo porque um dia você concordará comigo: bom mesmo é escada rolante. E esta é a trajetória do homem e seu gosto inconstante sobre a Terra, do colo da mãe, que parece que nada, jamais, substituirá, à descoberta final de que uma boa poltrona reclinável, se não é igual, é parecido. E que bom, mas bom MESMO, é nunca mais ser obrigado a ir a lugar nenhum, mesmo sem febre. VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996. 322 2.18 BLOGS: INSTRUMENTOS PARA A ALFABETIZAÇÃO CONCEITUAL? Edilene Cruz Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Sociologia/Cuiabá Jenifer da Silva Gavilan Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Sociologia/Cuiabá Luciede Gino de Barros Professora supervisora na escola do PIBID/UFMT/Sociologia/Cuiabá Introdução O projeto “Estamos na rede!”, desenvolvido pela equipe PIBID/Ciências Sociais da UFMT, teve como proposta a construção de blogs por alunos de todas as turmas do ensino médio matutino da Escola Estadual Pascoal Ramos, de Cuiabá, em atividades de estímulo e apoio à leitura e à escrita. Outro interesse do projeto, na dimensão da formação didático-pedagógica, era testar o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e desenvolver uma reflexão sobre seu potencial – especificamente o uso de blogs – como recurso de ensino-aprendizagem. Justificativa Motivada inicialmente por relatos positivos de experiências e pelo crescente interesse acadêmico sobre as possibilidades didático-pedagógicas das Tecnologias da Informação (TIC) nos vários níveis de ensino formal (FONSECA, 2009), a construção do projeto “Estamos na rede!” objetivou estimular a leitura e escrita dos estudantes do Ensino Médio, tendo em vista as graves deficiências que acumularam na sua trajetória escolar. Dessa forma, acreditamos que poderíamos associar o desenvolvimento de conteúdos sociológicos e das ferramentas de hipertexto, especialmente blogs, para alcançarmos resultados que indicassem a perspectiva promissora do uso das TIC no processo de ensino-aprendizagem. Uma pesquisa feita por professoras do Núcleo de Estudos sobre Tecnologia e Subjetividade, do Departamento de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, por exemplo, mostra que escritores de blogs interagem com outros(as) “blogueiros(as”). Assim, constitui-se uma comunidade de leitores/escritores com grau relevante de integração e com potencial de repercutir significativamente sobre a aprendizagem que 323 se dá nos processos de formação de opinião pública (LUCCIO, NICOLACIDA-COSTA, 2010). Outro estudo feito por Porto e Porto (2012), professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aponta que a prática do ensino de Literatura no Ensino Médio enfrenta diversas barreiras, dentre as quais se destaca a prioridade dada aos manuais de escolas literárias, em detrimento do contato de leituras diretas com as obras literárias. Assim, os blogs, assim como recursos como TV, cinema e as demais tecnologias de informação e comunicação (TIC), poderiam ampliar o acesso a textos, uma vez que já é conhecia a facilidade com que ganharam a aceitação de diversos grupos sociais, como mediadores entre leitores e produtores. As autoras ressaltam, porém, que o uso dessas ferramentas não deve ser considerado como um fim em si mesmo, mas como meio ou recurso para estimular a aprendizagem. Objetivos do projeto 1) Capacitar a equipe PIBID para criar blogs e utilizá-los como recurso de ensino. 2) Engajar os alunos do ensino médio da escola em experiências de aprendizagem com o uso de novas tecnologias. 3) Investigar as possibilidades de utilização das novas tecnologias em geral e do uso de blogs em particular como recurso de ensino no aprendizado dos conteúdos sociológicos sobre Política, Cidadania e Eleições. 4) Investigar o tipo de interação que os jovens estabelecem com as informações e as ferramentas do ciberespaço, buscando responder se e em que medida o acesso a esses recursos repercute positivamente sobre as habilidades de leitura e escrita dos alunos e na cooperação na aprendizagem. Descrição da experiência O projeto de ensino “Estamos na rede!” caracterizou-se como atividade extraclasse, realizada no período vespertino, entre os meses de agosto e dezembro de 2012. A experiência recorreu a estratégias de incentivo ao engajamento voluntário dos alunos, sendo amplamente divulgada por meio de cartazes e visitas às turmas. Após as primeiras reuniões de trabalho para a organização da experiência com blogs, a equipe do subprojeto fez a divulgação, no dia 31 de agosto, fixando cartazes em toda a escola e fazendo visitas às salas de aula. As atividades tiveram seu início previsto para o dia 06/09, mas, em virtude do atraso na realização de outro projeto da equipe, em função de cancelamentos de aulas para reuniões da equipe pedagógica da escola, 324 houve um primeiro adiamento para o dia 12/09, e depois para o dia 26/09. Foi definida a periodicidade quinzenal para as atividades, sempre às quartas-feiras, entre 14 e 17h, na sala de vídeo ou no laboratório de informática da escola. Porém, a ocorrência de imprevistos e alterações dos conteúdos planejados interferiram, como se verá, na regularidade dos encontros. Elegemos como estratégia de atração e mobilização1 a sensibilização envolvendo dinâmicas, conversas sobre as motivações da proposta e a sondagem de seus contatos com a internet e blogs. Após esses primeiros contatos, pensávamos em orientar tecnicamente os alunos para a construção dos blogs, permitir e estimular a livre expressão de conteúdos, imagens ou vídeos que os jovens quisessem publicar. Após todas essas etapas é que passaríamos a trabalhar os temas sociológicos propostos. Primeiro encontro – 26/09/12 Foto 1 – Bolsista faz a apresentação do projeto. Foto 2 – Alunos em atividade do projeto. Ao primeiro encontro compareceram 22 participantes. Para um momento de sensibilização, foram feitas a apresentação dos alunos, seguida da exposição da nossa proposta por meio de slides e da dinâmica “sentimentos/pensamentos no papel”, com o vídeo musical “Não é sério”, de Charlie Brown Jr. As atividades culminaram com discussões levantadas pelos alunos sobre a autonomia e os problemas enfrentados pelos jovens. Segundo Encontro – 24/10/12 A atividade foi encerrada às 15h, devido à falta de energia elétrica. Nesse dia, apenas foi exibida parte de um vídeo instrutivo sobre como criar um blog e formados alguns grupos de dois a três alunos para começarem a planejar seus blogs. 1 É importante ressaltar que alguns dos alunos, antes mesmo do início do projeto, declararam ter tido contato ou mesmo criado algum blog. 325 Terceiro encontro – 31/10/12 Foi feita a divisão “efetiva” dos grupos (mais ou menos efetiva porque alguns alunos faltaram e outros novos apareceram). Quanto à criação dos blogs pelos alunos, o endereço da maioria dos blogs foi anotado, mas alguns alunos saíram pouco antes do encerramento do encontro e não entregaram os seus. Foto 3 – Um dos blogs criados pelos alunos. Quarto Encontro – 14/11/12 No período da manhã, a equipe fez uma nova divulgação do projeto com o objetivo de confirmar a realização do encontro na véspera do feriado de 15/11. Nesse dia, aconteceu uma etapa das Olimpíadas, com os jogos de Futsal, ao final da qual houve um episódio de violência que terminou com a intervenção da polícia, solicitada pela equipe administrativa. À tarde, compareceram 7 participantes – certamente a ocorrência de chuva, a participação nas olimpíadas e a expectativa do feriado desestimulou a maioria. Foram exibidos slides com noções básicas abordadas no livro O que é jornalismo (ROSSI, 1981) e trabalhadas imagens publicadas na mídia. Ao final, foi proposta a redação de um texto, a ser publicado no blog, sobre aspectos positivos e negativos da internet para a formação de opinião pública 326 Quinto Encontro – 05/12/12 Apenas dois alunos compareceram ao encontro. Acompanhamos um pouco mais de perto sua dinâmica no uso das ferramentas da internet – seus gostos, suas habilidades, por exemplo. Um deles já havia apresentado um projeto que envolvia a criação de jornais impressos para a escola, já encerrado. Durante o encontro, ele restaurou seu blog pessoal. O outro aluno não possuía a senha do blog que criou com o colega e tentou construir um novo blog. Foto 4 – A equipe (supervisoras, bolsista ID) e alunos da escola. Sexto Encontro – 12/12/12 Alguns alunos terminaram as últimas atividades, dentre elas, pesquisar outros blogs e recomendá-los na página virtual própria. Outros alunos criaram um blog pessoal de última hora, tendo em vista a desintegração de grupos ou perdas de senhas para acesso. Foi feito um lanche para a confraternização e foram aplicados questionários avaliativos, inclusive no período matutino, para dois alunos que avisaram não poder comparecer à tarde, totalizando seis questionários respondidos. Avaliação Embora tenhamos recebido apenas seis questionários preenchidos, todos eles destacaram de maneira positiva a experiência do projeto, além de termos sido abordados por outros alunos que ressaltaram verbalmente a importância da inovação do aprendizado, dos trabalhos com os vídeos, 327 slides, das atividades práticas no laboratório e, principalmente, a satisfação com a relação de respeito e compreensão entre os membros da equipe PIBID e os alunos da escola. O número de participantes não foi maior porque muitos alegavam estar trabalhando ou então fazendo cursos profissionalizantes no contraturno. Do ponto de vista da aprendizagem docente, nossa descoberta mais relevante foi que o uso das TIC pelos jovens pode estar limitado ao universo do trabalho numa perspectiva operacional ─ já que a informática está presente de forma predominante no mercado de trabalho, e muitos dos alunos já estão inseridos nele como mão de obra barata, ou então fazendo cursos profissionalizantes, como já dito ─ e às questões subjetivas ─ como é possível constatar nas imagens dos blogs criados pelos alunos. Ora, se a função da Sociologia é a de promover o estranhamento da realidade social, bem como fornecer modelos teóricos de explicação/compreensão da vida social e intervenção nela, em se tratando da educação no Ensino Médio, essa tarefa fica a cargo do professor de Sociologia, que deve cumprir um papel importante na mediação pedagógica, tal como é apontado nas Orientações Curriculares Nacionais (BRASIL, 2006) para o ensino médio: Em qualquer nível de ensino, a mediação pedagógica, se assim se pode chamar, parece tão mais necessária quanto mais varia o público no tempo e no espaço, quanto mais diverso é o público em relação ao professor. Se se considerar a tendência à massificação da escola brasileira – entendendo esse fenômeno no seu sentido positivo: acesso às vagas –, não pode ser ignorada a preocupação com a mediação entre o conhecimento e os alunos, mediação que tem um momento importante no ensino (BRASIL, 2006, p. 108). Da mesma forma como acontece com o conhecimento escolar, o uso das TIC muito provavelmente não vai oferecer conhecimento por si só para os alunos, tal como parecem acreditar alguns. Mesmo o projeto “Estamos na rede!” não tendo trabalhado os conteúdos sociológicos, foi possível vislumbrar as dificuldades de promover um aprendizado sólido através do uso das ferramentas de hipertextos. A dificuldade em encontrar metodologias apropriadas para que os alunos pesquisassem de forma mais sistemática e publicassem textos nos blogs demonstrou que é cada vez mais necessária a capacitação didático-pedagógica dos licenciandos e docentes não só no que tange ao uso dessas tecnologias virtuais, como da pesquisa científica em geral, pois uma das maiores recorrências no ensino é a realização de “pesquisa sem sentido”, como mero recurso para ocupar os alunos, sem que eles ampliem seus conhecimentos. Muitos apenas copiam conteúdos 328 da internet e os reproduzem pelo famoso método “decoreba”. É preciso dar sentido à pesquisa. É preciso que a forma de se construir o conhecimento seja sedutora. É preciso que o conhecimento seja crítico. Porém, os conhecimentos não podem se esgotar na experiência pessoal dos estudantes, tal como acabou acontecendo em maior grau com o projeto “Estamos na rede!”, ainda que não tenha sido a intenção da proposta. A preocupação em atrair os jovens para o projeto, de dar voz aos seus anseios e criatividade, entre outros obstáculos já relatados, fizeram com que o tempo para uma abordagem sociológica se perdesse. Nesse sentido, nossas observações sobre a experiência convergem com o que o sociólogo britânico Michael Young (2011) pontua em uma de suas últimas análises sobre currículo escolar: É importante distinguir currículo e pedagogia, na medida em que eles se relacionam de modo diferente ao conhecimento escolar e ao conhecimento cotidiano que os estudantes levam de diversas maneiras para a escola. O currículo deve excluir o conhecimento do dia a dia dos alunos, já que esse conhecimento é um recurso para o trabalho pedagógico dos professores. Os estudantes não vão à escola para aprender o que já sabem (YOUNG, 2011, p. 614). Posicionamento similar tem o intelectual brasileiro Dermeval Saviani (1983), para quem a difusão dos conhecimentos socialmente construídos e historicamente acumulados constitui a principal tarefa da escola democrática. Seguindo seus passos, João Luiz Gasparin, no livro Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica (2002), ressalta que a expressão “partir da realidade do aluno” deve ser tomada como uma estratégia pedagógica cujo objetivo é fazer com que os estudantes tenham acesso aos vários tipos de conhecimento tradicionalmente organizados em campos disciplinares, e, principalmente, sejam capazes de mobilizar esse conhecimento em seu desenvolvimento integral. Considerações finais O projeto “Estamos na rede!” proporcionou uma rica experiência profissional tanto no que se refere às questões didático-pedagógicas, como no que tange ao reconhecimento dos entraves do processo de alfabetização conceitual. Apesar de as relações interpessoais entre bolsistas PIBID, professoras e alunos terem sido um ponto forte no engajamento da proposta e de avaliação discente do Ensino Médio, refletimos que se deve atentar para as dificuldades ou riscos de, na priorização de estratégias pedagógicas que mobilizem as subjetividades, abandonar, no processo de ensino-aprendizagem, a abordagem do conhecimento científico e crítico. 329 Vimos que um ponto forte do projeto foi o fato de que estimulou o interesse dos alunos ao valorizar sua autoexpressão. Isso ocorreu porque a experiência do projeto acabou por favorecer a postagem de poesias, músicas, imagens e pensamentos da vivência pessoal dos jovens. No entanto, acabamos por não aproveitar suficientemente algumas dessas vivências para a reflexão sociológica2. Com a experiência, aprendemos que, ao contrário do que parecem pensar muitos, a incorporação das TIC pelas escolas só faz reforçar a importância do papel do professor, conforme se lê em Brasil (2010), sobre Sociologia e tecnologias de informação e comunicação. Os blogs, por exemplo, podem muito bem servir como recursos para as aulas dessa e de outras disciplinas, principalmente para organizar e tornar acessíveis materiais adequados, tornar mais fácil e atraente a realização de atividades. Mas, a ampliação das perspectivas sobre as informações e conhecimentos disponibilizados na rede continua a depender de um trabalho pedagógico consistente no processo de alfabetização científica e conceitual, pois disso depende o desenvolvimento das habilidades e competências para discernir a natureza da informação e conhecimento, seu grau de contribuição para o enriquecimento das faculdades humanas. Nesse sentido, a formação de qualidade dos professores deve instrumentalizá-los não só para utilizar os atuais recursos tecnológicos disponíveis, mas torná-los proficientes e competentes no domínio e transmissão dos conhecimentos científicos de sua área. Apenas com essa formação abrangente, os professores terão condições de explorar, nos processos de ensino e aprendizagem, as tecnologias de informação e comunicação de forma eficiente e eficaz, mas também como recurso efetivo para a democratização da educação, em uma sociedade em que tecnologia e ciência são parte fundamental da inclusão social. Referências BRASIL. Ciências humanas e suas tecnologias/Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. 133 p. v. 3. ______. Sociologia: ensino médio. MORAES, A. C. (Coord.). Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010, v.15. Coleção Explorando o Ensino. 2 A exceção foi a abordagem sobre jornalismo num dos encontros, em que foi possível problematizar a neutralidade das publicações jornalísticas. 330 LUCCIO, F. D.; NICOLACIDA-COSTA, A. M. Blogs: de diários pessoais a comunidades virtuais de escritores/leitores. Brasília, Revista Psicologia: ciência e profissão, v. 30, n. 1, março, 2010. FONSECA, L. S. S. O uso do blog no ensino de jovens e adultos: uma investigação em linguística aplicada (Mestrado em linguística aplicada e estudos da linguagem). PUC-São Paulo, 2009, 144p. GASPARIN, J. L. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. 3. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2002. PORTO, A. P. T.; PORTO, L. T. Uso de blogs no processo de aprendizagem de literatura no ensino médio. Tear: Revista de Educação Ciência e Tecnologia, Canoas, v.1, n.1, 2012, p.1-18. ROSSI, C. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 1981. SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1983. YOUNG, M. O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: o argumento radical em defesa de um currículo centrado em disciplinas. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Educação, v. 16, 48, set.-dez., 2011, p. 609-623. 331 2.19 OS DESAFIOS DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA EM HISTÓRIA – UMA PROPOSTA PIBIDIANA PARA O ENSINO MÉDIO Cláudia Regina Bovo Professora coordenadora do PIBID/UFMT/História/Cuiabá Renilson Rosa Ribeiro Coordenador de gestão de processos educacionais do PIBID/UFMT Ao compreender a História como um exercício de reflexão presente feito sobre e a partir do passado, inúmeros historiadores destacaram o potencial construtivo dessa área do conhecimento que está em um constante refazer-se. Segundo Walter Benjamin, a História não é a busca de um tempo homogêneo e vazio, preenchido pelo historiador com a sua visão dos acontecimentos, mas é muito mais uma busca de repostas para ‘os agoras’. A História é um imenso campo de possibilidades onde inúmeros ‘agoras’ irão questionar momentos, trabalhar perspectivas, investigar pressupostos (BENJAMIN, 1986, p. 222). Inspirados por essa citação, pretendemos desenvolver neste trabalho uma reflexão inicial sobre as condições atuais do ensino em História e o espaço que essa disciplina ocupa na definição de uma estratégia de ensino que colabore com o desenvolvimento de uma consciência da história na educação básica brasileira. Essa reflexão tomou corpo no Brasil durante os anos 1960 e 1970, impulsionada pelo contato com a historiografia francesa e, posteriormente, pela divulgação das obras de Walter Benjamin e Edward Palmer Thompson. No cenário acadêmico nacional, multiplicaram-se as discussões acerca da produção do conhecimento histórico, o significado social de sua difusão e as intenções e os objetivos dos profissionais envolvidos na pesquisa e, substancialmente, no ensino desta área do saber. Com relação à produção do conhecimento histórico e suas formas tradicionais de ensino, inúmeras críticas foram travadas durante a Ditadura Militar, sobretudo, no sentido de superar a perspectiva de uma história neutra, enraizada numa matriz historicista, a qual reconstituía o passado através da sucessão cronológica de acontecimentos revelados por uma documentação inquestionável. Naquele momento, os recém-criados cur- 332 sos de pós-graduação em História foram responsáveis por empreender, de maneira sistemática, os questionamentos sobre o modo de se investigar e construir o conhecimento na área. Adaptando princípios vindos do materialismo histórico e da história-problema dos Annales, a historiografia brasileira passou a debater os pressupostos teóricos da investigação histórica e suas formas de ensino. A partir dessa abertura para se pensar o ensino de História, os professores e os pesquisadores começaram a questionar não somente os currículos, mas também a escola, os livros didáticos e os conteúdos estabelecidos de forma vertical pelas autoridades educacionais. Segundo Elza Nadai, esse “processo caminhou da impotência à desesperança e desta ao DESAFIO de se pensar o ‘novo’” (NADAI, 1986, p. 112). Apesar de esses debates estarem presentes nos ambientes de formação dos futuros professores – universidades brasileiras –, foi apenas no início dos anos 1980, num período de relativa abertura política, que os profissionais envolvidos com ensino de história na educação básica passaram a questionar o modo de se ensinar a História, reconhecendo a distância que separava suas práticas e conteúdos daqueles efetivados no ambiente de pesquisa, conceituação e investigação histórica que era a universidade. Muitos aspectos foram levantados na tentativa de apontar os princípios responsáveis pela crise do ensino de História, entre eles destacamos: a permanência no ambiente escolar de um ensino memorialístico que não permitia às pessoas se apropriarem do saber histórico, relegando a poucos o privilégio de ler os acontecimentos ou desenvolver um sentimento de pertencimento por meio do estudo da História; presença de políticas educacionais que romperam com a autonomia da disciplina na educação básica, transformando-a em instrumento de dominação ideológica; permanência de concepções cronológicas sequenciais e progressistas da História; a conservação de concepções de ensino tradicionais, baseadas na descrição de fatos que eram progressivamente acumulados; a superação da pluralidade cultural em favor de um ideal de povo ou nação uniforme (CAIMI, 2001) . Dessa maneira, a apresentação do processo histórico como uma seriação de acontecimentos num eixo espaço-temporal eurocêntrico, seguindo um processo evolutivo e sequencial de etapas que cumpriam uma trajetória histórica, foi acusada como redutora da capacidade do professor e do aluno de sentirem-se parte integrante do processo e agentes de uma história que considerava sua vivência. Ao abordar a complexidade e diversidade que envolvia a construção do conhecimento histórico e sua indissociável vinculação com as expectativas postas pelo tempo presente, tornou-se imprescindível a reflexão sobre os modos de conceber e de ensinar a História. Segundo Holien Gonçalves Bezerra, 333 A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do conhecimento histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico escolar, torna-se um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um olhar consciente para sua própria sociedade e para si mesmo. Ciente de que o conhecimento é provisório, o aluno terá condições de exercitar nos procedimentos próprios da História: problematização das questões propostas, delimitação do objeto, exame do estado da questão, busca de informações, levantamento e tratamento adequado das fontes, percepção dos sujeitos históricos envolvidos (indivíduos, grupos sociais), estratégias de verificação e comprovação de hipóteses, organização dos dados coletados, refinamento dos conteúdos (historicidade), proposta de explicação para os fenômenos estudados, elaboração da exposição, redação de textos. (BEZERRA, In: KARNAL, 2003, p. 42). Nesse sentido, compreendemos que um profissional capaz de refletir sobre os condicionantes da produção e difusão do conhecimento da História precisa assumir a realidade social como objeto, objetivo e finalidade do estudo da História. Sua formação tem que estar pautada em estimular a reflexão crítica, a autonomia, a capacidade de lidar com a diversidade cultural, de posicionar-se diante das situações sociais e políticas dadas e, finalmente, na capacidade ensinar a pensar historicamente. É essencial que ele promova desde o início de sua atividade docente uma investigação cuidadosa sobre as condições de aprendizagem de seus alunos e a bagagem histórica que eles carregam de suas próprias experiências com o passado e com a memória social. De acordo com Isabel Barca, os estudos de referência iniciados nos anos 1980 demonstraram que os alunos dão sentido aos acontecimentos históricos a partir da utilização de conceitos fornecidos pelas suas vivências. Assim, a forma como elaboram os conceitos históricos está imediatamente relacionada aos conceitos da vida social que experimentam enquanto sujeitos. Nessa perspectiva, os participantes do Programa de Iniciação à Docência – PIBID – de História da UFMT-Cuiabá buscaram desenvolver ao longo de sua atuação na Escola Estadual Raimundo Pinheiro um instrumento de avaliação diagnóstica do ensino de História, a fim de identificar as carências e dificuldades enfrentadas pelos profissionais do ensino de História para empreender estratégias de ensino que valorizassem o despertar da “consciência histórica” de seus alunos, contribuindo para que os estudantes desenvolvessem a capacidade de pensar historicamente. A avaliação diagnóstica entendida como um procedimento valorativo da realidade do processo de ensino e aprendizagem é um instrumento útil de coleta de dados para análise da qualidade do ensino na educação básica. Ela é geralmente realizada pelo educador para diagnosticar os pontos fracos e fortes dos alunos em áreas específicas do conhecimento (LUCKESI, 334 2003). Ao verificar quais são as habilidades que os alunos dominam, a avaliação diagnóstica permite identificar a necessidade de retomadas de conteúdo, de novos procedimentos didáticos e, até mesmo, auxilia no levantamento de hipóteses sobre as causas não pedagógicas dos fracassos na aprendizagem. Segundo Swearingen: Medir, antes do processo de aprendizagem, cada deficiência, competência, fraqueza, conhecimentos e habilidades, permitirá que o professor oriente seus alunos e ajuste o currículo para suprir suas demandas e necessidades. (SWEARINGEN, 2002) Como o domínio da cognição histórica envolve primeiramente uma investigação sobre a natureza da História, foi preciso organizar um modelo de instrumento avaliativo que investigasse o interesse da comunidade escolar – alunos, professores, pais ou responsáveis e também os funcionários da escola – em História, entendida como área do conhecimento que lida com a investigação das práticas humanas no tempo, visando a construir uma compreensão coerente das sociedades a partir de problemáticas suscitadas pelo presente histórico. Era preciso identificar através dos questionários se a comunidade escolar compreendia o compromisso do ensino da História na Educação Básica, qual seja, promover a desnaturalização e a problematização dos acontecimentos, buscando determinar a historicidade dos eventos. Habitualmente, a comunidade escolar reconhece que a História, enquanto disciplina escolar, tem como objetivo estimular a “formação crítica” do estudante na Educação Básica. Mas, raramente, é atribuído um sentido específico para essa condição crítica, ignorando-se sobre o que versa esse exame detalhado da realidade vivida e quais são as habilidades necessárias para fazê-lo. Muitas vezes, o próprio professor, responsável pelo ensino da História, ignora que o desenvolvimento da consciência histórica compreende uma didática específica, tangenciada pelo estímulo à capacidade de contextualizar os acontecimentos. O exercício de conhecer e pensar historicamente envolve um distanciamento gradual do ponto de vista próprio para ser capaz de perceber uma perspectiva posta por uma construção racional, validada metodologicamente e reconhecida por um grupo de pares. O desafio do instrumento de avaliação diagnóstica era investigar o interesse da comunidade escolar em promover uma efetiva educação histórica. Por isso, foram compostos 4 formulários distintos: um formulário dirigido aos alunos; outro formulário dirigido aos pais ou responsáveis; um terceiro dirigido aos professores; e, finalmente um formulário destinado aos gestores e aos funcionários da instituição de ensino. Com o formulário dos alunos, buscava-se averiguar o que eles entendiam sobre História, quais experiências bem ou mal sucedidas vinculavam à disciplina, bem 335 como perceber se as estratégias de sensibilização empreendidas pelos professores eram percebidas. Já os formulários dos pais ou responsáveis e o formulário de gestores e funcionários apresentavam questões sucintas e diretas que visavam a identificar a importância dada à disciplina História no conjunto das disciplinas que integravam o currículo da Educação Básica. O formulário dos professores era mais extenso e complexo, visando a identificar a formação, a prática educativa, o posicionamento diante da vida profissional, os instrumentos de ensino que utilizam costumeiramente em sala de aula, além de questões educacionais concretas ligadas à política educacional. Com esse ponto de partida, o PIBID-História/UFMT/Cuiabá formulou propostas e ações integradoras para o desenvolvimento de um processo de ensino-aprendizagem em História coerente com a natureza da disciplina e adequado ao estímulo do pensar historicamente. A expectativa é que os integrantes do subprojeto PIBID-História possam se aproximar das demandas que envolvem o ensino de História, não apenas com relação às expectativas dos alunos, mas também de seus pais e dos funcionários da Escola, os quais contribuem, mesmo que indiretamente, para a construção de uma cultura do ensino na Educação Básica. Referências BENJAMIN, W. Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política. 4ed. Vol. 1. São Paulo: Brasiliense. BARCA, I. Educação histórica: uma nova área de investigação. História. Revista da faculdade de Letras. Porto, III Série, vol. 2, 2001, p. 13-21 CAIMI, F. E. Conversas e controvérsias: o ensino de história no Brasil (1980-1998). Passo Fundo-RS: UPF, 2001. KARNAL, L. (Org.). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005. LUCKESI, C. Avaliação da aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: Cortez, 2003; NADAI, E. A escola pública contemporânea: os currículos oficiais de história e o ensino temático. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 06, n. 11, p. 99-116, 1986. ROCHA, H.; MAGALHÃES, M.; GONTIJO, R. (org.) A escrita da história escolar. Memória e historiografia. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2009, p. 35-50. 336 Anexo 1 – formulários aplicados Caro(a) aluno(a), Esta pesquisa é parte do trabalho do Programa Institucional de Iniciação a Docência da UFMT (PIBID). Pedimos sua colaboração para que responda as perguntas desta pesquisa, cujo objetivo é conhecer a realidade dos estudantes da Escola Raimundo Pinheiro. Pedimos que você leia com atenção essas perguntas e responda de forma sincera. Não é preciso se identificar. 1. Idade________________ Sexo: ( ) F ( ) M 2. Em qual turno você estuda? ( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno 3. Por que você gostaria de se formar no Ensino Médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4. Na sua opinião, qual a aula que você mais gosta? Por que? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5. Você estudou História em 2011? ( ) Sim ( ) Não 6. Dos temas estudados em História, qual você gostou mais? Por que? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7. Na sua opinião, como deveria ser a aula de História? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 8. Como os conteúdos estudados em História poderão ajudá-lo em sua vida? __________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 337 Aos Senhores Pais ou Responsáveis, Esta pesquisa é parte do trabalho do Programa Institucional de Iniciação a Docência da UFMT (PIBID). Pedimos sua colaboração para que responda as perguntas desta pesquisa, cujo objetivo é conhecer a realidade dos estudantes da Escola Raimundo Pinheiro. Pedimos que você leia com atenção as perguntas e responda de forma sincera. Não é preciso se identificar. 1. Idade:________________ 2. ( ) Pais ( ) Responsável Sexo: ( ) F ( ) M Grau de parentesco___________________________ 3. Seu filho(a) tem um lugar específico para estudar em casa? Qual? ___________________________________________________________________________ 4. Você considera que a aula de História é importante para seu filho(a)?Justifique. ( ) Sim ( ) Não ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5. Em sua casa existe algum diálogo com seu filho(a) sobre como é a aula de História? Se a respota for positiva, cite um exemplo. ( ) Sim ( ) Não ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6. Sabemos que existem várias formas de ampliar o conhecimento de História, como idas a museus, visitas a patrimônios históricos e etc. Você incentiva seu filho a frequentar esses lugares? ( ) Sim ( ) Não 7. Quando era estudante você gostava de estudar História? Por que? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 338 Caro Diretor(a), Coordenador(a) e Funcionário(a) Esta pesquisa é uma avaliação diagnóstica do ensino de História desenvolvida pelo Programa Institucional de Iniciação a Docência da UFMT. Seu objetivo é diagnosticar as condições do ensino de História no Ensino Médio, visado a proposição de estratégias para sua maior qualidade. Pedimos que você leia com atenção as perguntas e responda de forma sincera. Não é preciso se identificar. 1. Idade:________________ Sexo: ( ) F ( ) M 2. Em qual turno você trabalha? ( ) Matutino ( ) Vespertino ( ) Noturno 1. Qual sua função na escola Raimundo Pinheiro? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2. A disciplina História dialoga com outras disciplinas do currículo escolar? Qual? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3. Na escola existe algum projeto na área de História? Qual? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4. Em sua opinião, qual a importância da História na preparação da vida em sociedade? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5. Faça alguma sugestão ou elogio a forma como a disciplina História deve ser trabalhada no Ensino Médio? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 339 3.1 REDUZIR, REUSAR E RECICLAR: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE INGLÊS E O DESENVOLVIMENTO DE CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL1 Eladyr Maria Norberto da Silva Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Fabiani Viana da Costa Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Série(s) a que se destina Este material é preparado e destinado a alunos que cursam o 2º ou 3º ano do ensino médio. Componentes Escolares A sequência didática se organiza em torno da disciplina de Língua Inglesa e de algumas noções de Ecologia e Meio Ambiente. Conteúdos envolvidos A unidade tem como tema “meio ambiente e desenvolvimento sustentável” e é desenvolvida por meio de leitura de texto, análise e interpretação do gênero textual “receita”. O conteúdo lexical e linguístico abordado é o uso da forma verbal “imperativo” para instruções e de marcadores discursivos que indicam sequência lógica de processo no texto. Envolve também questões de letramento crítico relacionadas à cidadania e conscientização ambiental. Apresentação Inúmeros estudos têm buscado investigar a crença de que não é possível aprender Inglês em aulas regulares da escola pública (PERIN, 2005; COELHO, 2006, CUSTÓDIO, 2006; COX; ASSIS-PETERSON, 2008). Buscando delinear novos caminhos para o ensino de línguas, os do1 Esta sequência didática foi aplicada, com sucesso, em turmas do 3ºAno do Ensino Médio da Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva, pelos bolsistas de iniciação à docência Fabiani Costa, Douglas Borges, Isadora Falbot, Natali Ferreira e Rosenilda Delgado, no primeiro semestre de 2011, sob a supervisão das Profªs Naide Ferreira e Soraya Albuquerque e orientação da Profª Drª Eladyr M. N. da Silva. 341 cumentos oficiais de orientação curricular (BRASIL 2002; 2006) sugerem uma abordagem que privilegia a aprendizagem por meio do uso de gêneros textuais e de letramento crítico. A partir de estudos, oficinas e colóquios realizados durante nossa atuação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) de Inglês, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no período de 2010-2011, foi elaborada e desenvolvida uma unidade didática para ensinar inglês por meio de gêneros textuais e de letramento crítico nas turmas de 3º ano do Ensino Médio na Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva em Cuiabá/MT. Esta proposta, que foca na formação do aluno como cidadão social e crítico,envolve mudanças de formas de ensinar a língua inglesa e de crenças enraizadas na prática pedagógica do professor de línguas. A sequência didática que será apresentada trabalha o gênero textual “receita” de papel reciclado, cujo tema é “desenvolvimento sustentável”. Ao utilizar uma receita de papel reciclado em inglês, os alunos têm a oportunidade de reconhecer as características textuais e os elementos linguísticos desse gênero e de desenvolver o pensamento reflexivo sobre o tema durante as aulas. Objetivos da Sequência Didática São objetivos desta sequência didática: • Proporcionar reflexão a respeito de assuntos relacionados à reciclagem, à redução de consumo, re-utilização de materiais para a manutenção sustentável do nosso ecossistema e à conscientização ambiental. • Desenvolver o reconhecimento de características estruturais e lingüísticas para instruções do gênero textual “receita” – uso da forma verbal “imperativo” em instruções e de marcadores discursivos para indicar a sequência de passos de um processo. • Desenvolver habilidade de compreensão escrita por meio de estratégias de leitura. • Proporcionar prática autêntica de reciclagem e re-utilização de material por meio da confecção de um cartão ecológico de papel reciclado. Fundamentação teórica Esta proposta parte do princípio de que, na atual conjuntura, não cabe mais ao professor somente transmitir conhecimento, mas, sim, de oportunizar o conhecimento de maneira pedagógica e didática, para que o estudante se torne cada vez mais autônomo e responsável pelo seu pro342 cesso de aprendizagem e, consequentemente, um sujeito cada vez mais crítico e reflexivo. Nesse sentido, apoia-se nas ideias de Dewey (1959, p. 167), para quem “o único caminho direto para o aperfeiçoamento duradouro dos métodos de ensinar e aprender consiste em centralizá-los nas condições que estimulam, promovem e põem em prova a reflexão e o pensamento”. A unidade didática por nós elaborada está também fundamentada nas noções de gênero textual e letramento crítico como abordagens para o ensino de línguas, conforme as recomendações das diretrizes nacionais para o ensino médio (BRASIL, 2002; 2006). A partir dos estudos de Bakhtin (1992), compreendemos língua como um conjunto de enunciados que é construído e situado historicamente, permeado por ideologias, relações de poder e cultura e que se constitui na comunicação com o outro. Ambas as abordagens – de letramento crítico e de gênero textual – se alinham à noção de língua como prática social. O letramento crítico é uma prática educacional que permite o questionamento das relações de poder que subjazem o discurso e o desenvolvimento de posturas críticas no estudante (MATTOS, 2011, p. 42). Já os gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais se originam de diferentes campos da atividade humana e podem incluir tanto aspectos orais como escritos da língua (BAKHTIN, 1992). Os gêneros textuais têm o papel de organizadores de nosso discurso e de reguladores das práticas linguísticas. O enunciado - a “real unidade da comunicação discursiva” – está inserido em um determinado momento de comunicação, tem enunciador, um interlocutor, um determinado propósito, um contexto de enunciação, também carregado de significado (BAKHTIN, 2003, p. 282 apud SCHLATTER, 2009, p. 14). Segundo Antunes (2002), o que caracteriza um trabalho relevante envolvendo gêneros textuais é o estímulo a práticas de expressão de comunicação verbal e cognitivas que desenvolvam a interação dos alunos em um nível sóciocomunicativo, de um jeito enunciativo-discursivo, promovendo o pensamento de cidadania a partir do conhecimento da língua estrangeira. Os textos não são determinados simplesmente por seus elementos imanentes. Vão além e atingem fatores contextuais que, na verdade, o condicionam, o determinam e lhe conferem propriedade e relevância. Ou seja, é preciso chegar ao nível das práticas sociais e ao nível das práticas discursivas, onde, de fato, se definem as convenções do uso adequado e relevante da língua. Desde estas dimensões - complexas e alargadas - é que se pode perceber como são os textos concretos, os textos historicamente reais, que circulam nas relações interpessoais. E neste ponto se chega a noção de gêneros de texto (ANTUNES, 2002, p. 68). 343 Na sequência didática que elaboramos, o gênero textual enfocado – receita para reciclar papel – é explorado a partir do contexto sociocultural dos estudantes, incentivando as práticas ligadas à conscientização geral sobre o meio ambiente, como uma alternativa de aliar e aplicar no seu cotidiano soluções sustentáveis para diminuir o efeito da degradação ambiental em nosso ecossistema. Nesse sentido, a receita de papel reciclado proporciona esta possibilidade, e não somente o foco nos aspectos linguísticos, paralinguísticos ou gramaticais dos textos. Descrição da sequência didática A sequência didática é realizada em três aulas de 55 minutos. Para desenvolvê-la, são necessários os seguintes recursos didáticos, previamente elaborados e/ou adaptados pelo professor: slides sobre a preservação do meio ambiente; texto de receita de papel reciclado em inglês adaptado ao nível linguístico dos alunos; sequência de fotos do processo de preparo de papel reciclado; cartão confeccionado com papel reciclado como modelo para o produto final a ser desenvolvido pelos alunos; trailer do documentário “Wasteland/Lixo”; quadro de marcadores discursivos com exercícios de fixação; roteiro para atividades reflexivas sobre o tema. Aula 01 A aula é iniciada com uma atividade de warm-up acerca do tema “conservação ambiental”. Por meio de perguntas, o professor busca recobrar o conhecimento e a experiência prévia dos alunos a respeito de reciclagem e conservação ambiental e conhecer sua opinião sobre o tema. Dando continuidade, o professor apresenta e discute uma sequência de slides embasados no documentário “Lixo” (ver Anexo 1, Figura 1), com o intuito de levá-los a refletir sobre o que é lixo e qual é a importância da reciclagem. O último slide traz algumas questões de reflexão sobre a conscientização ambiental, que são discutidas oralmente em sala, de forma breve, pois elas serão retomadas no início da aula seguinte. O próximo passo é mostrar aos alunos o processo de reciclagem de papel. O professor apresenta o texto “Recycled Paper”, que é uma receita de reciclagem de papel e, por meio de estratégias de leitura, estimula os alunos a reconhecerem as características estruturais do gênero textual ‘receita’ (por exemplo, lista de ingredientes, modo de fazer, passos de um processo etc.) e a identificarem itens linguísticos que possam auxiliar a compreensão da receita – uso de palavras cognatas, palavras-chave, verbos no modo imperativo, conectivos etc. (ver Anexo 2). 344 No final da aula, o professor convida os alunos a seguirem os passos da receita e fazerem um cartão com o papel reciclado por eles como produto final da unidade. Dando início ao processo, eles deverão elaborar uma frase motivadora em inglês sobre o tema “preservação do meio-ambiente” para ser escrita no cartão. Como exemplo, o professor pode mostrar um cartão com uma frase simples, no modo imperativo, que tenha uma mensagem ecológica, como, por exemplo, “Recycle and Help the Planet!” “Be Green and Live Longer!”. As frases serão coletadas pelo professor. Como consolidação da discussão feita em sala, o professor também lhes pedirá que respondam, por escrito e em português, como tarefa de casa, algumas questões de reflexão sobre o tema da aula (ver Anexo 3). As respostas serão compartilhadas com todos da sala na Aula 3 e coletadas pelo professor. Aula 02 O professor inicia a aula coletando as frases incentivadoras para atitudes de proteção ao meio ambiente, as quais serão corrigidas e entregues na aula seguinte. Em seguida, a receita de reciclagem de papel é apresentada novamente passo a passo em forma de slides, com imagens que auxiliam a compreensão das instruções2. O professor explora cada slide para aprofundar o entendimento do texto (ver Anexo 4. Figuras 2 e 3). Nesta etapa, é importante relembrar os alunos que o texto trabalhado na aula anterior pertence ao gênero “receita” e possui algumas características comuns: listagem de substantivos que compõem os ingredientes da receita, verbos no modo imperativo que apresentam instruções, preposições. Deve chamar a atenção para os marcadores de discurso que aparecem no texto (first, then, now, next, after, and, before, again, attheend, finally) e perguntar qual é a função dessas palavras no texto de receita, conduzindo-os à compreensão de seu papel para marcar a sequência de procedimentos. Como prática de reconhecimento e emprego de conectivos em instruções, alunos fazem exercícios escritos de fixação, que podem ser de reordenação de uma sequência de procedimentos de uma receita e emprego de conectivos em sentenças em instruções simples. Os últimos minutos da aula são dedicados a esclarecer dúvidas sobre o texto, reforçar a importância de eles produzirem o papel reciclado e confeccionarem o cartão como consolidação da unidade e de fazerem a reflexão sobre seu papel para o desenvolvimento sustentável (atividade reflexiva da Aula 1). 2 As fotos dos slides foram feitas pelos próprios bolsistas durante o processo para produção de papel reciclado, seguindo a receita que compõe a unidade. O professor que desejar pode seguir o mesmo procedimento e, dessa forma, apresentar um material autêntico aos seus alunos.. 345 Aula 03 Na primeira parte da aula, o professor entrega as frases corrigidas e comenta algumas. Alternativamente, pode apresentar todas as frases em datashow para que a turma conheça as diferentes sugestões feitas. Ele relembra aos alunos que estas sentenças serão inseridas no cartão (ver modelo em Anexo 5), a ser confeccionado com o papel reciclado, a partir das instruções do texto da Aula 1 e 2. Em seguida, os alunos compartilham seus pontos de vista sobre cada uma das perguntas reflexivas da Aula 1. Para esta atividade, o professor organiza os alunos em semicírculo e atua como mediador, orientando-os na exposição de seus pontos de vista e controlando o tempo de fala de cada um. Enfatiza a importância de os alunos respeitarem a opinião dos colegas e de organizarem suas idéias de forma respeitosa, uma vez que, nesta discussão, não existe um vencedor ou perdedor. A proposta é reunir todas as idéias debatidas, sejam elas divergentes ou não, e, através disso, chegar a um consenso geral sobre o tema. Ao longo da discussão, o professor anota na lousa os diferentes argumentos e opiniões expressados pelos alunos. No final da atividade, ele os conduz à elaboração de uma síntese do posicionamento da turma perante a problemática do lixo em nossa sociedade. O objetivo desta atividade é colocar em pauta as opiniões dos alunos sobre o assunto trabalhado na unidade e levá-los a expor sua argumentação, de forma crítica, saudável e produtiva, respeitando as idéias uns dos outros. As respostas escritas que haviam sido feitas de tarefa são coletadas para avaliação qualitativa. Recomendamos que sejam reservados alguns minutos no final da aula para a organização de duplas de estudantes para o preparo da receita de papel reciclado e a confecção dos cartões de incentivo a posturas de conservação ambiental. Os alunos deverão trazer os cartões confeccionados na aula seguinte e apresentá-los à turma. Como culminância do projeto, os cartões poderão ser expostos no mural da escola para apreciação da comunidade escolar. Avaliação Os alunos podem ser avaliados por meio de sua participação nas atividades orais (discussões) e escritas (exercícios escritos) em sala de aula, pela sua participação nas atividades escritas de tarefa (elaboração de frases para o cartão, respostas às questões reflexivas) e pela confecção do produto final – criação de um cartão com o papel reciclado que eles próprios fizeram. 346 Considerações finais Descrevemos aqui uma sequência didática desenvolvida por um grupo de bolsistas Pibid com alunos do Ensino Médio, a qual se baseou nas abordagens de ensino de língua por meio de gêneros textuais e de letramento crítico, em consonância com as recomendações das orientações curriculares vigentes. Embora esta tenha sido a primeira experiência dos bolsistas nessas novas abordagens e o tempo tenha sido limitado, acreditamos que o trabalho realizado foi produtivo. Os alunos corresponderam bem à proposta, mostrando-se interessados e participando ativamente de todas as etapas da unidade, inclusive na elaboração do produto final. Foi desenvolvido um material didático adaptado à realidade de sala de aula e ao conhecimento de língua deles, que, de uma forma interdisciplinar, permitiu despertar seu espírito crítico por meio do ensino de inglês dentro de um tema atual e relevante ao seu contexto. Como Souza (2011, p. 129), entendemos que o desafio de “preparar aprendizes para confrontos com diferenças de toda espécie se torna um objetivo pedagógico e premente, que pode ser alcançado através do letramento crítico”. A unidade didática aqui apresentada, a qual teve o foco na linguagem como prática social de forma reflexiva e interativa nas aulas de inglês, é uma iniciativa que tem o potencial de despertar nos estudantes um espírito crítico capaz de promover mudanças. Referências ANTUNES, I. C. Língua, gêneros textuais e ensino: considerações teóricas e implicações pedagógicas. Perspectiva, Florianópolis, v. 20, n. 1, p. 6576, 2002. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. PCN+ Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagem, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF: MEC/ SEMTEC, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol. 1. Brasília: MEC/SEB, 2006. 347 COX, M. I. P.; ASSIS-PETERSON, A. A. O drama do ensino de Inglês na escola pública brasileira. In: ASSIS-PETERSON (Org.). Línguas estrangeiras: para além do método. São Carlos: Pedro & João Editores / Cuiabá: EdUFMT, 2008, p. 19-54. COELHO, H. S. H. “É possível aprender inglês na escola?” Crenças de professores sobre ensino de inglês em escolas públicas. In: BARCELOS, A. M. F.; ABRAHÃO, M. H. V. (Org.). Crenças e Ensino de Línguas: foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas: Pontes Editores, 2006, p. 125-143. CUSTÓDIO, M. M. C. Crenças de alunos e professores da escola pública sobre o ensino e a aprendizagem de língua inglesa. In: FONTANA, N. M.; LIMA, M. S., (Org.). Língua Estrangeira e Segunda Língua: Aspectos pedagógicos. Caxias do Sul, RS: Educs, 2006, p. 63-89. DEWEY, J. Democracia e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. MATTOS, A. M. A. Novos Letramentos, Ensino de Língua Estrangeira e o Papel da Escola Pública no Século XXI. Revista X, v. 1, n. 1, p. 33-47, 2011. PERIN, J.O.R. Ensino/aprendizagem de língua inglesa em escolas públicas: o real e o ideal. In: JORDÃO, C.; GIMENEZ, T.; ANDREOTTI, V. (Org.) Perspectivas educacionais e o ensino de Inglês na escola pública. Pelotas: Educat, 2005, p. 143-157. SCHLATTER, M. O ensino de leitura em língua estrangeira na escola: uma proposta de letramento. Calidoscópio, vol. 7, n. 1, p. 11-23, 2009. SOUZA, L. M. T. M. Para uma redefinição de letramento crítico: conflito e produção de significação. In: MACIEL, R. F.; ARAUJO, V. de A. (Org.). Formação de professores de língua: ampliando perspectivas. Jundiaí: Paco Editorial, 2011, p. 128-140. 348 Anexo 1 – Slides sobre reciclarem e conservação ambiental Figura 1 – Slides de conscientização sobre o meio-ambiente 349 Anexo 2 – Texto de receita de papel reciclado RECYCLED PAPER MATERIALS NEEDED: • Staple gun • Ripped-up pieces of paper (experiment with different types) • Newspaper • Fabric • Blender • Kitchencloths • Woodenpicture frame • Container • Rolling pin orglassbottle INSTRUCTIONS: - Before you get started Staple your piece of fabric over the back of your wooden frame. Make sure it is firm. Also, lay down the newspaper on your work surface and cover it with the kitchen cloth. - Steps 1)First, rip up the paper into small pieces before dumping them into the blender. Saturate the paper with water and then blend the paper until is pulpy. 2)Next, pour the paper mash into a container that is big enough to hold the wooden frame. The pulp should fill the container half way. 3)After, place your frame faces up into the paper water so that it is covered; forming a tray. Try to cover the frame evenly with pulp. Once you have an even layer of pulp, remove the frame from the water and, in one movement, dump the pulp out of the frame onto your kitchen cloth. 4)Finally, place a second kitchen cloth on top of the pulp and use a rolling pin or a bottle glass to press out the excess water. 5)At the end, remove the cloth and you now have homemade paper! As you get better, try experimenting with different types of paper and adding leaves, flowers, essences of smell and color to your paper. ENJOY IT! Adapted from http://www.itsamomsworld.com GLOSSARY staple gun - grampeador blender – liquidificador container – recipiente rolling pin – rolo (para massas) surface – superfície faces up – voltado para cima tray – bandeja leaves – folhas 350 3 – Atividade Reflexiva FOOD FOR THOUGHT Com base na apresentação sobre conscientização do lixo e na receita para fazer o papel reciclado, responda as questões abaixo refletindo criticamente sobre o seu papel como agente modificador da sociedade: 1) Coleta seletiva ajuda a diminuir a quantidade de materiais não biodegradáveis na natureza. Qual é sua opinião a respeito das ações para selecionar o lixo caseiro? Será que esse tipo de ação é suficiente para a conscientização ecológica do ser humano? O que mais pode ser feito? 2)Quais são os benefícios da reciclagem de papel e outros materiais não biodegradáveis? O simples fato de reciclar papel transforma a pessoa que faz isso em um ativista? Na verdade, o que é ser um ativista em prol do meio-ambiente? Quais são os motivos que levam as pessoas a quererem fazer parte de uma organização que defende e apóia a natureza? 3)Você achou a idéia de reciclar papel interessante? Como você pode contribuir para o desenvolvimento sustentável no seu contexto? Que outros tipos de atitudes você pode cultivar para ter um papel mais ativo na conservação ambiental? 351 Anexo 4 – Slides com passo a passo da receita de papel reciclado 352 Figura 2 – Slides com passo a passo da receita de papel reciclado 353 Anexo 5 – Modelo de cartão reciclado com frase em inglês sobre meio ambiente Figura 3 – Modelo de cartão reciclado em inglês 354 3.2 “AMAZÔNIA , O LUGAR MAIS PRECIOSO DO PLANETA”: UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE INGLÊS1 Eladyr Maria Norberto da Silva Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Itália Cristina Maciel Pinheiro Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Série(s) a que se destina O material didático que será apresentado é destinado a alunos do 1º ano do Ensino Médio, que tenham um conhecimento básico da Língua Inglesa. Componentes Escolares Língua Inglesa, Ecologia. Conteúdos envolvidos Uso da forma verbal ‘will’ para predição de futuro, estratégias de leitura, reflexão crítica acerca do desmatamento e da internacionalização da Amazônia. Apresentação As Orientações Curriculares Nacionais e Estaduais argumentam que é responsabilidade da instituição escolar educar para a cidadania e sugerem a abordagem do letramento crítico nas aulas de língua estrangeira, como uma forma de atingir esse objetivo. A partir dessa perspectiva, apresentamos uma sequência didática, envolvendo reflexão crítica sobre o tema “Amazônia, o lugar mais precioso do planeta”. A escolha do tema se deve a sua relevância para a sociedade. A preocupação com o meio ambiente é um elemento que vem sendo amplamente discutido e incluído como parte da prática do conteúdo dos livros didáticos. 1 Esta sequência foi elaborada e desenvolvida pelas bolsistas de iniciação à docência do Pibid de Inglês da UFMT do campus Cuiabá, Itália Pinheiro e Valdirene da Silva, com os alunos do 1º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva, no 2º semestre de 2012, em três aulas semanais de cinquenta e cinco minutos, sob a supervisão da Profª Paula Beatriz Lima e a orientação da Profª Drª Eladyr M. N. da Silva. 355 Diante da preocupação com o desmatamento e falta de políticas públicas que atendam efetivamente a conservação, além do risco de internacionalização da Amazônia, elaboramos uma seqüência didática envolvendo três aulas de cinquenta e cinco minutos cada, com o objetivo de promover uma discussão sobre o papel da Amazônia no contexto atual e despertar o olhar crítico dos estudantes sobre um tema polêmico contemporâneo. Serão descritas as etapas principais da experiência e apresentadas amostras das atividades aplicadas em sala de aula, que incluíram trabalho com estratégias de leitura, textos de diferentes gêneros discursivos impressos e em vídeo, discussão sobre o tema e exercícios de prática oral e escrita da língua. Objetivos da Sequência Didática Esta sequência didática tem os seguintes objetivos: • Proporcionar oportunidade para a reflexão crítica acerca do desmatamento e da venda e/ou internacionalização da Amazônia. • Apresentar estratégias de leitura para facilitar a compreensão do texto sobre meio ambiente. • Oferecer prática de uso das estratégias de leitura por meio de exercícios e interpretação de texto. • Apresentar a estrutura da forma verbal ‘will’ para predição de futuro no contexto da Amazônia. Fundamentação teórica A proposta de uma sequência didática sobre questões ambientais na Amazônia se pauta em princípios e abordagens recomendados pelas Orientações Curriculares Nacionais para a Língua Inglesa no Ensino Médio (BRASIL, 2006), na tentativa de promover ensino e aprendizagem de língua em consonância com as necessidades do aluno contemporâneo. Dentre eles, destacam-se o foco na interdisciplinaridade, na intertextualidade, o uso de textos de gêneros diversificados para o ensino de línguas, a utilização de estratégias de aprendizagem para o trabalho com a língua, o uso da língua materna como elemento facilitador na aprendizagem da língua estrangeira e a abordagem de letramentos, para o ensino da língua, para o desenvolvimento de postura crítica e para a compreensão e uso de linguagem por meios digitais. A interdisciplinaridade, ou interação entre áreas de saber, se organiza em torno de um eixo integrador, que pode ser o objeto de conhecimento, um projeto ou uma pesquisa em pequena escala. Sua operacionalização 356 se dá efetivamente em atividade conjunta com as disciplinas envolvidas, cada qual realizando tarefas e desenvolvendo competências específicas à sua área, ou no interior de uma só disciplina, por meio de textos, atividades e sugestões de projetos e investigações que abordam outras áreas de conhecimento (BRASIL, 2004). A intertextualidade é trabalhada por meio da utilização de textos de modalidades variadas (visual, escrito, oral) que trazem diferentes visões de mundo sobre o mesmo tema, oferecendo a alunos e professor possibilidades de estabelecer conexões. Ao conduzirmos os alunos a perceberem determinado assunto sob várias perspectivas, estamos contribuindo para o desenvolvimento de seu senso crítico e potencializando sua capacidade de construir opiniões e posturas frente à sociedade (COSTA, 2010). A adoção de estratégias de aprendizagem no ensino de língua nasce da necessidade de instrumentar o aluno para que ele possa desenvolver autonomia no seu processo de aprendizagem. Nesta sequência didática, lançamos mão das estratégias de leitura para auxiliá-lo na compreensão de textos em inglês. Para os interessados em uma introdução sobre uso de estratégias de leitura como ferramenta para leitura mais eficiente, recomendamos o texto de Adamy (2004), que discute o processo de leitura em língua estrangeira, apresenta as principais estratégias de leitura e explica como podemos ajudar os estudantes a se tornarem melhores leitores, com o suporte das estratégias. Finalmente, central para esta proposta de trabalho é a noção de letramentos, que pode ser entendida como a habilidade de ler, escrever, usar a língua de forma visual, oral e escrita de maneira adequada em diferentes contextos (COSTA, 2010). O conceito de letramentos ou multiletramento permite a compreensão de novos e complexos usos da linguagem em várias situações, que são referidos como “letramento visual”, “letramento digital”, “letramento crítico etc., para lidar com a complexidade dos usos da linguagem na atualidade (BRASIL, 2006, p. 106). Especificamente em relação ao letramento crítico, Mattos (2011, p. 42) afirma ser esta “uma prática educacional que focaliza a relação entre linguagens e relação de mundo, práticas sociais, poder identidade e cidadania, relações interculturais e questões de globalização/localização”. Além disso, contribui para despertar posturas críticas no aluno e pode ajudá-lo a se tornar um cidadão mais ativo e consciente sobre assuntos que permeiam seu dia a dia e o mundo em que vive. Descrição da sequência didática A seqüência didática envolve três aulas de cinqüenta minutos cada. Serão descritas a seguir os procedimentos e materiais a serem utilizados nas aulas. 357 Aula 01: A primeira aula envolverá a leitura e discussão de um texto informativo sobre a Amazônia. Para a apresentação do conteúdo, sugerimos que o professor explore imagens sobre natureza e vida selvagem, por meio de cartazes ou datashow para incitar a participação dos alunos e introduzir o assunto. Pode também colocar algumas perguntas aos alunos sobre sua postura frente a questões ambientais, tais como “What do you do to help the environment? Do you consume organic food? Do you take short showers? Do you support political parties that have a ‘green’ agenda? etc. A partir da participação dos alunos nessa breve atividade de warming up, o professor explicará aos alunos que o conteúdo didático terá como tema central a natureza e, mais especificamente, o fantástico ecossistema presente no país: a Amazônia. Em seguida, será entregue aos alunos um texto informativo sobre a Amazônia (ver Anexo 1), retirado da Internet. Para auxiliá-los na compreensão do texto, recomendamos o uso de estratégias de leitura, tais como predição de informações, ideias e palavras, uso de informações não-verbais, do conhecimento prévio, de palavras cognatas, de palavras-chave, inferência a partir do contexto, reconhecimento das ideias principais e localização de informações específicas, características do gênero textual, identificação da estrutura do texto e avaliação crítica das ideias contidas no texto. Para alunos que ainda não foram expostos às estratégias de leitura, sugerimos que o professor apresente e exemplifique cada uma das estratégias, utilizando o próprio texto. Por exemplo, para abordar a estratégia de predição do assunto e das ideias contidas no texto, o professor pode chamar a atenção dos alunos para o título, as fotos e a fonte de publicação do texto, para que eles tentem, de uma forma rápida, prever o assunto tratado no texto. Em seguida, pode pedir aos alunos que leiam rapidamente os primeiros parágrafos para conferirem se fizeram a predição correta. Para contextualizar o uso de palavras cognatas, ou seja, palavras que tenham forma e significado semelhantes em inglês e português, o professor pode solicitar aos alunos que encontrem e sublinhem cinco palavras cognatas nos dois parágrafos seguintes do texto. O mesmo procedimento – de explicar as estratégias de leitura e, em seguida, pedir aos alunos que a coloquem em prática para a compreensão do próprio texto – pode ser realizado com as outras estratégias de leitura até que todas sejam apresentadas e praticadas, e o texto tenha sido efetivamente compreendido. As atividades de compreensão de leitura que acompanham o texto envolvem a aplicação das estratégias de identificação das ideias principais e de informações específicas (ver Anexo 1). Após a explicação das estra358 tégias, os alunos terão subsídios necessários para desenvolver com êxito esta atividade. Ao ilustrar as estratégias de leitura por meio do texto, buscamos fornecer subsídios que auxiliem os alunos na compreensão do texto de forma bem sucedida. Desse modo, eles poderão se sentir mais motivados a participar das leituras propostas nas aulas. Aula 02: Na segunda aula, os alunos assistem a uma propaganda publicitária veiculada na Internet para o público norte-americano, com legenda em português, que propõe de forma indireta a compra da Amazônia (ver Anexo 2). Com isso, os alunos têm a oportunidade de refletir e discutir sobre o desmatamento e venda (internacionalização) da Amazônia. Ao contextualizar o tema com um texto autêntico, em forma de vídeo, busca-se despertar seu olhar crítico sobre um tema polêmico da atualidade. Após a visualização do vídeo e a leitura silenciosa da transcrição do texto, o professor conduz uma discussão sobre o tema apresentado. Como o texto em vídeo foi apresentado com legendas em português, a compreensão do texto pode ser feita de forma pontual, aproveitando o conhecimento trabalhado na aula anterior das estratégias de leitura, focando, por exemplo, em palavras-chave e palavras cognatas. Inicialmente o professor deve explorar as questões e opiniões levantadas pelos alunos. Recomendamos, contudo, que aproveite para fazer uma reflexão sobre a falta de políticas públicas eficazes em prol da conscientização e preservação da Amazônia e sobre a importância de ações para a conservação dos recursos naturais presentes no país. Após a discussão, o professor pode organizar um debate com os alunos em língua materna, dividindo a sala em dois grupos – um a favor e outro contra a venda da Amazônia. São dados de cinco a dez minutos para que organizem seus argumentos. Em seguida, procede-se ao debate, conduzido pelo professor, a partir de regras claras de tempo de apresentação dos argumentos e contra-argumentos. No final da atividade, é feita uma reflexão estendida ao meio-ambiente local e ao papel dos estudantes como cidadãos na preservação do meio-ambiente em Mato Grosso. Como tarefa de casa, pode-se sugerir aos alunos que procurem o significado de as palavras desconhecidas do texto em dicionário. Aula 03: O professor inicia a aula retomando o assunto discutido na aula anterior, revisando por meio de imagens sobre a Amazônia, por meio de car359 tazes ou slides em datashow (ver Anexo 3). Em seguida, sugerimos que pergunte aos estudantes o que poderia acontecer com a Amazônia em 100 anos se nada for feito (What will happen to the Amazon in 100 years if nothing is done?). Os alunos, provavelmente, responderão em português, com exemplos de estruturas de predição do futuro, tais como, ‘os rios irão secar’, ‘a floresta irá acabar’, ‘os animais morrerão’ etc. O professor anotará as sentenças feitas pelos alunos na lousa e, em seguida, explicará que os exemplos dados são predições do futuro; depois disso, escreverá as sentenças dos alunos em inglês. O passo seguinte será pedir aos alunos que identifiquem a forma verbal usada em inglês para prever o futuro e, desse modo, fará a apresentação dos verbos will/won’t para expressar predição de futuro. Para a explicação do conteúdo gramatical, o professor poderá utilizar a lousa, apresentar explicações em folha impressa ou em forma de slide com datashow. Deverá enfatizar o uso da forma verbal “will”, comumente empregada para predizer ou expressar eventos que ainda não aconteceram. Explicará também que o futuro em inglês pode ser constituído pela forma verbal “will” seguido do verbo principal no infinitivo sem “to”, nas formas afirmativa, negativa e interrogativa. Para finalizar a apresentação, apresentam-se expressões em inglês comumente usadas para expressar o futuro, tais como: tomorrow, the day after tomorrow, next week, next weekend, next month, next year, seguidas de alguns exemplos. Como prática do conteúdo apresentado, pode-se propor aos alunos uma dinâmica envolvendo uma produção de escrita com a predição do futuro da Amazônia. Nessa atividade, cada aluno deverá escrever duas previsões positivas para o futuro da Amazônia. O professor circulará pela sala auxiliando os alunos na escrita e no uso correto da forma verbal nas sentenças. Após a escritura, os alunos apresentam suas predições em voz alta aos colegas ou as escrevem no quadro, formando, assim, um painel com sentenças sobre o futuro da Amazônia. A tarefa de casa pode ser composta de atividades de uso do “will” para predição de futuro em diferentes situações (ver sugestões de atividades no Anexo 4). Como atividade de consolidação, pode-se pedir aos alunos a elaboração de um painel com fotos e predições sobre o futuro da Amazônia em inglês, para ser exposto nos murais da escola. Eles poderão utilizar as sentenças elaboradas em sala e produzir outras. Alternativamente, eles podem construir o painel para ser publicado no blog da escola. Isso, contudo, envolverá, o desenvolvimento de habilidades de letramento digital e acréscimo nas etapas da sequência didática. 360 Considerações finais Esta sequência didática, que abordou temas relacionados à Amazônia e a questões ambientais brasileiras, foi aplicada com sucesso em turmas de 1º ano do Ensino Médio, em uma escola pública, em Cuiabá, pelos bolsistas do Subprojeto Pibid de Inglês, da Universidade Federal de Mato Grosso, no ano de 2012. De acordo com as observações dos bolsistas envolvidos, notou-se grande interesse dos alunos pelo assunto e maior participação nas aulas em que a língua foi abordada por meio de letramento crítico e envolveu interface com a Ecologia. Esperamos que esta proposta de sequência didática incentive professores de língua inglesa, em formação e em serviço, a experimentarem novas abordagens de ensino em suas aulas e proporcionarem prática de língua centrada em atividades contextualizadas e relevantes à vida dos seus alunos. Referências ADAMY, D. S. Reading strategies: the key to better reading comprehension. In: SARMENTO, S.; MULLER, V. (Org.). O Ensino do Inglês Como Língua Estrangeira: estudos e reflexões. Porto Alegre: APIRS, 2004, p. 161-180. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. PCN+ Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília, DF: MEC/SEB, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Vol. 1. Brasília: MEC/SEB, 2006. COSTA, M. B. Globetrekker: Inglês para o ensino médio. Manual do Professor. São Paulo, SP: Ed. Macmillan, 2010. MATTOS, A. M. A. Novos Letramentos, Ensino de Língua Estrangeira e o Papel da Escola Pública no Século XXI. Revista X, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 33-47, 2011. 361 Anexo 1 - Reading 1 (Aula 2) Amazônia , the most precious place on the planet Amazônia is home to the world’s largest tropical forest and has an incredible diversity of animal, plant and tree species. Learn more about this region, which has been devastated by man in recent decades, and which is fundamental to our planet’s climate. Amazônia is one of the largest and most important regions in the world. It stretches into nine countries: Brazil, Venezuela, Peru, Colombia, Bolivia, Ecuador, Suriname, Guiana and French Guiana. About 60% of the total area of Amazônia is in Brazil, covering about 5.5 million square meters. Brazilian Amazônia stretches to the States of Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Mato Grosso and Tocantins. At least 55% of the indigenous population of Brazil lives in the Amazônia n region. In terms of volume of water, the Amazon is the world’s largest river. The region also has other great rivers, such as the Negro. Twenty percent of all the fresh water on the planet passes through the rivers in Amazônia . The region is also home to the largest tropical forest in the world. In the rivers and undergrowth of the region live millions of fish, birds and mammals. The plant wealth of the Amazônia is awesome. There are 200 different types of tree per hectare. The region also has the biggest mineral reserves on earth. * Source – Amazônia Surveillance System (Sivam) http://www.maganews.com.br 1) Read the text and answer these questions: a) What is the text main focus? ___ Recycling ___ Global warming ___ Destruction of forests ___ Pollution ___ Main facts about Amazônia ___ Biodiversity 362 b) What kind of text is it? ___ An article___ An advertisement ___ A report___ A letter ___ A story c) Where would a text like this appear? ___ On the internet ___ On a billboard ___ In an instruction manual ___ In an encyclopedia ___ In a magazine ___ In a newspaper 2) Complete the headings with facts about Amazônia , based on the text: Territory/Countries: …………………………………………………………………………………… Area in Brazil: …………………………………………………………………………………… Percentage of indigenous population in the Brazilian area: …………………………………………………………………………………… Main rivers: …………………………………………………………………………………… Fauna living in Amazônia : …………………………………………………………………………………… Types of trees per hectare: …………………………………………………………………………………… ___________________________________________________________ Anexo 02: Reading 2 (Aula 2) Transcript of you tube video “Private control is the only way to save the Amazon” The Amazon is the largest rainforest in the world. Not only that, in terms of diversity, no other rainforest on the planet is a match to the South -American jungle. We are talking about 1.2 billion acres of logging forest, an area that is responsible for a great amount of oxygen produced around the globe. The painful truth is that countries that should be taking care of these precious resources are not up to the task. If nothing is done, the forest could be sentenced to death and disappear before our eyes. We can stop this and you can help us. Through our activities in the Amazon, we can work together with international investors and gradually transform the forest into a sanctuary under private control. Helping us buy the Amazon is not only great investment opportunity. It may be the only way to save the rainforest. Remember, the Amazon belongs to no country. It belongs to the world. Enviado por Aurosoderi em 15/05/2008 http://www.youtube.com/watch?v=UV3_PUUUY4U 363 Anexo 3: Aula 3 – Slides com imagens para retomar o assunto discutido na Aula 2 e introduzir o uso da forma verbal “Will” para predição de futuro Slide 01 Slide 02 Slide 04 Slide 03 Slide 06 Slide 05 Slide 07 Slide 08 364 Slide 09 Slide 10 Slide 11 365 3.3 SEQUÊNCIA DIDÁTICA: FOLHETOS COM DICAS E CONSELHOS PARA TURISTAS ESTRANGEIROS DURANTE A COPA DO MUNDO12 Eladyr Maria Norberto da Silva Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Jeany Xavier Lara Gomes Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Marilucy Pereira da Conceição Guia Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Inglês/Cuiabá Séries a que se destina Este material didático é indicado para 2ª e 3ª séries do ensino médio. Componentes Escolares Esta sequência didática envolverá conteúdos da área de Língua Inglesa, Informática, Saúde e Cultura local. Conteúdos envolvidos • Características do gênero textual folheto informativo. • Habilidades de leitura e escrita em inglês. • Uso do modo verbal ‘imperativo’ para instruções, dicas e recomendações. • Vocabulário sobre os temas: saúde e bem estar, emergência, busca de informações, dicas de compras e lazer, culturas e costumes locais. • Habilidades de busca de informações na Internet. 1 Esta sequência faz parte de um conjunto de seis projetos denominados “English In/For the World Cup”, desenvolvidos pelos bolsistas de iniciação à docência do Pibid de Inglês da UFMT do campus Cuiabá – Bruno Freitas (blog de ecoturismo em Mato Grosso), Jeany Gomes (folhetos informativos), Marilucy Guia (mapas sobre o inglês falado no mundo), Nayara Ribeiro (vídeo sobre pontos turísticos de Cuiabá), Valdirene da Silva (blog com frases para comunicação básica em inglês), Itália Pinheiro e Maísa Oliveira (curso de conversação básica para a Copa) – com os alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, da Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva. Os projetos foram desenvolvidos simultaneamente em todas as turmas, no primeiro semestre de 2013, em sete aulas semanais de cinquenta minutos, sob a supervisão da Profª Naide Ferreira e a orientação da Profª Drª Eladyr M. N. da Silva. 2 Esta sequência didática foi desenvolvida com os recursos do Pibid/UFMT/CAPES. 366 • Habilidades para construção de folhetos informativos por meios digitais. • Conhecimentos sobre dicas e conselhos, ética, localização de serviços e pontos turísticos locais, informações sobre cultura, costumes e hábitos locais. Apresentação Esta sequência didática pode ser desenvolvida por professores que desejam despertar o interesse dos alunos para a aprendizagem da língua inglesa, desenvolvendo a habilidade de elaborar frases, conselhos e dicas, utilizando o imperativo para instruções em inglês. Proporciona também aos alunos a prática de língua inglesa, voltada para as características do gênero textual folheto informativo, integrado à interdisciplinaridade com conteúdos relacionados à História e Geografia locais, Saúde e Informática. Os alunos irão elaborar um folheto informativo para turistas estrangeiros, utilizando recursos digitais. Esta sequência didática poderá ser utilizada por professores que desejam trabalhar com projetos a partir da concepção de linguagem como prática social com seus alunos em aulas de língua inglesa. Apesar de ter sido elaborada especificamente para o contexto da Copa do Mundo em Cuiabá, em 2014, a sequência didática pode ser adaptada para uso em outros contextos e situações, mantendo os objetivos de construção de um produto em língua inglesa de utilidade social. Este trabalho auxilia a despertar a autonomia e o interesse dos alunos do ensino médio pela aprendizagem de inglês. Ao usarem e perceberem utilidade no inglês para um contexto concreto ─ a Copa do Mundo ─ os alunos se estimulam a aprender e valorizam a aprendizagem da língua em sala de aula. Objetivos da Sequência Didática Esta sequência didática tem os seguintes objetivos gerais: • Despertar o interesse dos alunos para a aprendizagem da língua inglesa por meio de projetos interdisciplinares, envolvendo situações de uso da língua na Copa do Mundo 2014. • Desenvolver competências e habilidades que auxiliem os alunos na aprendizagem da língua inglesa em situações reais e significativas, de maneira crítica, investigativa e colaborativa. • Incentivar a autonomia dos alunos na aprendizagem da língua. • Conscientizar os alunos quanto à importância de valorizar sua cultura, sua cidade e seu Estado. • Desenvolver habilidades para o intercâmbio de ideias, saberes 367 e ações entre diferentes áreas de conhecimento, tais como Língua Inglesa, Geografia e História locais e Informática. • Produzir folheto impresso sobre dicas e conselhos em inglês para turistas. Em relação a objetivos específicos na Área de Linguagens, espera-se: • Desenvolver nos alunos a habilidade de elaborar frases, conselhos e dicas utilizando o modo imperativo para instruções em inglês. • Sensibilizar o aluno para as características do gênero textual folheto informativo. • Proporcionar prática de língua inglesa, envolvendo conhecimento lexical básico sobre conselhos e dicas para turistas. • Fornecer prática de letramento digital por meio de levantamento de informações na Internet e da elaboração de um folheto informativo por meios digitais. Conhecimentos prévios Os alunos deverão ter conhecimento básico de língua inglesa, conhecimento sobre estratégias de leitura em língua inglesa e, se possível, conhecimento sobre uso de programa para elaboração de folhetos digitais. Fundamentação teórica Esta proposta está baseada na visão de interdisciplinaridade sugerida pelas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ─ PCNEM + ─ (BRASIL, 2002), que considera a articulação de trabalho entre disciplinas como forma de promover competências que possam preparar o estudante para questões reais da vida e para o aprendizado permanente. A interdisciplinaridade manifesta-se no interior da própria disciplina – Inglês ─ seguindo, assim, a sugestão desses documentos: “a perspectiva de desenvolver conteúdos educacionais com contexto e de maneira interdisciplinar, envolvendo uma ou mais áreas, não precisa necessariamente de uma reunião de disciplinas, mas pode ser realizada numa mesma disciplina” (BRASIL, 2002, p. p. 14). Para enfrentar o desafio de desenvolver projetos com alunos de níveis de língua heterogêneos, com conteúdo real e contando com poucas horas-aula para desenvolver projetos, situação comum no ensino médio, esta proposta adota a perspectiva sociocultural de aprendizagem de lín368 guas. Partimos do pressuposto de que o desenvolvimento cognitivo, incluindo o desenvolvimento da linguagem, surge como resultado de interações sociais. Assim, propomos o trabalho com os alunos em sua zona de desenvolvimento proximal, fornecendo andaimes, ou seja, suporte para que eles possam realizar tarefas que, sozinhos, não teriam condições de desempenhar (LIGHTBOWN; SPADA, 2013, p.11). Ao focarmos a elaboração de folhetos informativos em inglês para serem utilizados em situações reais em contato com turistas estrangeiros, estamos orientados pela noção de linguagem como prática social e pela abordagem de língua por meio de gêneros textuais e de multiletramentos, que envolveu o letramento em língua inglesa, letramento crítico e letramento digital. Para desenvolver esta sequência didática, sugerimos a metodologia de ensino de línguas por projetos que, segundo os PCNEM+ (BRASIL, 2002), é o caminho mais indicado para desenvolver as competências necessárias no trabalho interdisciplinar. Segundo Fried-Booth (2002), autora na área de ensino de inglês, o trabalho por projetos é centrado no estudante e orientado pela necessidade de criar um produto final. O caminho para alcançar o produto final traz oportunidades para os estudantes desenvolverem sua autoconfiança e independência e para trabalharem juntos em um contexto do mundo real, colaborando para a realização de uma tarefa definida por eles mesmos e não externamente imposta. Na seção seguinte, apresentaremos a sequência didática para a elaboração de folhetos impressos, com dicas e conselhos para turistas estrangeiros, ilustrando com o folheto sobre o tema “Health Advice for Travellers in Cuiabá”/“Conselhos sobre Saúde para Visitantes em Cuiabá”. A mesma sequência didática foi aplicada na produção de quatro outros folhetos “Essential Information for Tourists in Cuiabá”, “Local Culture and Customs”, “Safety and Emergency Hints for Tourists in Cuiabá”, “Shopping and Entertainment Tips for Visitors in Cuiabá” e, da mesma forma, pode ser aplicada pelo professor a estes temas ou outros semelhantes. A Sequência Didática: folhetos com dicas e conselhos para turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo de 2014 Duração Sete aulas de cinquenta e cinco minutos. Cada uma das etapas abaixo será desenvolvida em uma aula. Material O principal instrumento a ser utilizado na maioria das etapas é o computador ou laptop. Portanto, é preciso que cada grupo de alunos possua 369 ao menos 1 laptop, para a realização dos trabalhos em sala, e acesso a computador fora de sala, para a realização das atividades de tarefa. Outros materiais a serem utilizados são atividades de exercícios sobre itens linguísticos elaboradas pelo professor, folhetos informativos em inglês como exemplo, data show, pendrives e recursos para impressão dos folhetos em gráfica. Etapa 1 A etapa introdutória envolve a seleção do tema do projeto a ser desenvolvido. Depois de selecionado o tema, o professor apresenta os objetivos e as etapas do projeto e fornece exemplos do produto final – folhetos informativos em inglês. Idealmente, recomendamos que sejam apresentados folhetos autênticos impressos. Contudo, se não for possível, o professor poderá buscar exemplos de folhetos na Internet e apresentá-los aos alunos em slides, por meio de datashow ou impressos. Objetivos didáticos da Etapa 1 • Apresentar os objetivos do projeto a ser desenvolvido – produzir folheto com dicas e conselhos para turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo 2014. • Despertar o interesse dos alunos pelo resultado final do projeto – folheto de dicas e conselhos para turistas estrangeiros. Etapa 2 Nesta etapa, os alunos leem e analisam outro exemplo de folheto com dicas e conselhos, para que possam reconhecer as características do gênero textual e vislumbrem um possível produto final (ver Anexo, Figura 1). O professor deve conduzir os alunos à identificação dos itens que compõem o gênero folheto informativo para dicas e conselhos (uso de imperativo, frases curtas e objetivas, utilização de recursos visuais, posição do texto na página etc.). A seguir, a turma é dividida em grupos de quatro ou cinco alunos e cada grupo seleciona os tópicos dos folhetos que irão desenvolver. Os temas sugeridos são: Health, Safety and Emergency, Information Search, Shopping and Entertainment e Local Culture and Customs. Objetivos didáticos da Etapa 2 • Desenvolver o conhecimento do gênero textual “folheto informativo” sobre dicas e conselhos para turistas. • Proporcionar prática de língua inglesa, envolvendo familiarização com o gênero textual ‘folheto informativo’, estruturas gramaticais para conselhos e dicas para turistas. 370 Etapa 3 Na terceira etapa, o professor explica (ver Anexo, Figuras 2 e 3) e fornece prática escrita sobre o modo verbal “imperativo”, através de exercícios simples (ver Anexo, Figura 4), apresentando aos alunos os possíveis usos da forma imperativa que são aplicadas em folhetos informativos. Para a tarefa de casa: os cinco grupos devem pesquisar e criar sentenças de dicas e/ou conselhos para turistas em Cuiabá, na Copa, sobre seu tópico, em português ou inglês. Objetivos da Etapa 3 • Reconhecer as estruturas linguísticas presentes no gênero textual “folheto informativo” sobre dicas e conselhos para turistas. • Apresentar os usos do imperativo e as suas formas para serem aplicados em folheto informativo sobre dicas e conselhos para turistas estrangeiros na Copa do Mundo. • Exercitar o uso do imperativo através de exercícios escritos que envolvam estruturas semelhantes às que serão elaboradas para o folheto informativo. Interdisciplinaridade na Etapa 3 Será realizada por meio de pesquisa na Internet, envolvendo as áreas de História e Geografia locais, saúde e bem estar, cultura e turismo locais e Informática. Etapa 4 Nesta etapa, os alunos trabalham em grupos divididos conforme o tema do seu folheto e o professor circula pela sala, acompanhando a atividade e fornecendo auxílio quando necessário. Os alunos apresentam ao grupo as dicas e conselhos pesquisados sobre o seu tópico e selecionam aqueles que irão compor o folheto. Na seleção das frases de dicas e conselhos, os alunos deverão levar em conta diferenças entre a cultura local e a dos prováveis estrangeiros que se utilizarão dos folhetos. Para facilitar a discussão, o professor pode promover uma breve discussão com todos os grupos sobre essa questão antes do início dos trabalhos em grupo e, em seguida, acompanhar as atividades, oferecendo sugestões sobre as dicas e recomendações mais apropriadas. As frases são coletadas pelo professor para correção extraclasse. Em seguida, realiza-se a prática de exercícios escritos para apresentação e prática de vocabulário em inglês sobre o tópico específico de cada grupo (ver Anexo, Figura 5). Objetivos da Etapa 4 • Compartilhar as frases de conselhos e dicas elaboradas pelos alunos e selecionar aquelas que irão compor o folheto. 371 • Apresentar e exercitar o vocabulário dos tópicos dos folhetos: Health, Safety and Emergency, Information Search, Shopping and Entertainment e Local Culture and Customs através de exercícios escritos específicos para cada grupo. • Promover a prática do uso de vocabulários sobre o tópico de cada grupo. • Desenvolver conscientização sobre diferenças culturais, sociais, geográficas e econômicas entre a comunidade local e turistas estrangeiros. Etapa 5 Divididos em grupos, os alunos completam uma estrutura de cada folheto (ver Anexo, Figura 6), previamente preparada pelo professor, com frases escritas em inglês, inserindo as frases específicas de seu tópico. Para auxiliar o aluno nessa tarefa, o professor deve preparar um banco de frases relevantes sobre cada tópico, a partir das frases elaboradas e selecionadas pelos alunos na aula anterior (ver Anexo, Figura 7). Ao final da aula, os alunos terão a primeira versão do texto dos folhetos. Em seguida, os alunos devem trabalhar na arte do folheto, definindo onde e como vão inserir as sentenças, que tipo de imagens irão utilizar etc. Dois alunos de cada grupo poderão ficar responsáveis por dar continuidade à construção da primeira versão do folheto no computador em casa e enviar por e-mail à professora. Caso a escola possua laboratório de informática, todos podem se envolver na atividade em horário extra-sala e contar com o suporte do técnico de informática para a realização da tarefa. Objetivos da Etapa 5 • Reconhecer o vocabulário sobre o tópico do folheto e estruturas gramaticais trabalhadas nas aulas anteriores. • Elaborar a primeira versão dos folhetos com dicas e conselhos turistas estrangeiros durante a Copa do Mundo. Interdisciplinaridade na Etapa 5 Artes para a pré-produção de cada folheto. Informática ao utilizarem a ferramenta do computador (Microsoft Publisher) na produção inicial dos folhetos. Etapa 6 Apresenta-se a primeira versão dos folhetos aos alunos, já corrigida pelo professor e os grupos fazem os ajustes finais na arte dos folhetos em sala de aula, utilizando seus laptops. Essa atividade pode ser conduzida no laboratório de informática ou em sala. Se feita em sala, o professor deve certificar-se de que cada grupo tenha ao menos um laptop com o programa Microsoft Publisher instalado para a realização da atividade. No final da 372 aula, os alunos entregam a nova versão do folheto em pendrive ou enviam o arquivo por e-mail ao professor, para que este faça a edição final de cada folheto e providencie sua impressão em gráfica. Objetivos da Etapa 6 • Desenvolver habilidades e conhecimentos interdisciplinares na área de Informática para a confecção do folheto. • Oferecer a oportunidade aos alunos de produzir seu próprio folheto. Interdisciplinaridade na Etapa 6 Informática, utilizando a ferramenta do computador (Microsoft Publisher) na produção inicial dos folhetos. Etapa 7 Apresentação e entrega dos folhetos impressos para a turma, seguida de exposição nos murais da escola (ver Anexo, Figura 8). Reflexão oral sobre o trabalho desenvolvido, em relação ao trabalho em grupo, à interdisciplinaridade, ao uso de computadores em sala de aula, aos objetivos dos produtos finais, ao público a ser alcançado, às questões sociais e culturais que permearam o projeto, entre outros tópicos. Objetivos da Etapa7 • Finalizar o projeto com a entrega dos folhetos prontos e impressos e sua exposição à comunidade escolar. • Levar os alunos a refletirem sobre os diversos aspectos envolvidos no projeto desenvolvido. Considerações finais Esta sequência didática envolve a produção de folhetos com dicas e conselhos em inglês para turistas que virão a Cuiabá no período da Copa. Nas diversas etapas propostas desse projeto, o aluno é convidado a se envolver com conhecimentos de diversas áreas de conhecimento, por meio do letramento digital. Nesse sentido, há a possibilidade de se desenvolver uma atividade de ensino contextualizada, na qual o aluno poderá manifestar ou adquirir diferentes habilidades que poderão, ainda, ser compartilhadas com seus colegas e professores. Ao longo do desenvolvimento dos projetos interdisciplinares “English in/for the World Cup”, percebemos que houve sucesso em relação aos objetivos, alcançados tanto por parte dos alunos quanto dos professores/bol373 sistas Pibid que os implementaram em sala de aula. Inicialmente, os alunos parecem apresentar resistência em aprender a disciplina de maneira diferenciada, não vendo muita utilidade nos projetos, o que pode ser uma limitação para seu desempenho. Contudo, quando visualizam e apresentam os produtos finais, reconhecem o valor dos trabalhos desenvolvidos. É importante também ressaltar que o ensino de língua por meio de projetos demanda tempo, para planejamento e elaboração de material, e requer infraestrutura favorável no contexto escolar e disponibilidade de recursos didáticos e tecnológicos. Com este trabalho, procuramos despertar a autonomia e o interesse dos alunos do ensino médio pela aprendizagem de inglês por meio de projetos de caráter interdisciplinar, com foco na Copa do Mundo de 2014, a partir da concepção de língua como prática social. Além de termos levado os alunos a usarem e verem utilidade no inglês para a Copa, demonstramos que é possível ter aulas diferentes e produtivas na escola pública. Espera-se que esta sequência didática possa ser útil para professores em formação e professores de língua inglesa da escola pública e que os estimule a se apropriarem das ferramentas utilizadas e usá-las em suas aulas, tornando-as mais dinâmicas, prazerosas e coerentes com a atualidade. Referências BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. PCN+ Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Códigos, linguagens e suas tecnologias. Brasília, DF: MEC/SEMTEC, 2002. DOFF, A.; JONES, C. Language Links: grammar and vocabulary for self-study. Beginner-elementary. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. FRIED-BOOTH, D. L. Project Work. 2nd Ed. Oxford: Oxford University Press, 2002. LIGHTBOWN, P.; SPADA, P. How Languages Are Learned. 4th Ed. Oxford: Oxford University Press, 2013. SEIDL, J.; SWAN, M. Basic English Usage Exercises. Oxford: Oxford University Press, 1986. UR, P. Grammar Practice Activities: a practical guide for teachers. 2nd Edition. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 374 ANEXOS Figura 1: Partes interior e exterior de um folheto como modelo inicial 375 Figura 2: Exemplos de uso e estrutura da forma verba imperativo para conselhos (SEIDL; SWAN, 1986, P. 53) 376 Figura 3: Explicação gramatical da forma verba ‘imperativo’ 377 Figura 4: Exemplos de exercícios escritos sobre a forma verbal ‘imperativo’ para conselhos. (DOFF; JONES, 2005, P. 154; UR, 2013, p. 78-79) 378 Figura 5: Exemplos de exercícios de prática de vocabulário de conselhos e dicas sobre saúde. 379 Figura 6: Exemplo de estrutura do texto para o folheto. 380 Figura 7: Exemplo de banco de frases sobre conselhos sobre conselhos de saúde para turistas. 381 Figura 8: Partes exterior e interior do folheto pronto sobre conselhos sobre saúde para turistas (health advice for travellers) 382 3.4 PIBID: INTERVENÇÕES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA POR MEIO DE OFICINAS Adelice Coelho de Morais Professora supervisora na escola PIBID/UFMT/ Português/Araguaia Fernanda Matos Moreira Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Português/Araguaia Geisiany Pereira da Silva Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Português/Araguaia Lennie Aryete Dias Pereira Bertoque Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Português/Araguaia Luana Nobre Aquino de Lavor Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Português/Araguaia Vander Simão Menezes Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Português/Araguaia Introdução A escola tem enfrentado um grande desafio no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa e, por isso, tem-se buscado teorias e metodologias que propiciem uma aprendizagem significativa da linguagem, uma vez que, por muito tempo, o estudo dessa disciplina foi baseado em classificações e nomeações de palavras, postura que deixa de lado a reflexão sobre a língua, principal base para o seu ensino, conforme a proposta apresentada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998), considerando que é na prática de reflexão sobre a língua e a linguagem que pode se dar a construção de instrumentos que permitirão ao sujeito o desenvolvimento da competência discursiva para falar, escutar, ler e escrever nas diversas situações de interação (BRASIL, 1998, p.34). Essa concepção de linguagem implica um processo de interação social que considera o fenômeno linguístico como resultado da interação humana, da atividade sociocultural e da produção de sentidos entre os interlocutores em um dado contexto, em uma dada situação de comunicação. Sobre isso, Neves (2006) diz que 383 [...] a língua é usada (e, portanto, organiza estruturas) a serviço das metas e intenções do falante (que são tomadas e realizadas em relação aos ouvintes), e é da organização dessas metas que emerge a ação (ou realização de ações) discursiva (NEVES, 2006, p. 25). Fundamentado na concepção de linguagem proporcionada pelos PCN e na proposta da Gramática Funcional (GF), este trabalho objetiva apresentar os resultados alcançados pelos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência do Curso de Letras, do Campus Universitário do Araguaia, da Universidade Federal de Mato Grosso (PIBID/Letras/CUA/UFMT), por meio de oficinas elaboradas e aplicadas numa escola pública da cidade de Barra do Garças - MT. A ideia é mostrar reflexões sobre algumas categorias gramaticais para além da classificação da Gramática Tradicional (GT), propondo a reflexão sobre o uso dessas categorias, considerando sua multifuncionalidade em contextos comunicativos, a fim de possibilitar ao educando a compreensão da língua como um instrumento dinâmico, fluido, que viabiliza a interação social por meios dos sentidos e não por meio de regras aplicadas em frases isoladas do contexto. Isso implica um trabalho que articula os elementos coesivos e a coerência textual. Assim, deixamos de lado um ensino baseado em frase soltas e descontextualizadas, em que há a predominância de classificações e nomenclaturas gramaticais sem reflexão, para assumir um ensino baseado no real uso da linguagem, no qual o efeito de sentido produzido pelos discursos também são analisados, considerando não apenas os aspectos linguísticos, mas também os elementos extralinguísticos, as condições de produção e, por fim, o sentido produzido. Compartilhamos ainda da ideia de Antunes (2003) sobre a complexidade do processo pedagógico, em que a base para um bom resultado parte de um conjunto de atitudes em que fazem parte as [...] concepções (o que é a linguagem? O que é uma língua?), objetivos (Para que ensinamos? Com que finalidade?), procedimentos (Como ensinamos?) e resultados (O que temos conseguido?), de forma que todas as ações se orientem para um ponto comum e relevante: conseguir ampliar as competências comunicativo-interacionais dos alunos (ANTUNES, 2003, p. 34). Consideramos, assim, que a base para uma aprendizagem significativa vai além da simples escolha de conteúdos. A aprendizagem significativa parte da articulação coerente, planejada e avaliada da concepção de linguagem/língua, dos objetivos, dos procedimentos e dos resultados. 384 Nesse processo, o papel do professor assume grande importância, mas não é o único pilar para uma aprendizagem significativa, em que também há a necessidade da participação ativa dos educandos, que devem operacionalizar as práticas discursivas e refletir sobre elas. Aspectos metodológicos Os bolsistas do PIBID/Letras/CUA/UFMT começaram a atuar no Ensino Médio (EM) da Escola Estadual Deputado Norberto Schwantes, localizada num bairro periférico da cidade de Barra do Garças - MT, em fevereiro de 2013. Além das aulas complementares1, os bolsistas elaboraram dois módulos de oficinas para tentar sanar algumas dificuldades que os estudantes da escola mostraram no decorrer da aplicação dessas aulas. O primeiro módulo, intitulado “Classes Gramaticais: definição e funcionalidade na produção textual”, visou a trabalhar aspectos básicos da categorização da Língua Portuguesa. Foram trabalhadas as seguintes classes: artigo; substantivo; pronome; numeral; conjunção; interjeição; verbo; preposição; adjetivo; advérbio. Os bolsistas do PIBID de Letras elaboraram os planos de aula, que foram corrigidos pela coordenadora de área e apresentaram as classes gramaticais por meio da exposição e discussão do conteúdo, valendo-se de jogos manuais e digitais, produções textuais e dinâmicas de grupo. A oficina foi realizada na UFMT (Campus Universitário do Araguaia) e teve uma duração de 3 dias, sendo usadas duas horas por dia. Após a aplicação do primeiro módulo de oficinas, foram avaliados os pontos positivos e negativos para a elaboração do segundo módulo, intitulado “Coerência e coesão: a construção do(s) sentido(s)”. O segundo módulo contempla as seguintes oficinas: a base oracional: sujeito e predicado; intertextualidade: para além do “conhecimento de mundo”; argumentação: a constituição de “pontos de vista”; metáfora: mais que uma figura de linguagem; o uso da vírgula e do ponto final na constituição dos sentidos; as características do gênero “conto”; denotação e conotação: do sentido real para as construções simbólicas; a referenciação por meio do pronome relativo. Todos os temas estão relacionados ao conteúdo programático da escola e permitem a retomada dos temas abordados no módulo anterior, ligando-se diretamente à proposta de coerência e coesão. 1 O PIBID/Letras/CUA/UFMT atua na escola, auxiliando os professores de Língua Portuguesa, por meio de várias ações desenvolvidas pelos bolsistas (oficinas, complementação de aulas, discussões e estudos com os professores e com a coordenação de área etc.). As complementações de aulas são feitas por meio de atividades com vídeo, datashow, textos impressos, teatros etc., considerando sempre as orientações do professor que disponibiliza a sala de aula para tal complementação. Em todas as aulas, o professor da disciplina está presente. Essa atuação dos bolsistas na escola é uma proposta elaborada pela coordenação de área, pelo supervisor e pelos bolsistas, com o consentimento e apoio da escola. 385 Essa proposta contribuirá significativamente para os estudantes, já que é dedicada a estudantes do EM, que estão próximos dos processos de vestibular e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que adotam entre as suas competências o domínio da norma padrão da língua escrita; a competência de selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, sendo necessária a organização dos elementos linguísticos para a construção da argumentação, ou seja, recursos que deem o encadeamento textual, a fim se elaborar um texto coerente e, portanto, funcional. Os planos de aula para cada oficina foram elaborados pelos bolsistas, mas, dessa vez, cada bolsista apresentou sua proposta de oficina, em forma de aula, ao grupo para receber contribuições/sugestões quanto ao tema, procedimentos adotados, textos escolhidos, atividades propostas e tempo de aplicação. Dessa forma, partindo de algumas discussões e pesquisas no campo da Linguística Textual e do Funcionalismo, que apresentam o texto e a reflexão sobre ele como base para o ensino, buscamos partir do uso linguístico e da reflexão sobre tal uso, para a conceituação e classificação gramatical. O ensino por meio de textos Os conteúdos da disciplina Língua Portuguesa podem partir do conceito para a prática ou da prática para o conceito e o que determina isso é a percepção do educador em relação à sala de aula. Entretanto, nas atividades do PIBID/Letras/CUA/UFMT, temos percebido que as aulas são mais produtivas, partindo-se da prática para o conceito, de maneira que a “prática” é trabalhada por meio de textos e discussões, antes de se fazerem análises sistemáticas ou categorizações. Primeiro, o educando deve experienciar o texto (lendo, ouvindo) e compreender o que o texto diz, sem pensar em análises complexas ou conceituações. Isso permitirá que ele explore seu caráter intuitivo e criativo e proporcionará a análise e categorização por meio da compreensão e interpretação do uso linguístico dentro de contextos comunicativos significativos. Assim, os trabalhos planejados e desenvolvidos no PIBID/Letras/ CUA/UFMT são baseados em textos porque são unidades linguísticas maiores que permitem aos estudantes a percepção do contexto e de vários usos linguísticos que tecem a coerência - organização lógica do(s) sentido(s) - de modo que o professor pode apresentar o conteúdo exposto naquela aula, relacionando contexto, uso linguístico e conceituação, além de retomar usos linguísticos já trabalhados e referenciar outros que serão ensinados. 386 O texto, de fato, permite uma extrapolação dos significados básicos de cada forma linguística. Isso permite que, como prática de linguagem, o texto se torne um objeto de reflexão do próprio funcionamento da língua. Segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 34), as práticas de linguagem que ocorrem no espaço escolar diferem das demais porque devem, necessariamente, tomar as dimensões discursiva e pragmática da linguagem como objeto de reflexão, de maneira explícita e organizada, de modo a construir, progressivamente, categorias explicativas de seu funcionamento. Com o texto, há possibilidade de o professor de Língua Portuguesa apresentar as práticas de linguagem, mostrando as dimensões discursiva e pragmática que se materializam por meio do sistema linguístico, adquirindo carga semântica multifuncional, muito além da relação forma-função, constituindo uma relação forma-multifunções, via relações discursivo-pragmáticas. Na próxima seção, apresentaremos procedimentos de duas propostas elaboradas para os módulos de oficina com base em textos e na multifuncionalidade da língua. Procedimentos de duas oficinas: advérbio e pronome relativo Para fins de recorte, selecionamos duas propostas de ensino das categorias gramaticais elaboradas para os dois módulos de oficinas: a categoria “advérbio”, que foi aplicada no primeiro módulo, e a categoria “pronome relativo”, que será aplicada no segundo módulo. Oficina “Advérbios” A proposta da oficina “Advérbios”, que é parte do primeiro módulo de oficinas do PIBID/Letras/CUA/UFMT, foi iniciada com a apresentação de alguns textos (títulos de notícia e notícia), via slides, extraídos dos meios de comunicação on-line, para mostrar os vários usos de advérbios. Durante a apresentação de cada texto, discutiu-se a funcionalidade dos advérbios, considerando o contexto de uso e as “intenções” comunicativas - entendendo “intenção” como atitude e planejamento prévio não volitivo, que pode ser subvertido por elementos externos ou internos ao sistema linguístico. Quando o conceito de advérbio foi instaurado na oficina, a bolsista que propôs a discussão indagou os estudantes: “Para que serve o advérbio?” 387 Após a indagação e discussão, a bolsista apresentou, por meio de slides, algumas características informacionais do gênero “notícia”, que foi o mais usado na apresentação desse tema, porque as informações que complementam os acontecimentos narrados, exigidos para a constituição da notícia, são em sua maioria advérbios: Você já reparou como é redigida uma notícia? O jornalista informa, além do fato ocorrido, as circunstâncias em que ele se deu: onde, quando, como e por que. É para isso que existem os advérbios: indicar as circunstâncias em que ocorrem as ações do ser humano em seu contato com o mundo. Em seguida, a bolsista mostrou outros textos midiáticos, apresentando as principais2 subcategorizações dos advérbios, segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), a saber, tempo, modo, negação, afirmação, lugar, dúvida e intensidade. Abaixo, seguem cinco, dos 15 textos discutidos em sala3 - optou-se por mostrar o texto dentro de sua configuração midiática para trabalhar as relações de sentido mais próximas ao ambiente/contexto de veiculação, já que o “dito” está intrinsecamente relacionado, dentre outros aspectos, a “como é dito”, “por quem é dito” e “quando é dito” (BERTOQUE, 2010). Texto 1 Texto 2 No texto 1, foi discutida a noção de temporalidade instaurada pelo advérbio de tempo “depois” e “já”. “Depois” é um advérbio de tempo que carrega traços espaciais porque a noção de “depois”, primeiramente, é 2 Considerando o tempo de duração da oficina (60 minutos), não era possível apresentar todas as subcategorizações. Além disso, a proposta das oficinas era fazer uma apresentação geral, o que implica mostrar as características mais gerais para, no decorrer das aulas complementares na escola, retomar e instaurar outros aspectos dentro de cada categoria. 3 Os textos foram apresentados e discutidos considerando-se não apenas os títulos, mas também, as notícias. 388 aquilo que está adiante no espaço. Dessa perspectiva, estende-se para a noção temporal, de acontecimentos que estão adiante; assim, “parceiros revelam que Charlie Brown Jr tem um disco de inéditas” acontece numa temporalidade adiante de “morte de Chorão”. Essa relação básica entre tempo e espaço faz com que o educando compreenda a noção temporal de maneira mais significativa e saiba discorrer sobre ela (não basta “saber” que “depois” indica tempo, é preciso explicar como a temporalidade é instituída). Em “A música Meu Novo Mundo já está rolando nas rádios do país; ouça”, o campo semântico de “já” é próximo ao campo de “agora”, porém indica um “agora” que foi iniciado um pouco antes do momento de fala: não é um passado distante, mas também não é presente. Essas relações básicas permitem que o educando entenda as distinções entre os usos de advérbios, compreendendo, também, que não há sinônimos perfeitos, pois cada advérbio tem uma funcionalidade no contexto comunicativo. No texto 2, mostrou-se a relação entre o advérbio de negação “quase” e a negação mais prototípica “não”, considerando que o advérbio de negação incide sobre o predicado4 (verbo), mostrando a não efetivação de um acontecimento no mundo. Porém, ainda que no mundo (contexto), “quase” indique o mesmo efeito de não efetivação que o advérbio “não” representa, tal advérbio dá um grau de suavização ao fato ou de aproximação da efetivação do fato, constituindo uma hipótese/possibilidade, como em “ele quase ganhou o campeonato”. Assim, “mulher é quase esmagada por árvore” não significa “mulher não é esmagada por árvore”, mas “uma árvore caiu muitíssimo próximo de uma mulher”, construindo uma relação espaço-tempo. Essa última oração, apesar de ser outra maneira de apresentar o fato, não é tão vendável para os jornais porque: (i) enfatiza “árvore” e não a vítima “mulher” - isso acontece porque no Português Brasileiro (PB) o fluxo de atenção se dá da esquerda para a direita; portanto, o que é apresentado no início da oração é mais relevante cognitivamente (cf. BERTOQUE, 2010); e (ii) apresenta o advérbio “muito” em alto grau (superlativo), o que afeta a aparência de objetividade, imparcialidade e neutralidade que os jornais presumem ter, já que essa construção indica uma conversa mais pessoal e cotidiana (não coloquial) e expressaria o ponto de vista (opinião) do jornal. Além disso, no texto 2, também se discutiu o uso dos advérbios de modo “calmamente” e “tranquilamente”. Esses dois advérbios não estão no título e na notícia, respectivamente, somente para mostrar o modo como a mulher andou, mas para instaurar uma ruptura de expectativa diante do acontecimento descrito: “queda de uma árvore”. Como uma pessoa pode andar calmamente após uma árvore cair próximo dela? Como isso acon4 Para GF, o “predicado” é o verbo porque é ele que representa, predica um acontecimento do “mundo”. Na GT, “predicado” é tudo que é dito do sujeito, portanto, o verbo e os complementos. 389 teceu? Isso chama a atenção do leitor-consumidor que pode se interessar mais e clicar na notícia para saber o que, de fato, aconteceu. Isso aumenta o número de “acessos” e aumenta o valor dos anúncios de publicidade do jornal on-line. Texto 3 Texto 4 No texto 3 e 4, retomou-se a noção de negação com os advérbios “não” e “nunca”. Ressaltamos ainda que, no texto 3, é possível que o professor também discuta (numa linguagem compatível com a realidade do estudante) a relação conflituosa entre forma e função no uso de uma frase em que ocorre “não” e “nada”: a frase “Não mude nada” não significa “mude tudo”, como pressupõe a forma (materialidade linguística), e sim, “não mude”. É um caso de dupla negação que significa “não”, ao contrário de outras que significam “sim” ou que significam uma advertência/repreensão, como numa pergunta do tipo “você não vai cantar lá não?5”, que pode significar a pergunta “você vai cantar lá?” ou uma repreensão “não é possível que você vá cantar lá!”. No texto 4, há o reforço do advérbio “não” pela conjunção “nem” que intensifica a negação dando um caráter multifuncional às duas formas linguísticas. Assim, o sentido de “Não recebo nem cinco centavos” é mais impactante e não tem o mesmo sentido de “Não recebo cinco centavos”. Na 5 Outro exemplo é o uso da dupla negação para oferecer um lanche, por exemplo, “Você não quer esse bolo não?”, que pode significar “Você quer esse bolo?”. Nesse caso, a dupla negação pode ser entendida como um reforço para que a pessoa que está sendo indagada responda “não”, como um recurso cognitivo de repetição da palavra não usada na pergunta. Apesar desses exemplos de dupla negação, serão as condições contextuais que determinarão o valor (significado) de cada enunciado. 390 primeira, está pressuposto que além de cinco centavos, o artista deveria receber mais alguma coisa e ainda assim não recebe. Na segunda frase, pode-se inferir que: (i) o artista não recebe cinco centavos, mas recebe algo em troca, talvez, até mais; e (ii) o artista não “quer” receber cinco centavos, mas outra “coisa” ou valor (mais dinheiro, bens, agradecimentos, etc.). Claro que tudo isso pode ser atualizado (esclarecido) pelo contexto, mas o estudante precisa fazer a relação entre a materialidade linguística e o contexto proposto. Não se trata de conceituar, mas entender como os sentidos são construídos. Essas são as relações exigidas no ENEM que, hoje, não apresenta questões de conceituação, mas de compreensão e interpretação de maneira reflexiva, contextual e relacional (língua e contexto). Texto 5 No texto 5, discutiu-se a relação entre os advérbios de lugar “dentro” e “fora”, mostrando que esses termos expressam muito mais do que a noção espacial. Esses termos retomam as próprias relações conflituosas nesses espaços e não os espaços em si. Que relações acontecem entre esses sujeitos “dentro” de campo? Que relações acontecem entre esses sujeitos “fora” de campo? As “incertezas” referem-se às “relações” dentro e fora de campo e não ao ambiente/espaço. O estudante precisa ser capaz de entender a língua na sua concepção básica (mais definida, concreta: “dentro” e “fora” como lugar) e na sua ampliação e extensão de significados (mais abstrata: “dentro” e “fora” como as relações que acontecem nesses lugares, como uma extensão metonímica). 391 Na oficina sobre a categoria advérbio, aproveitou-se para fazer a relação entre a conjunção adversativa “mas” e o advérbio de intensidade “mais” que é frequentemente confundido por estudantes do Ensino Básico (Fundamental e Médio). A bolsista proponente da oficina de advérbio mostrou que a conjunção “mas” indica oposição, ou seja, é usada para relacionar/ligar duas ideias opostas, o que implica ter o valor (sentido) de “porém”. Já o advérbio “mais” indica intensidade e opõe-se a “menos”. Essa discussão foi apresentada para que os estudantes compreendessem que os elementos coesivos (escolha e organização linguística) são fundamentais para a coerência textual (produção de sentidos). Ao finalizar as discussões sobre a categoria “advérbio”, foi apresentada uma proposta de redação, conforme enunciado elaborado pela bolsista: Você aprendeu que os advérbios mostram informações complementares de um determinado acontecimento. Essa informação complementa o verbo, o adjetivo ou o próprio advérbio. Agora, você será um jornalista e escreverá uma pequena notícia, informando alguém sobre a cena do filme apresentado na aula. Não se esqueça de acrescentar todas as informações necessárias para o entendimento do público-leitor. Como o caráter da aplicação de ensino é “oficina”, é necessário que os estudantes “coloquem a mão na massa” e produzam/desenvolvam as discussões de maneira reflexiva, o que justifica a atividade final. No processo de relato de um fato, descrevemos os acontecimentos com “verbos”, porque são eles que representam (predicam) os acontecimentos no mundo, por excelência e, para uma exposição detalhada, os “advérbios” são fundamentais para mostrar as informações adicionais ao estado de coisas (EsCo)6: onde, como, quando, por que etc. Assim, ao organizarem a exposição dos acontecimentos do filme7, os estudantes poderão perceber a funcionalidade do uso dos advérbios no processo comunicativo. 6 Segundo Dik (1997[1989]), “o termo ‘Estado de Coisas’ é, aqui, usado num amplo sentido de ‘algo que pode existir em algum mundo’. Esta definição implica que um EsCo é uma entidade conceitual, não algo que pode ser localizado numa realidade extramental, ou existir no mundo real” (DIK, 1997[1989], p. 105, tradução nossa). Para Dik, a expressão “mundo” não se refere ao “mundo real”, mas ao “mundo mental”. O EsCo é um modelo ou uma representação mental, já que podemos nos referir a “coisas” que não existem no mundo real, como coisas hipotéticas, ficcionais, mitológicas, intuitivas ou virtuais. 7 A cena de filme apresentada, extraída de “Diário de um banana”, conta a história de um ga- roto, Greg Heffley, que tem como “desafios” do dia a dia conviver com seus irmãos Rodrick e Manny, com seus pais e com as situações na escola. Greg gosta muito de videogames e quadrinhos e, por ter poucos amigos, o seu maior desejo é se tornar famoso e popular, sobretudo, na escola. 392 A maioria dos estudantes fez a atividade proposta e demonstrou que entendeu o uso dos advérbios e, segundo a professora-supervisora do PIBID/Letras/CUA/UFMT, a oficina foi apresentada de maneira dinâmica e consistente, por meio de textos atrativos para a realidade dos educandos, o que os motivou e proporcionou a compreensão da categoria “advérbio”. Tais discussões visaram a mostrar o uso dos advérbios para que, por meio do contexto e de sua multifuncionalidade, os educandos pudessem assimilar o conceito tanto da GT, quanto dos postulados da GF, ainda que estes nomes ou paradigmas não tenham sido mencionados. Segundo Castilho (2010, p. 542), “[a] Gramática Tradicional do português considera o advérbio uma palavra invariável, funcionando ‘fundamentalmente [como] um modificador do verbo’ (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 529). Entende-se por modificação o mesmo que predicação”. Castilho (2010, p. 543) também diz que a categoria advérbio é muito mais ampla do que mostra a GT porque está relacionada a duas dimensões: uma dos segmentos sintáticos e a outra das funções. Por isso, ele diz que os “pesquisadores do Projeto de Gramática do Português falado optaram por reconhecer nos advérbios não uma classe homogênea, mas ‘pelo menos [como] um conjunto de expressões que funcionam de maneira sensivelmente semelhantes’” (ILARI et. al., 1991, p. 78). Assim, os advérbios somente poderão ser compreendidos dentro de contextos mais amplos para que o uso e a multifuncionalidade sejam o alvo, ao tempo em que são os próprios recursos/mecanismos para a compreensão do conceito. Oficina “A referenciação por meio do pronome relativo” A proposta da oficina “A referenciação por meio do pronome relativo” partiu de uma sugestão oferecida, nos encontros semanais, no PIBID/ Letras/CUA/UFMT, a fim de experimentar propostas e metodologias que alcancem um ensino significativo e comprometido com a funcionalidade da língua. Essa proposta foi aplicada por uma das bolsistas do PIBID/Letras/ CUA/UFMT, ao final do mês de novembro de 2013, e justifica-se a aplicação em tal período por causa da greve nas escolas estaduais do Estado de Mato Grosso, que durou pouco mais de 3 meses; por isso, até o momento da produção deste artigo, ainda não tínhamos os resultados do segundo módulo de oficinas. A ideia geral desta oficina é mostrar como os pronomes relativos retomam os elementos oracionais e constroem a cadeia textual produzindo efeitos de sentido específicos. Entretanto, o uso demasiado desse pronome torna o texto cansativo e obstrui a fluidez da leitura do interlocutor. 393 Para iniciar a oficina, foi feita a leitura de um texto, do gênero discursivo “crônica”, que se apresenta numa estrutura do gênero “carta”. O texto relata o pedido de um menino para os donos da empresa Nike: antes de destruírem os tênis falsificados, separem um par para ele. Dentre os argumentos, o menino apresenta o fato de ser um grande fã da marca e de não ter condições financeiras para comprar um. A leitura desse texto foi feita pelos estudantes. São Paulo, 14 de agosto de 2000. Prezados Senhores Uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já teria até sido adquirida. A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente. Antes de mais nada, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que está correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um direito dos senhores. Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles para os verdadeiros. Em segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os senhores não têm ideia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo, vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike - direi, naturalmente, que foi presente (não quero que pensem que andei roubando) -, mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço. Uma última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o de casa. 394 Uso a camiseta de uma universidade americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da universidade – é uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante. Mandem-me, por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno. Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa uma certa importância. E depois, quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida. (Moacyr Scliar, cronista da Folha de S. Paulo) Depois da leitura, a bolsista discutiu com os estudantes, a compreensão do texto, instigando-os a dizerem com suas palavras do que trata o texto (o que está materializado no texto), a fim de chegarem à interpretação/discussão dos vários discursos que perpassam esse texto (o que a materialidade linguística reflete ou refrata: desigualdade social, extrema pobreza, ilusão midiática, falsificação de produtos, sobretaxa de produtos, alfabetização e analfabetismo funcional etc.). Na discussão do texto, foi chamada a atenção dos estudantes para a função exercida pelo pronome relativo, na construção dos sentidos, sem nomeá-lo como pronome relativo, apenas observando sua funcionalidade. Durante o processo de compreensão e interpretação do texto, foram ressaltadas as características dos gêneros “crônica” e “carta” e as marcas linguísticas da personagem que escreve a carta, o vizinho, narrando as ideias do menino. Em seguida, foi realizada uma revisão sobre a definição e classificação dos pronomes presentes no texto, tendo em vista que os estudantes do EM já deveriam ter estudado parte desse conteúdo no Ensino Fundamental (EF). Por meio dessa revisão, foi possível diagnosticar o que os estudantes sabiam sobre pronome relativo, para orientar os demais procedimentos da oficina, inclusive, apresentar a definição de pronome, caso houvesse estudantes que não o tenham estudado, por algum motivo8. Após a revisão, foi analisada a utilização dos pronomes relativos e o efeito de sentido produzido por esse uso, em outros gêneros discursivos, especialmente em histórias em quadrinhos, gênero apropriado para a sua utilização - sempre relacionando com o texto apresentado inicialmente. Os elementos textuais de coesão e de coerência foram discutidos, mostrandose a importância dos pronomes relativos para a construção dessas competências. 8 Além dos estudantes regulares, a escola atende estudantes “enturmados”, estudantes que, por apresentarem idade incompatível com sua série, são enturmados na série adequada, criando, dessa forma, uma grande lacuna no currículo escolar, pois muitos conteúdos são suprimidos, optando-se especialmente pelo básico, para que os estudantes não fiquem tão deslocados. Assim, é possível que um estudante chegue ao EM sem saber “pronome”, especialmente os “pronomes relativos” que, no geral, já são deixados para o final do EM. 395 No processo de exposição do pronome relativo, a bolsista fez a distinção do uso de “que” e “quem”, como na frase apresentada ao final do terceiro parágrafo: “afinal, quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas”. Se escrevêssemos essa mesma frase com o uso do pronome “que”, precisaríamos apresentar um argumento para referenciação: “afinal, aquele que pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas”. O pronome “quem” só pode ser usado para referenciar serem humanos e o pronome “que” pode ser usado para referenciar qualquer argumento que o preceda, seja com traço [-animado], como objetos, minerais, lugares, plantas etc., seja com traço [+animado], como animais e seres humanos. O uso do “que” exige que o predicado (verbo) concorde com o termo referenciado porque ele é um termo gramatical (abstrato) que faz ligação direta com o nome ou pronome ao qual se refere. Assim, “aquele” é um pronome demonstrativo na 3ª pessoa do singular, portanto, a locução verbal “pode receber” concorda com a 3ª pessoa do singular (lembrando que é o verbo auxiliar que traz a carga de tempo, pessoa e número). Outro exemplo está na frase apresentada no meio do segundo parágrafo: “Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos...”. Pelo fato de o argumento referenciado pelo pronome “que” ser “tênis” (com indicador de plural no pronome demonstrativo “desses”: contração da preposição “de” + pronome demonstrativo plural “esses”), a locução verbal “serão destruídos” apresenta-se na 3ª pessoa do plural. Claro que essa discussão foi feita, mostrando-se as regras da GT, o que os falantes usam no cotidiano e a posição social das personagens, ou seja, a relação com o texto que é narrado por um menino - provavelmente, analfabeto ou semianalfabeto - e escrito por um “vizinho”, do qual se tem poucas informações, especialmente quanto a sua formação escolar/acadêmica; ainda assim, algumas inferências podem ser feitas. Por fim, foram propostas duas atividades avaliativas de reflexão textual sobre a utilização do pronome: 1) foram feitas perguntas sobre os efeitos produzidos com os usos dos pronomes - relação coesão e coerência - em dois contextos de uso do pronome; e ii) foi proposta uma atividade de reescrita textual de um fragmento de uma notícia sobre a extinção do peixe-boi, que apresenta um excesso de “quês” como articulador do encadeamento textual. Como dissemos, as propostas de oficinas foram apresentadas ao grupo antes de serem desenvolvidas na escola, como meio de receber contribuições. Dentre as contribuições recebidas para esse tema, destacamos: sugestão para o trabalho com os textos, sobre a apresentação de slides e redução da quantidade de textos escolhidos para a oficina, considerando o tempo estipulado (1h15min). 396 O aprendizado do primeiro módulo de oficinas De acordo com a professora supervisora, os estudantes da escola em que o PIBID/Letras/CUA/UFMT atua tinham muita dificuldade de categorizar e de compreender o uso das classes gramaticais, de modo que, algumas vezes, eles não conseguiam diferenciar “substantivo” de “verbo”. Considerando-se isso e o método adotado para a aplicação do conteúdo dos temas das oficinas, a resposta dos estudantes se deu de maneira muito distinta. Na oficina de advérbios, artigos, substantivos, adjetivos, verbos e interjeições, por exemplo, os estudantes se mostraram participativos. As categorias substantivos, adjetivos, verbos e advérbios são menos gramaticais (menos abstratas, mais definidas) do que as categorias artigos e interjeição, porém todas são categorias que se articulam com menor grau de complexidade na frase. Nessas oficinas, foram usados textos próximos da realidade dos estudantes, elaboradas dinâmicas e aulas expositivas combinadas com as discussões propostas para os debates com os educandos. Já em outras, como a oficina sobre conjunção, que é uma categoria mais complexa, mais abstrata (mais gramatical, menos definida), notou-se certo desinteresse de alguns estudantes, pois eles permaneceram calados durante toda a atividade, o que não implica não terem aprendido, mas é sabido que a motivação é fundamental para apreensão e fixação da aprendizagem. Nessa oficina, foi adotado o método de aula expositiva com exemplificação em textos jurídicos e outros mais formais, que não são parte do cotidiano dos estudantes. Ao início da oficina, o bolsista utilizou a cena de um desenho animado9 para tratar a distinção entre as conjunções “e” e “ou”, mas a análise das conjunções mais complexas se deu em textos mais formais. Os textos formais podem e devem ser utilizados no processo de ensino, para que os estudantes tenham contato com todos os gêneros possíveis10 e para que se esforcem cognitivamente, a fim de ampliar as relações de sentido e o “conhecimento de mundo”. Entretanto, o professor deve atentar para o conteúdo proposto, porque, ao juntarmos uma categoria gramatical complexa com textos complexos, os educandos podem não conseguir atingir os objetivos da aula. Para cada conteúdo, é preciso analisar as estratégias e os mecanismos de apresentação da proposta, 9 A cena do desenho animado foi extraída do desenho “A nova onda do imperador”. Este conta a história de um imperador egoísta, Kusco, que é transformado em uma lhama e, depois de várias aventuras para voltar para casa com ajuda do camponês Pacha, começa a dar valor às pessoas e a pensar no bem da comunidade e não apenas em suas vontades. 10 A proposta do PIBID/Letras/CUA/UFMT é apresentar as características básicas dos gêneros mais exigidos na escola e nos processos seletivos; não poderemos apresentar todos os gêneros, pois, segundo Marcuschi (2005), há mais de 4.000 gêneros. 397 buscando, por exemplo, partir de textos e assuntos do cotidiano do estudante e, aos poucos, avançar para assuntos e gêneros mais complexos. Isso mostrou aos bolsistas que o método de ensino é fundamental tanto quanto o conhecimento do conteúdo a ser ministrado. Além da avaliação sobre a aplicação do conteúdo, os bolsistas avaliaram o tempo disponibilizado para desenvolver cada oficina. Para eles, o tempo para a apresentação das dez classes gramaticais - realizada em 3 dias, com 2 horas em cada dia11 - foi insuficiente para o desenvolvimento das atividades das oficinas de maneira satisfatória, mesmo para uma abordagem geral de cada categoria gramatical. Apesar dessas dificuldades, o primeiro módulo de oficinas foi realizado sem grandes problemas e houve uma avaliação positiva da professora supervisora e dos estudantes que, na semana seguinte, relataram que “gostaram muito das oficinas” e, nas aulas complementares e nas aulas regulares, têm trazido às discussões de sala os conteúdos estudados nas oficinas. Assim, as atividades, desenvolvidas no primeiro módulo de oficinas, serviram como meio de autoavaliação para os bolsistas. A colaboração e o silêncio dos educandos serviram como “termômetro” para perceber a eficiência do método utilizado. Corrigidos os erros e repensado o método de abordagem, o segundo módulo de oficinas foi elaborado, considerando-se o conteúdo programático elaborado pela professora supervisora no PIBID/ Letras/CUA/UFMT. Os procedimentos adotados para a aplicação do segundo módulo de oficinas foram elaborados e apresentados aos bolsistas, à supervisora e à coordenadora de área do PIBID/Letras/CUA/UFMT, por meio de uma aula de 1 (uma) hora de duração. Após a apresentação, os bolsistas receberam contribuições do grupo para o desenvolvimento da proposta na escola, quanto: aos textos para aplicação do conteúdo; à apresentação de slides; à metalinguagem; às metodologias didáticas que possibilitem um trabalho mais interativo com os discentes; à adequação da quantidade de textos escolhidos para a oficina, considerando o tempo estipulado (que foi ampliado para 1h15min para cada oficina); e, em alguns casos, quanto à mudança de tema. Essa relação entre teoria e prática, entre escola e universidade, proporcionada pelo PIBID/CAPES, propicia a busca por métodos mais eficientes; portanto, as aplicações que não obtiveram o êxito almejado servem para o aperfeiçoamento dos planejamentos de aula e das abordagens de ensino mais próximas à realidade dos estudantes. Tendo em vista a necessidade de mudança, acredita-se que esse tipo de reflexão pode proporcionar aos bolsistas, bases para uma atuação crítica e relevante, como já se pode observar nas aulas complementares, em período regular de aulas, em que os bolsistas têm retomado as categorias gramaticais, com o intuito 11 Esse horário foi proposto com base na disponibilidade dos estudantes e do calendário da Escola. 398 de reforçar, ampliar e, até mesmo, corrigir o que fora estudado nas oficinas. Na disciplina Língua Portuguesa, faz-se necessário repensar o ensino de língua para garantir um ensino que responda, efetivamente, aos desafios que constituem a relação ensino-aprendizagem. É preciso promover a reflexão da língua para além das normas da GT e do conceito (não significa excluí-los, mas ampliar a proposta). Nesse processo, a crítica à prática docente deve ser constante: a avaliação das práticas dos colegas professores e da própria prática (autoavaliação e avaliação das concepções, dos objetivos, dos procedimentos e dos resultados de cada aula). Considerações finais O estudo exaustivo de tópicos gramaticais não basta para que se compreenda o funcionamento real da língua. Assim, as atividades desenvolvidas pelos bolsistas do PIBID/Letras/CUA/UFMT visam a mostrar aos estudantes o uso linguístico em textos que apresentem situações comunicativas significativas para as diversas relações sociais, considerando-se o(s) método(s) de ensino para cada conteúdo. Para tal, as oficinas permitem a criação de “ambientes” de aprendizagem eficientes, porque criam um espaço “novo”, fora do contexto curricular do educando e, por se tratar de “oficina”, pressupõe-se “discussão” e “produção”, instigando o estudante a desenvolver a reflexão sobre o conteúdo discutido. O uso de textos é outro fator fundamental. O texto é usado em todas as atividades realizadas pelos bolsistas do PIBID/Letras/CUA/UFMT porque é a unidade linguística que permite a contextualização e que mostra os vários discursos que perpassam o assunto/tema exposto no texto, ampliando a cosmovisão do estudante. Consideramos, também, fundamental que o professor reflita sobre a linguagem, pois cabe a ele mostrar ao estudante a importância de aspectos reais para as situações de interlocução. Dessa forma, o objeto de ensino a ser utilizado deve sempre ser o conhecimento linguístico utilizado pelo sujeito ao participar de práticas de linguagens variadas. Os bolsistas do PIBID/Letras/CUA/UFMT têm crescido muito por meio dos estudos, das discussões, das palestras, da preparação e aplicação de oficinas, da complementação de aulas e das demais atividades do programa no ambiente escolar, de modo que eles têm adquirido mais segurança na condução dos trabalhos com os estudantes, demonstrando dinamismo e habilidade para organizar e expor os conhecimentos teóricos de maneira prática. Além disso, as discussões e a atuação dos bolsistas na escola auxiliam também os outros acadêmicos do Curso de Letras por 399 meio das experiências e conhecimentos adquiridos no Programa, que são discutidos nos grupos de estudo e nas aulas. Tudo isso fortalece o processo de formação docente desses acadêmicos e beneficia a escola onde o PIBID atua porque a instituição pode contar com eles no processo de ensino-aprendizagem, fortalecendo, assim, sua proposta pedagógica e repensando as ações de ensino adotadas na escola. Referências ANTUNES, I. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. BERTOQUE, L. A. D. P. A funcionalidade de construções de voz em títulos de notícia e em manchetes de jornais impressos. Goiânia, 2010. 205 p. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa: terceiro e quarto ciclos. Brasília: Ministério da Educação, 1998. CASTILHO, A. T. Nova gramática do português brasileiro. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2010, p. 96-107. CRÔNICA. Disponível em: http://provasdevestibular.com/dicas-de-portugues-para-vestibular/page/2/. Acesso em: 23 ago. 2013. DIK, S. C. The theory of functional grammar. 2 ed. Revisada. Berlim; New York: Mouton de Gruyter, 1997 [1989]. G1 notícias. Disponível em: <g1.com.br>. Acesso em: 9 mai. 2013. MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In.: DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gêneros textuais e ensino. 4 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. NEVES, M. H. M. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto, 2006. R7. Disponível em: <r7.com.br>. Acesso em: 9 mai. 2013. UOL notícias. Disponível em: <uol.com.br>. Acesso em: 9 mai. 2013. 400 3.5 CINEMA E FILOSOFIA Anthony Christino Dutra Rodrigues Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Raphael Rodrigo dos Santos Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Rodrigo Marcos de Jesus Professor coordenador do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Introdução O projeto “Cinema e Filosofia” foi elaborado para o terceiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Raimundo Pinheiro da Silva, porém não há restrições aos demais anos, visto não haver necessidade de conhecimento prévio da temática. O projeto insere-se na área de Estética Filosófica, mas também estabelece diálogos com a Teoria do Conhecimento e a Política, abrindo-se ainda para interlocução com as disciplinas de História, Geografia e Educação Artística. Dentro dos conteúdos envolvidos, temos: breves contextos históricos sobre Arte, Teatro, Cinema, Fotografia; introdução aos conceitos de mimese e indústria cultural e noções básicas sobre gêneros teatrais, cinema, fotografia e pintura. O “Cinema e Filosofia” é composto de oito horas-aula, divididas em quatro encontros de duas horas-aula cada. O intuito inicial era trabalhar com grandes produções cinematográficas como forma de sensibilização para os temas, no entanto, a proposta inicial foi inviabilizada por falta de tempo e espaço para enquadrar o projeto. Desse modo, optamos por trabalhar com curtas-metragens e minidocumentários, não mais como simples sensibilização para os problemas a serem debatidos, mas também como exemplificação e ilustração das questões a serem levantadas. Ao final de algumas aulas, propomos uma experiência estética como finalização, que pode ser feita através de curtas-metragens de cinco a sete minutos, em que haja um conteúdo mais voltado para a expressão artística da produção cinematográfica. No que se refere a curtas-metragens e minidocumentários, selecionamos as obras apresentadas abaixo. Curtas a serem trabalhados no decorrer do projeto: 401 Obra Viagem à Lua Ano 1902 Much Better Now 2012 La Jetée 1962 Destino 2003 Vincent 1982 Direção George Méliès Sinopse Considerada uma das mais importantes produções do cinema, Viagem à Lua não foi só o primeiro filme a usar efeitos especiais e contar uma história de forma linear; marca também o início da linguagem cinematográfica, bem como o que hoje designamos “magia do cinema”. “Este curta-metragem de Georges Méliès mostra uma das visões fantasiosas que os homens possuíam da Lua nos primeiros anos do século XX. Uma expedição formada por corajosos homens vai para o satélite da Terra, onde encontra seres nada amistosos, são capturados e devem fugir para retornar ao nosso planeta.”¹ Salon Certo dia um antigo livro é derrubado pelo vento; lá dentro, Alpin um marcador de páginas esquecido aproveita as páginas do livro – que se transforma em um oceano - para surfar, nos proporcionando belas imagens. Trata-se de um curta-metragem musicado, no qual as imagens dizem mais do que as palavras. Chris Trata-se de “um curta-metragem de ficção científica francês, Marker em preto e branco, realizado por Chris Marker. Conta a história de uma experiência pós-guerra nuclear de viagem no tempo usando uma série de filmes, fotografias executadas como fotomontagem”². Por se tratar de uma fotomontagem, serve como exemplificação do uso da fotografia pelo cinema. Salvador “Destino é um curta-metragem animado lançado em 2003 Dalí e Walt pelos Estúdios da Walt Disney. Destino foi primeiramente Disney idealizado em 1945, 58 anos antes da sua estréia. O projeto era, a priori, uma colaboração do animador americano Walt Disney com o pintor surrealista espanhol Salvador Dalí, com música escrita pelo compositor mexicano Armando Dominguez e interpretado por Dora Luz.”³ O projeto teve início com Walt Disney e acabou sendo abandonado em 1946, mas foi retomado e finalizado por Roy E. Disney em 2003, como pode ser conferido no link abaixo. Tim “Vincent foi o primeiro filme de curta-metragem de animação Burton de Tim Burton, em que ele já revela as suas tão marcantes e peculiares características, evidenciadas em grandes sucessos de bilheteira posteriormente realizados. Tal como o filme cult O Estranho Mundo de Jack, Vincent foi realizado em stop-motion, mas ainda em preto e branco.”4 _________ 1 Disponível em: <http://www.cineplayers.com/filme.php?id=2906>. Acesso em: 20 set. 2013. 2 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/La_jet%C3%A9e>. Acesso em: 20 set. 2013. 3 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Destino_(anima%C3%A7%C3%A3o)>. Acesso em: 20 set. 2013. 4 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vincent_(filme)>. Acesso em: 20 set. 13. 402 A História das Coisas 2007 Annie Leonard “A História das coisas é um documentário com duração de aproximadamente vinte minutos, cujo objetivo é nos ensinar como somos consumistas. O vídeo provoca mudanças em relação à forma de vermos o que será consumido e descartado. Demonstra que muitos são influenciados pela mídia, uma vez que ela nos obriga a estarmos atualizados em relação a tudo. Muitos são aqueles que por influência procuram usar apenas roupas de grife, os melhores equipamentos eletrônicos e o melhor carro, pois não podem sentir-se ultrapassados. Em relação a esta influência, algumas pessoas estão fora dela, pois mesmo tendo condições, continuam usando o mesmo celular ultrapassado, uma vez que não aceitam a influência da mídia.”5 Esse material tem como objetivos: desenvolver a percepção estética dos alunos e uma visão crítica acerca da indústria cultural; identificar modelos de roteiros de cinema e teatro que se repetem, bem como fórmulas para se prender o espectador, tal como apontado por Joseph Campbell (1904-1987), em O Herói de Mil Faces (1949), e relacionar roteiro, enquadramento e fotografia com as críticas estético-filosóficas. Fundamentação Teórica Dado que o conceito de indústria cultural, formulado por Adorno e Horkheimer em 1947, permanece pertinente e nos fornece uma base para se pensar a produção cultural na contemporaneidade, decidimos nos apropriar deste conceito para analisar a atual “democratização” da arte, informação e cultura, com o advento da internet. Para chegarmos ao debate sobre a contemporaneidade, optamos por abordagens breves de contextos históricos no que tange à narrativa de histórias, pois reunir-se para contar e ouvir histórias é algo que o homem faz desde os primórdios da humanidade. Da antiguidade aos dias atuais, o homem sempre teve a necessidade de se expressar e, então, encontrou, ao longo do tempo, diversas formas para conseguir fazer isso de modo cada vez mais eficiente. Uma dessas formas foi o teatro. No início, o teatro caracterizava-se como manifestações de rua realizadas em homenagem aos deuses. Com o passar do tempo, essas manifestações foram ficando cada vez mais elaboradas e surgiram os organizadores das manifestações; o teatro foi se sofisticando e surgiram os autores, que escreviam as peças e escolhiam os atores para representar uma história. O teatro deixa de ser uma coisa de rua e passa a ser uma _________ 5 Disponível em: <http://kirklopes.blogspot.com.br/2011/12/resenha-do-documentario-historiadas_18.html>. Acesso em: 20 set. 13. 403 coisa de palco. Temos então pessoas em um palco representando uma história para uma platéia. Mas qual é a importância do teatro? Qual a função de se contar histórias? O ato de contar histórias leva os homens a refletirem e terem novas perspectivas de mundo. Além de ser um entretenimento, a forma como a história é contada nos leva a refletir sobre problemas sociais e políticos e acerca da própria condição humana. Mas, apesar de tudo isso, o teatro não deixa de proporcionar prazer e sensações. Um prazer que educa, conscientiza, ou seja, nos leva a pensar sobre a realidade, e diverte. Porém temos uma questão aí. O teatro é uma obra de arte. E, para pensarmos sobre o teatro como obra de arte, devemos primeiramente indagar a respeito do que é uma obra de arte. A palavra “arte” vem do grego téchne, que pode ser traduzido como técnica, ou habilidade. No início a arte, como nos referimos hoje, não implicava obras de artes, mas, sim, técnicas e habilidades. Entretanto, o que isso tem a ver com teatro, cinema etc.? Em sua Poética, Aristóteles caracteriza a arte como imitação: A epopéia, o poema trágico, bem como a comédia, o ditirambo e, em sua maior parte, a arte do flauteiro e a do citaredo, todas vêm a ser, de modo geral, imitações. Diferem entre si em três pontos: imitam ou por meios diferentes, ou objetos diferentes, ou de maneira diferente e não a mesma. [...] todas elas efetuam a imitação pelo ritmo, pela palavra e pela melodia, quer separados, quer combinados. [...] diferem por usarem umas de todos a um tempo, outras ora de uns, ora de outros. A essas artes me refiro quando falo em meios de imitação. [...] como aqueles que imitam pessoas em ação, estas são necessariamente ou boas ou más (pois os caracteres quase sempre se reduzem apenas a esses, baseandose no vício ou na virtude a distinção do caráter), isto é, ou melhores do que somos, ou piores (ARISTÓTELES, apud BRANDÃO, 1995, p.19-20). Aristóteles via a obra de arte como imitação da realidade. E este é justamente o problema da arte: ela é uma imitação, uma representação da realidade. Pelo fato de uma história encenada imitar a realidade, alguns elementos são tomados como verdadeiros pelo espectador. Além de divertir, a contação de histórias influencia nosso comportamento e visão de mundo. Por mais de 2.500 anos, contar histórias como entretenimento coletivo ficou restrito ao teatro. Desta maneira, conforme a sociedade crescia, poucas pessoas tinham acesso ao espetáculo de palco. Foi só há pouco mais de cem anos que a forma de se contar histórias pôde – teoricamente – ser uma coisa acessível a todos. E isto ocorreu com o advento do cinema. 404 O cinema começou com filmes curtos, sem narrativas definidas, quase como experiências. O primeiro filme projetado na história se chama A chegada do Trem à estação, feito pelos irmãos Lumière. Neste início, o cinema ainda não tinha uma fórmula para contar histórias. A câmera capturava o ponto de vista de um observador de teatro, fixa, enquanto a ação se desenvolvia em frente à câmera, como se fosse um palco. Mas o cinema não poderia progredir com a linguagem do teatro. Com o aperfeiçoamento do aparato técnico, a ação deixa de ser um privilégio do personagem; é agora dividida com as câmeras em um cenário natural, não mais um cenário artificial. Com o advento do cinema, via-se a possibilidade de expandir a arte através da facilidade de sua reprodução e torná-la cada vez mais verossimilhante. O cinema consegue por meio de uma “miscelânea” artística – fotografia, teatro, literatura, música – desenvolver uma forma própria de contar histórias. E principalmente a forma de prender o espectador. Em 1949, o estudioso Joseph Campbell publicou uma obra intitulada O Herói de Mil Faces. Neste livro, Campbell nos diz que todos os mitos do mundo são iguais, só mudam de nome e de cultura: Quer escutemos, com desinteressado deleite, a arenga (semelhante a um sonho) de algum feiticeiro de olhos avermelhados do Congo, ou leiamos, com enlevo cultivado, sutis traduções dos sonetos do místico Lao-tse; quer decifremos o difícil sentido de um argumento de Santo Tomás de Aquino, quer ainda percebamos, num relance, o brilhante sentido de um bizarro conto de fadas esquimó, é sempre com a mesma história — que muda de forma e não obstante é prodigiosamente constante — que nos deparamos, aliada a uma desafiadora e persistente sugestão de que resta muito mais por ser experimentado do que será possível saber ou contar. Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob todas as circunstâncias, os mitos humanos têm florescido; da mesma forma, esses mitos têm sido a viva inspiração de todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente humanos. [...] As religiões, filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito. [...] Por que é a mitologia, em todos os lugares, a mesma, sob a variedade dos costumes? E o que ensina essa visão? (CAMPBELL, 1997, p. 5-6) Os filmes que são recordes de bilheterias, assim como os filmes menores que conhecemos, seguem um padrão de narração – demonstrado por Campbell – que pode ser encontrado nas superproduções cinemato- 405 gráficas e até mesmo em novelas, e o mais interessante é que, na maioria das vezes, essa forma de se contar histórias não é feita de maneira proposital, embora se encaixe nessa estrutura. Não que toda história seja cem por cento contida dos elementos do Mito do Herói, mas sempre encontraremos quase todos estes elementos em um roteiro. Logo a indústria cinematográfica percebeu que a teoria de Campbell podia ser usada como estrutura para se contarem histórias, transformando-a em uma técnica. Temos como exemplo o roteirista Christopher Vogler que, em 1988, publicou o livro A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Roteiristas, fruto de um memorando para os estúdios Disney, usando a teoria de Campbell. A partir da teoria de Campbell, criam-se mecanismos para prender o espectador. Expressa-se nitidamente um caráter manipulatório no cinema. Se ele é manipulatório, as técnicas que ele desenvolve para prender o espectador podem distorcer a realidade. Mas qual o problema disso, se a literatura, o teatro e a pintura também distorcem a realidade? O problema é que, por ser a arte mais vista, é também a que mais influencia. As pessoas começam a se vestir e muitas vezes incorporar falas dos personagens ao seu linguajar. Um problema maior ainda surge quando se cria a televisão. Com a televisão, o acesso às histórias se torna maior, muitas pessoas assistem à mesma coisa, muitas vezes são influenciadas pelas mesmas coisas e acabam falando sempre sobre as mesmas coisas. Seguindo a estrutura de narrativas, o cinema criou uma linguagem própria, e essa técnica foi trazida para a TV. Normalmente o telespectador não percebe que esse tipo de narrativa é imposta, sem deixar tempo para a reflexão. Isso acontece, principalmente, com as novelas, em que há muitos elementos da realidade, fazendo com que nos identifiquemos mais com os personagens; assim, nem pensamos se o que está sendo transmitido condiz com a realidade. Podemos, de repente, esbarrar com uma obra que influencia nossas opiniões sem percebermos. O cinema e a TV costumam estabelecer uma verdade que não retrata a realidade. Toda história contada por um filme tem uma intenção. Há os filmes que são feitos para serem vendidos e levantarem dinheiro, mas há também produções pensadas como obra de arte e, nesse caso, o diretor e o roteirista tentam passar uma mensagem e não simplesmente vender essa arte. Cada vez mais o cinema e a TV colocam uma série de modelos de comportamentos e opiniões em geral que acabam por influenciar a sociedade. Tais questões marcam nosso comportamento, levando-nos a reproduzir sempre as mesmas coisas, fazendo-nos perder a nossa autenticidade. Imitamos o que assistimos. Houve uma inversão: antes o que assistíamos era uma imitação do que nós éramos e fazíamos, hoje a vida em sociedade é uma imitação do que assistimos. 406 Descrição do projeto6 1ª aula Tema: Qual realidade a arte representa? Dinâmica: Breve contextualização histórica sobre o teatro, a contação de histórias e sua evolução, amparada na Poética de Aristóteles e no Mito do Herói, presente na obra O Herói de Mil Faces, de Joseph Campbell. Em determinado ponto da aula, é feita a exposição do curta Viagem à Lua (1902), de Georges Méliès. A partir deste filme, pode-se fazer a comparação com os doze passos do herói, descritos por Campbell. O curta serve também de ponto para a história do cinema, já que foi o primeiro filme reproduzido em larga escala e criador do que hoje chamamos de “magia do cinema”. Atividade: Dividir a sala em grupos e sugerir uma produção em forma de diálogo acerca de um tema escolhido pelo grupo, auxiliando, quando necessário, o desenvolvimento da produção textual. Finalização: Experiência estética – exibição de Much Better Now, 2012, de Salon Alpin. 2 ª aula Tema: A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Dinâmica: Nesta aula, damos continuidade às discussões sobre a representação da realidade por meio da arte; há aqui um enfoque maior na imagem. A expressão pela imagem sempre esteve presente na história humana. Durante a pré-história, as pinturas rupestres tornam-se a primeira forma de expressão por meio da imagem. Essas pinturas rupestres eram um jeito simbólico de representar a vida. Elas serviam para que os homens se lembrassem de quem eram, o que faziam, como faziam. Retratavam eventos, caçadas e crenças. A imagem, a pintura, foi o meio pelo qual o homem conseguiu fixar os acontecimentos sociais e a característica de cada época. Após uma breve contextualização sobre a história da arte – mais especificamente a pintura – debatemos os antecedentes e o nascimento da fotografia, não como um surgimento espontâneo, mas como um acúmulo de técnicas que culminou, em 1830, na fotografia como conhecemos hoje. Em seu início, temos a câmara escura, que consiste numa sala, ou numa caixa, com um buraco em algum canto. A luz de fora passa por esse buraco e atinge a superfície interna, em que é reproduzida a imagem invertida. Esta técnica foi muito usada por artistas durante o Renascimento. Deste modo, torna-se interessante uma exposição com slides ou reproduções _________ 6 Os vídeos e textos utilizados no projeto estão disponíveis no site do Departamento de Filosofia da UFMT filosofia.ufmt.org. Conferir aí o link do PIBID. 407 das próprias obras de artistas, como Leonardo Da Vinci, Johanes Vermeer, entre outros. A partir disto, damos continuidade à aula, trabalhando trechos do livro Filosofia da Caixa Preta (1983), de Vilém Flusser (1920-1991), que traz debates interessantes sobre a função e intencionalidade de imagens no cotidiano. Após essa discussão, ocorre a exibição do curta La Jetée, 1962, de Chris Marker, com o intuito de demonstrar e exemplificar o uso da fotografia no cinema. Atividade: Fotografar algo com o objetivo de transmitir uma sensação ou impressão estética. 3 ª aula Tema: Arte é para todos? Dinâmica: Esta aula inicia-se com a apreciação da atividade proposta da aula anterior; acreditamos haver aqui a possibilidade de surgirem alguns temas geradores a serem discutidos. Em seguida, ocorre a exibição do curta Destino (2003), de Salvador Dalí e Walt Disney; neste curta, tem-se a reprodução das obras de arte de Salvador Dalí para o grande público. Daí, encaminha-se a discussão, subsidiada por trechos de A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), de Walter Benjamin (18921940), texto que discorre sobre a fotografia e o cinema como responsáveis pela democratização da arte. Aqui abordamos pela primeira vez a separação entre “arte” e “cultura”, segundo a qual a “arte” seria dirigida para um público específico por meio do teatro, pintura e concertos; já a “cultura”, através do cinema, fotografia e rádio atingiria um público mais amplo. A partir dessa distinção, damos ênfase à afirmação de Benjamin de que a fotografia e o filme rompem com uma ideia de arte como sendo algo para poucos. Graças ao advento das técnicas de fotografia e filmagem, temos o que ele chama de democratização das artes. Atividade: “Mimese” – escolher um filme, novela ou alguma obra audiovisual com a qual se tenha uma identificação; elencar elementos e fazer comparação com a própria vida. Finalização: Experiência estética – exibição do curta Vincent, de 1982, dirigido por Tim Burton. 4 ª aula Tema: Indústria Cultural Dinâmica: Nesta aula, trabalhamos o conceito de indústria cultural, presente na obra Dialética do Esclarecimento (1947), de Theodor Adorno (19031969) e Max Horkheimer (1895-1973). A discussão que pautará esta aula é a noção, segundo Adorno, de que a indústria cultural serve para condicionar o indivíduo a viver sempre em um mundo ilusório. Nesse mundo, a realidade é aquela que está sendo mostrada em um filme ou programa de TV; não há, portanto, consciência das questões ideológicas embutidas nas 408 informações colocadas pela indústria cultural, pois quanto mais se parecer com a realidade, mais dentro da ilusão a pessoa irá viver. Embora possa parecer com a realidade, o mundo ilusório nunca será a realidade. Dáse ênfase ao impacto da indústria cultural no cotidiano do indivíduo. Para Adorno, quando assistimos a algo, nossa capacidade de pensar de forma correta é retirada, porque estamos prestando atenção ao que está sendo passado, e a velocidade do que é reproduzido não nos deixa tempo para pensar se aquilo pode ser tomado como verdade. Vamos absorvendo a opinião da indústria, tomando-a como nossa própria opinião. Após a discussão do conceito de indústria cultural, faz-se a exibição do curta A História das Coisas (2007), produzido por Annie Leonard. Aí levantamos um debate acerca da contribuição da indústria cultural para o consumismo desenfreado. Conclusão Apesar de o intuito inicial ser trabalhar a partir de grandes produções cinematográficas, chegou-se à conclusão de que trabalhar com os curtasmetragens aqui sugeridos seja algo mais produtivo, por ser menos maçante, visto que esta é também a opinião de quem assistiu à apresentação do projeto. No entanto, o “Cinema e Filosofia” é adaptável, pois podemos trabalhar tanto com grandes produções, quanto com curtas-metragens. Cremos que esta seja uma das qualidades do projeto, pois os temas aqui gerados podem ser debatidos com estes diversos tipos de artes. Referências ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento. Trad. Guido de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2012. BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. BRANDÃO, R. O. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 1995. CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997. FLUSSER, V. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985. GUIDO, H. A poética do movimento: considerações preliminares ao cinema. In: SCHAEFER, S.; SILVEIRA, R. A. T. (Org.). O cinema brasileiro e a Filosofia. Uberlândia: EDUFU, 2012. 409 3.6 FILOSOFIA E HISTÓRIA: UMA INTERDISCIPLINARIDADE RUMO À POESIA E À LIBERDADE Alécio Donizete da Silva Professor do Departamento de Filosofia/UFMT/Cuiabá Camila Marques Delgado Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Tamires Siqueira de Oliveira Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Thiago Victor Corrêa Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Séries a que se destina O Projeto Didático “Poesia e Liberdade” foi pensado, visando, num primeiro momento, ao atendimento dos alunos do 2° e 3° anos do Ensino Médio, da Escola Estadual Presidente Médici. Componentes escolares As disciplinas envolvidas diretamente na elaboração deste Projeto Didático são a Filosofia, a História e a Literatura. Esta atividade, a princípio, visa a ser aplicada conjuntamente pelos professores e bolsistas de iniciação à docência das disciplinas diretamente ligadas ao projeto. Este projeto é uma tentativa de desenvolver a interdisciplinaridade entre o subprojeto PIBID FILOSOFIA/UFMT e o subprojeto PIBID HISTÓRIA/UFMT. Neste sentido, têm sido promovidas reuniões quinzenais entre os dois PIBIDs e algumas atividades conjuntas já têm sido realizadas, tais como o Cinema pela Verdade1, com participação de professores e alunos bolsistas das duas áreas, e o curso de Extensão “Atualidade política do Brasil”, ministrado por professores de Filosofia e de História da UFMT. Sendo assim, o “Projeto Poesia e Liberdade” representa mais um esforço no intuito de aproximar essas duas áreas do conhecimento, enriquecendo a discussão e a prática interdisciplinar. 1 Projeto nacional que teve uma sessão no auditório da Escola presidente Médici. 410 Conteúdos envolvidos Sendo um projeto interdisciplinar, os conteúdos a serem trabalhados necessitam estar intimamente relacionados. Para tal, o projeto busca, primeiramente, abranger um fato histórico, que permita fazer com que aliemos a poesia e a liberdade. Partindo desse princípio, o tema Ditadura Militar fornece, em abundância, materiais a serem analisados e relacionados das mais diferentes formas. Dentro desse projeto interdisciplinar, o eixo temático da Ditadura Militar se deu a partir da ideia de trabalhar poesia e artes de conteúdo político, sobretudo, com base em autores marginais da literatura brasileira, como, por exemplo, o poeta Chacal. O que se encontrou como base foi uma poesia que criticava a barbárie dessa Ditadura. A primeira etapa da construção do projeto foi o desejo de unir a Filosofia e a História; a segunda etapa foi buscar um ponto que unisse ambas, e esse ponto são as artes, centrando-se na poesia. Desse modo, optamos por trabalhar a poesia como ponte entre os relatos e documentos históricos e o filosofar. Neste aspecto, a História oferece vasta referência, que vai de diários, documentários, músicas, filmes, poesia, até peças teatrais, dentre as quais podem ser citadas “O Diário de Fernando”, “Batismo de Sangue”, ambas memórias de Frei Betto, que hoje têm adaptações para o cinema. Nessas obras, Frei Betto nos apresenta um testemunho vivo da época, além de mostrar a dor e o sofrimento de viver em um país onde a barbárie foi naturalizado, e sobretudo, ocultado. Em seus textos, Frei Betto denuncia o passado horrendo que nunca deve ser esquecido, por mais que se tente. Outra obra essencial é a poesia de Ferreira Gullar, que denuncia a barbárie e as agressões à cultura brasileira, naquele tempo sombrio da nossa História recente. Além dele, inúmeros poetas poderiam ser trabalhados, como Carlos Drummond de Andrade, Chacal, José Carlos Capinan etc. Ainda hoje, a arte nos traz à memória o que foi a Ditadura Militar no Brasil, por exemplo, com a música do grupo Racionais MC´S, que trata da história do guerrilheiro Carlos Marighella, morto em uma emboscada no ano de 1969. Acreditamos ser este um contexto favorável para se trabalhar o conceito de Liberdade nos textos filosóficos, como no de Hannah Arendt, “Entre o Passado e o Futuro”, e em textos de autores, como dos filósofos Theodor W. Adorno e Walter Benjamin, que falam da referência social da arte e da poesia como denunciadora da barbárie histórica. Neste ponto, culmina a interdisciplinaridade entre Filosofia, História e Arte, nas quais as memórias, os diários, as poesias tornam explícita a liberdade negada pelo totalitarismo, pela tortura, pela censura, enfim as dores do tempo da ditadura, que anula o corpo, a ação e a criatividade. 411 Apresentação O Projeto Didático ‘Poesia e Liberdade’, num primeiro momento, tem como relação principal a Filosofia e a História e, em segunda instância, a relação de ambas com a arte, sobretudo, com a poesia. Os materiais didáticos foram selecionados na tentativa de articular esses três contextos. O objetivo é trabalhar o antigo com o novo, a memória viva e revivida. Os estudantes, alvos do presente projeto, se encontram em uma escola pública, nascida no período de ditadura em questão, carregando em seu nome o daquele que foi um dos mais terríveis ditadores, Presidente Médici, fundador da Escola. Esta História ainda é desconhecida de boa parte dos próprios estudantes. Pensando no nisso, o intuito do projeto é contar a história e analisá-la de forma crítica, com os documentos oferecidos pela História e com as inquietações dos filósofos contemporâneos, que viram o holocausto, o declínio da razão humana, a promessa dos modernos de esclarecimento da condição humana. Falar da condição humana aos alunos é à base da interdisciplinaridade entre História e Filosofia e, sobretudo entre os dois PIBIDs que atuam na Escola Estadual Presidente Médici. Entendemos que é possível fazer com que os alunos saibam a História de barbárie que já ocorreu em nosso país, em um passado não muito distante, no entanto, muito esquecido. É importante reviver estas memórias para que os alunos estejam atentos a qualquer discurso que seja preconceituoso, raivoso e que traga, de alguma forma, impedimentos à liberdade humana. É relembrando a barbárie contra os homens do passado que podemos evitar os erros do presente e melhor nos prepararmos para o futuro. Objetivos do material O objetivo deste material didático constitui-se no fomento à leitura, à escrita, à interpretação e à criação no âmbito escolar. É, sobretudo, ampliar o conhecimento dos alunos tanto na disciplina de História, quanto na disciplina de Filosofia, mostrando-lhes que o conhecimento não está desprendido da sua realidade e que há elos conceituais entre a História e a Filosofia. No que se refere à primeira, o objetivo consiste em mostrar as memórias dos homens que enfrentaram a tortura, a censura e toda a barbárie causada pela ditadura, que tenta naturalizar comportamentos que aniquilam a liberdade humana e que cerceiam o seu agir. Já quanto ao que concerne à Filosofia é dar-lhes ferramentas para interpretar os testemunhos, as injúrias e a distorção que um regime totalitário comete, principalmente, a distorção dos conceitos, dos valores, da constituição e de tudo mais que envolve o comportamento de uma sociedade. Ambas as disciplinas podem contribuir para a formação intelectual, cultural e humana dos alunos. 412 Fundamentação teórica Ao tratar da arte, Walter Benjamin (1994) afirma haver nesta um caráter revolucionário, capaz de interferir no modo como pensam as massas. Mas ele questionava escritores burgueses que assimilavam os temas revolucionários, sem colocar em risco sua existência, e a existência das classes dominantes. Para Benjamin, a arte deve ser revolucionária, a ponto de modificar a consciência das massas. O autor atribui à arte a potencialidade de gerar uma ação revolucionária no proletariado (sobretudo o cinema). Ou seja, o proletariado deve travar uma luta revolucionária com o capitalismo. Pode-se afirmar, conforme o autor, que esta luta se trava por meio da obra de arte revolucionária, que deve situar-se nas relações de produção capitalistas, nas quais o intelectual arrisque sua existência e a existência das classes capitalista, não a seu serviço, mas contra sua estrutura, que avilta e explora o proletariado. O autor assegura que a arte deve ter função social; nesse sentido, sua dimensão conceitual deve consistir em instrumento para enfrentar o que é contrarrevolucionário. Na obra de Benjamin, encontra-se uma voz que ecoava contra o regime fascista, contra a perseguição aos judeus. Para ele, o conceito de arte deve ter exigências revolucionárias na política artística. Na análise da obra de arte, sobretudo do cinema e da fotografia, o autor aponta as mudanças políticas e sociais sofridas pela arte; segundo ele, tais mudanças se ligam à modificação da percepção do homem. Benjamin situa nestas modificações aspectos positivos e negativos. Ao falar do cinema, ele demonstra que seu aspecto positivo seria seu modo revolucionário, pelo qual toda e qualquer arte deve estar próxima das massas, apontando-lhes seus direitos. E seu aspecto negativo seria a exposição daquilo que é contrarrevolucionário perante a massa; por exemplo, o uso que o regime fascista faz do cinema (da arte), sem que exijam o que lhes é de direito - a mudança das relações de propriedades. É necessária a compreensão do contexto histórico, no qual o autor se encontrava, para uma compreensão adequada do que seria essa exigência de uma arte revolucionária, visto que o que se encontrava era uma utilização da técnica indesejada, a serviço do fascismo. Esse regime utilizava a técnica para manter os modos de produção, Benjamin afirmava ser direito das massas exigirem mudanças. O fascismo se utilizou da reprodutibilidade técnica da arte. E é contra o fascismo que a voz de Walter Benjamin ecoa. O autor demarca as mudanças que a arte sofreu e aponta criticamente seu papel frente à sociedade – arte possui uma função social. Neste sentido, o Projeto ‘Poesia e Liberdade’ ganha relevância estendendo o conceito de arte de Benjamim ao campo da literatura e, especificamente, 413 da poesia. Investiga-se a arte – literatura, cinema etc. – em sua função social, no contexto em que estamos inseridos: a Ditadura Militar no Brasil. Todos os gêneros de arte eram vigiados, censurados. Assim, destacamos a importância do conceito de refuncionalização da obra de arte, em Walter Benjamin. Se a arte era objeto da perseguição do regime militar, é porque esta era capaz de denunciar para a população os horrores de uma ditadura. Neste sentido, os militares sabiam que a arte tinha uma função social, por isso ela era foco de censura e os artistas eram perseguidos, alguns torturados, outros exilados. Podemos dizer que arte, nesse período, exercia uma função social muito clara, a de denunciar a barbaria, toda e qualquer tortura, toda e qualquer distorção conceitual. A arte representava a liberdade que era cerceada. A liberdade de criação, de protesto, de contestação tornou-se crime contra o estado, contra os seus cidadãos. Em contraponto, a finalidade de um regime fascista e totalitário é subverter o poder transcendente da arte de possibilitar outra forma de existência, outra realidade, outro posicionamento, “que não o da submissão à produtividade, ao mundo competitivo do trabalho e à renúncia ao prazer” (MATOS, 1993, p. 71). Os censores da Ditadura Militar Brasileira visavam a, justamente, uma arte a seu serviço, na tentativa de minar toda denúncia contra a dominação do homem e de sua consciência. Eis as distorções de um sistema totalitarista que Benjamim já havia denunciado nos anos 30. A literatura como um gênero artístico também denuncia o processo histórico e social de um país; a liberdade do escritor e sua escrita são necessárias para a compreensão social, para a compreensão da percepção humana. Nesta perspectiva, a arte possui uma função social, por meio da qual são possíveis modificações, seja no sentido de alienar, seja no de conscientizar. Seu projeto filosófico era da arte por uma conscientização emancipatória. Nisto resulta o conceito de refuncionalização, utilizado por Benjamin, que advém de Brecht, o qual o próprio Benjamin cita: Brecht criou o conceito de “refuncionalização’ para caracterizar a transformação de formas e instrumentos de produção por uma inteligência progressista e, portanto, interessada na liberação dos meios de produção, a serviço da luta de classes. Brecht foi o primeiro a confrontar o intelectual com a exigência fundamental: não abastecer o aparelho de produção, sem o modificar, na medida do possível, num sentido socialista ... (BENJAMIN, 1994, p, 127). A refuncionalização consiste na concepção de arte contemplativa, que é alterada para o conceito de arte emancipada. Trata-se da arte com significação política, uma arte crítica, isto é, a arte que modifica a per- 414 cepção humana, passando da forma contemplativa para a forma reflexiva. Talvez este seja o ponto crucial a ser trabalhado no Projeto ‘Poesia e Liberdade’, a análise de uma arte reflexiva, que se propõe a refletir sobre problemas históricos e sociais. Pode-se afirmar que a poesia, como as artes, no Brasil, no contexto da Ditadura Militar, expôs os problemas sociais e políticos do Brasil. A concepção de arte benjaminiana, como testemunha de um determinado período histórico, previu a força da “Indústria Cultural”, que cada vez mais arrebata e subverte, para uma arte alienante e/ou inautêntica que atrofia toda a concepção de arte de força revolucionária. As proporções dessa indústria cultural merecem profunda reflexão no momento atual. Para isso, a filosofia de Benjamin nos proporciona uma reflexão referente à obra de arte e como ela se situa dentro das relações sociais. Pensar a poesia e o conceito de liberdade, seja no contexto da ditadura militar ou em qualquer outro contexto, mostra-se imprescindível para compreendermos as mudanças na percepção do homem. Descrição do projeto (parte prática)2 O Projeto ‘Poesia e Liberdade’ foi planejado para seis encontros, com duração de 1h 30min cada um, constando como atividade extraclasse. A metodologia consistirá na problematização do conceito de liberdade, em todas as aulas do projeto. Para isso, vemos a necessidade de levar poesias, textos, filmes e músicas para possibilitar o aprofundamento da reflexão sobre o tema nas aulas e ampliar a compreensão do aluno a respeito da ditadura militar, liberdade e poesia, com as mais diferentes expressões: a expressão filosófica, histórica e, sobretudo, artística. A maior preocupação do projeto é promover a leitura, a interpretação, a escrita e a possibilidade de criação, visto que os estudantes das séries escolhidas se encontram em uma fase crucial de formação intelectual, social e humana. Devido à convivência na escola, notamos que há uma limitada bagagem de leitura e compreensão da arte de um modo geral; por isso, procuramos apresentar aos alunos os mais diversos gêneros artísticos, principalmente a poesia, que exige leitura e interpretação, tendo como foco a problematização do conceito de liberdade. Sobre esse assunto, a poesia nos oferece um campo fértil para trabalhar com filosofia e história, isto pela referência criativa do poeta e pelas elucidações que um poema nos traz. Nossa expectativa é proporcionar o contato com a poesia, seu estilo, além de oferecer ferramentas para que os alunos possam tanto apreciá-la 2 Os materiais utilizados no projeto encontram-se disponíveis no site do Departamento de Filosofia da UFMT: filosofia. ufmt.org. Conferir aí o link do PIBID Filosofia. 415 como criá-la, mas, sobretudo, estabelecer relações entre o filosofar e a criação poética, que, neste caso, refere-se a um determinado período histórico, mas cuja produção se revela atemporal. Por fim, queremos que os alunos desenvolvam as mais diversas habilidades, como por exemplo, a capacidade de ler diferentes gêneros textuais e saber interpretá-los, bem como a capacidade de criação e reflexão autônoma dos conteúdos a eles apresentados. Para primeira aula, vamos introduzir o contexto histórico da Ditadura Militar, destacando as questões da censura e da repressão. Inicialmente, problematizaremos o lugar da poesia na sociedade e, respectivamente, o criador e sua obra. Queremos apontar o caráter de contravenção ao sistema ditatorial e assegurar a concretude da liberdade humana através da obra de arte. E, para tanto, optamos por trabalhar trechos do “Diário de Fernando”, escrito por Frei Betto; trechos do filme “Batismo de Sangue”, do diretor Helvécio Ratton; para finalizar, a música do grupo Racionais Mc´s, “Mil faces de um homem leal (Mariguella)”, para demonstrar a repressão tanto ao corpo quanto às palavras. Na segunda aula, partimos da problematização da poesia como denunciadora de um processo social; o texto escolhido é do filósofo Theodor W. Adorno, “Palestra Lírica e Sociedade”, no qual o autor afirma que a poesia possui referência social e denuncia o que está subjugado, escondido, encoberto socialmente. A poesia lírica, segundo ele, é criação de um inconsciente capaz de denunciar tudo o que está subjugado, alcançando a universalidade. Os recursos didáticos selecionados são a música “Linhas Tortas, do compositor Gabriel, O pensador, que aborda a importância da criação, da leitura e da escrita para a vida, e a poesia do poeta marginal conhecido como Chacal, “Sete Provas e Nenhum Crime”, que se refere à violência da Ditadura Militar. O objetivo é demonstrar aos alunos que a expressão estética denuncia a barbárie social. Aí está sua importância. Já na terceira aula, propomos atividades de leitura e interpretação das poesias, com a dinâmica de declamação e criação. Dentre os poemas que serão trabalhados, está a “Flor e a Náusea”, do poeta Carlos Drummond de Andrade. A dinâmica consiste em uma atividade denominada “Picotear”, na qual os alunos terão em mãos recortes de poesias e, em seguida, devem montá-los, recriando outro significado para a poesia. Esta atividade será uma pré-experiência para a atividade de escrita de um poema coletivo e individual, tendo como tema a liberdade. A ideia predominante é a de associar a liberdade de criar, subjacente à poesia, com a liberdade de viver, que nem sempre é respeitada no âmbito da política. No quarto encontro, trabalharemos a refuncionalização da arte, sobretudo da literatura, com o fragmento do texto “O autor como produtor. Conferência pronunciada no Instituto para o Estudo do Fascismo, em 27 416 de abril de 1934”, no qual o autor questiona aspectos artísticos de escritores e seus escritos frente à sociedade. O aparato didático desta aula será um trecho do documentário “Ferreira Gullar: O canto e a Fúria”, no qual o poeta fala de sua percepção da poesia e sua importância social. Contamos, ainda, com a leitura e interpretação da poesia do mesmo autor, “Maio de 64”, e, por fim, um trecho do filme “A babel da Luz”, de Sylvio Back, um documentário sobre a poetisa Helena Colody. A quinta aula retoma a atividade de leitura e interpretação de poesias com os alunos, na qual os mesmos terão de declamar as poesias elaboradas no terceiro encontro e as poesias de Carlos Drummond de Andrade, “Nosso tempo” e “O Medo”. O objetivo desta aula é desenvolver as expressões não só escritas, mas também as corporais. Por fim, no último encontro, será finalizada a discussão sobre a relação teórica entre poesia e liberdade, com um trecho do livro “Entre o passado e o Futuro”, em específico o capítulo “O que é liberdade?”. A conclusão do projeto se dará com as atividades de seleção dos poemas feitos pelos alunos e dos poemas pesquisados pelos mesmos, culminando, assim, com a produção de “Fanzine” e o “Varal de textos” Referências ARENDT, H. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Editora Perspectiva S/A, 1972. BETTO, F. Diário de Fernando. Rio de Janeiro: Rocco, 2009. BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução. Sérgio P. Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. CALLADO, Antônio. Censura e outros problemas dos escritores latino -americanos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. CARVALHO, J. M. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. FRANK, A. O diário de Anne Frank. Edição integral. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000. MATOS, O. C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. Sã o Paulo: Moderna, 1993. 417 RIDENTI, M. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1993. SKIDMORE, T. Brasil: de Castelo a Tancredo, 1964-1985. Tradução de Mario Salvino Silva. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. Poesias ANDRADE, C. D. Nosso Tempo. Disponível em: <http://pensador.uol.com. br/frase/NTYyOTYw/>. Acesso em: 18 set. 2013. ANDRADE, C. D. O Medo. Disponível em: <http://gilvanmelo.blogspot. com.br/2012/01/o-medocarlos-drummond-de-andrade.html>. Acesso em: 18 set. 2013. ANDRADE, C. D. A Flor e Náusea. Disponível em: <http://poesiaeluta.blogspot.com.br/2007/04/flor-e-nusea-calos-drummond-de-andrade.html>. Acesso em: 18 set. 2013. CHACAL. Sete provas e nenhum crime. Disponível em: <http://oglobo. globo.com/pais/noblat/posts/2013/06/09/sete-provas-nenhum-crime-chacal-498781.asp>. Acesso em: 18 set. 2013. GULLAR, F. Maio 1964. Disponível em:<http://leaoramos.blogspot.com. br/2008/12/maio-de-1964-dias-cruis-da-ditadura.html>. Acesso em: 18 set. 2013. Músicas BROWM, M. Mil faces de um homem leal (Mariguella). In: MC´S, RACIONAIS. Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/racionais-mcs/mil-faces-de-um-homem-leal-marighella.html>. Acesso em: 18 set. 2013. O PENSADOR, G. GOMES, A. Linhas Tortas. In: O PENSADOR, Gabriel. Sem Crise. Rio de Janeiro: Independente, 2012. Disponível em: <http:// letras.mus.br/gabriel-pensador/linhas-tortas/>. Acesso em: 18 set. 2013. SEIXAS, R. Rock das Aranhas. In: SEIXAS, R. Abre-te Sésamo. Estados Unidos: CBS, 1980. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=LHHY1slG1hY>. Acesso em: 18 set. 2013. 418 Filmes A BABEL DA LUZ. Direção: Sylvio Back, Brasil, 1992. 10min. BATISMO DE SANGUE. Direção: Helvécio Ratton, Brasil, 2007. 1h 50min FERREIRA GULLAR: O CANTO E A FÚRIA. Direção: Zelito Viana, Brasil, 1994. 55min. 419 3.7 PRISMA FILOSÓFICO Alana Cristina Teixeira Chico Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Alécio Donizete da Silva Professor do Departamento de Filosofia/UFMT/Cuiabá Joaquim Antônio de Carvalho Filho Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Filosofia/Cuiabá Introdução O projeto “Prisma Filosófico” é uma atividade extraclasse planejada para a Escola Estadual Raimundo Pinheiro, uma das instituições escolares envolvidas no subprojeto PIBID Filosofia da Universidade Federal de Mato Grosso, campus de Cuiabá. Apesar da precária infraestrutura da escola, há uma sala com razoável ambiente – carteiras, lousa, iluminação, climatização – para a realização do “Prisma Filosófico”. O projeto destina-se a todas as séries do ensino médio, uma vez que ocorrerá em horário extraclasse e qualquer estudante interessado na temática poderá participar dos encontros. O material didático a ser utilizado visa a uma introdução às questões filosóficas básicas através da sensibilização estética. É com esse intuito que o projeto “Prisma Filosófico” nasce: com a necessidade de ampliar o encontro entre questões filosóficas e as manifestações artísticas presentes no cotidiano, já que a filosofia, historicamente, tematizou questões sobre a arte, o belo, o sublime, a natureza, a emoção, a intuição, enfim, sobre a experiência estética humana. E a arte, por sua vez, se encontra assimilando as questões filosóficas sobre conhecimento, ciência, valores entre o bem e mal, identidade humana, moral, sociedade e assim por diante. Como afirma Daniel Herwitz (2010): A arte torna-se propriamente filosofia quando o filósofo exprime sua própria voz interior (que é a voz do pensador) por meio de um processo de clarificação/tradução. É como fornecer as palavras a um homem que topa com uma grande ideia sem estar inteiramente apto a articulá-la e em cujo gênio a ideia aparece intuitivamente na forma de uma imagem radiante que precisa ser analiticamente decomposta. Trata-se apenas de uma mudança na forma, e não em sua linha de trabalho, pois o ofício da arte foi sempre o mesmo ofício, de acordo com Hegel, assim como o do filósofo: o ofí- 420 cio do conhecimento, o conhecimento do eu, da identidade, da sociedade, da verdade com um V maiúsculo (HERWITZ, 2010, p.12). Desse modo, desenvolveremos as habilidades de interpretação e a formação de conceitos, além de estimular o diálogo de correntes filosóficas sobre as artes, buscando fornecer aos alunos a sensibilidade para explorar novas perspectivas de se enxergar a filosofia, não somente na linguagem discursiva, mas também na linguagem artística, expressiva, intuitiva e figurativa manifestada em nosso dia a dia. Utilizaremos os seguintes materiais filosóficos: Platão, em A República; Nietzsche, em Ecco Homo, O Caso Wagner e Crepúsculo dos Ídolos; Descartes, baseados no livro Imaginação de Descartes, de Dennis L. Sepper, e Compendium Musicae, do próprio Descartes; Adorno, em A filosofia da Nova Música. Em paralelo, trabalharemos as seguintes obras artísticas: a música Comfortably Numb, de Pink Floyd; músicas de Bach; as telas plásticas Guernica, de Pablo Picasso, Os pilares da Sociedade, de George Grosz, As Duas Fridas, de Fridah Kahlo, e A Loucura, de Angelo Bronzino. A partir desses recursos, proporemos atividades relacionadas às questões-chave da filosofia, como Ética e Educação, em Platão; Moral e Liberdade, em Nietzsche; Estética em Adorno; Racionalismo, em Descartes; interpretação filosófica em outras linguagens, além de trabalhos em grupo e incentivo à produção de escrita filosófica. Conteúdos envolvidos A execução do projeto “Prisma Filosófico” contempla particularmente a disciplina de Filosofia, articulando-se de forma interdisciplinar áreas como Estética, Literatura, Artes, Antropologia, História. Em vista disso, os conteúdos dimensionados no projeto envolvem a introdução à Estética – abrangendo a investigação filosófica das modalidades artísticas, correlacionando a compreensão do homem ao mundo, especificamente na sua relação com a arte. A “Alegoria da Caverna”, de Platão, é abordada através de questões atuais em nossa sociedade, como educação, alienação, trabalho e consumo, num diálogo com a música de Pink Floyd. Conceitos musicais barrocos presentes na música de Bach são dimensionados numa perspectiva filosófica, por meio do conceito de dionisíaco, em Nietzsche, da comparação com o racionalismo, de Descartes, na composição da estrutura musical e das reflexões sobre a obra de arte em Adorno. A ampliação da interpretação da linguagem artística, envolvendo a noção do 421 sensível, figurativo e intuitivo presente nas artes plásticas, é relacionada às questões e conceitos filosóficos de Platão, Descartes, Nietzsche e Adorno. Fundamentação teórica Há sempre uma particularidade na experiência estética da arte que se pode conhecer e que não deve ser descuidada. O apreciador da obra deve ser capaz de uma interpretação artística, caso contrário, quando a mesma é ausente, aquele que ouve ou vê se torna passivo na construção do sentido, isto é, a percepção sobre a obra de arte passa a ser insignificante e ou anulada. Isso ocorre porque é através da articulação do pensamento com o sensível que a experiência do belo na arte é composta. Portanto, é necessário que aquele que ouve ou vê interprete utilizando não somente o seu pensamento racional, mas também seus afetos e sentidos para conhecer o que a experiência estética tem a oferecer em determinada obra de arte. Daí o projeto “Prisma Filosófico” recorrer tanto à história da filosofia da arte como à apreciação estética, a fim de proporcionar um olhar mais agudo da obra de arte. A “Alegoria da Caverna”, por exemplo, nos faz refletir sobre questões epistemológicas pela busca do conhecimento verdadeiro e permite explorar conceitos como alienação, realidade etc. Dessa forma, temos o intuito de provocar nos alunos uma interpretação de “Alegoria da Caverna”, relacionando-a com o contexto atual, apresentando problemas culturais e políticos presentes na política brasileira. Diante disso, aproximamos o questionamento filosófico do contexto musical, ao trabalhar com a banda Pink Floyd, especificamente, a música Comfortably Numb. Esta música retrata claramente um personagem dependente de substâncias entorpecentes que convive com aspectos de solidão, nostalgia e desesperança1. Ambos os contextos – musical e filosófico – apresentam indivíduos alienados, isto é, com a capacidade limitada de pensar e agir por si próprios. Também podemos enxergar um determinado comodismo social, sem perspectiva nenhuma em buscar o conhecimento, seja daquele que está “confortavelmente entorpecido” pelas sombras projetadas em sua caverna, seja pela efemeridade de entorpecentes, aparências que se alimentam do conformismo. Outra coisa importante a ser destacada é que, assim como Platão tinha seus objetivos filosóficos e políticos ao escrever a “Alegoria”, Pink Floyd também tinha como intenção criticar, através da música, a opressão 1 “Quando eu era criança tive uma visão fugaz/Pelo canto do olho/Eu virei para olhar, mas tinha sumido/Eu não pude tocar na ferida/A criança cresceu/O sonho se foi/E eu me tornei confortavelmente entorpecido. Comfortably Numb (Pink Floyd álbum The Wall, 1979) 422 causada pelo sistema capitalista. Podemos, assim, afirmar que, como a prisão da condição humana pouco se modificou, a sociedade ainda está presa na caverna de Platão. Tal caverna é hoje superficialmente iluminada por instituições que apresentam propostas de condições de vida vantajosas. Os prisioneiros dispostos a ter conforto, segurança em seus cantos sombrios, acreditam facilmente em discursos políticos, leis e até, se for preciso, pagam impostos extras. A sociedade permanece cintilando sorrisos ofuscados, batendo palmas para as aparências das sombras. As tragédias entre os prisioneiros são frutos dessa escuridão, que geralmente ocorre pela errônea interpretação sombria das palavras que confundem os sentidos dos prisioneiros, pois a caverna está enfeitada de iluminações superficiais. A condução do pensamento se limita, impossibilitando o potencial autêntico de cada indivíduo de questionar as bases e complexidades da sociedade. Como diz Reisch (2010): Os muros não permitem o contato com outras pessoas, que estão fora de nós mesmos, do outro lado do muro. E é claro que as paredes também nos separam de nós mesmos – ficamos com o “cérebro danificado”, “confortavelmente anestesiados”, como nos dizem os títulos das músicas Brain Demage e Comfortably Numb, em relação a qualquer tentativa de nos alcançar; somos levados à loucura. Para Pink, “o muro era alto demais”, e por isso, “os vermes estão dentro de seu cérebro” (Hey You). Os muros impedem o sol de entrar, simbolizando a ausência de unidade e vitalidade (REISCH, 2010, p. 115). Com a música de Bach pretendemos mostrar como este músico promoveu um rompimento prático e ousado com a musicalidade da época que impunha um discurso tradicional às estruturas primárias da composição, sendo uma música pouco versátil em seu corpo formal. Assim, ele compôs músicas de caráter polifônico, que são resolvidas com mais de uma voz, ou seja, músicas que, além do ritmo, harmonia e melodia, são feitas para mais de um instrumento, em que cada um fica responsável pela sua voz ou linha, dando uma ideia de contraponto de sua voz principal. Também mostraremos que a obra de Bach fora resgatada por estudiosos em pleno romantismo – por muito tempo depois de sua morte, todo seu trabalho ficou em desuso e esquecido – e, pelo fato de ser redescoberto no romantismo, esta corrente romântica limitou-se a reinterpretá-la como obra barroca, demorando muito tempo para ser definitivamente resgatada a originalidade da obra bachiana. O período barroco e as músicas de Bach estão direta- 423 mente ligados com os mistérios da vida e de uma possível divindade, mas o que mais nos intriga são os aspectos que ligam o pensamento e a música de Bach, que se transforma em arte sonora somente depois de uma longa interação entre ambos. Por isso torna-se de fundamental importância reconhecer que alguma coisa inquietava tal músico na forma de pensar o mundo, pois seria impossível uma revolução musical tão grande desacompanhada de uma profunda reflexão. Nesse sentido, a comparação com Adorno mostra-se frutífera. Francisco (2009) afirma que o próprio Adorno construiu um tipo de música calculada nos moldes das músicas clássicas e eruditas, mas com uma melodia aparentemente horripilante aos ouvidos acostumados aos acordes da música clássica tradicional. Sua pretensão é justamente desacostumar a percepção daquela noção tradicional de ordem e harmonia ─ já que sua música só parece desarmônica, porém é totalmente ordenada e arranjada – dodecafônica ─ prevalecente na cultura burguesa vigente à época. Aqui vemos claramente a relação entre ambos os músicos, pois a proposta de Adorno era tão legítima quanto a de Bach: a modificação das estruturas harmônicas vigentes em uma época. Dessa maneira, podemos admitir que a arte em si, neste caso a música, está diretamente ligada ao pensamento, pois ambos os músicos tinham uma proposta que não se limitava à forma como a música era conduzida, mas também com o modo de se compreender o mundo. Já com o diálogo entre Descartes e Bach chamamos atenção para as dimensões musicais do ponto de vista metódico-matemático. Na obra Compendium Musicae, o filósofo francês faz uma tentativa de explicar as bases da harmonia e dissonância da música pelo viés matemático. Esse é um livro repleto de diagramas e tabelas matemáticas que explicam algumas relações possíveis da proporção entre os intervalos musicais, com o intuito ousado de esclarecer a compatibilidade do conhecimento filosófico-matemático-musical, a fim de mostrar a incrível relação entre o mundo sensível dos sentidos e a razão com a harmonia da música através da vibração que cada nota proporciona ao corpo. Por exemplo, uma nota grave irá penetrar a percepção sensível do indivíduo diferentemente de uma nota mais aguda, pois a questão está exatamente na vibração que o som traz. Assim, Descartes descreve algo fundamental, revelando o poder que todos os sons têm ao provocar sempre algum tipo de prazer, decorrente de suas propriedades corpóreas no universo sonoro. Com isso, Descartes mostra (1992) que: 424 (...) para o prazer sonoro é necessária certa proporção do objeto com o mesmo sentido. Daí que, por exemplo, o estrépito dos mosquetes e dos trovões não parece apropriado para a música; porque, evidentemente, causaria danos aos ouvidos, tal como o excessivo resplendor do sol aos olhos se estes o contemplarem de frente (DESCARTES, 1992, p. 58). Aqui temos o exemplo claro da intensidade que as notas causam aos ouvidos humanos. Descartes aponta a sensação musical pelo viés estrutural (grave e agudo) e não necessariamente melódico, mesmo este sendo um ponto crucial para se deleitar no prazer. O filósofo francês vai à estrutura harmônica e corpórea do som para justificar a relação intrínseca com o pensamento: a arte musical parte em primeira instância de um lado racional-matemático antes de se transformar em sonoridade-criativa. Como criar um poema sem conhecer a estrutura de uma língua? A mesma coisa acontece com a música, ou seja, primeiro vem o pensamento codificador da estrutura formal do ritmo, harmonia e melodia, por exemplo, para depois ser transformado em som propriamente propagado na dimensão atmosférica. Para Nietzsche, existe uma dualidade do ponto de vista energético da música. Haveria uma dimensão apolínea – o lado mais racional (regrado) da música – e outra dionisíaca – o lado mais sensível (espontâneo). Através desses dois conceitos, podemos analisar a música de Bach, em particular a Tocata e fuga em ré menor. Esta suporta um lado racional em sua roupagem geral (sua estrutura repleta de arranjos virtuosos dá um ar de pura racionalidade), mas logo, ao ser tocada, os arranjos fluem de forma livre, espontânea em suas passagens de tema para tema, sem a necessidade de um metrônomo para contar a pulsação, encaixando-se exatamente na descrição dionisíaca de Nietzsche. Como pode ser visto, em nosso projeto, propomos aprofundar a compreensão entre a filosofia e arte, elegendo especificamente como objeto artístico a música. Contudo, na etapa final, trabalharemos as artes plásticas, destacando a mesma relação complementar orientadora de nossa proposta: a filosofia fornecendo uma leitura interpretativa sobre as atividades humanas a partir de uma determinada obra de arte e as artes plásticas servindo de corpo ao pensamento filosófico. 425 Descrição do projeto Panfleto a ser distribuído na escola O projeto “Prisma Filosófico” foi estruturado por etapas para facilitar a execução dos conteúdos planejados tanto para nós – pibidianos – quanto para os alunos. Desse modo, dividimos o trabalho em seis etapas, cada uma estruturada com conteúdos diferentes, porém tendo o mesmo tempo de execução. Os conteúdos envolvidos seguem de acordo com as ações planejadas no projeto. 1° Dia – Apresentação do Projeto Apresentação do projeto para os alunos, especificando o objetivo, o conteúdo a ser trabalhado e a cronologia. Nesse encontro, não haverá utilização de textos, apenas explicação conceitual sobre a Estética na Filosofia. 2° Dia – Pink Floyd e a Filosofia Trabalharemos a música do Comfortably Numb, de Pink Floyd, em paralelo com a “Alegoria da Caverna” de Platão. A letra da música de Pink Floyd pode ser acessada em <http://letras.mus.br/pink-floyd/64539/>. O 426 texto de Platão está disponível em <http://stat.correioweb.com.br/arquivos/ educacao/arquivos/Plato-Alegoriadacaverna0.pdf> 3° Dia – Filosofia e a música Apresentação e interpretação da música de Bach, pelo “Duo Caverna de Platão2”, exemplificação e explicação das características da música barroca. Exemplo prático da música Tocata e fuga em ré menor, com exemplificação das partes livres e virtuosas, tocada e explicada para mostrar aos alunos a relação intrínseca da estrutura harmônica, melódica e rítmica diante do pensamento, através de um diálogo do compasso 98 ao 101, e do compasso 105 ao 114, com justificativa nos intervalos e ritmo como uma prosa abstrata de conceitos. Isso significa que a parte formal da música, que mostra a combinação teórica dos sons, não necessariamente transformará o som em informação com signos e significados da língua de um indivíduo. Os sons não dirão A e nem B para os ouvintes, somente mostrarão a estrutura formal da composição, na qual é possível relacionar a forma “prosaica” no andamento dialogal – duas vozes soam, uma voz pausa, a outra soa e vice-versa, na perspectiva da clave de Fá para a de Sol, tendo dois corpos limitados: a clave de Fá no seu campo grave e a de Sol no seu campo mais médio e agudo. Exemplo prático da música Suíte (prelúdio), mostrando algumas modificações feitas pelo “Duo Caverna de Platão” em relação à estrutura timbrada de uma interpretação independente com instrumentos modernos (acústico e elétrico). 4° Dia – Filosofia e a música (continuação) Desenvolveremos a relação do conceito dionisíaco de Nietzsche, com a música barroca de Bach em seus aspectos mais livres, dentro do arranjo de sua obra, ou seja, mostraremos que em alguns trechos na partitura de Tocata encontram-se partes dionisíacas, em que a dimensão rítmica não se apóia no metrônomo, sendo esse aspecto o mais relevante para descrever como o conceito de Nietzsche se encaixa na obra de Bach. Em seguida, abordaremos a concepção de Descartes em relação ao pensamento matemático para se fazer música. Depois, abordaremos Adorno para compararmos a esfera musical, desde a composição métrica à crítica da cultura musical3. 2 “Duo Caverna de Platão”: formado em 2013, por Joaquim Antonio de Carvalho Filho e Daniel Henrique Baier, composto por Contrabaixo elétrico e Vibra-fone. 3 Os textos que subsidiam esta discussão encontram-se disponíveis no site filosofia.ufmt.org, do Departamento de Filosofia da UFMT. Conferir aí o link do PIBID Filosofia. 427 5° Dia – Filosofia com as Artes Plásticas Nesta etapa, trabalharemos telas plásticas a partir dos referenciais teóricos do livro Explicando a Filosofia com Arte, de Charles Feitosa. Exploraremos Guernica, de Pablo Picasso, obra na qual o artista retrata a Guerra Civil Espanhola guiada sob poder militar do General Franco. Estudaremos todos os elementos ilustrados com a intenção de buscar o significado de cada um deles sobre o massacre. Neste quadro de Picasso, evidenciaremos, principalmente, as questões políticas retratadas, como o sofrimento e a resistência do povo espanhol. Na obra Os Pilares da Sociedade, de George Grosz, levantaremos questões evidenciadas em sua tela plástica, como o nacionalismo, a liderança política e o clero, mas, sobretudo, a corrupção denunciada pelo o autor diante dos conflitos civis nazistas. Em As Duas Fridas, de Fridah Kahlo, enfatizaremos a maneira como a própria artista se autoprojetou em condições sentimentais diferentes. Dessa forma, buscaremos fornecer aos alunos um olhar investigativo não só para as telas apresentadas, mas para as telas plásticas de maneira geral, observando cores, expressões, efeitos, contexto histórico, entre outros aspectos, pois, assim como a investigação filosófica necessita de buscar os significados de seus conceitos, as artes plásticas necessitam também da compreensão de seus significados, nem sempre explícitos. 6° Dia – Atividade Lúdica (encerramento do projeto). Para a atividade lúdica, explorando a potencialidade criativa e assimilação dos conteúdos trabalhos no projeto com os alunos, realizaremos a seguinte dinâmica: montar dois grupos de alunos, ambos responsáveis por produzir alguma intervenção artística baseada nos conceitos filosóficos trabalhos. O Grupo A fará uma montagem de fanzines, confeccionados com imagens, poesias, desenhos etc., enquanto o Grupo B criará pinturas, utilizando tinta guache, pincéis, cartolina, lápis de cor etc. Referências ADORNO, T. W. A Filosofia da nova música. Tradução de Magda França. 2. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989. ARANHA, M. L.; MARTINS, M. H. Filosofando. Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2009. ARISTÓTELES. A poética clássica. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1995. 428 DESCARTES, R. Compendio de la música [Compendium Musicae]. Madrid: Ed. Tecnos, 1992. FARTHING, S.; CORK, R. Tudo sobre Arte. Tradução de Paulo Polzonoff Júnior. Rio de Janeiro: Sextante, 2001. FEITOSA, C. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ed. Ediouro, 2004. FRANCISCO, J. P. C. Conceito de Indústria Cultural em Adorno e Horkheimer (2009). Disponível em: <http://www.brasilescola.com/cultura/ industria-cultural.htm>. Acesso em: 12 set.2013. HERWITZ, D. Estética. Conceitos-chave em Filosofia. Tradução de Felipe Rangel Elizalde. Porto Alegre: Ed.Artmed, 2010. NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos Ídolos. Tradução de Edson Bini. Curitiba: HEMUS LIVRARIA, 1976. ______. O Caso Wagner: um problema para músicos. Tradução, notas e prefácio de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. ______. Ecce Homo. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003. PLATÃO. A República. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, 1975. REISCH, G. Pink Floyd e a Filosofia. Tradução de Getulio Schanoski Jr. São Paulo: Madras, 2010. 429 3.8 A HIDROGRAFIA DE MATO GROSSO: ESTUDO TEÓRICO-PRÁTICO Pedro Aparecido Barreto de Melo Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Rondonópolis Gustavo Moraes Barbosa Aluno bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Rondonópolis Solange Flores de Souza Professora supervisora na escola do PIBID/UFMT/Geografia/Rondonópolis Série(s) a que se destina O estudo da “Hidrografia de Mato Grosso” foi desenvolvido com alunos do Ensino Médio: com os 1º Anos, em sala de aula, e com os 3º Anos, em forma de Minicurso. Este estudo pode ser realizado também nos últimos anos do Ensino Fundamental. Componentes Escolares Este trabalho foi executado nas aulas de Geografia, mas abre a possibilidade de ser desenvolvido em parceria com as disciplinas de Biologia, História, Língua Portuguesa, entre outras. O estudo de hidrografia é muito abrangente, pois se faz necessário o entendimento de outras áreas do conhecimento. Conteúdos envolvidos • • • • • Ciclo da água Distribuição da água na terra Os impactos sobre as bacias hidrográficas Representação cartográfica das bacias Bacias hidrográficas de Mato Grosso Apresentação O homem sempre buscou entender o funcionamento dos rios, devido à importância que tiveram no desenvolvimento das sociedades. Tanto que 430 as principais cidades se desenvolveram em torno dos rios, pois facilitavam o fornecimento da água, a circulação de pessoas, matérias primas e alimentos. Bacia hidrográfica em sua definição mais simples é um espaço da superfície terrestre, composta por um rio principal e seus afluentes. Rodrigues e Adami (2005) apresentam outra definição: “rede hidrográfica ou rede de drenagem [é] composta por todos os rios de uma Bacia Hidrográfica hierarquicamente interligada. Um dos principais mecanismos de saída da principal matéria em circulação no sistema de Bacia Hidrografia: a água (RODRIGUES; ADAMI, 2005, p.148). Nesta atividade, buscamos a compreensão do funcionamento de uma bacia hidrográfica, iniciando o estudo com a discussão teórica, abrangendo todas as etapas necessárias para o entendimento. O aprofundamento do trabalho ocorreu por meio da confecção de maquete em sala e exercícios de sistematização. Objetivos do Material • Identificar as bacias hidrográficas de Mato Grosso. • Entender o funcionamento do ciclo da água. • Reconhecer a ação humana sobre o ciclo da água e suas consequências. • Compreender o que são bacias hidrográficas. Fundamentação teórica O Conceito de Bacia Hidrográfica No estudo das Bacias Hidrográficas de Mato Grosso se faz necessário apresentar o conceito desse sistema, entendendo os processos envolvidos. Ao se estudarem as bacias, notamos que existem várias definições conceituais. Para Rodrigues e Adami (2005), é uma referência espacial considerada nas legislações e planejamento ambiental: Bacia Hidrográfica é uma das referências espaciais mais consideradas em estudos do meio físico. Atualmente subsidia grande parte da legislação e do planejamento territorial e ambiental no Brasil e em muitos outros países. Entretanto, em grande parte de seus estudos raramente existe uma definição conceitual precisa desse sistema que é, ao mesmo tempo, hidrológico e geomorfológico [...] (RODRIGUES; ADAMI, 2005, p. 147). 431 No estudo das bacias, temos várias tentativas de definição. Nesse material não levamos apenas em consideração seu meio físico. Seu estudo aborda, também, o volume de materiais sólidos, líquidos, externos e internos, que envolve seu processo de abastecimento de água, logo todos os espaços de circulação e acumulo de água. É o que enfatizam Rodrigues e Adami (2005): [...] É possível definir Bacia Hidrográfica como um sistema que compreende um volume de materiais, predominantemente sólidos e líquidos, próximo à superfície terrestre, delimitado interna e externamente por todos os processos que, a partir do fornecimento de água pela atmosfera, interferem no fluxo de matéria e de energia de um rio ou de uma rede de canais fluviais. Inclui, portanto, todos os espaços de circulação, armazenamento e de saída de água e do material por ela transportado, que mantém relações com esses canais (RODRIGUES; ADAMI, 2005, p. 147-148). Encontramos uma conceituação mais simples, que define bacias como porções da superfície banhadas por um rio principal. Notamos que, mesmo em definições simples, temos a associação do hidrológico ao geomorfológico. Na definição de Boligian e Alves (2010), As bacias hidrográficas, também chamadas de bacias de drenagem, são porções da superfície terrestre banhadas por um rio principal e seus afluentes. Elas são delimitadas pelas partes mais elevadas do relevo, considerados os divisores de água, composto por serras, chapadas, cordilheiras, entre outros tipos de elevações (BOLIGIAN; ALVES, 2010, p 55). Conforme vimos, o estudo da hidrografia deve ser associado ao estudo geomorfológico, pois os terrenos da bacia são delimitados pelo relevo; logo, o relevo direcionará água paras as áreas planas: “Os terrenos de uma bacia são delimitados por dois tipos de divisores de água: um divisor topográfico e um divisor freático (subterrâneo) definido pela estrutura geológica [...]” (PONTUSCHKA, CACETE; PAGANELLI, 2007, p.193). O chamado divisor topográfico é o relevo e o divisor freático é composto por uma camada de rocha impermeável que contribui para o acúmulo de água no lençol (Figura 1). 432 Figura 1- Esquema do divisor topográfico FONTE: www.portalsaofrancisco.com.br Data: 20/03/2012 A água é considerada o agente principal na constante transformação do terreno das bacias, provocando erosões naturais, que carregam sedimentos para as planícies. O processo de desgaste das bacias é lento e demorado, durando centenas de anos, quando ocorre naturalmente. O processo de desgaste das bacias acontece por influência de vários agentes naturais: a água, o vento, a vegetação, o calor e até mesmo o deslocar dos animais. Mas não somente os agentes naturais modificam as bacias, a ação antrópica vem acontecendo de várias formas. Pontuschka, Cacete e Paganelli (2007) destacam [...] a impermeabilização do solo, como exemplo no meio urbano, cuja consequência mais sentida pela população é a enchente, pois as águas escoam superficialmente para o canal fluvial e provocam o aumento brusco do volume de água. A retirada das matas ciliares e a ocupação das margens, além da poluição de rios e córregos, interferindo não somente na qualidade da água, mas no equilíbrio ecológico, uma vez que afetam a fauna e flora locais (PONTUSCHKA; CACETE; PAGANELLI, 2007, p 193-194). As principais Bacias Hidrográficas de Mato Grosso A Região Centro-Oeste do Brasil dispõe de grandes quantidades de recursos hídricos na superfície terrestre e também em reservatórios subterrâneos. Três das maiores bacias hidrográficas do país se localizam no Estado de Mato Grosso. Essas bacias são: a Bacia Amazônica, a Bacia do Paraná (ou Platina) e a Bacia do Tocantins. 433 De acordo com Maitelli (2005), a Bacia Amazônica drena grande quantidade das águas de Mato Grosso: [...] os rios pertencentes à bacia Amazônica drenam 2/3 do seu território. Esses rios percorrem superfícies do Planalto e Chapada dos Parecís, planaltos e serras residuais do norte de Mato Grosso e das depressões do norte de Mato Grosso, apresentando, em seus cursos, cachoeiras e corredeiras (MAITELLI, 2005, p. 278). Os rios afluentes da Bacia Amazônica que estão em Mato Grosso formam sub-bacias. Estas sub-bacias têm escoamento em direção à Bacia Amazônica e são denominadas como: sub-bacia do Guaporé, sub-bacia Aripuanã, sub-bacia do Juruena-Arinos, sub-bacia do Teles Pires, sub-bacia do Xingu. Essa bacia tem cerca de 6.112.000 km². A bacia hidrográfica do Paraná (ou Platina) possui aproximadamente uma área total de 880 mil km². No Mato Grosso, ela é formada pelo rio Paraguai e seus afluentes, na sua maior parte rios típicos de planalto, que possuem fatores favoráveis à geração de energia elétrica (BOLIGIAN; ALVES, 2010, p.57). Dentro da Bacia do Paraná, existem menores sistemas hídricos conhecidos como: sub-bacia do Alto Paraguai, sub-bacia do Cuiabá, sub-bacia do São Lourenço, sub-bacia do Correntes-Taquari. Essas sub-bacias são na sua maioria constituídas por rios de planícies (MAITELLI, 2005, p.283). A Bacia do Tocantins tem a sua área total de 757 mil km². Em Mato Grosso, o Rio Araguaia e afluentes deságuam na bacia do Tocantins e estão relacionados às sub-bacias do Araguaia e do Rio das Mortes. Essas são as principais bacias hidrográficas de Mato Grosso e suas sub-bacias mais importantes. Nelas existem grandes possibilidades de utilizar os recursos naturais em favor das necessidades do homem. Para que isso aconteça, é necessário o estudo na íntegra da região explorada, reduzindo-se, assim, os possíveis danos ao meio ambiente e minimizando-se os impactos ambientais. O Ciclo da água A água é uma sustância primordial para a vida na terra e de “importância vital para o ser humano: cerca de 80% de nosso corpo é composto desse elemento” (BOLIGIAN; ALVES, 2010, p. 49). A partir dessa colocação, podemos observar a relevância desse líquido para o ser humano. A água na natureza pode ser encontrada sob os três estados físicos: líquido, como nos rios, lagos e oceanos; gasoso, em forma de vapor atmosférico, e sólido, como nas calotas polares e nos picos das montanhas. 434 O ciclo hidrológico ou, como conhecemos popularmente, o ciclo da água, é um fenômeno caracterizado pela dinâmica que sofre no interior da hidrosfera: “Assim como os ventos e as massas de ar, o ciclo da água é movido pela energia do solar” (BOLIGIAN; ALVES, 2010, p. 50). Todos os dias, grande quantidade de água proveniente dos oceanos e dos continentes evapora. Esse processo se inicia com os raios solares atingindo o planeta. Quando a água se aquece pelos raios solares, passa do estado líquido para o gasoso, transformando-se em vapor. O vapor da água sobe, sendo mais leve que o ar. Nas camadas mais altas e frias da atmosfera, satura-se e transforma-se em nuvens. Precipita-se em forma de chuva para a superfície: “Sobre a terra, as águas da chuva, [seguem] caminhos distintos: evaporam, imediatamente após atingir a superfície, infiltram-se no solo ou para os córregos, rios e riachos” (BIGOTTO; VITIELLO; ALBUQUERQUE, 2009, p.156). A água vai seguir caminhos diferentes, dependendo do tipo de solo e relevo, que pode facilitar ou impedir sua infiltração, suas formas de consumo, e também pode ser absorvida pela vegetação. A vegetação interfere de diversas formas no ciclo da água, facilita a infiltração, protegendo o solo do impacto das gotas de chuva e, por meio das raízes, ajudando no processo de abastecimento de água subterrânea: Uma das principais formas de interferência da vegetação no ciclo hidrológico é a interceptação. Esse fenômeno ocorre quando parte da água da chuva fica retida em galhos e folhas. Dessa água, uma porção evapora novamente para a atmosfera sem se infiltrar no solo; outra porção escorre lentamente pelas folhas e galhos das árvores e arbustos, carregando consigo os nutrientes provindos dos excrementos dos animais para o solo (BOLIGIAN; ALVES, 2010, p. 49). Distintas são as formas de interferência da vegetação, por isso não podemos esquecer que a água, ao ser absorvida pelas plantas, pode ser aquecida pela radiação solar, o que as faz transpirar. Esse processo é conhecido como evapotranspiração: “[...] fenômeno que combina a transpiração das plantas com a evaporação da água presente em sua superfície” (BOLIGIAN; ALVES, 2010, p. 49). Descrição da experiência O estudo das bacias de Mato Grosso visa a contribuir para a compreensão dos fenômenos estudados, articulando teoria à pratica. O ensino de geografia, em muitos casos, se restringe ao estudo teórico, deixando de lado experiências práticas. Esse material desenvolveu a prática por meio de representação tridimensional, a maquete. 435 A maquete é uma técnica cartográfica muito utilizada, pois permite ao professor trabalhar a passagem do bidimensional para o tridimensional. Representar cartograficamente a área estudada permite ao aluno localizar os fenômenos estudados e fazer correlações do espaço físico quanto ao seu uso. Simielli (1999) argumenta que no ensino: O importante é que se trabalhe com o uso da maquete e nesta situação vamos ter um importantíssimo instrumento para trabalhar a correlação, porque a maquete em si, sendo um produto tridimensional, estará dando a possibilidade de o aluno ver as diferentes formas topográficas, as diferentes altitudes de um determinado espaço e, em função disso, poderá trabalhar várias outras informações, correlacionando -as com estas formas topográficas (SIMIELLI, 1999, p. 103). Tendo como base a importância de se confeccionar maquetes em sala, desenvolvemos uma maquete das bacias hidrográficas de Mato Grosso, com os alunos das turmas dos 1º e 3º anos do Ensino Médio da Escola Estadual Major Otávio Pitaluga (Foto 1). Foto 1- Alunos pintando as bacias Fonte: Melo, Pedro A. B de. (2013) Maquete das Bacias Hidrográficas de Mato Grosso Materiais necessários: Isopor com 10 mm, tinta guache (diversas cores), pincéis, papel vegetal, caneta hidrocor (diversas cores) e papel pardo. Etapas da construção da maquete 436 1ª etapa: produzir um molde da área a ser representada: Estado de Mato Grosso e suas bacias hidrográficas (Foto 2); Foto 2-Molde da área representada Fonte: Melo, Pedro. A.B de (2013) 2ª etapa: elaborar uma máscara dos principais rios (Foto 3); Foto 3- Máscara dos principais rios das bacias Fonte: Melo, Pedro A. B de (2013) 3ª etapa: desenhar a área a ser representada sobre o isopor; 4ª etapa: delimitar as áreas das principais bacias hidrográficas; 5ª etapa: desenhar, perfurando o isopor, os principais rios das bacias hidrográficas utilizando a máscara (Foto 4); 437 Foto 4-Bacias representadas com rios principais Fonte: MELO, Pedro A.B de (2013) 6ª etapa: pintar as áreas das bacias hidrográficas com cores diferentes e os rios de azul; 7ª etapa: identificar os rios; 8ª etapa: acrescentar título e legenda (Foto 5). Foto 5 - Alunos finalizando a maquete com legenda e título Fonte: Melo, Pedro A. B de (2013) O trabalho com maquete nas aulas de Geografia facilita o entendimento e a assimilação das representações cartográficas, bem como a área de abrangência de uma bacia hidrográfica e direção de escoamento das águas, associando o nível empírico ao conceitual. 438 Referências BIGOTTO, José Francisco; VITIELLO, Márcio Abondanza; ALBUQUERQUE, Maria Adailza Martins de. Geografia, sociedade, cotidiano: fundamentos do espaço geográfico. 2. ed. São Paulo: Escala Educacional, 2009. BOLIGIAN, Levon; ALVES, Andressa Turcatel. Geografia, Espaço e Vivência. São Paulo: Saraiva, 2010. MAITELLI, Gilda Tomasini. A hidrografia no contexto regional. In: MORENO, Gislaine; HIGA, Tereza Cristina Souza (Org.). Geografia de Mato Grosso: Território, Sociedade, Ambiente. Cuiabá: Entrelinhas, 2005. PONTUSCKA, Nídia Nacib; CACETE, Nuria Hanglei; PAGANELLI, Tomoko Lyda. Para ensinar e aprender Geografia. São Paulo: Cortez, 2007. RODRIGUES, Cleide; ADAMI, Samuel. Técnicas Fundamentais Para o Estudo de Bacias Hidrográficas. In: VENTURI, Luis Antonio Bettar. (Org.). Praticando a Geografia: Técnicas de campo e laboratório em Geografia e Análise Ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2005. SIMIELLI, Maria Ellena Ramos. Cartografia no Ensino Fundamental e Médio. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri. (Org.). A Geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1990. 439 3.9 DIÁRIO DE BORDO – FERRAMENTA PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA Tayla de Queiroz Silva Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Thays Barbosa Marinho Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Cuiabá Série a que se destina 1º ano do Ensino Médio Componentes Escolares Geografia e as Tecnologias da Informação e Comunicação Conteúdos Envolvidos Cartografia e Energia Apresentação A aula de campo é constituída pela troca de saberes entre o professor e o aluno com o meio em que estão inseridos, cuja importância é determinada pela prática e vivência do conteúdo que se amplia fora da instituição escolar. Para Figueiredo e Silva (2009, p. 01), “a aula de campo na disciplina de Geografia é essencial, pois por meio dela é possível identificar de fato o que é estudado na sala de aula”. Nesse contexto, a aula de campo é um dos meios eficazes de compreensão e interação do aluno durante o processo de ensino aprendizagem. Junto à aula de campo, é possível utilizar vários recursos didáticos que possibilitam o alcance dos objetivos traçados no plano de aula. Por esse motivo, um dos recursos a ser utilizado na aula de campo é o diário de bordo, que funciona como instrumento pedagógico, cuja intenção é conectar os conhecimentos teóricos com a realidade, além de servir como fonte de registros de observação dos alunos. Conforme o pesquisador Francisco Moura (2006), o diário de bordo é um recurso didático que possibilita buscar as particularidades dos alunos através das anotações realizadas por eles e também serve como um dos materiais pelos quais o discente pode adquirir os conhecimentos prévios sobre os principais conteúdos tratados nas aulas. Assim, o diário de bordo 440 representa o momento em que o aluno consegue refletir sobre a temática proposta, analisando-a, discutindo-a e relacionando-a no processo de ensino-aprendizagem. Mas, para que se conquistem efetivamente todos os objetivos, o professor ou o graduando em licenciatura que desenvolve algum tipo de atividade ou algum projeto na escola deve atentar para que o diário de bordo fique bem estruturado, contemplando a temática com elementos compostos por textos verbais, textos não verbais, atividades sugeridas, espaço para anotações, além de mapa de localização, que é imprescindível para qualquer aula de campo. Como fator positivo da utilização de um diário de bordo, este texto visa a apresentar um exemplo de sucesso, que foi realizado pela equipe do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID), Subprojeto Geografia, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá, que é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), envolvendo diretamente a quantia de 26 (vinte e seis) alunos, distribuídos em 04 (quatro) turmas do 1° ano do Ensino Regular da Escola Estadual André Avelino Ribeiro, 05 (cinco) bolsistas PIBIDianos, 01 (uma) professora supervisora, 01 (uma) coordenadora de área, além de 01 (uma) professora colaboradora da área de ensino de Geografia da UFMT, totalizando, dessa maneira, 34 sujeitos envolvidos no projeto. Neste texto serão citados trechos de relatos de alunos, cujos nomes serão substituídos pelas iniciais. Objetivos do Material Pode-se verificar por meio do diário de bordo construído pelo PIBID que um dos fatores positivos é a sua estrutura, que facilita a organização da temática a ser tratada. Nessa ferramenta, é válido ressaltar o espaço para anotações, pois insere-se nesse momento a prática da escrita, como se constata no relato das anotações feitas pelos alunos no diário de bordo a seguir: Depois que nos afastamos um pouco da cidade, podemos observar a vegetação, uma área verde com alguns animais, porque saímos da área urbana que é cheia de casas, muitos carros e extenso asfalto (A. O. P.). Chegada à usina às 09h02min; vemos uma barreira imensa de pedras. O principal objetivo da construção da Usina de Manso foi conter as enchentes que ocorriam nas regiões, mas também obter um aproveitamento de toda essa água com obtenção de lucros. O interior da usina é surpreenden- 441 te, são peças enormes e aparelhos sofisticados, como transformadores; o gerador é imenso, em seu interior a temperatura é elevada, mas não é prejudicial à saúde. Essa viagem foi muito boa porque aprendemos muitas coisas que não conhecemos (D. B. G.). Quando a usina foi construída, mais de 12 mil famílias foram prejudicadas (L. L. V. S. N. I.). Às vezes fico pensando para onde foram os moradores ribeirinhos que moravam ali nas margens do Rio Manso; um dos alunos do PIBID até perguntou, mas ele só disse que eles foram indenizados e não souberam responder mais nada; sempre vejo na mídia, o que eles indenizaram é uma pequena terra que não é fértil; então esses ribeirinhos vendem essas terras a preço de banana e partem para a urbanização; eles moram de aluguel até o fim da vida e ficam em desconforto praticamente sem trabalhar (T. S. G.). Por meio das observações relatadas no diário de bordo, pelos estudantes, obtiveram-se como resultado variadas sensações do ambiente, que permitiram a percepção do espaço geográfico. Nesse contexto, constata-se que os alunos se sentiram inseridos no meio analisado, trazendo momentos de apreensão da realidade para o seu cotidiano. No que concerne à relação entre a cartografia e o ensino da Geografia, pode-se aferir que: Se os conhecimentos cartográficos, necessários à vida cotidiana, fossem adquiridos somente no interior da sala de aula, tal questão deixaria de existir. No entanto, como ocorrem no contexto histórico do espaço geográfico (espaço-tempo), há necessidade de representar esse processo de maneira que essa reprodução possibilite a produção de conhecimento para a vida social (FRANCISCHET, 2013, p. 07). Os croquis revelaram a necessidade da cartografia em sala de aula, com foco no mapa mental e na composição dos elementos cartográficos. Ao se expor a utilização do diário como fonte que auxilia e fixa os registros coletados pelos alunos, percebe-se que tiveram acesso a informações importantes sobre a pauta da atividade, bem como espaço para suas anotações. A utilização do diário de bordo justifica-se, pois é um dos dispositivos pedagógicos que se aliam à aula de campo e facilitam o processo de ensino aprendizagem, não somente na disciplina de Geografia, como também interdisciplinarmente na escola. 442 Metodologia adotada Para construir e aplicar o diário de bordo, foi selecionado um “conjunto de meios e processos utilizados durante a busca da verdade, capazes de garantir esse alcance” (NASCIMENTO, 2008, p.23). Dessa forma, os procedimentos metodológicos foram distribuídos em 03 (três) fases. - 1ª fase - Levantamento bibliográfico Na construção do diário de bordo, a primeira etapa consiste em pesquisa bibliográfica sobre a temática que se pretende trabalhar. No caso da escola onde o subprojeto PIBID de Geografia atuou com o diário de bordo, o conteúdo proposto foi Natureza e Tecnologia: Produção de Energia, com uma visita à Hidrelétrica de Aproveitamento Múltiplo de Manso (APM), localizada no município de Chapada dos Guimarães, que fica a 100 km da capital mato-grossense. Os alunos da escola que participaram desse projeto foram escolhidos pela professora supervisora e a temática adotada fazia parte do planejamento anual da instituição escolar. - 2ª fase - Construção do diário de bordo A partir da consulta bibliográfica e documental, pode-se confeccionar o diário de bordo, pois o professor ou o bolsista já estão munidos de escopo teórico sobre a temática. Logo, elencam-se as principais informações pertinentes e referentes aos conteúdos que poderão ser trabalhados na aula de campo. O diário de bordo confeccionado pela equipe do PIBID conteve 08 (oito) páginas, com as seguintes especificações: Capa, contendo o nome da escola, data, local, além de um espaço para o aluno colocar seu nome, seguido da turma à qual está vinculado; Apresentação, contextualizando brevemente o material que o aluno está recebendo, na qual se lê: A aula de campo apresenta o momento em que você irá conectar os seus conhecimentos teóricos com a realidade. Nesse contexto, nossa aula começará desde a saída da Escola Estadual André Avelino Ribeiro (Cuiabá) até a Usina Hidrelétrica de Manso (Chapada dos Guimarães). Nesse diário de bordo você terá acesso a informações importantes sobre a pauta da atividade, bem como espaço para anotações. Aconselhamos que não deixe de anotar o que achar relevante e registrar os lugares por meio de desenhos ou fotografias. Esperamos que aproveite bem a visita! (PIBID – GEOGRAFIA, 2012, p. 02). A introdução do diário de bordo é imprescindível para que se situe o aluno na proposta do diário. 443 Descrição da experiência É imprescindível num trabalho de campo a localização da área de estudo. Dessa maneira, os pibidianos confeccionaram um Mapa da aula de campo, no qual foi apresentado o trajeto que os discentes percorreram. Figura 01. Mapa do trajeto. Fonte: Diário de Bordo Usina de Manso do Subprojeto Geografia campus Cuiabá. Mapa adaptado de: www.googlemaps.com.br. Acesso em: ago. de 2012. Por meio do mapa apresentado na figura 01, pode-se identificar o trajeto através das indicações das setas, que indicam o ponto inicial (Escola André Avelino), percorrendo as Rodovias Emanuel Pinheiro (MT- 251) até a MT- 351, e a chegada ao destino final (Hidrelétrica de Manso). O motivo da visita explicita a finalidade da aula e alguns questionamentos pontuais, para os quais os alunos podem procurar as respostas durante a aula de campo. Isso pode ser verificado na figura 02, que foi confeccionada para o diário de bordo do PIBID. 444 Figura 02. Questões sobre a Usina de Manso. Fonte: Diário de Bordo Usina de Manso do Subprojeto Geografia campus Cuiabá. As atividades a serem desenvolvidas durante o trajeto são uma parte fundamental do trabalho, pois contêm textos referentes às temáticas trabalhadas, que conceituam os pontos de observação sobre os quais o aluno tecerá suas leituras no diário de bordo; logo, observará na aula de campo e anotará os assuntos que podem ser pertinentes. As atividades consistiram na observação, que começou na escola, trabalhando principalmente a percepção que se tem sobre o meio, onde os alunos poderiam visualizar as características do espaço vivido, o espaço organizado pelo ser humano, os aspectos físicos e humanos em alguns pontos elencados no diário, como o perímetro urbano de Cuiabá, as rodovias que fizeram parte do trajeto e a usina hidrelétrica. Todos os dados foram registrados para a composição do diário de bordo. Os bolsistas também puderam elaborar questões, ou até mesmo fazer um croqui, como aconteceu no diário de bordo utilizado na Escola Estadual André Avelino Ribeiro. Já o espaço de anotações é importante para que o aluno tenha um local no próprio diário de bordo para realizar seus registros, evitando o extravio. 445 Em se tratando de um material pedagógico e, também, científico, as referências são elencadas, até para que percebam que o conhecimento se constrói numa relação entre o vivido e o que já existe de escopo científico. Como exemplo, o referencial consultado para a confecção do diário de bordo do PIBID constou de informações do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre o conceito de rodovias, e do Centro de Ensino de Pesquisas Aplicadas (CEPA), além da poesia “Ser certo é ser torto”, do poeta Adalberto Monteiro, que fala sobre a característica peculiar da vegetação no cerrado. Outro espaço importante são os avisos. São necessários porque contêm informações relevantes, como materiais necessários que se deve levar para uma aula de campo: além do diário, lápis, caneta, borracha, água, boné ou chapéu, filtro solar, máquina fotográfica se possível. Neles também constam informações sobre o uso de roupa confortável e adequada ao ambiente, tênis, entre outros itens. Após a confecção do diário de bordo, este deve ser entregue antes da aula de campo, para que o aluno tenha tempo de realizar suas leituras e reflexões. A aula de campo, utilizando o diário de bordo que foi aplicado pelo PIBID, ocorreu no dia 18 de junho de 2012. Concomitantemente à aula de campo e ao diário de bordo, é interessante que o professor utilize em conjunto outras ferramentas. Nesse contexto, como recursos complementares, os pibidianos, juntamente com os alunos, usaram materiais cartográficos, como mapas, bússola e o Sistema de Posicionamento Global (GPS). Ao final da aula de campo, os alunos devem entregar o diário de bordo para os responsáveis pela ação, que farão suas leituras, correções e aplicação de projetos de intervenção, caso seja necessário. É importante ressaltar que esse material deve ser entregue novamente ao aluno, para realizar as correções e também para servir de pesquisa para outros trabalhos sobre a temática. Referências FIGUEIREDO, V. S.; SILVA, G. S. C. A importância da aula de campo na prática em Geografia. 10° Encontro Nacional de prática de Ensino em Geografia. ENPEG: Porto Alegre, 2009. Disponível em: <http://www. agb.org.br/XENPEG/artigos/GT/GT3/tc3%20(10).pdf> Acesso em: 06 out. 2013. FRANCISCHET, M. N. A cartografia no ensino aprendizagem da cartografia. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/francischett-mafalda -representacoes-cartograficas.pdf>. Acesso em: 06 out. 2013. 446 MOURA, F. A utilização do diário de bordo na formação do professor. Nº 06. Col. LEPSI/ IP/FE: USP, 2006. Disponível em: < h t t p : / / w w w. p r o c e e d i n g s . s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? p i d = M S C0000000032006000100034&script=sci_arttext>. Acesso em: 06 out. 2013. NASCIMENTO, D. M. do. Metodologia do trabalho científico: teoria e prática. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. PIBID. Subprojeto Geografia. Diário de Bordo: Usina de Manso. Cuiabá: PIBID-Geografia, 2012. (mímeo) 447 3.10 COMPREENDENDO A GEOLOGIA E GEOMORFOLOGIA POR MEIO DA AULA DE CAMPO: UMA PROPOSTA DO PIBID DE GEOGRAFIA - RONDONÓPOLIS Kelbiane Alves Rodrigues Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Rondonópolis Luzirene Rodrigues de Matos Teixeira Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Geografia/Rondonópolis Mirian Terezinha Mundt Demamann Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Geografia/Rondonópolis INTRODUÇÃO O Estudo de campo realizado teve como principal objetivo desenvolver subsídios para as aulas de Geografia, que contribuíssem com o aprendizado, conceituando Geologia e Geomorfologia, de modo que os alunos pudessem classificar os principais tipos de rochas e analisar os impactos socioambientais. A aula prática exige aprofundado estudo empírico e, além disso, é uma técnica de ensino eficaz no processo ensino-aprendizagem, articulando a teoria à prática, promovendo o conhecimento. O estudo também abordou conceitos que já haviam sido trabalhados nas séries anteriores, como clima, hidrografia, paisagem e as interferências do homem, ao atuar como um agente modificador do espaço. Assim, a pesquisa prática possibilitou aos alunos observar as formas do relevo, os tipos de rochas do local, bem como a sua composição e os processos físicos, bioquímicos que atuaram na sua formação, viabilizando uma reflexão maior sobre o tema estudado, bem como a utilização dos sentidos para vivenciar e coletar informações. Esse contato direto com o objeto de estudo é melhor para a compreensão da abordagem teórica dentro de um processo dinâmico, tornando possível saber como esses conteúdos são produzidos nos livros didáticos e, a partir de então, com um novo olhar, perceber a evolução histórica do espaço em que se vive. A Geologia e a Geomorfologia são ciências que devem ser usadas para a compreensão do movimento de transformação da superfície da terra. Caracterização da área de estudo A aula prática de campo ocorreu na Rodovia do Peixe, na MT – 471, no vale do Gavião, zona rural do município de Rondonópolis/MT (Imagem 448 1). A área de estudo foi escolhida em função dos afloramentos rochosos da Formação Furnas. A MT 471 estende-se ao longo da margem direita do Rio Vermelho até as proximidades da “Cidade de Pedra”, totalizando 23,02 km, apresentando traçado bastante sinuoso. Imagem 1- Córrego do Gavião Fonte: VICENTE, T. G. (2012) As formações rochosas, vegetação e matas ciliares do entorno foram mantidas durante a construção desta rodovia, pensando-se na conservação ambiental. Estudo da paisagem As paisagens podem ser consideradas como o principal caminho para a melhor compreensão do processo de construção do planeta Terra. Entender o mundo, bem como as suas particularidades, torna-se primordial para que cada indivíduo se veja como agente participativo na elaboração da identidade histórica do local em que vive. A paisagem é dinâmica e composta por um conjunto de formas, que num dado momento, demonstra os vestígios das relações entre homem e natureza, portanto a mesma é uma realidade que “[...] não é formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.” (SANTOS, 1988, p. 21). Nesse sentido, “[...] a percepção e a análise das paisagens possibilitam uma visão crítica do homem em seu ambiente e do espaço construído pelo homem na interface da globalização e da individualidade” (STURZA, 449 1999, apud STURZA, 2013, p. 55), tornando-se um conjunto de sistemas naturais e socioeconômicos. Dessa forma, existe uma visível relação entre a natureza e a sociedade, não podendo se separar uma da outra. O cerrado apresenta diversas paisagens resultantes das interfaces entre as relações da sociedade e natureza. Imagem 2 . Campo Cerrado - Desenho de Percy Lau. Tipos e Aspectos do Brasil (1956, p. 411) Fonte: http://www4.fct.unesp.br/ceget/paisagens.pdf. Acesso em 04/09/2013 O cerrado é uma vegetação adaptada ao clima, com duas estações bem definidas por períodos secos e chuvosos. De acordo com Sette e Tarifa, “o clima da região é o tropical continental quente (megatérmico) alternadamente úmido e seco, em função do ritmo de atuação dos sistemas tropicais, equatoriais e extratropicais” (SETTE; TARIFA, 2001, p.9). O cerrado é o segundo maior bioma do Brasil e sua vegetação é constituída por diferentes formações que vão desde florestal até o campestre. Sturza menciona em sua tese de doutorado que Einten (1993), ao estudar o cerrado, constatou a existência de diferentes tipos fisionômicos que compõem a categorização internacional de savanas. De acordo com Sturza, esse autor classificou o cerrado de uma forma mais simples, se450 guindo uma progressão vegetacional em: campo limpo de cerrado, campo sujo de cerrado, campo cerrado, cerrado (sentido restrito) e o cerradão (EINTEN, 1993 apud STURZA, 2005 p.53). Segundo Vellozo (2007), o cerrado ficou mais exposto à ação humana a partir dos últimos 20 anos, quando se acelera o corte de árvores nativas para o cultivo da soja e do milho, principalmente. Geologia, uma ciência de campo Para melhor entendimento do Vale do Gavião, foi necessário conhecer as várias partes da estrutura da Terra, sua composição físico-química e os processos endógenos e exógenos, incluindo os seres humanos. A Geologia é a ciência que se dedica ao estudo da dinâmica terrestre, compreendendo desde sua origem até os processos responsáveis pela enculturação de suas formas. Consequentemente, uma porção do planeta, constituída por rochas, é por sua vez, fonte de informações decorrentes de um conjunto de fatores físicos, químicos e biológicos. Ao estudar a natureza das rochas, Popp (1998) identificou que as rochas mais profundas são as de originarem vulcânicas, e as melhores informações sobre o interior da Terra são frutos de estudos da propagação das ondas sísmicas, ocasionadas pelos terremotos. A superfície terrestre é uma camada relativamente fina, constituída, principalmente na sua superfície, por rochas, como o granito, migmatitos, basaltos e rochas sedimentares. No seu interior, encontram-se rochas mais escuras e mais pesadas, como diabásios, rochas ultrabásicas, dentre outras, que são predominantemente características das áreas oceânicas. Juntas formam placas ou blocos independentes que são arrastados por correntes, gerando os movimentos tectônicos. Estudar as rochas, sua aparência, textura, a mineralogia e a composição química permite entender como e onde elas se formaram. Classificação das rochas Uma importante etapa no estudo são os processos geológicos internos ou endógenos: magmatismo, terremotos, orogênese etc., e os externos ou exógenos: intemperismo, erosão, transporte e sedimentação. Popp (1998) diz que a interação que atua em cada ponto da superfície terrestre classifica as rochas de acordo com a sua origem e a sua formação: [...] as rochas mais antigas são as ígneas, com mais de três bilhões de anos, depois vêm as metamórficas, as quais se 451 originam das ígneas e das sedimentares mais antigas, e, finalmente as rochas mais jovens, as sedimentares, uma vez que as mais antigas sofreram metamorfismo (POPP, 1998, p.38). A identidade de uma rocha pode ser encontrada, de acordo com as condições em que foi formada. Para Leinz (2003), as rochas magmáticas ou ígneas provêm da consolidação do magma e são, por isso, de origem primária. Delas se derivam, por processos vários, as rochas sedimentares e metamórficas. Uma rocha magmática expressa as condições geológicas em que se formou. Pela cristalização do magma, uma massa de rocha fundida, que se originou no interior da crosta e que à medida que começou a esfriar, dá origem aos cristais. Estes podem ser distinguidos em dois grupos baseados no tamanho de seus cristais, que são as rochas intrusivas e extrusivas. As rochas ígneas intrusivas são constituídas de minerais cristalizados, ou seja, que crescem enquanto o magma esfria, ocorrendo a formação de uma granulação grossa, como por exemplo, o granito. Já as rochas extrusivas têm sua cristalização no interior das câmaras onde se acha o magma. Estes cristais em vias de formação serão arrastados para a superfície pelo magma ainda no estado de fusão. Quando atinge a superfície, a lava consolida-se rapidamente, graças à queda brusca de temperatura, dando origem a uma granulação fina, como o basalto. Essas rochas possuem predominantemente em sua formação a sílica. As rochas magmáticas, tanto quanto as sedimentares, ao serem submetidas a um novo processo, podem sofrer uma transformação sob a ação da pressão e temperatura, reagindo a agentes voláteis ou a fortes atritos, assumindo novas condições, tornando-se rochas metamórficas. Dependendo dos processos de transformação pela qual a rocha passa, pode-se verificar uma deformação mecânica decorrente ao tectonismo intensivo que passa por altas temperaturas e soluções gasosas que são propriedades de rochas ígneas, sendo a ardósia a mais importante delas. Leinz (2003) diz que as rochas sedimentares são resultantes da destruição erosiva de qualquer outro tipo de rocha, material que deverá ser transportado e posteriormente depositado ou precipitado em um dos ambientes de sedimentação do globo terrestre, que vai se acumular em camadas, num processo de litificação. Por esse processo, os materiais moles tornam-se rochas sólidas, por cimentação ou por compactação. Os sedimentos e as rochas são caracterizados pela estratificação, ou seja, a formação de camadas paralelas depositadas no fundo do mar, de um rio ou da superfície terrestre, o que ajuda a geologia a reconstruir a sequência de deposição dos sedimentos. 452 Ribeiro Filho et al. (1975) reconheceram que nas regiões centro-sul e centro-leste mato-grossense os sedimentos são pertencentes à formação Furnas, constituindo relevo de chapadas, com escarpas abruptas de “aspecto ruiniforme”. Para os autores, a citada ocorrência inicia-se por um conglomerado basal (grânulos e seixos de quartzo, quartzito e arenito silicificado), que passa para arenitos cada vez mais finos e, gradativamente, para sedimentos marinhos mais profundos, pertencente à Formação Ponta Grossa. 4. O estudo da geomorfologia O objeto de estudo da geomorfologia são as formas de relevo da terra. A geomorfologia é uma ciência independente, mas possui ligação com a geografia e a geologia, em decorrência das abordagens que utiliza. O homem, em toda sua história, convive com o relevo e lhe confere grande importância não só pela sua beleza, imponência ou forma, mas também pela utilidade no desenvolvimento da sociedade, como na localização de caminho para locomoção, lugar de cultivo ou até mesmo definição de seus domínios. O relevo se torna relevante na vida do homem, e as observações a ele feitas possibilitam estabelecer relações entre as formas de relevo e seus processos geradores. Marques (2005) reforça esta ideia da compreensão dos processos de desenvolvimento da geomorfologia quando descreve: [...] Geomorfologia, entretanto, não se restringiu, apenas, a procurar reconhecer tipos de relevo e os processos a eles relacionados. Tem procurado ir sempre mais além, buscando encontrar respostas para muitas questões que pudessem explicar, por exemplo, como os processos se articulam entre si; como evoluem os grandes conjuntos de relevos; qual o significado do relevo no contexto ambiental; como interferir ou controlar o funcionamento dos processos geomorfológicos; como conviver com os processos catastróficos; como projetar no espaço e no tempo o comportamento dos processos e as formas de relevo resultantes (MARQUES, 2005, p. 24-25). Os conjuntos de formas de relevo fazem parte da composição da paisagem em diferentes escalas; porém, se observarmos um relevo de grande dimensão em um pequeno espaço tempo, o mesmo vai se apresentar estático e estável. 453 Relevo O relevo passa permanentemente por processos erosivos ou deposicionais, desencadeados pelas condições climáticas existentes. Para compreender e explicar as formas de relevo em diferentes escalas temporais é necessário que a geomorfologia considere, como objeto de estudo, os processos responsáveis pelas ações são capazes de criar ou destruir as formas de relevo. As formas de relevo originam-se e transformam-se sob a interferência dos agentes endógenos e exógenos, sendo os endógenos as forças oriundas do interior do planeta, caracterizadas pelas forças tectônicas que movimentam as placas e provocam dobramentos, terremotos e vulcanismos. Os exógenos são as forças externas, vindas a partir da atmosfera, desencadeadas pela temperatura, vento, chuva, rios, oceanos, geleiras, cobertura vegetal, o homem, dentre outros. Todos estes agentes internos e externos compõem a formação e transformação do relevo e, consequentemente, da paisagem. As estruturas e as formas do relevo brasileiro A estrutura do relevo brasileiro é considerada antiga e erudita, conforme enfatizado por Ross (2001): [...] No território brasileiro, as estruturas e as formações litológicas são antigas, mas as formas do relevo são recentes. Estas foram produzidas pelos desgastes erosivos que sempre ocorreram e continuam ocorrendo, e com isso estão permanentemente sendo reafeiçoadas. Desse modo, as formas grandes e pequenas do relevo brasileiro têm como mecanismo genético, de um lado, as formações litológicas e os arranjos estruturais antigos, de outro os processos mais recentes associados à movimentação das placas tectônicas e ao desgaste erosivo de climas anteriores e atuais (ROSS, 2001, p. 45). Os processos de formação do relevo brasileiro são antigos por se encontrar na parte central da placa sul-americana, de modo a não sofrer grande modificação na sua estrutura, como no caso da Cordilheira dos Andes. A nova classificação do relevo brasileiro teve seu embasamento nas classificações já existentes, definidas em sete planaltos e três planícies. Ross (2003), com o auxilio de imagens de radar, classificou o relevo brasileiro em onze depressões e seis planícies. Desse modo, o planalto é a área em que os processos de erosão superam os de sedimentação e as planí454 cies são as áreas menos planas nas quais os processos de sedimentação superam os de erosão. A região da Gleba do Rio Vermelho possui terrenos acidentados, com poucas áreas planas. Os morros, tanto no local de estudo como no resto do Brasil, não ultrapassam 3000 m de altitude, devido aos fatores climáticos e processos de intemperismo, dando forma ao relevo existente. A metodologia do estudo de campo O estudo se iniciou com pesquisa de referencial teórico em livros, artigos e sites especializados, elaborando a aula de preparação para campo. O estudo prévio em sala buscou resgatar temas e conceitos trabalhados nos anos anteriores, assim preparando os alunos para o campo. A aula visou a compreender os conceitos de Geologia e Geomorfologia, destacando a estrutura, formação geológica, tipo e origem das rochas, os processos de formação da superfície terrestre. A prática de campo ocorreu na zona Rural do Município de Rondonópolis-MT, na Rodovia do Peixe. A área foi escolhida devido às possibilidades de estudo, destacando-se pelos seus afloramentos rochosos, o que facilitou o estudo geológico e geomorfológico necessários para o trabalho. Em campo, os alunos foram divididos em grupos, e cada grupo contou com a orientação dos bolsistas PIBID/GEO/CUR. O percurso da aula de campo, pré-estabelecido após a realização do reconhecimento de campo, contou com pontos estratégicos. Os alunos percorreram uma trilha, que possibilitava analisar as características geológicas, geomorfológicas, hidrológicas, da vegetação e os impactos sobre a área estudada (Foto 1). Foto1 - Parte do percurso da Trilha Fonte: MELO, P. A. B de. (2013) O primeiro ponto de estudo foi escolhido, justamente pelo fato de a paisagem possuir afloramentos rochosos que possibilitaram observação e 455 reflexão sobre a Formação Geológica e suas características. Nesse ponto foi produzido o croqui da paisagem, técnica que possibilita ao aluno analisar as formas da superfície, a vegetação e os impactos sobre área a ser representada (Foto 2). A paisagem é uma categoria de análise da geografia, utilizada na compreensão de fenômenos naturais e sociais que se inter-relacionam. Como orientação, foi esclarecido que paisagem, em sua definição mais simples, é “unidade visível do arranjo espacial, alcançado por nossa visão” (BOLIGIAN, ALVES BOLIGIAN, 2010, p, 05). Foto 2 - A Paisagem sendo representada no croqui Fonte: OLIVEIRA, G. de. (2012) O segundo ponto de estudo permitiu aos alunos analisar os processos de desgastes das rochas, observado pela influência das nascentes, da vegetação e de impactos antrópicos. O local apresentava afloramentos rochosos ao alcance, para manuseio e coleta de amostras (Foto 3). No manuseio das rochas, os alunos verificavam as características dos arenitos, como granulometria, coloração, capacidade de absorção de água e sensibilidade. Foto 3 - Bolsistas realizando experimentos com amostras coletadas em campo Fonte: OLIVEIRA, G. de. (2012) 456 No terceiro ponto, foram analisados os processos endógenos e exógenos implicados na dinâmica da formação do relevo. As estruturas geológicas do lugar estudado apresentavam as camadas de estratificação aparentes, facilitando a identificação por meio da observação direta. Uma fase importante foi a caracterização e identificação dos sedimentos, em que os alunos puderam entrar no córrego do Gavião e estar em contato direto com a água e com os sedimentos oriundos do processo natural de desgaste das rochas (Foto 4). Foto 4- Alunos em contato direto com a água no córrego do Gavião Fonte: OLIVEIRA, G. de. (2012) Essa experiência visava a estimular aos alunos a percepção do que foi estudado. Diante disso, foram aplicados questionários para avaliar o ensino-aprendizado. Análise de dados O Ensino de Geografia na educação básica é caracterizado por ser aplicado de forma teórica, o professor restringindo seu trabalho apenas ao ambiente da sala de aula. Isso contribui na formação de um pré-julgamento de que a geografia é uma disciplina desinteressante. Acreditamos que o professor deve dinamizar suas aulas, por meio da inserção de práticas diferenciadas, a exemplo da técnica de aulas práticas de campo, muito utilizada nas universidades, por proporcionar aprendizado significativo. O trabalho de campo despertou nos alunos a sensibilidade e assimilação de conteúdos teóricos por meio da prática. Pelas repostas aos questionários foi possível constatar que a forma como o professor aborda o conteúdo pode facilitar ou dificultar o entendimento de um determinado assunto. Também foi possível identificar, pelos questionários, que a teoria aplicada em sala desperta maior interesse nos alunos pelo Ensino de Geografia (Gráfico 1). 457 Gráfico 1: Questionário de Classificação das Rochas Aulas de Campo 13, 27/04 e 01/05/2013 - Rondonópolis - MT Org. MELO, Pedro A. B. de. Ao avaliarmos o aprendizado, classificamos a técnica de campo como satisfatória, pois 96,58% dos avaliados responderam como positiva. A aula de Geografia pode articular teoria à prática, por se tratar de uma ciência humana, na qual a observação, o contato direto com o objeto de estudo são essenciais para a compreensão dos fenômenos no espaço geográfico. Considerações finais A realização da aula prática de campo é uma técnica fundamental no processo de ensino-aprendizagem, sendo capaz de proporcionar ao aluno um entendimento mais detalhado dos conteúdos, uma vez que desperta um maior interesse dos mesmos. Foi possível constatar que este trabalho foi de grande relevância no Ensino da Geografia, sendo avaliado positivamente. Saber onde e como se deu o processo de origem e formação do Planeta Terra, relacionando-o com o cotidiano e com as implicações das sociedades que nela atuam, envolve compreender e planejar o uso da superfície terrestre, sabendo que os processos naturais são profundamente modificados pelas interferências da ação e do modo de ocupação do homem. 458 A Geologia e a Geomorfologia são ciências que devem, sim, ser usadas para uma maior compreensão da dinâmica de transformação da superfície da terra e da realidade em que vivemos. Este trabalho comprovou a eficácia da metodologia de aulas de campo no Ensino de Geografia. O conhecimento da realidade local possibilitou ao aluno se posicionar como agente participante do processo de transformação. Assim, o PIBID/GEO/CUR contribuiu para sanar algumas dificuldades da disciplina de Geografia devido à significativa carência de aulas práticas na escola. Referências BERTRAND, G. Paisagem e Geografia Física Global: esboço metodológico. Revista IG-USP (Caderno Ciências da Terra, n.13), p.141-152, 1972. BOLIGIAN, L.; ALVES BOLIGIAN, A. T. Geografia – espaço e vivência. São Paulo: Saraiva, 2010. LEINZ, Victor. Geologia Geral. 14. ed. São Paulo: Nacional, 2003. MARQUES, J. S. Ciência Geomorfológica. In: GUERRA, Antonio José Teixeira; CUNHA, S. B. (Org.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 23-50. POPP, José Henrique. Geologia Geral. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1998. RIBEIRO FILHO, W. et. al. Projeto Serra do Roncador: reconhecimento geológico, relatório final. Goiânia, DNPM/CPRM. 4v. (Relatório do Arquivo Técnico da DGM). 1975, v.1 ROSS, J. L. S. (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 2001. p. 45.( Didática 3). ROSS, J. L. S. Geomorfologia. Ambiente e Planejamento. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003. (Repensando a Geografia). SETTE, D. M; TARIFA, J.R. Clima e Ambiente Urbano Tropical: O caso de Rondonópolis – MT. Revista do departamento de Geografia. Rondonópolis: UFMT, 2001. STURZA, J. A. I. A contribuição às pesquisas em extensão rural agroecológica. Revista da ANPEGE. Rondonópolis: UFMT, 2013.v.9, n.11, p. 51-62. 459 STURZA, J. A. I. Lugar e não-lugar em Rondonópolis-MT: um estudo de cognição ambiental. Rio Claro: 2005. p.161. Tese de Doutorado-IGCECRC – UEP Em Geografia. VELLOZO, Fernanda. Destruição do Cerrado Brasileiro. Disponível em: <http://ambienteacreano.blogspot.com.br/2007/09/destruio-do-cerrado -brasileiro.html>. Acesso em: 04 out. 2013. 460 3.11 OPERAÇÕES COM POLINÔMIOS USANDO CÁLCULO DE ÁREA DE QUADRILÁTEROS Geovana Bergmann Salis Aluna voluntária do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá Gladys Denise Wielewski Professora do Departamento de Matemática/UFMT/Cuiabá Luzia Aparecida Palaro Coordenadora institucional do PIBID/UFMT Sergio Antonio Wielewski Professor coordenador do PIBID/UFMT/Matemática/Cuiabá PRÉ-REQUISITOS: Operações em Q. Áreas de figuras planas. Resolução de equações do 1º grau em Q. OBJETIVO: Utilizar material concreto para realizar as operações com os polinômios, fatoração e resolução de equação do 2º grau. MATERIAL A SER UTILIZADO: (papel cartão, cartolina, etc) Placas A, B e C em anexo • Quadrados de lado x (5 x 5 cm) • Retângulos de medidas 1 e x (2 x 5 cm) • Quadrados de lado 1 (2 x 2 cm) OBS.:Uma das faces de cada peça deverá ser colorida (hachurada) veja modelo pronto para ser recortado ao final do Material Didático. 461 Figura 1: Mapa do Egito, mostrando parte do percurso do Rio Nilo. Princípio do Cálculo de áreas O Egito, país milenar, está situado no nordeste da África, entre dois desertos: do Saara e da Núbia. É cortado pelo rio Nilo no sentido sul-norte, formando duas regiões distintas: o vale, estreita faixa de terra cultivável, apertada entre desertos, denominado Alto Egito, e o delta, com maior extensão de terras cultiváveis, com formação de pastos e pântanos, denominado Baixo Egito. Pelo fato de as enchentes do Nilo serem regulares e previsíveis, os egípcios não precisavam de trabalhos de recuperação de terras, pois, com a inundação anual, as margens eram supridas de nutrientes. Temos ainda que a proteção natural dos desertos e das montanhas mantinha esse povo em isolamento, dificultando invasões estrangeiras e com isso possibilitando-lhes viver pacificamente. Os primeiros egípcios se fixaram às margens do Nilo por volta de 4000 a.C., cultivando cevada, trigo, linho e praticando a domesticação de animais. O Egito, por volta de 3000 a.C., unificou-se, dando início ao chamado Antigo Império, cuja capital era Mênfis. Nesse período, deu-se o desenvolvimento da monumental arquitetura egípcia, incluindo as pirâmides, a construção de sepulturas reais e de grandes templos, como os de Luxor e Karnak. É a fase da IV dinastia, cujos faraós, Quéops, Quefren e Miquerinos, mandaram construir enormes pirâmides. O período do Médio Império, agora com a capital Tebas, de 2000 a.C. a 1700 a.C. aproximadamente, foi considerado um período de maior responsabilidade social e de grande desenvolvimento intelectual, com a realização de obras públicas que beneficiaram toda população, como por exemplo, a construção de uma grande represa para armazenamento das águas. O caráter essencialmente prático da geometria egípcia levou alguns historiadores a questionarem se ela pode ser propriamente descrita como geometria. A própria palavra geometria vem de duas palavras gregas que significam “terra” e “medida”, indicando que se baseava na medição de terras e outras aplicações práticas. Foi da necessidade de calcular áreas de terrenos e volumes de silos e pirâmides que emergiu a geometria egípcia com seu peculiar caráter prático. Inúmeros problemas de medidas sobre volumes e áreas das figuras planas e dos sólidos mais familiares foram, em sua maioria, trabalhados corretamente. Indicações foram identificadas em alguns papiros famosos. Apesar de utilizarem comparação entre grandezas (uso do conceito de fração), os egípcios calculavam com precisão áreas de retângulos, triângulos e trapézios isósceles, provavelmente pelo método de decomposição e recomposição de figuras, de maneira semelhante ao detectado na geometria 462 chinesa; obtiveram valores aproximados para π, possuíam métodos para calcular o volume da pirâmide, do cilindro e provavelmente a área de um hemisfério. Como alguns depósitos de provisões egípcios tinham a forma de um cilindro circular reto, eles conheciam um método para calcular o volume de um cilindro e este era análogo ao modo como fazemos hoje: com o produto da área da base pela altura e era o mesmo que eles utilizavam para determinar o volume de um bloco retangular ou paralelepípedo. Parte desses conceitos serão usados nesse material pedagógico. CONSIDERAÇÕES SOBRE O MATERIAL: a) As medidas dos lados do quadrado, retângulo e quadradinho valem respectivamente: b) As áreas dessas figuras valem respectivamente: c) As peças lisas serão utilizadas para representar expressões algébricas que tenham números positivos e as peças pintadas representarão expressões algébricas com números negativos. Exemplos: I) 2x2 + x II) – 3x2 – 1 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e desenhadas à frente de cada item. 463 A) REPRESENTAÇÃO DOS POLINÔMIOS a) 2x2 b) – 3x e) – 2x2 + 4x – 3 c) x2 + 1 f) – 2x2 – 4x + 3 d) x2 + 3x + 6 g) – 2x2 + 3x – 4 B) ADIÇÃO E SUBTRAÇÃO DE POLINÔMIOS Para somar ou subtrair polinômios utilizaremos o recurso das peças recortadas da Placa A e a placa C (em anexo). PROCEDIMENTO: Representar na 1ª linha a primeira expressão e na 2ª linha a segunda expressão; depois juntar cada coluna na 3ª linha, efetuando as adições necessárias ou eliminando (zeros) os opostos (uma figura positiva se anula com uma mesma figura negativa) de acordo com a operação indicada (– sinal negativo antes de uma expressão, altera o sinal de cada termo). Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e a Placa A, registrando o resultado nos respectivos itens. 1 – Efetue as adições indicadas, usando o conjunto de peças: a) (x2 + 3x – 1) + (2x2 – x – 4) b) (3x2 – x + 4) + (– x2 – x – 1) c) (3x2 – x) + (– x2 + 2x – 3) d) (x2 – x – 1) + (2x2 + x + 2) e) (– 5x2 + 4x – 3) + (6x2 – 3x + 8) f) (x2 + 2x – 7) + (– 5x2 + 7x – 2) 2 – Efetue as subtrações indicadas, usando o conjunto de peças: a) (x2 + x + 2) – (x2 + 2x + 1) b) (x2 + 3x – 1) – (2x2 – x – 4) c) (3x2 + x + 4) – (– x2 – x – 1) d) (3x2 – x) – (– x2 + 2x – 3) e) (x2 – x – 1) – (2x2 + x + 2) 464 3 – Dando a primeira expressão e o resultado, descubra a 2ª expressão (previsão). a)(x2 + 3x + 3) ...........................................= – x2 + 2x + 5 b)(x2 – 2x – 1) ............................................= 2x2 + 4 c) (– 5x2 + 3x – 2) ........................................= – x2 + 2x d)(4x2 – 2x + 1) ..........................................= 3x2 + 5x – 1 C) MULTIPLICAÇÃO (PRODUTO) DE POLINÔMIOS Para multiplicar polinômios utilizaremos o recurso de cálculo de área de quadriláteros, de acordo com o esquema ao lado. Placa B a) Nas regiões 1 e 3 serão colocados somente retângulos. b) Na região 2 serão colocados somente quadrados maiores. c) Na região 4 serão colocados somente quadradinhos. quadrados 2 retângulos 3 retângulos 1 quadradinhos 4 PROCEDIMENTO: Na multiplicação de polinômios, as peças serão dispostas nas regiões do esquema acima com o objetivo de formar uma figura retangular (quadrado ou retângulo) onde as medidas dos lados da figura encontrada indicarão cada um dos fatores, e o resultado (produto) será dado pela área da referida figura. Exemplos: a) (x + 1).(x + 2) = x2 + 3x + 2 b) (x + 1).(x – 3) = x2 – 2x – 3 465 c) x.(x + 1) Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Efetuar as multiplicações: a) x . (x + 3) b) x . (x – 2) c) (x + 3) . (x + 1) d) (x + 2) . (x + 2) e) (x – 1) . (x – 2) f) (x + 1) . (2x + 2) g) (x + 3) . (x – 2) h) (x – 2) . (x + 2) i) (x + 3)2 j) (2x – 2)2 D) DIVISÃO DE POLINÔMIOS Para dividir polinômios usaremos o recurso de cálculo de área de quadriláteros juntamente com as Peças + Placa B. PROCEDIMENTO: São dadas, inicialmente, a área da figura a ser construída (DIVIDENDO) e a medida de um dos lados (DIVISOR). Nosso objetivo é encontrar a medida do outro lado da figura a ser construída (QUOCIENTE). Isto será possível porque, ao dispormos as peças nas regiões e, considerando os dados iniciais (área da figura e a medida de um dos lados), a medida do outro lado será identificada. Exemplo: (x2 + 2x + 1) Área da figura a ser construída : (x + 1) = ....................................... ? Medida de um dos lados Medida do outro lado x+1 medida do outro lado Área da figura x+1 medida de um lado 466 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Efetuar as multiplicações: a) x . (x + 3) b) x . (x – 2) c) (x + 3) . (x + 1) d) (x + 2) . (x + 2) e) (x – 1) . (x – 2) f) (x + 1) . (2x + 2) g) (x + 3) . (x – 2) h) (x – 2) . (x + 2) i) (x + 3)2 j) (2x – 2)2 D) DIVISÃO DE POLINÔMIOS Para dividir polinômios usaremos o recurso de cálculo de área de quadriláteros juntamente com as Peças + Placa B. PROCEDIMENTO: São dadas, inicialmente, a área da figura a ser construída (DIVIDENDO) e a medida de um dos lados (DIVISOR). Nosso objetivo é encontrar a medida do outro lado da figura a ser construída (QUOCIENTE). Isto será possível porque, ao dispormos as peças nas regiões e, considerando os dados iniciais (área da figura e a medida de um dos lados), a medida do outro lado será identificada. Exemplo: (x2 + 2x + 1) Área da figura a ser construída : (x + 1) = ....................................... ? Medida de um dos lados Medida do outro lado x+1 medida do outro lado Área da figura x+1 medida de um lado 467 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Efetue as divisões: a) (x2 + 3x + 2) : (x + 1) b) (x2 + 4x + 3) : (x + 3) c) (x2 + x – 2) : (x – 1) d) (x2 + 3x – 10) : (x – 2) e) (2x2 + 5x + 2) : (x + 2) f)(2x2 – 3x – 2) : (x – 2) E) FATORAÇÃO DE POLINÔMIOS Para fatorar um polinômio, usaremos também o recurso do cálculo de área de quadriláteros juntamente com as Peças + Placa B. (quadrantes). PROCEDIMENTO: Dado o polinômio, construiremos a figura (retângulo mais próximo de um quadrado) a partir de sua área e descobriremos a medida dos dois lados. Exemplos: a) x2 + 4x + 4 = (x + 2) . (x + 2) b) x2 – x – 12 = (x + 3) . (x – 4) x+2 x+3 x-4 x+2 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Efetue as fatorações: a) x2 + 5x + 6 b) x2 + 4x + 3 468 c) x2 + 6x + 9 d) x2 – 5x + 6 e) x2 – 3x + 2 f) x2 – x – 12 g) x2 – 4 h) 4x2 – 4x + 1 i) 4x2 – 9 LIMITAÇÕES: a) (x + 2) . (- x + 1) não existe peça quadrada grande com lados de sinais contrários. b) (- x + 2) . (- x + 1) é difícil justificar que a peça quadrada grande negativa tenha como resultado um valor positivo. c) na divisão e na fatoração não usar a peça – x2, porque pode ser difícil justificar o fato de o quadrado grande ter lados com sinais contrários ou sendo os dois positivos. E) RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DO 2º GRAU Com o auxílio do material, tendo as peças dadas, montar retângulos, fatorar e igualar a zero para resolver a equação. Exemplo 1: x2 + 2x + 1 = 0 Forma fatorada: (x + 1) . (x + 1) = 0 Pela Lei do Produto Nulo: (x + 1) = 0 ou (x + 1) = 0 Logo: x1 = x2 = - 1 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Atividade – Resolva as equações: a) x2 – 2x = 0 b) x2 + 3x + 2 = 0 c) 2x2 + 5x + 2 = 0 Exemplo 2: x2 – 6x + 9 = 0 Forma fatorada: (x – 3) . (x – 3) = 0 Pela Lei do Produto Nulo: (x – 3) = 0 ou (x – 3) = 0 Logo: x1 = x2 = 3 469 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Atividade – Resolva as equações: a) 2x2 – 7x + 3 = 0 b) 4x2 – 2x = 0 c) 4x2 – 6x + 2 = 0 Exemplo 3: 2x2 + 5x – 3 = 0 Forma fatorada: (2x – 1) . (x + 3) = 0 Pela Lei do Produto Nulo: (2x – 1) = 0 ou (x + 3) = 0 Logo: x1 = ½ e x2 = - 3 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Atividade – Resolva as equações: a) x2 – 4 = 0 b) x2 – x – 6 = 0 c) 2x2 – x – 3 = 0 Exemplo 4: Demonstração da fórmula de Básckara através do material x2 + 10x = 39 (Devemos completar o quadrado) x2 + 10x + 25 = 39 + 25 (x + 5)2 = 64 ---> x + 5 = +- 8 Logo: x1 = 8 – 5 = 3 e x2 = – 8 – 5 = – 13 Atividades a serem desenvolvidas usando o material didático (peças) e registrando o resultado nos respectivos itens. Atividade – Conforme o exemplo anterior, resolva as equações: a) x2 + 6x = 16 b) 2x2 + 4x = 30(sugestão: dividir os dois membros por dois) c) x2 + 3x = 10 d) 3x2 + 15x = 72(sugestão: dividir os dois membros por três) 470 471 472 IIº Quadrante Iº Quadrante IIIº Quadrante IVº Quadrante Placa B: Use essa Placa para formar os quadriláteros solicitados, usando as peças já recortadas. 473 Placa C: Use essa Placa para formar os polinômios solicitados, usando as peças já recortadas. 474 3.12 MONTAGEM E APLICAÇAO DE MODELO DIDÁTICO PARA ABORDAGEM DE CITOLOGIA, COMO RECURSO ALTERNATIVO NO ENSINO MÉDIO Lucilene Pereira da Silva Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Biologia/Araguaia Márcia Cristina Pascotto Professora coordenadora do PIBID/UFMT/Biologia/Araguaia Nurieth Quirina dos Santos Aluna bolsista do PIBID/UFMT/Biologia/Araguaia Série(s) a que se destina 1ª série do ensino médio Componentes Escolares Citologia Conteúdos envolvidos Membrana plasmática, organelas celulares, célula animal, célula eucarionte. Apresentação Essa é uma atividade teórico-prática e foi proposta para introduzir o estudo da citologia e da organização de uma célula animal. Para sua execução, sugere-se que o professor trabalhe a citologia de forma diferenciada com os estudantes, ou seja, à medida que vai introduzindo os conceitos sobre a célula e cada uma de suas organelas citoplasmáticas, vá montando o modelo tridimensional com a participação dos estudantes. Dessa forma, o professor pode explorar todos os conceitos, definições e funções de cada componente celular à medida que os estudantes vão confeccionando os mesmos e montando o modelo tridimensional de célula animal. A transmissão dos conceitos teóricos juntamente com a prática facilita a compreensão da citologia e da organização celular pelos estudantes, os quais têm uma visão tridimensional da célula e podem fazer a associação 475 entre a organela celular e sua forma e função. Assim, o professor trabalha de forma lúdica os conceitos teóricos sobre citologia, que muitas vezes não são compreendidos pelos estudantes por falta de atividades práticas com microscópios. Os materiais utilizados para essa prática são de baixo custo e geralmente de fácil acesso para os estudantes e/ou professor, não inviabilizando a execução da atividade proposta. Objetivos do Material As células animais são tão pequenas que não podem ser vistas a olhos desarmados. Uma célula animal tem, em média, entre 10 e 20 micrômetros (μm) de diâmetro (1 μm = 1 milionésimo de um metro). Por esse motivo, o objetivo deste trabalho foi montar um modelo didático tridimensional de uma célula animal com seus componentes para que os estudantes consigam entender sua estrutura e organização sem a necessidade de um microscópio óptico, nem sempre disponível nas escolas públicas de educação básica. Fundamentação teórica O ensino de Biologia constitui um dos conteúdos do Ensino Médio que mais requer a elaboração de material didático de apoio, já que emprega conceitos bastante abstratos e trabalha com aspectos microscópicos. A cada dia, vemos os avanços e a importância desses conteúdos na ciência moderna e no entendimento de processos cotidianos que estão ao nosso redor e, consequentemente, fazem parte do dia a dia dos estudantes (ORLANDO et al., 2009). Portanto, a ausência de laboratórios com microscópios nas escolas públicas de educação básica inviabilizam a observação e o estudo das células. Uma alternativa para a falta desses laboratórios nas escolas públicas é a montagem de modelos didáticos que contemplem os conteúdos e, dessa forma, tragam uma visão mais aproximada desse mundo abstrato aos estudantes do ensino médio, na ausência de equipamentos específicos (PASQUALI; AMORIM, 2000). Assim, modelos biológicos como estruturas tridimensionais e coloridas são utilizados como facilitadores do aprendizado, complementando o conteúdo escrito e as figuras que muitas vezes não têm uma boa qualidade nos livros didáticos. Além disso, esses modelos permitem a visualização e a manipulação desse material de vários ângulos, melhorando a compreensão sobre o conteúdo abordado (ORLANDO et al., 2009). 476 A célula animal As células são as menores entidades vivas e servem como unidades construtivas para o corpo de qualquer animal. No entanto, são estruturas complexas, altamente organizadas e compartimentadas. Uma célula é formada por três partes principais: a membrana plasmática, que envolve a célula; o núcleo que abriga o material genético; e o citoplasma, formado por citosol, organelas e citoesqueleto. O citosol é um líquido gelatinoso no qual as organelas e o citoesqueleto ficam em suspensão. Já as organelas são estruturas organizadas que realizam funções especializadas, enquanto que o citoesqueleto é uma estrutura protéica que se estende pela célula e dá sustentação à mesma. Nos eumetazoários, as células são organizadas de acordo com sua especialização em sistemas corporais que mantêm o meio interno essencial para a sobrevivência de todo organismo. Todas as funções corporais de um organismo multicelular dependem essencialmente das capacidades estruturais e funcionais coletivas de suas células. Além disso, todas as novas células e toda nova vida surgem da divisão de células pré-existentes, e não de matéria não-viva. Graças a essa continuidade da vida, as células de todos os animais são fundamentalmente semelhantes em estrutura e função. Descrição da experiência Material necessário Para a montagem da célula animal tridimensional serão necessários os seguintes materiais: • • • • • • • • • • • • • 1 placa de isopor com 100x50x15 cm 1 folha de cartolina colorida canetinhas coloridas tinta colorida à base de água 1 pincel médio massa de modelar de várias cores canudinhos plásticos 1 folha de EVA colorida 1 bola de isopor 50 mm cola branca palitos de madeira tesoura estilete 477 Preparação Para trabalhar melhor esta prática, sugere-se que os estudantes sejam divididos em grupos. Para facilitar a aprendizagem e permitir que todos os integrantes participem, recomenda-se que os grupos sejam compostos por quatro a cinco estudantes. Cada grupo receberá um kit com o material necessário para a confecção do modelo tridimensional da célula animal. Uma placa de isopor permite a construção de duas unidades do modelo tridimensional. O professor pode montar quantos modelos tridimensionais achar necessários, de acordo com o número de estudantes. Antes de iniciar a montagem, o professor deve revisar o conceito de célula eucarionte, uma vez que todos os animais possuem o núcleo celular individualizado e revestido por membrana nuclear. Montagem da célula ETAPA 1 Para iniciar a montagem da base da célula animal tridimensional, divida a placa de isopor ao meio. Com um estilete, arredonde as bordas de cada base celular. Em seguida, com a tinta à base d’água pinte a borda da placa de isopor em cerca de 30 mm de largura (Figura 1, seta), representando a membrana plasmática. Figura 1. Montagem do modelo de célula animal tridimensional, evidenciando a base feita com placa de isopor e a membrana plasmática (seta) 478 O que é a membrana plasmática? Inicialmente, o professor deve trabalhar o conceito de membrana plasmática. Toda célula é envolta por membrana plasmática, uma estrutura membranosa muito fina, composta, em sua maior parte, por moléculas de lipídios e proteínas. A membrana plasmática forma uma barreira oleosa que separa o conteúdo da célula do seu meio externo, controlando seletivamente a entrada e saída de moléculas das células. O meio intracelular Dentro da célula, que é limitada pela membrana plasmática, o professor pode começar a explicar sobre o citoplasma, que é constituído por citosol, ou seja, a parte semilíquida do citoplasma que envolve as organelas e ocupa cerca de 55% do volume total da célula. É no citosol que ocorrem reações químicas intracelulares, a síntese de proteínas ribossômicas e o armazenamento de nutrientes, tais como gordura e glicogênio. Montagem das organelas CITOPLASMÁTICAS ETAPA 2 Com a bola de isopor, faça o núcleo. Com a tinta à base de água e um pincel, pinte externamente a bola de isopor, representando a carioteca ou membrana nuclear (Figura 2a). Com o estilete, faça um corte na linha mediana da bola de isopor, removendo 25% de sua massa; na parte interna, cole uma bola pequena (cerca de 20 mm) feita com massa de modelar colorida para representar o nucléolo (Figura 2b). Com cola branca, fixe o núcleo com o nucléolo na célula. b) a) Figura 2. Montagem do núcleo de uma célula animal eucarionte, com destaque para a carioteca (a) e o nucléolo (b). 479 Núcleo, carioteca e nucléolo. O núcleo é o maior componente celular organizado e é uma estrutura esférica ou oval, normalmente localizada próxima ao centro da célula. É ele que abriga o material genético da célula, o ácido desoxirribonucléico (DNA). O núcleo é envolto por uma membrana nuclear, ou carioteca, que o separa do restante da célula. A carioteca é porosa e permite o transporte de diversos materiais entre o núcleo e o citoplasma. No interior do núcleo encontra-se o nucléolo, um corpúsculo esférico e imerso no nucleoplasma sem ser envolto por membrana plasmática. Sua principal função é a síntese do RNAr (ácido ribonucléico ribossômico). Mitocôndrias. As mitocôndrias são estruturas ovaladas ou em forma de bastão. Cada mitocôndria é envolta por uma membrana dupla: uma membrana externa lisa que cerca a própria mitocôndria e outra interna que forma uma série de dobras ou cristas. As duas membranas são separadas por um espaço estreito entre elas. Para fazer as mitocôndrias, corte um retângulo de cerca de 10 cm em cartolina colorida e arredonde suas bordas, representando a membrana externa da mitocôndria. Em um pedaço de folha de EVA colorida, faça recortes em cristas, como mostrado na figura 3a, representando a membrana interna. Cole o EVA sobre a cartolina e, com cola branca, fixe-a na célula (Figura 3a). As mitocôndrias são organelas energéticas, produtoras de ATP. Elas extraem energia dos nutrientes dos alimentos e a transforma em uma forma utilizável para as atividades celulares. Uma única célula pode conter apenas centenas ou milhares de mitocôndrias, dependendo das necessidades energéticas de cada tipo celular. Complexo de Golgi. O complexo de Golgi está intimamente associado ao retículo endoplasmático e cada um consiste em uma pilha de sacos achatados, levemente curvos e envolvidos por membranas. Os sacos dentro de cada pilha do complexo de Golgi não entram em contato físico uns com os outros. O número de complexos de Golgi varia de uma pilha a centenas delas, dependendo do tipo de célula. Células altamente especializadas na secreção de proteínas possuem maior número de complexos de Golgi. Os complexos de Golgi estão associados às vesículas de transporte do retículo endoplasmático (RE) liso. A maioria das moléculas sintetizadas no RE são transportadas por meio de vesículas até o complexo de Golgi, no qual são internamente modificadas em produtos finais. Este, por sua vez, classifica e direciona as proteínas finais aos seus destinos adequados, via exocitose. Para fazer o complexo de Golgi, pegue massa de modelar colorida, faça rolinhos e depois curve e achate-os levemente para simular os sacos 480 do complexo de Golgi (Figura 3b). Em seguida, fixe-os na célula com cola branca. Para representar as vesículas secretórias, faça bolinhas com cerca de 30 mm de diâmetro e cole-as ao redor dos sacos do complexo de Golgi (Figura 3b). a) b) Figura 3. Organelas citoplasmáticas de uma célula animal: mitocôndria (a) e complexo de Golgi (b). Lisossomo. Os lisossomos são organelas pequenas (0,2 a 0,5 μm de diâmetro) envoltas por membrana que decompõem moléculas orgânicas. Apresentam tamanho e forma variados, dependendo do conteúdo que estão digerindo, sendo mais comuns as formas oval e esférica. Em média, uma célula animal contém cerca de 300 lisossomos. Os lisossomos são formados pela germinação a partir do complexo de Golgi. Um lisossomo contém mais de trinta diferentes enzimas hidrolíticas sintetizadas no RE, que são depois transportadas ao complexo de Golgi para serem embaladas no lisossomo germinante. Para fazer o lisossomo, corte um círculo com cerca de 4 cm de diâmetro em uma cartolina colorida, conforme exemplificado na figura 4a. Com canetinhas, faça bolinhas coloridas para representar as moléculas de água e de soluto que podem estar contidas dentro do lisossomo. Utilize cola branca para fixá-lo na célula. Retículo endoplasmático. O retículo endoplasmático (RE) é um sistema membranoso elaborado, repleto de fluido, distribuído amplamente ao longo do citosol. É uma fábrica produtora de proteínas e lipídios. Pode ser diferenciado em dois tipos: RE rugoso e RE liso. a) Retículo endoplasmático rugoso: consiste em uma pilha de sacos interconectados relativamente achatados. O RE rugoso é mais abundante em células especializadas na secreção de proteínas ou de síntese de membranas. A superfície externa da membrana do RE rugoso possui pequenas partículas, que são os ribossomos, e que lhe conferem uma 481 aparência rugosa ou granular sob o microscópio óptico. É nos ribossomos que ocorre a síntese protéica. Os ribossomos também podem ser encontrados dispersos no citosol, desacoplados do RE rugoso. Para confeccionar o RE rugoso, utilize uma folha de EVA colorida e recorte conforme mostra a Figura 4b. Utilize cola branca para colar na célula. Com massa de modelar, faça bolinhas pequenas com cerca de 30 mm de diâmetro para representar os ribossomos e cole junto à membrana do RE rugoso com cola branca (Figura 4b). a) b) Figura 4. Organelas citoplasmáticas: a) lisossomo e b) retículo endoplasmático rugoso. b) Retículo endoplasmático liso: o RE liso não contém ribossomos; portanto, adquire aparência lisa ao microscópio óptico. Na maioria das células, o RE liso é disperso no citosol e pouco abundante. As finalidades do RE liso variam de acordo com os diferentes tipos de células. Para representá-lo, utilize uma tesoura e corte um canudinho plástico em pedaços que podem ser de tamanhos desiguais. Utilize cola branca para fixá-los na base da célula (Figura 5a). Figura 5. Organelas citoplasmáticas: a) retículo endoplasmático liso e b) centríolos. 482 Centríolos. São um par de estruturas cilíndricas curtas, em ângulo reto uma em relação à outra, localizadas no centro da célula, próximo ao núcleo. Com a massa de modelar, faça rolinhos finos em cerca de 3 cm de espessura e 5 cm de comprimento. Cole-os juntos em uma estrutura cilíndrica e corte-a ao meio. Fixe-os lado a lado na placa de isopor, em ângulo reto um em relação ao outro (Figura 5b). Finalização do modelo tridimensional de célula animal ETAPA 3 Após colar todas as organelas celulares na base de isopor, faça a identificação dos componentes celulares com etiquetas de papel. Faça cortes retangulares de 5x2 cm na cartolina ou em papel sulfite e escreva com canetinha o nome de cada uma das organelas celulares e da membrana plasmática. Na borda esquerda de cada etiqueta de identificação, cole um palito de madeira com cola branca. Espere secar e depois fixe cada etiqueta em sua respectiva organela (Figura 6). Não se esqueça de identificar a membrana plasmática. Está pronto o modelo tridimensional da célula animal! Figura 6. Modelo de célula animal tridimensional finalizado. 483 Roteiro de estudos ETAPA 4 Ao terminar a montagem e explicação sobre a célula animal, sugerese ao professor aplicar um questionário de fixação de conteúdo (Anexo). A dúvida mais comum apresentada por todas as turmas foi sobre a diferença entre uma célula animal e uma célula vegetal. O professor pode, após a explicação sobre a célula animal, ressaltar as diferenças entre uma célula animal e a vegetal, bem como salientar as organelas celulares comuns e diferentes entre elas. Espera-se que, com esta atividade desenvolvida com modelo concreto sobre teorias abstratas, haja maior interesse dos estudantes pelo conteúdo e que estes consigam aprender citologia, mesmo sem ter acesso a microscópio óptico. Referências ORLANDO T. C.; LIMA, A. R.; SILVA, A. M.; FUZISSAKI, C. N.; RAMOS, C. L.; MACHADO, D.; FERNANDES, F. F.; LORENZI, J. C.C.; LIMA, Maria A.; GARDIM, S.; BARBOSA, V. C.; TRÉZ, T. A. Planejamento, montagem aplicação de modelos didáticos para abordagem de biologia celular e molecular no ensino médio por graduandos de ciências biológicas. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular, n. 1, p. A1A17. PASQUALI, I. S.R. & AMORIM, A.L. Atividades práticas: despertando o interesse pelas aulas de Biologia. 52ª Reunião Anual da SBPC, 2000. SHERWOOD, L. Fisiologia Humana: das células aos sistemas. São Paulo: Cengage Learning, 2011. 484 Anexo – roteiro de aula prática de citologia Escola: ____________________________________________________ Estudante: _______________________________ Data: ____/____/____ Série: 1º ano ___ Professor(a): ________________________________________________ ROTEIRO DE AULA PRÁTICA SOBRE CÉLULA ANIMAL E SUAS ORGANELAS CELULARES 1. Quais são as organelas citoplasmáticas de uma célula animal? 2. Cite as principais funções das mitocôndrias. 3. Cite as principais funções do complexo de Golgi. 4. Qual a função do núcleo? 5. A produção de ATP numa célula animal ocorre, fundamentalmente: a)no complexo de Golgi b)nos cromossomos c)nos lisossomos d)nos ribossomos e)nas mitocôndrias 6. Qual a principal função do retículo endoplasmático rugoso? 7. Qual a estrutura celular diretamente responsável pela produção de proteínas? 8. As enzimas contidas nos lisossomos são sintetizadas pela célula à partir do: a) complexo de Golgi b) retículo endoplasmático liso c) retículo endoplasmático rugoso d) mitocôndrias e) centríolos 485 ISBN: 978-85-327-0555-6 9 788532 705556