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Índice
EDITORIAL
ATIVIDADES DE ESCOLA
Fernanda Campos/Redação 3-4
5-16
Agrupamento de Escolas de Inês de Castro
Clube “Escola Solidária”
Clube “Magia da Ciência”
Carla Eusébio 5
Teresa Loja Morais 5
Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro
Projeto Comenius na E.B.I. de Penela
Filomena Pascoal 6
Escola Secundária Jaime Cortesão
Agrupamento de Escolas da Lousã
Projeto Escolas Inovadoras, Microsoft
Agrupamento de Escolas Silva Gaio
A Unidade de Multideficiência e o Projeto Escolas Amigas da Água
Agrupamento de Escolas de Taveiro
Fotografia Coimbra 2012
Escola Secundária c/ 3.º Ciclo da Lousã
Roteiro geológico na serra da Lousã. A geologia em prol da sociedade
“Desperdício Zero” no refeitório da Escola
Esmeralda Barreto
7
8
Ana Paula Micaelo, Angelina Camarinha e Elsa Figueiredo 9
Teresa Paula Lopes 11
Ana Rola, Rosa Santos, Luís Gama Pereira e Celeste Gomes 12
Maria da Conceição Correia de Paiva Carvalho 13
Agrupamento de Escolas de S. Silvestre
Orquestra Juventude
Manuel Pires da Rocha 14
Escola Secundária de D. Duarte
Eco Challenge - Dá boa Energia à tua Escola
Maria Antónia Martins 15
DOSSIÊ: A INDISCIPLINA NA ESCOLA
17-52
Ver Índice específico
18
OUTROS PROJETOS
53-52
Utilização de Heurísticas na disciplina de Matemática
- Ferramentas para Resolução de Problemas
O cinema como ferramenta pedagógico-didática no ensino da filosofia
PLANO DE FORMAÇÃO 2012 - SET A DEZ: INFORMAÇÕES E QUADRO GERAL
OUTROS TEXTOS
que fazer com a luz do poema
Nuno Rodrigues, Alexander Kovacec e Ana Cristina Almeida 53
Cristina Janicas 56
61-63
64
José António Franco
Editorial
O pensamento neoliberal reduz as atividades humanas a serviços que
se prestam, transforma as sociedades e as relações sociais e simbólicas num
enorme espaço mercantil, sujeito à lei da oferta e da procura, remetendo a esfera
pública para o território da ineficácia e da obsolescência. A própria linguagem é
canibalizada pelo linguajar utilitarista da «prestação de serviços» e da compra e
venda de produtos. Insidioso, infiltra-se no quotidiano e condiciona, não só o pensamento, como a capacidade crítica e analítica, criando um real fechado e unívoco. O político é substituído pelo discurso do utilitarismo e decreta-se o fim das
grandes narrativas, ao mesmo tempo que uma outra narrativa emerge, ancorada
na demonização dos povos esbanjadores e incautos, ciosos dos seus espaços de
conforto, e no poder salvífico dos oráculos da alta finança e do mercantilismo.
Paulatinamente, o horizonte vai-se fechando num presentismo
asfixiante, onde não há espaço para imaginar o futuro. O Estado hipoteca
progressivamente a sua função emancipadora e, alvo de todas as voragens,
acantona-se no reduto da regulação que sirva, à saciedade, os interesses
do capitalismo. Setores estruturantes do desenvolvimento coletivo, como a saúde
ou a educação, não escapam à voragem dos mercados, em nome da ineficácia e
do despesismo do poder público, intencionalmente enfraquecido pelos seus detratores declarados ou ocultos. Agita-se a bandeira da ineficácia das políticas públicas que geram bem-estar e corrigem desmandos do mercado, empolam-se
deliberadamente erros e excessos; o poder democrático fica prisioneiro de
poderes fáticos, propulsores de lógicas monopolistas que se apropriam de
riquezas e de recursos públicos em benefício de alguns, enquanto se insinua,
através do discurso hegemónico, um condicionamento geral para a aceitação
passiva das regras que o mercado vai tecendo.
A educação constitui uma peça-chave do desenvolvimento dos povos,
da democratização da sociedade e uma área estratégica onde conflituam
diferentes visões e projetos, aberta e solidária, plural e respeitadora das
diferenças, geradora de oportunidades, a partir das quais os futuros cidadãos se
tornam pessoas individualmente e coletivamente responsáveis pela realização
pessoal e pelo bem-estar geral. A escola, enquanto núcleo central da estruturação do pensamento crítico e da informação, precisa, por isso, de estar liberta
de lógicas avessas ao desenvolvimento harmonioso de todos os indivíduos e da
sociedade em que se integram, enquanto sujeitos ativos na construção de um
futuro sustentável e duradoiro.
4
Nova Ágora - Revista 3
É ao Estado a quem cabe a responsabilidade pela educação pública, encarada como um dos espaços centrais da qualificação e dos avanços civilizacionais e como um imprescindível
gerador de cidadania e de humanidade. De facto, o conhecimento
está no cerne do processo produtivo, mas também não deixa de
ser fundamental para a afirmação do lazer, enquanto ativador da
educação ao longo da vida e da satisfação individual. As ladainhas
que todos os dias invadem o quotidiano, envoltas em discursos
laudatórios a uma esfera pública domesticada pelos imperativos
ideológicos do capitalismo, mais não são do que cortinas de fumo,
por detrás das quais se esconde a verdadeira natureza de políticas, para as quais o interesse público se deve adequar à bitola de
um economicismo estreito que empurra setores vitais da
sociedade para um beco sem saída, hipotecando a própria
soberania nacional.
A restruturação do sistema educativo encetada, em
meados da última década, foi, de tal modo, politicamente mal gerida, que os aspetos positivos que almejava e que concitavam o
apoio de amplos setores – racionalização de recursos e meios,
cultura de responsabilização, correção de excessos, reforço da
qualidade das práticas educativas – foram submersos por ondas
de contestação generalizada, em que a floresta ficou escondida
pela árvore. A razoabilidade da oposição a medidas profundamente gravosas para as condições de trabalho e para o bom
funcionamento das escolas não deve, contudo, escamotear o
taticismo político com que elas foram instrumentalizadas, numa
confusão entre o essencial e o acessório.
Medidas apressadas, mal pensadas e aplicadas cegamente abriram espaço a outras, estas muito mais onerosas para
a escola pública e para a importância simbólica da profissão
docente, como demonstram as últimas medidas no campo educativo. Os recentes acontecimentos em torno da forma deplorável
como foi realizada a mobilidade dos professores e a construção
de megaestruturas despersonalizadas e hierarquizadas, hostis à
prática de lógicas de proximidade e de fortalecimento do tecido
social, não são mais do que sintomas visíveis das consequências
do enfraquecimento da educação pública.
A decisão política de encaminhar, precocemente, cerca de
metade da população escolar para o ensino profissional e profissionalizante, sem que esta medida se enquadre num plano global
de verdadeira qualificação e diversificação dos percursos escolares, em função de apetências e necessidades, denuncia uma visão
desrespeitadora dos direitos constitucionalmente reconhecidos a
todos os cidadãos e, a prazo, a formação de setores profissionais
descartáveis, segundo a lógica mercantil. A provação por que têm
passado milhares de professores, nos últimos meses, é um exemplo cruel do que tem vindo a acontecer noutros setores de atividade. E, sem mudança do paradigma de desenvolvimento a curto
prazo, não se esperam outros resultados.
Numa sociedade profundamente desigual e geradora de
incerteza quanto ao futuro, amplas faixas de jovens veem condicionado o seu crescimento intelectual e cívico, com custos pesados para o desenvolvimento social e económico do país. A apregoada «igualdade de oportunidades» não passa de uma falácia.
Ter oportunidades iguais não releva de medidas pontuais, nem de
medidas de natureza assistencialista que podem dar resposta,
excecionalmente, mas não debelam as causas que estão na raiz
das desigualdades. Decorre da natureza do próprio modelo de
desenvolvimento que acautela o interesse público e promove o
bem-estar social e pessoal.
Começam já a revelar-se os efeitos devastadores
das restrições orçamentais e das opções políticas de cariz
neoliberal, da última década: Portugal desce dramaticamente na
escala comparativa com outros países, em setores onde vinha
apresentando resultados positivos globais, no domínio do conhecimento, das tecnologias e da qualidade de vida em geral. Num
momento particularmente difícil para a maioria dos portugueses,
a escola pública pode contrariar (se para tal houvesse vontade
política) alguns dos efeitos mais nefastos impostos pelo economicismo neoliberal.
A educação não é um serviço que se presta, nem um
produto que se vende. Está em causa a formação de gerações, de
futuros cidadãos responsáveis e cientes dos seus direitos e dos
seus deveres; está em causa o desenvolvimento económico sustentável, bem como a repartição justa do trabalho, do rendimento e dos tempos livres. Por isso, tem de se assegurar o papel
dinamizador e empreendedor do Estado na contínua adequação do
sistema de ensino às crescentes exigências da sociedade e na
preparação do futuro.
Maria Fernanda Campos (Professora)/A Redação
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Agrupamento de Escolas de Inês de Castro
Clube “Escola Solidária”
Clube “Magia da Ciência”
» Carla Eusébio (*)
» Teresa Loja Morais (*)
Alunos inscritos no Clube “Escola Solidária”
Atendendo às dificuldades económicas do país, ao elevado
número de famílias carenciadas da comunidade educativa e com
base em algumas linhas orientadoras do Projeto Educativo do
Agrupamento, no ano letivo 2011/2012, em reunião de diretores de
turma, surgiu a ideia de se dinamizar um clube nesta área de
intervenção e, assim, em meados de outubro de 2011, começou a
funcionar, na escola sede do Agrupamento de Escolas Inês de
Castro, o “Clube Escola Solidária”, com a finalidade de se criar
uma dinâmica de sensibilização à solidariedade e à responsabilidade social no meio escolar. Neste âmbito, o clube, através da
promoção de atividades de “Solidariedade”, pretende despertar
consciências e, assim, ajudar as famílias mais carenciadas da
comunidade educativa, promovendo ações de solidariedade
social, nomeadamente, campanhas de recolha/distribuição de
alimentos/vestuário e outros produtos.
Encontram-se inscritos no clube dez alunos, com idades compreendidas entre os 12 e os 15 anos. Este grupo de alunos criou
um site para a divulgação das atividades promovidas pelo clube,
que se encontra publicado na página do Agrupamento.
Objetivos Gerais
• Promover a cooperação e sentido de responsabilidade;
• Contribuir para a formação social e pessoal dos alunos;
• Ajudar à abertura dos valores da solidariedade e ao
interesse pelo meio envolvente;
• Ocupar os tempos livres dos alunos de forma construtiva,
criativa e formativa;
• Participar em atividades que propiciem o desenvolvimento
do trabalho em equipa;
• Proporcionar a formação de cidadãos ativos, empenhados e
conscientes.
Atividades desenvolvidas
• Campanhas de angariação e distribuição de bens de 1ª
necessidade, (desde o início do ano letivo foram realizadas
3 campanhas de angariação e distribuição de bens);
• Parcerias com instituições/projetos de solidariedade - projeto internacional ”Make it Possible” e ações conjuntas com
a instituição de solidariedade “Legião da Boa Vontade”.
• Festa Solidária, no dia 24 de Maio de 2012.
O Clube “Magia da Ciência” é um espaço da EB 2,3 Inês de
Castro, criado para cativar, desde muito cedo (2º ciclo), os alunos
para o ensino/área das Ciências. Pretende-se que os alunos
desenvolvam atividades extracurriculares, com principal ênfase
numa componente científica experimental e, desta forma, combater o insucesso escolar, através da motivação para a aprendizagem e do desenvolvimento de capacidades cognitivas, através da
concretização de atividades apelativas, com caráter formativo.
O Clube da Ciência tem como principais objetivos:
• Sensibilizar os alunos para a importância das ciências na
interpretação dos fenómenos do dia a dia;
• Estimular nos alunos o interesse e a curiosidade pelo estudo dos fenómenos naturais;
• Desenvolver o espírito crítico e criativo dos alunos;
• Desenvolver atitudes de persistência, rigor, gosto pela
pesquisa, autonomia, cooperação e respeito pelos outros;
• Estimular a cooperação, o trabalho de grupo, a prática da
autodisciplina, o prazer de aprender e de comunicar, elevando a autoestima dos alunos;
• Estimular nos alunos o interesse pelas Ciências Físicas e Naturais.
Nas primeiras sessões, discutiu-se o regulamento do Clube,
bem como as regras de segurança no laboratório.
Nas sessões práticas, os alunos receberam o protocolo
experimental, que foi lido e analisado.
Utilizando materiais disponíveis, os alunos puderam realizar
experiências simples e divertidas que ajudam a compreender as coisas
maravilhosas e mágicas que acontecem no mundo à nossa volta.
A observação e a discussão de resultados foram feitas pelo
grupo, pretendendo-se que fossem os alunos a interpretar os
resultados e a tirar conclusões, sempre que possível.
A recetividade e curiosidade dos alunos nestas idades (10-12
anos) facilitam o trabalho do professor que, com alguma criatividade e capacidade de improvisar, pode criar uma série de atividades bastante apelativas.
(*) - Professoras do Agrupamento de Escolas Inês de Castro
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Nova Ágora - Revista 3
Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro
Projeto Comenius na E.B.I. de Penela
» Filomena Pascoal (*)
A Escola Básica Integrada Infante D. Pedro, de Penela,
encontra-se a desenvolver um Projeto de Intercâmbio com
escolas de Espanha, Itália e Polónia, no âmbito do Programa
Europeu Comenius, cujo tema é “Walking Towards Health Caminhando para a Saúde”. Este projeto teve início no presente
ano letivo e prolongar-se-á até ao final do próximo ano letivo de
2012/2013, tendo os nossos alunos Artur Simões e João Mendes,
do 8ºB, ganhado o concurso internacional para a elaboração do
respetivo logótipo:
Uma das atividades deste projeto, neste ano letivo, foi a
receção de professores e alunos das escolas estrangeiras, que
se deslocaram a Portugal na semana de 29 de outubro a 5 de
novembro de 2011. Os objetivos desta visita foram, essencialmente, dar a conhecer a cultura portuguesa, em todos os seus
aspetos; fomentar o convívio entre os participantes dos vários
países; fazer um balanço/avaliação das atividades realizadas e a
realizar e dar a conhecer o concelho de Penela, a região centro e
a capital de Portugal. A semana de receção aos países parceiros
decorreu muito bem, tendo para isso contribuído a colaboração
de várias pessoas e entidades, de toda a comunidade penelense e
escolar. Foi uma semana rica em troca de experiências, quer pessoais, quer pedagógicas, o que muito contribuiu para o desenvolvimento pessoal e social dos nossos alunos, permitindo ainda o
aperfeiçoamento da língua inglesa.
Tal como estava planificado, houve a segunda reunião entre
os 4 países envolvidos neste projeto, em Nowa Slupia (Polónia),
entre os dias 15 e 21 de abril de 2012.
Os trabalhos realizados pelos alunos, sempre subordinados
ao tema das caminhadas, levaram à escolha de 2 alunos do 8ºA Margarida Vieira e Patrícia Rodrigues, 2 alunos do 9ºA - Maria
Palaio e Ricardo Ferreira e ainda 2 alunos do 9ºB - Catarina Reis
e Carolina Reis.
Estes alunos, acompanhados pela professora Filomena
Pascoal, coordenadora do projeto, pelo diretor do agrupamento,
professor Avelino Santos, e ainda pelos professores Domingos
Oliveira e Júlio Miranda, das disciplinas de História e Língua
Portuguesa, respetivamente, passaram uma semana a participar
nas atividades, na escola de Nowa Slupia, tendo “frequentado”
algumas aulas, apresentado Powerpoints sobre Portugal,
Coimbra, Penela e a nossa escola, assistido às apresentações dos
outros países, visitado
vários monumentos e
cidades mais próximas,
incluindo Cracóvia e
Varsóvia.
Como sempre, os
alunos aprenderam
muitas coisas novas,
contataram com outro
país e outras culturas
e abriram horizontes.
Aqui ficam alguns
comentários feitos por
alunos participantes:
“Gostámos muito da viagem à Polónia. Foi uma experiência nova
e interessante. Pudemos conhecer pessoas novas e de outras culturas, como os jovens de outros países, com quem fizemos grandes
amizades e com quem, de certeza, vamos manter contacto.”
Margarida Vieira e Patrícia Rodrigues, 8ºA
“Na viagem de estudo, inserida no projeto Comenius, que fiz à
Polónia, no mês de abril, tive uma experiência única - foi a minha
primeira viagem de avião e primeira vez que saí da Península Ibérica, só
novidades…”
Maria Palaio, 9ºA
(*) - Coordenadora do Projeto Comenius
no Agrupamento de Escolas Infante D. Pedro - Penela
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Escola Secundária Jaime Cortesão
» Esmeralda Barreto (*)
“À Mesa com os poetas”, na Semana da Poesia
Como forma de divulgar a poesia e uma vez que “a poesia é
para comer”, à boa maneira de Natália Correia, a Biblioteca
Escolar criou “a mesa dos poetas”. Assim, no Corredor Central,
a BE pôs uma mesa a rigor para “receber” a poesia de doze
poetas (nove portugueses e três franceses) que, no seu prato,
exibiram um poema de sua autoria, diferente em cada dia da
semana.
Para assinalar o Dia Mundial da Poesia, a BE trouxe à escola o escritor, compositor e cantor Augusto Canetas, que nos
presenteou com um belo recital de poesia (falada e cantada),
de grande qualidade, e nos deu a conhecer alguns dos livros
por si editados.
No intervalo maior da manhã de 6.ª feira teve lugar, junto ao
Bar, mais um momento de poesia pela voz de um grupo de alunos.
Seguidamente, três turmas participaram, de forma alternada,
num jogo intitulado: “À mesa com os poetas”. Nele propunha-selhes que, à vez, e à medida que iam sendo reconstituídos, lessem
cada um dos poemas da mesa e os reconstituíssem, a partir
dos diferentes excertos espalhados pelas fatias de bolo que se
encontravam numa mesa à parte. Cada jogador teve direito à
correspondente fatia de bolo, sempre que conseguia encontrar
um segmento do poema que lhe cabia completar.
Com recurso ao acervo discográfico (LP) da BE, e aproveitando a pausa do almoço, (quando a BE tem mais alunos) ocorreu sempre um apontamento de poesia intitulado “Poesia em
vinil”, durante o qual se pôde escutar poesia dita por conhecidos diseurs. Ao longo da semana houve, também, um poema
diferente em cada dia, deixado no livro de ponto com o convite
aos professores para o partilharem com a turma.
Em locais mais movimentados da escola, como sejam o Bar,
Telheiro e o Refeitório houve poemas expostos nas paredes. No
placard da BE divulgaram-se os poemas de todos os participantes
no concurso de âmbito concelhio - “Há poesia na escola”, com
especial destaque para o primeiro classificado.
“Coimbra: outros tempos, outras gentes”
A Biblioteca Escolar organizou uma mostra de fotografias
antigas de Coimbra, incluindo uma evocação do 25 de Abril de
1974, em Coimbra. Esta exposição esteve patente de 24 de abril
a 10 de maio de 2012 e foi visitada por um número indeterminado de pessoas, entre membros da comunidade educativa e da
comunidade local, tendo sido alvo de rasgados elogios por
parte de todos quantos a visitaram.
“Qual o aspeto da tua pegada digital?”
Em colaboração com o Núcleo de Informática, a BE assinalou o dia Europeu da Internet Segura com um conjunto de
atividades que alertaram para os perigos da Internet,
nomeadamente das redes sociais, e apontaram para os cuidados a ter nesta matéria:
• A segurança da Internet na BD (exposição de tiras de
banda desenhada produzidas pela SeguraNet, a alertar
para um uso consciente da Net);
• “Qual o aspeto da tua pegada digital?” (exposição de exemplos de “pegadas digitais” conscientes, produzidas pelos
alunos de duas turmas de Expressão Plástica);
• Passagem de pequenas mensagens de alerta, sob a forma
de spots, num LCD do Corredor.
• Passagem do filme “Trust: perigo online”, em duas
sessões seguidas de debate;
• Inquérito sobre a dependência da Internet.
Todas estas mensagens, que visavam inculcar nos alunos a
necessidade de ter alguns cuidados em matéria de segurança
no mundo virtual, chegaram a um número considerável de
alunos, sob uma forma lúdica, mais suscetível de serem captadas e, assim, ajudar a prevenir comportamentos perigosos.
(*) - Professora da Escola Secundária Jaime Cortesão
e responsável da Biblioteca
8
Nova Ágora - Revista 3
Agrupamento de Escolas da Lousã
Projeto Escolas Inovadoras, Microsoft
"Congratulations! Your school has been selected to be a
Pathfinder School as part of the Microsoft Partners in learning for
Schools Program! As a Pathfinder School, you were selected because
you have the potential to create scalable and replicable educational
transformation that can influence schools within your own community,
country and around the world. As the school leader, you have proven
that you have community and professional support for the change
process and strong school-level leadership. You have an overall vision
for what you want to achieve, and the Pathfinder Schools program will
help you refine the vision, make it stronger and implement it."
Microsoft
Foi deste modo que o Agrupamento de Escolas da Lousã teve
conhecimento de que tinha sido selecionado para integrar, este
ano, o Programa Mundial de Escolas Inovadoras da Microsoft, da
rede Partners in Learning, como uma das 66 escolas Pathfinder
no Mundo.
Fazer parte da Rede Partners in Learnig (http://www.pil-network.com/) é fazer parte de um grupo mundial de partilha de
recursos, ideias e materiais. Está aberto a qualquer escola/professor que queira aderir. Basta clicar no link e fazer a inscrição.
Apresentação do Projeto do Agrupamento no Fórum Mundial de Escolas Inovadoras, em Washington
Ser uma Escola Pathfinder depende de um processo de candidatura em que a Escola apresenta o seu projeto: a sua visão, os
seus objetivos, as suas metas, o seu posicionamento face à inovação, à tecnologia, à criatividade, aos desafios educativos do
século XXI. Implica aderir a um programa-compromisso de um
ano, que começa com a participação num Fórum Mundial, onde os
diretores das escolas trabalham e interagem com diretores de
escolas de todo o mundo e onde apresentam o seu projeto de
escola. Seguem-se, ao longo do ano, sessões virtuais com especialistas mundiais de educação, sessões de trabalho e estudos de
caso, acompanhadas por escolas mentoras, isto é, escolas que já
foram Pathfinder e passaram a uma fase seguinte de orientação
de outras escolas.
Para o Agrupamento de Escolas e para a Comunidade da Lousã,
esta experiência traduziu-se num compromisso com dinâmicas de
inovação e intervenção no meio, na lógica de trabalho em rede,
“Cama-do-gato”, que é o lema do seu Projeto Educativo. O
Agrupamento esteve presente no Fórum Mundial, em Washington,
em Novembro de 2011, e integrou o grupo de trabalho da Europa
Central, numa estreita colaboração com a Escola Secundária de
Lagoa, Açores, uma das escolas Mentoras do projeto. Neste grupo
de trabalho foi possível, ao longo do ano, fazer uma partilha de
experiências muito enriquecedora, refletir sobre as práticas das
escolas e encontrar diferentes soluções para as dificuldades vividas. Foi também possível pôr os alunos da Lousã em contacto com
alunos das escolas do grupo de trabalho europeu para debaterem
as suas visões de Escola e Educação. Em Janeiro, o Agrupamento
esteve presente numa ação de formação sobre liderança, em
Londres, formação essa que integrou uma visita à Cornwallis
Academy, uma Escola com um projeto de referência, cujo site vale
a pena visitar. ( http://futureschoolstrust.com/cornwallis/)
Em Março, dinamizou-se na Lousã, em articulação com a
Câmara Municipal, e com o apoio da Microsoft, o encontro nacional
“Shape the Future”, subordinado ao tema Inclusão, onde foi debatido, com especialistas convidados e representantes de algumas
escolas do país, a relação entre “tecnologias, inovação, inclusão”.
Nas dinâmicas geradas no âmbito deste projeto destacam-se
ainda: a candidatura do projeto “Oratio”, na área da Educação
Musical, ao programa Professores Inovadores, que deu o título de
Professor Inovador a um dos docentes do agrupamento; o desenvolvimento de uma tese de mestrado na Universidade de Coimbra,
na área do "Património Europeu, Multimédia e Sociedade de
Informação", por uma docente de História, em parceria com o
Centro de Competências Entre Mar e Serra; formação de formadores na área da tecnologia, para docentes do Agrupamento e
do Centro de Formação, com o apoio da Microsoft; continuação
dos projetos de quadros interativos e Plataforma Camões, nas
escolas de 1º ciclo. Mais recentemente, a parceria com o consórcio E-xample, proposta pela Câmara Municipal, pretende ser mais
uma ação na área da aprendizagem e tecnologias da educação,
que permita consolidar, no Concelho, práticas de resposta aos
desafios da Escola do século XXI.
Nota Final: link para o vídeo de apresentação do Agrupamento de
Escolas da Lousã, no Programa Mundial de Escolas Inovadoras
http://www.eb23-lousa.rcts.pt/index.php/component/content/article/229-noticias/noticias-recentes/152-lousancats-cradle-innovative-school
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Agrupamento de Escolas Silva Gaio
A Unidade de Multideficiência e o Projeto Escolas Amigas da Água
» Ana Paula Micaelo, Angelina Camarinha e Elsa Figueiredo (*)
“Bandeira de "Escola Amiga da Água" foi hasteada na Silva Gaio”
In Diário de Coimbra, 14 de Junho de 2012
“Uma lição de cidadania com prémio numa escola amiga da água”
In Diário As Beiras, 14 de Junho de 2012
Foi desta forma que, no passado mês de junho, foi divulgada a
atribuição do 1º prémio à Escola Silva Gaio, pela sua participação
na 2ª edição do Projeto “Escolas Amigas da Água” (promovido
pela Associação Ambiental Quercus, em parceria com a empresa
Águas de Coimbra) com o trabalho da Unidade de Apoio
Especializado à Multideficiência (UAEM).
Esta iniciativa, implementada na Escola pelo departamento de
Matemática e Ciências Experimentais, no âmbito do Projeto de
Educação para a Saúde (PES), foi desenvolvida em várias vertentes, nomeadamente na UAEM do 2º e 3º ciclos existente no
Agrupamento de Escolas Silva Gaio.
Segundo as entidades promotoras do projeto, que abrangeu
cerca de 443 alunos de sete estabelecimentos de ensino do concelho de Coimbra, a seleção da escola vencedora baseou-se em
três critérios essenciais, designadamente, “a redução do consumo de água na escola, o efeito multiplicador das medidas implementadas na comunidade escolar e a criatividade dos trabalhos
realizados”.
O conjunto de atividades dinamizadas permitiu sensibilizar e
esclarecer a comunidade educativa para a importância de uma
utilização e gestão eficaz da água, tendo o Agrupamento sido considerado uma “Escola Amiga da Água” e recebido a respetiva bandeira.
O principal objetivo, ao abraçar esta iniciativa, foi envolver
toda a comunidade escolar e, mais especificamente, as turmas
em que os alunos estavam integrados, consciencializando-os,
através dos vários materiais produzidos, para a necessidade de
se gerir, de forma responsável, os recursos hídricos. Assim, ao
longo do ano letivo, desenvolveram-se um conjunto de ações que
permitiram aos alunos que frequentam a Unidade uma participação ativa em diversas atividades, nomeadamente:
• Elaboração de painéis e construção de gotas e ímanes
informativos;
• Colocação de informação útil em locais destacados no
espaço escolar;
• Distribuição de ímanes às turmas de integração dos alunos
da Unidade.
Ao desenvolver estas atividades, pretendeu-se principalmente:
• Envolver os alunos em projetos comuns a toda a comunidade escolar;
• Desenvolver capacidades sensoriais através da exploração
de materiais diversificados;
• Elaborar materiais e mensagens em diferentes formas,
nomeadamente escrita em Braille, escrita simbólica através
do sistema pictográfico de comunicação (SPC) e Língua
Gestual Portuguesa, tornando a informação acessível a todos;
• Proporcionar experiências significativas, em conjunto com os colegas da turma, promovendo a interação e socialização com pares;
• Incentivar os pares da turma a interagir com os colegas
com multideficiência e a dar uma resposta efetiva aos
seus esforços comunicativos;
• Promover a comunicação dos alunos nas suas componentes: forma, função, conteúdo e vertente social que
envolve todo este processo.
Estes objetivos foram amplamente atingidos e os trabalhos
realizados tiveram um impacto muito positivo junto da comunidade escolar, provando que a integração de crianças/jovens
com necessidades educativas especiais em turmas de ensino
regular é cada vez mais uma realidade, afirmando-se, assim,
a noção de escola inclusiva. Enquanto modelo organizacional
10
Nova Ágora - Revista 3
dinâmico e sistémico, a escola constitui, a par da família, um meio
privilegiado para o crescimento social e individual dos seus
alunos, através da construção de um ambiente rico em trocas
afetivas e relacionais entre os seus membros, em que todos, sem
exceção, se influenciam reciprocamente.
Funcionando desde Outubro de 2005, a Unidade de Apoio
Especializado à Multideficiência da Escola EB 2/3 Poeta Manuel da
Silva Gaio tem constituído uma resposta educativa especializada
para alunos cujo desenvolvimento e acesso à aprendizagem se
encontram gravemente condicionados ao nível da atividade e participação, devido à combinação das acentuadas limitações que
apresentam em vários domínios.
Nunes (2008) refere que as maiores dificuldades destes
alunos se situam ao nível:
- da interação com o meio ambiente,
- do acesso à informação e à seleção de estímulos relevantes;
- da forma como compreendem e interpretam a informação
recebida;
- da aquisição de competências;
- da concentração e atenção;
- do pensamento e tomada de decisões sobre a sua vida e da
resolução de problemas.
Na intervenção com alunos com Dificuldade Intelectual e
Desenvolvimental (DID) deverá ser dada ênfase aos aspetos contextuais, fornecendo o suporte necessário para diminuir a discrepância existente entre as suas capacidades e as exigências dos
cenários em que se movem, conforme destacam Schalock et al.
(2010). Nesta perspetiva, torna-se essencial proceder ao levantamento das ajudas necessárias para que possam progredir e
desenvolver-se enquanto pessoas, vivendo em sociedade e desfrutando de uma qualidade de vida comum a qualquer outro cidadão.
Referências bibliográficas:
Nunes, C. (org.) (2008). Alunos com multideficiência e surdocegueira congénita
- Organização da resposta educativa. Lisboa: Direcção Geral de Inovação e
de Desenvolvimento Curricular, Direcção de Serviços da Educação Especial
e do Apoio Sócio-Educativo.
Schaloch, L. R. et al. (2010). Intellectual Disability - Definition, Classification, and
Systems of Supports (11th ed.). Washington: Association on Intellectual and
Developmental Disabilities.
(*) - Professoras de Educação Especial
da Unidade de Multideficiência da Escola Silva Gaio
1
Anteriormente designado por Deficiência Mental (DM)
Revista NOVA ÁGORA
IIª Série - número 3
Diretor
João Paulo Janicas
Equipa Redatorial
Fernanda Campos Henriqueta Oliveira João Paulo Janicas
Colaboraram neste número
Alexander Kovacec Ana Cristina Almeida Ana Paula Duarte
Ana Paula Micaelo Ana Rola Angelina Camarinha
Anita Duarte Armanda Matos Carla Eusébio
Carla Gonçalves Celeste Gomes Cristina Janicas
Elsa Figueiredo Esmeralda Barreto Fernanda Campos
Filomena Pascoal Henriqueta Oliveira Isabel Freire
Isabel Moreira João A. Lopes João Amado
João Paulo Janicas João Ramos Pereira
José António Franco José Vieira Lourenço Júlia Teixeira
Luís Gama Pereira Manuel Pires da Rocha
Manuela Gonçalves Maria Antónia Martins
Maria da Conceição Correia de Paiva Carvalho
Maria Teresa Estrela Mónica Marques Nuno Eufrásio
Nuno Rodrigues Pedro Vicente Rosa Santos
Rosário Pimentel Rui Damasceno Rato Sandra Martins
Teresa Loja Morais Teresa Paula Lopes Teresa Pessoa
Revisão
Ana Paula Duarte e Fernanda Campos
Capa e Ilustrações
Nuno Eufrásio
Design de Comunicação
Pedro Vicente
Propriedade
Nova Ágora-CFAE - Esc. Sec. D. Duarte
Apt. 5007 - EC Rossio - Santa Clara 3041-901 Coimbra
Tel. 239 802 317 Fax. 239 802 318
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Impressão
Tipografia Damasceno
Tiragem
500 exemplares
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Os artigos assinados não expressam necessariamente o ponto
de vista da Direção
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Agrupamento de Escolas de Taveiro
Fotografia Coimbra 2012 - foto de um
dos trabalhos de grupo
Fotografia Coimbra 2012
» Teresa Paula Lopes (*)
O motivo para este projeto da unidade de trabalho Fotografia
Coimbra 2012, desenvolvido na disciplina de EVT, foi a necessidade
de articular conteúdos com a visita de estudo das turmas do 6º
Ano da EB 2, 3 de Taveiro, no dia 23 de Março, a Coimbra. O
desafio lançado aos alunos (organizados, previamente, em grupos
e temas - pessoas, casas e ruas, espaços verdes, monumentos
e rio Mondego) foi fazerem o maior número de registos fotográficos durante a visita. Nas aulas, e como preparação, os alunos
tomaram contacto com o tema “Fotografia” e observaram e
comentaram inúmeras reproduções de fotografias de grandes
fotógrafos do século XX . Primeiro, estranharam o preto e branco, mas depois ficaram fascinados com a beleza dos enquadramento e com os contraste luz/cor.
No dia 23 de Março, durante o raid fotográfico, utilizaram
máquinas fotográficas, mas também os telemóveis na função de
registo de imagens. Centenas de imagens foram recolhidas.
Retenho na minha memória o deslumbramento dos alunos ao
tomarem contacto, pela primeira vez, com alguns espaços da sua
cidade.
Este trabalho permitiu que fossem feitos registos, por todos
os alunos do 6º Ano, que, posteriormente, foram analisados em
casa e nas aulas. Se alguns grupos de trabalho não tiveram qualquer dificuldade em fazer uma seleção para apresentar, outros
houve que tiveram necessidade de apoio específico nas aulas.
Estiveram envolvidos os professores de EVT: Armando Simões,
Lurdes Almeida e Teresa Lopes.
Como complemento de cada trabalho de grupo, os alunos produziram uma frase para acompanhar as imagens em exposição.
Terminada esta fase, houve uma estreita articulação com a
equipa da BECRE - Alcina Pires, Fernanda Monteiro e Maria
Manuela Neves -, para promover a exposição na biblioteca,
durante o 3º Período, que foi muito apreciada pela comunidade
escolar.
O que se vê é fenomenal
Com patos a flutuar
Que inspiradoras fotos fizemos
Para poder mostrar.
6.º A Inês Rodrigues dos Santos | Jorge Miguel Simão | Ana Beatriz Silva
Acontece em Taveiro
» Isabel Pacheco Mendes e Maria Carolina Geraldes (*)
Fotografia Coimbra 2012 - foto de um dos trabalhos
(*) - Professora de EVT do Agrupamento de Escolas de Taveiro
No ano letivo de 2009/2010, lançou-se, na EB 2,3 de Taveiro
o projeto Acontece em Taveiro, com o objetivo de desenvolver a
observação e despertar o espírito crítico face à Ciência, nos
alunos dos 3º e 4º anos do Agrupamento. As duas professoras de
Ciências Físico-Químicas, Isabel Pacheco Mendes e Maria Carolina
Geraldes, dinamizaram um conjunto de duas sessões de atividades experimentais e laboratoriais, no âmbito da química e da
física, com caráter interativo. A iniciativa foi bem acolhida pelos
alunos, o que aliás se pôde observar no decorrer das sessões
pelo grande envolvimento e entusiasmo manifestados. Para além
disso, propiciaram-se ainda momentos de convívio com o almoço
na cantina da escola.
Ao longo deste ano, o projeto alargou-se já que, para além de
uma sessão para os alunos dos mesmos anos de escolaridade,
houve ainda a realização de duas sessões de trabalho com os
colegas titulares de turma, onde se partilharam conhecimentos e
abordagens no âmbito da luz e da eletricidade, correspondendo
assim aos interesses revelados. Os inquéritos revelaram que o
trabalho desenvolvido foi profícuo pelo que, no próximo ano, continuará a acontecer em Taveiro…
(*) - Professoras de Físico-Químicas do Agrupamento de Escolas de Taveiro
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Nova Ágora - Revista 3
Escola Secundária c/ 3.º Ciclo da Lousã
Roteiro geológico na serra da Lousã. A geologia em prol da sociedade
» Ana Rola(*), Rosa Santos(**), Luís Gama Pereira(*) e Celeste Gomes(*)
Alunos do projeto.
A formação da Serra da Lousã, horst de orientação NE-SW,
está ligada à da Cadeia Central Ibérica. No Cretácico, a abertura
do Golfo da Biscaia, o deslocamento para SE da Placa Ibérica e a
sua rotação anti-horária geraram tensões que conduziram à ativação de acidentes hercínicos, na continuação de transformantes atlânticas, com movimentação esquerda. O movimento
cisalhante esquerdo levou ao aparecimento de uma “escadaria”
de blocos, de direção NE-SW, delimitados por falhas normais, que
constituem a atual Cadeia Central Ibérica. Num destes blocos,
definido pela faixa de cisalhamento Porto-Coimbra-Tomar e pela
falha Lousã-Seia, instalou-se a bacia da Lousã, onde se depositaram materiais de origem continental, desde o Albiano médio
(Cretácico Inferior) ao Quaternário. No Tortoniano (Miocénico), a
reativação da falha cretácica Lousã-Seia em movimento inverso,
pela tectónica compressiva alpina (compressão bética), levou ao
soerguimento da serra da Lousã (Gama-Pereira, 2008; Soares et
al., 2007).
Este trabalho pretende apresentar o projeto “Roteiro
Geológico na Serra da Lousã”, desenvolvido com sete alunas do 11º
ano da Escola Secundária da Lousã, em contexto extracurricular,
apoiadas por docentes do Departamento de Ciências da Terra da
Universidade de Coimbra e investigadores do Centro de Geofísica
da Universidade de Coimbra, que se propunha planear, construir
e validar um roteiro geológico, a partir da premissa de que,
através da história da Lousã, seria possível contar uma outra,
muito mais antiga: a história geológica da Lousã. O projeto
envolveu 6 fases: definição do problema, planificação, pesquisa,
seleção e organização de informação, construção do roteiro,
validação e apresentação dos resultados. A partir da carta
geológica de Portugal, escala 1: 50 000, folha 19-D, CoimbraLousã e respetiva notícia explicativa (Soares et al., 2007), foram
selecionadas quatro paragens pela importância histórica e/ou
geológica: Trevim, Aldeia do Candal, Varanda do Gevim e Castelo
de Arouce (figura 1). No Trevim, ponto mais alto da serra da Lousã
(1205 m), observam-se filitos e metagrauvaques, pertencentes ao
Grupo das Beiras (=Complexo Xisto-Grauváquico AnteOrdovícico) do Neoproterozóico Superior, que denunciam metamorfismo regional hercínico ou varisco. Nas rochas com
caráter mais arenoso, é possível encontrar marcas de ondulação. A segunda paragem ocorre no Candal, aldeia erguida em
torno da ribeira com o mesmo nome. Na construção das suas
casas utilizaram-se filitos e filitos mosqueados, resultantes de
uma extensa auréola de metamorfismo de contacto, imposta por
intrusões graníticas, nem todas aflorantes. Na Varanda do Gevim,
terceira paragem, tem-se uma visão ampla sobre a planície formada pela acumulação de depósitos aluvionais (rios Arouce e
Ceira) e de vertente, que originam solos muito férteis, importantes na fixação das populações. O roteiro termina no Castelo de
Arouce, datado da ocupação árabe do território, construído com
filitos e metagrauvaques. Dada a posição elevada, possibilitava
refúgio às populações que viviam na planície. A validação do
roteiro decorreu numa saída de campo, com as alunas do projeto
e três docentes do ensino secundário. O projeto foi apresentado
em diversos encontros para jovens: VII Congresso dos Jovens
Geocientistas (resumo, poster e comunicação oral), organizado
pelo Departamento de Ciências da Terra da Universidade de
Coimbra, no dia 2 de março de 2012, subordinado ao tema
“Geociências e Sociedade”; Concurso de Ideias “Escolas
Empreendedoras”, que decorreu no dia 5 de maio de 2012, na
Lousã; 6ª Mostra Nacional de Ciência, no Museu da Eletricidade,
entre 31 de maio e 2 de junho de 2012. O projeto concorreu ainda
à 10ª Edição do prémio Ciência na Escola, da Fundação Ilídio
Pinho, e foi selecionado para a 2ª fase, tendo sido apoiado
financeiramente.
Desde tempos históricos que a geologia determinou a vida
dos lousanenses. No entanto, esta influência não termina nos
dias de hoje. Pelo contrário, poderá ser uma rampa de desenvolvimento da região, através do turismo geológico.
O CGUC é financiado por Fundos Nacionais, através da FCT - Fundação para
a Ciência e a Tecnologia.
Referências
Gama-Pereira, L. (2008). A região da Figueira da Foz no contexto da Cadeia
Central Ibérica. Notas para a sua compreensão. In: F. Lopes e P. Callapez
(Coord.). Por Terras da Figueira (pp. 29-34). Figueira da Foz: Kiwanis Clube
da Figueira da Foz.
Soares, A., Marques, J. e Sequeira, A. (2007). Carta geológica de Portugal e Notícia
Explicativa da Folha 19-D (Coimbra-Lousã), na escala 1:50000. INETI, Lisboa.
(*) - CGUC, Departamento de Ciências da Terra da Univ. de Coimbra
(**) - Escola Secundária da Lousã
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Escola Secundária c/ 3.º Ciclo da Lousã
“Desperdício Zero” no refeitório da Escola
» Maria da Conceição Correia de Paiva Carvalho (*)
mensagem chegasse não só à comunidade educativa, mas aos pais,
em particular. Já no que diz respeito à divulgação junto dos alunos,
a página do Facebook da Associação de Estudantes foi um ótimo
espaço de discussão.
Todo este trabalho foi acompanhado de um contacto, quase em
cima da hora, com os encarregados de educação que, perante faltas significativas dos seus educandos, foram contactados por
escrito ou por telefone, na maioria dos casos, alertando para a possibilidade de retirada dos apoios sociais no caso de os seus educandos voltarem a tirar senha e não irem comer. Infelizmente, e
apesar de todos os esforços, esta situação chegou a ocorrer.
Mas tudo valeu a pena, se tivermos em conta os resultados. A
percentagem de desperdício anual diminuiu para menos de
metade. Contudo, a análise por período foi ainda mais significativa:
dos 11% no primeiro período de 2010/11, aos 6% em igual período
de 2011/12, chegou-se aos 2% no último período deste ano letivo.
A tudo isto, acrescente-se que houve um aumento de 4% de
refeições servidas e menos 1866 refeições desperdiçadas,
correspondentes a cerca de 3300 euros a menos para o lixo.
Em jeito de conclusão:
O facto de a disciplina de Economia C, onde a mensagem da
gestão correta de recursos, quer públicos ou privados, é um objetivo
básico, ter sido a dinamizadora deste projeto, mostrou a importância
de que esta opção do 12º ano se reveste, tanto mais que, na situação
de crise económica em que vivemos, se torna ainda mais premente
que os jovens interiorizem competências de gestão financeira.
Terem sido os alunos mais velhos a liderar o processo teve um
impacto sobre os colegas, de longe superior a todas as anteriores
tentativas para minimizar o problema.
Para os alunos que levaram a cabo todo este projeto foram
momentos de crescimento pessoal e social.
Entrega do Prémio Cidadania pela Senhora Sec.
de Estado do Ensino Básico e Secundário e pelo
Senhor Sec. de Estado do Empreendedorismo,
Competitividade e Inovação.
Há vários anos que se vivia uma grande preocupação na Escola
Secundária da Lousã, tal como certamente em muitas outras escolas: o elevado número de refeições que eram adquiridas sem serem
consumidas, levando a que muita comida intocada fosse para o lixo.
Tinha havido já diligências com vista a que essa comida tivesse
outro encaminhamento, nomeadamente para famílias carenciadas,
mas que não foram bem sucedidas, pois as regras da empresa concessionária e a legislação em vigor impediam-no.
Os resultados dos esforços levados a cabo, ao longo dos
anos, pelos diretores de turma não passaram de uma gota de
água perante a dimensão do problema.
Por tudo isso, e porque o caso devia ser atacado na raiz e não
nas consequências, lançou-se o repto aos alunos de Economia C do
12º ano que, de imediato, mostraram o maior empenho em abraçar
a causa: DESPERDÍCIO ZERO no refeitório da escola!
Os alunos começaram por fazer o levantamento da situação no
ano anterior, destacando as 3702 senhas adquiridas que não foram
consumidas! Contas feitas, foram para o lixo, cerca de 6.500 €
(4.800€ do bolso dos contribuintes e 1700 € dos próprios pais).
Outro resultado, aparentemente contraditório, prendeu-se
com o facto de a grande parte - 75% - das refeições desperdiçadas provir de alunos com a refeição comparticipada!
A publicitação destes valores no polivalente da escola, em cartazes visualmente apelativos e denunciadores, bem como a mensagem agressiva que levava à reflexão, foram o ponto de partida
para o início da mudança de atitude dos alunos.
Mas havia ainda muito a fazer para combater os hábitos cimentados ao longo dos anos, a falta de consciência da responsabilidade
individual dos alunos e dos pais e o apelo do bar da escola, dos
cafés e de grandes superfícies na oferta de fast-food!
Foi então que os alunos do 12º ano visitaram todas as turmas
da escola, apelando a uma cidadania ativa, e falaram, pessoal e
individualmente, com cada um dos alunos que havia estado em
falta. Por outro lado, foram facilitadores de uma maior intervenção dos diretores de turma, disponibilizando-lhes, semanalmente, o registo dos alunos que não haviam comido na semana
anterior e, sempre que possível, juntando as razões argumentadas para a ausência. Ao longo do ano, vários diretores de turma
chegaram a recorrer aos promotores do projeto, para, em aulas
de Formação Cívica, mobilizarem o debate sobre a questão.
Já no refeitório, os alunos de Economia C vigiaram as filas do
refeitório (uma das desculpas apontadas para não almoçarem),
controlaram a passagem do cartão eletrónico no respetivo dispositivo, evitando que houvesse quem o passasse e não fosse
comer, sensibilizaram para o aproveitamento do pão e da fruta,
incentivando a que o pão não consumido fosse utilizado em sandes,
bastando para isso adquirir no bar o recheio a um preço módico,
entre muitas outras atividades.
A divulgação feita nos jornais locais e regionais foi também um
bom contributo para os objetivos deste projeto, pois fez com que a
O prémio Cidadania com que este projeto foi reconhecido no
âmbito do concurso INOVA - Jovens Criativos, Empreendedores
para o século XXI, promovido pela DGIDC, IAPMEI e IPDJ, será, seguramente, um estímulo para que estes jovens, que agora deixam o
ensino secundário, continuem a pôr em prática a sua intervenção
como cidadãos. Para a Escola Secundária da Lousã é mais um
incentivo na luta contra o desperdício.
(*) Docente da Escola Secundária com 3.º Ciclo da Lousã
14
Nova Ágora - Revista 3
Agrupamento de Escolas de S. Silvestre
Orquestra Juventude
» Manuel Pires da Rocha (*)
O Carlos – nome fictício de uma criança real – está catalogado como aluno problemático, ou difícil, ou indisciplinado, ou
desconcentrado, talvez hiperativo. O Carlos poderá, até, estar
corretamente catalogado à luz das classificações que fazem da
Educação uma ciência quase exata - assim encaixem os comportamentos dos objetos na definição de algum dos perfis
disponíveis. Há, contudo, um lugar em que o Carlos desilude (pela
positiva) quem o tenha arrumado na gaveta que as suas ações
habituais lhe fizeram merecer – a Orquestra Geração. Com um
violino em cima do ombro e um arco na mão direita o Carlos é
menos difícil, ou menos indisciplinado, menos desconcentrado e
hiperativo.
Não se pense, no entanto, que o Carlos beneficiou de um milagre capaz de o mudar, para sempre, de página do catálogo dos
comportamentos. A sua condição social permanece difícil, a indisciplina caseira é a mesma de ontem, a sua relação com as
matérias “sérias” não se alterou por aí além. O que aconteceu,
apenas e tanto, foi uma novidade a que o Carlos e os seus colegas tiveram acesso, uma alteração da rotina em que a escola
deveria ser sempre pródiga, sabido que é ser a Educação, por
Ciência ser, um terreno que varia consoante lhe são introduzidas
variáveis. O facto é que poucas vezes a variável Orquestra tem
sido introduzida nas nossas escolas, mas na Escola de S. Silvestre
aconteceu, por vontade do Agrupamento e do Conservatório de
Música de Coimbra, por decisão política do Ministério da Educação
e Ciência. E ainda bem – assim venha a acontecer em muitas mais
escolas.
Foram, para já, três dezenas os meninos e meninos abrangidos por esta experiência educativa que tem vindo a ser levada a
cabo, desde há três anos, na Grande Lisboa, Amarante,
Mirandela, e desde o ano passado em Coimbra. A Orquestra
nasce quase sempre em territórios escolares, mas no caso de
Coimbra estendeu-se a possibilidade a crianças dos bairros
municipais, trabalhando-se separadamente o puzzle musical que,
em ocasiões previamente definidas, será montado em público.
O modelo veio da Venezuela, do Sistema de Orquestras
Infantis e Juvenis que um antigo político, músico de formação,
sonhou para as crianças do seu país. José António Abreu, o
fundador do Sistema, quis que os meninos a quem não estaria, à
partida, destinado qualquer contacto com a chamada música
clássica pudessem ter a oportunidade de se maravilhar com uma
sinfonia de Mozart e, mais do que isso, pudessem ter a oportunidade de a comunicar aos seus, fazendo parte dessa sociedade
humana perfeita que é a Orquestra. O Sistema nasceu há já 30
anos, e construiu cidadania, cultura, gosto musical, consciência
social em milhares de jovens que ali encontraram novas fronteiras para a exigência no viver que, está provado, é qualidade
dos cidadãos esclarecidos e elemento fundamental da vitória
sobre o subdesenvolvimento.
Em Junho passado a Orquestra Geração deu um Concerto de
Final de Ano. A Sala dos Espelhos do Conservatório encheu-se de
professores, de familiares, de amigos dos músicos da Orquestra
Geração; vieram ainda jovens de Tondela que se juntaram aos
músicos de Coimbra naquela primeira vez que a Orquestra soou
fora da sala de ensaio. Sobre este acontecimento, o que fosse dito
teria de o ser por alguém que, com letras, soubesse fazer pintura,
por ser mais significativo o brilho nos olhos daquele público especial do que quaisquer palavras de bem-dizer: diga-se apenas que
a educação dos nossos jovens pode (e deve) ser um processo de
crescimento dirigido, também (às vezes sobretudo), às famílias,
aos amigos, a todos aqueles a quem a Arte possa tocar enquanto
elemento enriquecedor e, por isso mesmo, transformador de
consciências e de perspetivas de vida.
Mas o mais importante é que o Carlos consiga entender que
há um lugar - a Orquestra - em que se espera dele aquilo que,
julga ele, já ninguém espera de si: o ser um cidadão gostado e
indispensável à construção de um trabalho coletivo – seja uma
sinfonia de Mozart ou o seu próprio futuro.
(*) - Diretor do Conservatório de Música de Coimbra
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Escola Secundária de D. Duarte
Eco Challenge - Dá boa Energia à tua Escola
» Maria Antónia Martins (*)
A Escola Secundária de Dom Duarte, enquanto escola associada da UNESCO, tem reunido esforços no sentido de concentrar o
seu ensino no quarto pilar da educação: “aprender a viver juntos”.
Assim, e tentando reger-se por um dos grandes lemas da UNESCO
que é “Pensar globalmente e Agir localmente” aceitou o desafio da
EDP/ISA e juntou-se ao projeto Eco Challenge - Dá boa Energia à
tua Escola, numa tentativa de sensibilização da comunidade escolar para a importância da eficiência energética.
Com uma equipa de seis alunos do 11º A e sob a orientação de
dois professores, os estudantes dedicaram-se a responder a
cada um dos três desafios propostos, ao mesmo tempo que
procuraram sensibilizar a comunidade escolar para a diminuição
nos gastos de energia elétrica na Escola.
As atividades sugeridas, interdisciplinares e abordando
diferentes conteúdos programáticos, permitiram aos estudantes
participarem num projeto, que ocupou os segundo e terceiro
períodos, sem dispersarem as suas atenções em temáticas não
curriculares.
Em resposta ao primeiro desafio, os alunos propuseram a
criação de um sistema de iluminação artificial e natural mais
eficiente para a zona dos laboratórios de física, química, biologia e refeitório da Escola. Contaram lâmpadas, luminárias,
janelas e estores… Depois, procederam a um estudo pormenorizado, dando especial atenção aos consumos referentes à
iluminação.
Foi realizado um levantamento de todas as propostas
passíveis de minimizar os gastos energéticos e que passariam,
entre outras, pela substituição das luminárias de acrílico fosco e
das de baixo rendimento por luminárias com refletor, das lâmpadas de balastro convencional, por lâmpadas LED, etc.
Efetuados os cálculos necessários, verificou-se que, com a
implementação da proposta dos alunos, se conseguia uma
poupança diária de cerca de 9 €, e isso no que apenas respeita
aos custos de iluminação.
O segundo desafio propunha aos participantes a elaboração
de uma ementa, nutricionalmente equilibrada, para a cantina da
escola, recorrendo ao uso eficiente da energia na confeção dos
alimentos.
A divulgação deste novo repto foi realizada através de um
flash mob que teve lugar no átrio principal da Escola e que decorreu durante um dos intervalos da manhã. Com uma música bastante conhecida e letra original, escrita pelos alunos responsáveis pelo projeto, toda a comunidade escolar dançou ao sabor
de uma coreografia ensaiada nas aulas de educação física.
Para a consecução deste desafio, foi necessário começar por
inventariar todos os aparelhos elétricos diretamente relacionados com a confeção dos alimentos e, a partir das suas potências,
foi determinada a energia consumida para a preparação de uma
das ementas semanais do refeitório. Os alunos concluíram que,
apesar de nutricionalmente correta, a ementa poderia ser melhorada no que respeita ao consumo energético. Assim, com a ajuda
da chef de uma das turmas do Curso Profissional de Cozinha e
Pastelaria, foi apresentada uma nova ementa que, mantendo o
equilíbrio nutricional, era muito mais eficiente do ponto de vista
energético, uma vez que, para além de otimizar a utilização dos
eletrodomésticos e de utilizar os mais eficientes, pressupunha a
alteração da própria forma de confecionar os alimentos. No final,
foi conseguida uma redução de cerca de 70% no consumo
energético, resultado da junção de pratos que possuem métodos
de confeção semelhante - no mesmo dia, por exemplo, aproveitar
o forno ainda quente do lombo assado para assar maçã -, de um
uso mais eficiente dos eletrodomésticos e da modificação de
alguns comportamentos por parte dos profissionais da área.
Estas conclusões, bem como algumas propostas para a confeção de alimentos com menos desperdícios energéticos foram
publicitadas na página do Facebook (www.facebook.com/pages/EcoChallenge-DDuarte/188772377896327), criada pelos alunos.
Aproveitando a “Semana da Alimentação”, organizada na
Escola por alguns dos Cursos Profissionais, o grupo Eco
Challenge divulgou o trabalho desenvolvido no âmbito do projeto,
informou a comunidade escolar das vantagens de uma alimentação saudável aliada à poupança de energia e procedeu à
medição do IMC de alunos, funcionários e professores, contribuindo assim para a educação para a saúde na Escola.
16
Nova Ágora - Revista 3
NOTA SOBRE O AUTOR DA CAPA E ILUSTRAÇÕES
O terceiro e último desafio, mais teórico, consistiu na elaboração de um documento onde se apresentaram os recursos,
fontes de energia ao dispor da população portuguesa, numa
perspetiva do desenvolvimento sustentável. Este desafio teve
como base o reconhecimento, por parte dos alunos, da urgente
e imperiosa necessidade de um compromisso para uma cidadania responsável, isto é, da construção de uma sociedade que se
preocupe com as suas relações com o ambiente, numa perspetiva que tenha em conta as quatro vertentes: Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente. A par da redação desse documento, os
alunos construíram centenas de moinhos de vento que foram
entregues a toda a comunidade escolar e que pretendiam simbolizar as energias renováveis.
É de realçar os aspetos positivos de projetos que, tal como
este, preconizam o desenvolvimento de raciocínios que envolvam
conhecimentos de várias das disciplinas frequentadas pelos
alunos e que revelem, claramente, o carácter interdisciplinar,
sempre necessário na procura de respostas a questões do quotidiano.
Ao mesmo tempo que os alunos estudaram, ou simplesmente
relembraram, alguns dos conteúdos programáticos de disciplinas
como física e química, biologia ou matemática, para referir apenas as da componente específica dos intervenientes responsáveis pelo projeto, mostraram também a sua criatividade na
divulgação do projeto a toda a comunidade escolar.
Importa também realçar que, tal como é apanágio da nossa
Escola, uma vez mais, os cursos científico - humanísticos e
profissionais colaboraram num mesmo projeto, o que ficou bem
patente na concretização do segundo desafio, para uma mesma
Escola!
(*) - Professora da Escola Secundária D. Duarte
Nuno Eufrásio é um jovem estudante de 20 anos que frequenta o curso de Comunicação e Design Multimédia da Escola
Superior de Educação de Coimbra.
É de salientar, no seu portefolio ainda não muito vasto mas
em profundo crescimento, a produção gráfica da peça de
teatro: “Os últimos dias de Emanuel Kant”, da Cooperativa
Bonifrates, em que desenvolveu o programa, o cartaz e flyers de divulgação.
O presente trabalho na revista Nova Ágora é o seu primeiro
trabalho na área da ilustração, uma oportunidade e um
desafio que não quis recusar.
Em relação ao tema da “Indisciplina na escola”, pretendeu
chamar a atenção para as vertentes mediática e conflitual,
próprias das vida urbana atual, a que também não foi
estranha a inspiração na obra de Keith Haring.
18
DOSSIE: A indisciplina na escola
Um questionário sobre a Indisciplina
nas escolas e agrupamentos de escolas associadas do Nova Ágora - CFAE
» (*)
No âmbito da Revista Nova Ágora, n.º 3, a Comissão
Pedagógica do CFAE propôs a preparação de um dossiê temático
sobre a questão da Indisciplina na Escola. Para o efeito, além dos
artigos que foram solicitados a vários especialistas e docentes
que têm trabalhado nesta área, foi elaborado um questionário
tendo como objetivos esboçar um diagnóstico do problema nas
escolas e agrupamentos de escolas associados do Nova Ágora CFAE, promover entre estes a partilha de experiências e uma
aprendizagem comum e lançar tópicos de debate e reflexão.
O questionário foi dirigido aos diretores das 13 escolas e agrupamentos associados, no período de Abril e Maio de 2012. A maioria dos diretores responderam-lhe diretamente. Os restantes
optaram por fazê-lo por intermédio dos docentes ou outros
responsáveis pelos setores específicos que, nos seus estabelecimentos, tratam a problemática da indisciplina.
O questionário era constituído por cinco questões com opções
de escolha «fechada» e duas de resposta «aberta».
Elencamos, em seguida, as questões colocadas e os principais
tópicos das respostas recolhidas.
A primeira pergunta pedia para qualificar a frequência com
que ocorrem casos de indisciplina na Escola/AE. Sendo propostos cinco níveis para as respostas, estas situaram-se nos três
níveis médios, a saber: em dois estabelecimentos, esses casos
ocorrem “Muitas vezes”; em seis estabelecimentos, ocorrem
“Algumas vezes” e, em cinco, “Poucas vezes”.
Na pergunta seguinte, inquiria-se quantas situações relevantes de indisciplina ocorreram na Escola/AE, no presente
ano letivo. Também aqui as respostas se situam nos intervalos
médios. Nenhuma escola escolheu a opção “nenhuma situação”;
tão pouco houve algum estabelecimento que tenha indicado “mais
do que 30 situações”. Assim, sete escolas registaram “menos de
10 situações”, cinco escolas, “entre 10 e 20 situações” e apenas
uma refere que ocorreram “entre 20 e 30 situações”.
Na terceira pergunta, solicitava-se que fosse discriminada a
frequência com que ocorrem os diferentes tipos de indisciplina, em cada Escola/AE. A situação que mais frequentemente é
identificada é a “perturbação das aulas”: quatro escolas referem
que sucede “Muitas vezes” e oito que acontece “Algumas vezes”.
Já quanto ao “Bullying no recreio” e às “Agressões entre alunos”,
é notória uma tendência de respostas que demonstra a baixa frequência destas situações. Assim, apenas duas escolas, no que se
reporta ao Bullying, referem que ocorre “Algumas vezes”; cinco
respondem que as ”Agressões entre alunos” sucedem também
“Algumas vezes”. Mas a maioria das respostas, tanto quanto a uma
situação como quanto a outra, situam-se nos níveis “Raramente”
e “Nunca”. Ainda mais raros são os casos de “agressão de alunos
a docentes e funcionários”, pois apenas uma escolas os indica e,
ainda assim, “Raramente”. Dois estabelecimentos identificam
outros tipos de situações: “os furtos” e o “Uso de linguagem
desadequada e uma constante agressividade oral“.
Relativamente à quarta questão, em que se pretendia aferir os
procedimentos mais importantes perante as situações de
Indisciplina em cada Escola/AE, são os “Procedimentos preventivos” que mais são considerados (12 das 13 escolas apontam para
ele o grau mais elevado), seguindo-se o procedimentos de
“Orientar as situações para as estruturas/responsáveis específicos de que a Escola/Agrupamento de Escolas dispõe para o efeito”
e o “Dar autonomia ao Diretor de Turma para tratar a maioria das
situações” (procedimentos considerados de nível “Muito importante” para 10 escolas). Seguidamente, com uma maioria acentuada de resposta de grau “Muito inportante” e “Importante” estão
também os procedimentos de “Chamar os elementos envolvidos e
negociar com eles as regras de conduta” e “Proceder de acordo
com a legislação existente”. O “Recorrer aos Pais e Encarregados
de Educação “ é, depois, o procedimento mais valorizado. Destaca-se ainda que 3 escolas consideram muito importantes e 10 consideram importantes os “Procedimentos corretivos e punitivos”.
Por outro lado, embora para a maioria dos estabelecimentos seja
“Muito importante” e “Importante” “Mudar as estratégias de ensino e dos conteúdos programáticos“, há 3 que o consideram
“Pouco Importante”. Por fim, em relação a “Utilizar um sistema de
créditos e/ou recompensas” as respostas dividem-se, com vantagem para os graus de “Pouco importante” e “Nada importante”.
É ainda de salientar que duas escolas referem outros tipos de
procedimentos utilizados: a “Tutoria” e o “Conversar com os alunos,
em particular, os professores e encarregados de educação”.
No ponto seguinte, perguntava-se se a Escola/Agrupamento
possui algumas estruturas/responsáveis específicos para
tratar situações de Indisciplina consideradas relevantes.
Nove delas afirmaram que “Sim”, enquanto quatro responderam
negativamente.
Procurando especificar a(s) forma(s) de atuação mais
comuns adotadas pelas estruturas e responsáveis específicos para tratar situações de Indisciplina consideradas relevantes, surgiram variadas respostas, as quais atestam os
diferentes projetos, programas e medidas que cada estabelecimento tem vindo a construir para responder às situações.
(continua na página 20)
19
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Índice do dossiê
DOSSIÊ: A INDISCIPLINA NA ESCOLA
17-52
ESTUDOS
Um questionário sobre a Indisciplina
nas escolas e agrupamentos de escolas associadas
Prevenir e intervir
considerações sobre a indisciplina na escola
A indisciplina na sala de aula
Violência escolar, indisciplina e gestão de sala de aula
19
Maria Teresa Estrela e Isabel Freire 21
Universidade de Lisboa
Manuela Gonçalves e Carla Gonçalves 29
Universidade de Aveiro
João A. Lopes 35
Universidade do Minho
Disciplina e indisciplina na sala de aulas;
uma responsabilidade de professores e alunos
José Vieira Lourenço 39
Escola Secundária com 3º Ciclo Secundária Quinta das Flores
Bullying e cyberbullying
– da compreensão à formação de professores
Teresa Pessoa, Armanda Matos e João Amado 42
Universidade de Coimbra
PROJETOS
Em volta da construção da disciplina
Júlia Teixeira e Rosário Pimentel 45
Agrupamento de Escolas de Miranda do Corvo
Programa PAES
João Ramos Pereira 46
Agrupamento de Escolas de Soure
Projeto Rémora
Anita Duarte e Mónica Marques 48
Agrupamento de Escolas de Soure
Mediação escolar na Escola Secundária Fernando Namora
– tópicos para uma reflexão
Rui Damasceno Rato 49
Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova
20
DOSSIE: A indisciplina na escola
No Agrupamento de Escolas Inês de Castro, o Gabinete de
Intervenção Disciplinar (GID) tem como finalidade ser um “centro de recursos que visa uma intervenção pedagógico-disciplinar
facilitadora da melhoria de comportamento dos alunos, dentro
e fora da sala de aula”. Compete à equipa do Gabinete o acompanhamento pedagógico-disciplinar dos alunos: quando lhes é
aplicada a medida disciplinar corretiva de ordem de saída do local
de atividades; quando, fora da sala de aula, infringirem as normas
de convivência social.
No Agrupamento de Escolas da Lousã funciona o PPS Projeto Pintar um Sorriso no Futuro - Gabinete de acolhimento, aconselhamento, orientação e tutoria. Há ainda uma
Equipa de disciplina, para intervenção em situações mais graves
e aconselhamento dos alunos, e uma equipa da Escola Segura (em
parceria), que promove sessões de esclarecimento com alunos e
intervém sempre que necessário.
No Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, foram criados, nos respetivos estabelecimentos do ensino (Escola Básica
2,3 e Secundária), dois gabinetes de mediação escolar, onde
são desenvolvidas por professores (prioritariamente, do departamento de Ciências Sociais e Humanas, por inerência de formação)
atividades de mediação entre os diferentes intervenientes das
situações que ocorrem. Nalguns casos, também é dado encaminhamento para aplicação de medidas corretivas disciplinares.
No Agrupamento de Escolas Silva Gaio, os alunos são
encaminhados para o gabinete de apoio ao aluno, onde se encontram docentes escolhidos segundo determinado perfil, nomeadamente Diretores de Turma, Tutores e outros que, em colaboração
com os Serviços de Psicologia, Direção Executiva e Diretores de
Turma, tomam medidas que vão desde o contacto/reuniões com
os Encarregados de Educação, até ações de carácter preventivo,
negociações de regras de conduta entre os alunos enviados para
o gabinete e Docentes/Funcionários e/ou outros alunos.
No Agrupamento de Escolas de Soure, as situações de indisciplina relevantes são tratadas de acordo com o previsto no
estatuto do aluno. Privilegia-se o processo disciplinar, por se
entender que o protocolo associado à sua elaboração é, por si,
intimidatório e também dissuasor. Para as situações mais graves
de indisciplina e que têm como consequência o insucesso escolar,
por sistemático incumprimento do dever de assiduidade de alunos
incluídos na escolaridade obrigatória, foi criado, em colaboração
com a CPCJ, o programa PAES - Programa Alternativo de
Educação e Socialização. Foi implementada também uma
resposta ao nível de mediação em meio escolar em que estão
envolvidos alunos, professores e assistentes operacionais,
procurando impedir situações de conflito em escalada.
No Agrupamento de Escolas de Taveiro, é privilegiado o
envolvimento familiar.
A Escola Secundária Quinta das Flores promove com os
alunos envolvidos a realização de atividades de reflexão sobre o
seu comportamento e atividades programáticas.
Por fim, no questionário cujos resultados aqui estamos a
apresentar, e pensando nos textos solicitados aos especialistas
convidados, pedia-se aos inquiridos que indicassem alguns tópicos que, no âmbito desta problemática, gostassem de ver refletidos.
Assim, foram apresentados tópicos mais gerais, na perspetiva da escola ou da sala de aula:
• A Indisciplina Escolar - Problema Social?
• Estratégias para prevenir a indisciplina na Escola;
• Estratégias preventivas de indisciplina em sala de aula;
• Comportamentos desajustados em sala de aula;
• Indisciplina escolar em contexto de sala de aula;
• Dificuldade no cumprimento de regras;
• Bullying;
tópicos focados nas estratégias de mediação escolar e gestão de
conflitos:
• Mediação em contexto escolar
• Mediação de conflitos em contexto escolar;
• A mediação na promoção da disciplina;
• Gestão de conflitos;
• Gestão de conflitos - estratégias de atuação em situação de
conflito - professores e auxiliares;
tópicos que sublinhavam a relação com a família e outras entidades externas:
• Como formar cidadãos ativos e responsáveis: a responsabilização dos Pais/Encarregados de Educação e Entidades
externas à Escola no percurso escolar dos alunos;
• A Família enquanto génese da Indisciplina;
• Estratégias para o reforço da ligação Escola-Família, na
prevenção primária de indisciplina na Escola;
• As relações escola/família na promoção da disciplina;
• Como envolver os pais como “parceiros”;
• Envolvimento/atuação/cooperação de Entidades externas à
Escola: CPCJ, Tribunal de Família e Menores/Segurança
Social/Escola Segura/ Entidades de acolhimento de menores…
• Escolaridade Obrigatória/Código do Trabalho.
(*) O questionário teve a colaboração de Sandra Martins, no âmbito do
seu estágio curricular em Psicopedagogia e Formação de Professores, do
curso de Mestrado em Ciências da Educação, que desenvolveu, no ano letivo de
2011-2012, no Nova Ágora - CFAE
21
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Prevenir e intervir - considerações sobre a indisciplina na escola
» Maria Teresa Estrela (*) e Isabel Freire (**)
1.
Alguns estudos sobre a indisciplina
nos finais do século XX
Embora com algum atraso em relação à
investigação internacional, desde os anos oitenta
que em Portugal se têm sucedido os estudos
sobre a indisciplina na aula e/ou na escola.
Esses estudos puseram em relevo a causalidade
múltipla do fenómeno, as suas principais manifestações e efeitos, constatados ou previsíveis,
na aprendizagem dos alunos e no seu desenvolvimento sociomoral. Na maioria desses estudos, assumiam-se as definições de indisciplina
dadas pelos professores como a perturbação do
normal funcionamento da aula e da vida escolar
ou infracção às regras estabelecidas. Essa
definição global abrange, portanto, todo o tipo de
comportamentos disruptivos, sejam eles agressivos ou não agressivos. A causalidade evidenciada confirmou, em grande parte, aquela que era
apontada na literatura internacional. Por exemplo, causas de caráter social, como a crise de
autoridade na sociedade em geral; crise da
família e modelos inadequados de práticas
parentais, por excesso de autoritarismo ou de
permissividade; desequilíbrios sociais e situação
de desfavorecimento económico e cultural de
muitas famílias, conduzindo a níveis baixos de
aspirações em relação à escolaridade dos filhos;
dificuldades de uma boa inserção escolar dos
alunos, quando existe falta de continuidade entre
os valores, a linguagem e a cultura da escola e
das famílias. No entanto, não se deve entender
esta causalidade como um determinismo absoluto, pois vários estudos sobre o clima das escolas
mostram que os fatores de desfavorecimento
sociocultural podem ser ultrapassados em
escolas onde existe um ambiente de partilha de
atitudes, valores e práticas integradoras; outros
estudos sobre a influência dos fatores familiares
no sucesso académico consideram que as
atitudes e expectativas dos pais em relação à
escola são mais importantes do que o nível
socioeconómico da família. Também Veiga (2007)
encontrou uma relação entre a perceção que os
alunos têm do apoio parental e a perceção da
violência do seu próprio comportamento, independentemente do nível económico das famílias.
Outros fatores são de caráter psicológico (por
exemplo, o autoconceito, a hiperatividade e
deficite de atenção), ou psicofisiológico, como a
asma ou a epilepsia, que provocam ansiedade e
insegurança no aluno e esquemas de super proteção da parte dos pais.
Estratégias de prevenção
Por caírem no âmbito direto da ação do professor e das suas possibilidades de controlo,
damos relevo especial aos fatores de caráter
pedagógico: o clima relacional, os métodos de
ensino motivadores, a utilização de estímulos
variados, a avaliação justa e a organização da
sala de aula.
O conjunto dos estudos internacionais e
nacionais, dessa época até aos primeiros anos
deste século, dá abundantes elementos aos professores e às direções das escolas e agrupamentos que queiram apostar numa ação preventiva da
indisciplina (e.g. Kounin, 1977; Curwin e Mendler,
1980, Burns, 1985; Estrela, 1986, 2002; Amado,
2001; Freire, 2001;Caldeira,2000; Espírito Santo,
2001, Santos, 1999; Peres, 1998; Rosado e
Januário, 1999 e muitos outros). Com efeito, as
relações constatadas pela investigação entre a
indisciplina/disciplina e algumas variáveis do
comportamento docente podem levar os professores a refletirem sobre a sua ação, mas também
a questionarem essas relações em função da sua
As relações entre
(in)disciplina
e algumas competências
e práticas dos professores,
constatadas
pela investigação,
podem ser muito profícuas
na reflexão dos professores
sobre a sua ação
e no questionamento
dessas relações
em função da sua experiência
.
22
Prevenir e intervir - considerações sobre a indisciplina na escola
Em geral,
as estratégias utilizadas
incidem,
quer na formação
de professores
e consistem, por exemplo,
no treino de competências
de gestão da sala de aula,
de competências
de comunicação do professor,
quer na intervenção
junto dos alunos,
como a promoção
do auto conceito
e do locus
de controlo interno
experiência. São exemplos dessas variáveis: o
estabelecimento de regras claras e funcionais e a
consistência na sua aplicação (por exemplo, não
fazendo depender a intervenção disciplinar da
disposição do momento ou da simpatia ou antipatia pelo aluno); o exercício equilibrado da autoridade, isto é, nem autoritário nem permissivo; o
comportamento do professor nos primeiros dias
de aula em que os alunos “testam” os seus professores para verem até onde podem ir; a distribuição equitativa da comunicação e a criação
de ambientes participativos na aula; a atenção
simultânea a situações diferentes; o dar testemunho à turma de que o professor está atento
aos comportamentos dos alunos; a intervenção
atempada face ao comportamento de indisciplina;
a atenção aos momentos de transição e à distribuição de tarefas, evitando que haja alunos
desocupados; a tomada de consciência dos fins e
funções que os comportamentos desviantes
desempenham relativamente ao processo
pedagógico em curso (por exemplo, proposição,
evitamento da tarefa, obstrução, imposição…).
Poderão também citar-se comportamentos nitidamente desfavoráveis ao clima disciplinar, como
comunicar expectativas negativas ao aluno que
poderão produzir o efeito de profecia; fazer
ameaças irresponsáveis que dificilmente poderá
cumprir; admoestar um aluno sem ter a certeza
que foi ele o autor do comportamento censurável,
criticar a pessoa do aluno e não o comportamento por ele exibido naquele momento.
A partir dos anos noventa, destacam-se os
estudos focados no bullying. O termo bullying
reporta-se a situações de intimidação, premeditadas e repetidas, entre pessoas com diferentes
posições de poder numa determinada relação
social.
Em Portugal, os primeiros estudos focados na
problemática do bullying datam da década de
noventa do século passado e foram realizados por
uma equipa de investigadoras da Universidade do
Minho, que fizeram uma primeira caracterização
do fenómeno nas escolas portuguesas do ensino
básico. Dos resultados destes primeiros estudos e
de outros que se seguiram, e que estão em consonância com os estudos internacionais, destaca-se a maior incidência do bullying nos anos de
transição de nível de escolaridade (que significa,
muitas vezes, mudança de escola, designadamente
na passagem do 1º para o 2º ciclo). As experiências de diminuição do bullying nas escolas têm
incidido, sobretudo, na intervenção nos recreios.
Estratégias de intervenção
A nível da resolução dos problemas de indisciplina apontaram-se várias estratégias, algumas delas inspiradas no modelo de resolução de
problemas de Thomas Gordon, que exige o
domínio de técnicas como: escuta ativa (sem
juízos de valor), resolução de problemas (com
a participação dos alunos, definir o problema,
imaginar soluções e avaliá-las, decidir pela
melhor, determinar como implementar a
decisão, verificar como a decisão resolveu o
problema), confronto (que deve expressar
como o comportamento do aluno interfere
com os direitos dos outros), resolução de
conflitos (sem vencedores nem vencidos, se
todos se envolvem na procura de soluções
aceitáveis para as partes), mensagens eu em
vez de mensagens tu (o professor transmite
os seus sentimentos pessoais face ao comportamento disruptivo; exº, “sinto-me perturbado com o barulho porque ele impede-me
de me concentrar”). Em geral, as estratégias
utilizadas incidem, quer na formação de professores e consistem, por exemplo, no treino
de competências de gestão da sala de aula,
de competências de comunicação do professor, quer na intervenção junto dos alunos,
como a promoção do auto conceito e do locus
de controlo interno (Santos,1999; Veiga,2007;
Caldeira, 2000; Espírito Santo, 2002).
Quando se envereda por estratégias de
punição, dificilmente dispensáveis nalgumas
situações, é preciso que o professor tenha
consciência de que elas devem ocorrer no
momento certo, serem proporcionais ao ato
cometido e, se possível, acompanhadas de
outras ações que levem a perceber as razões
profundas do comportamento e a imaginar
soluções que envolvam o aluno (e, em alguns
casos, a família) na procura de novas atitudes
em relação às normas da escola e à própria vida
escolar. O contrato assinado ou formalizado
entre o professor, o aluno e a família pode ser
um meio educativo a utilizar, designadamente
nas situações mais graves ou que sistematicamente se repetem.
23
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Não há receitas para lidar com a indisciplina,
cada caso é um caso, cuja resolução implica
uma atitude de pesquisa do professor ou da
equipa de professores sobre o melhor meio de
a contornar. Em casos muito graves, podem
implicar-se outros intervenientes no processo
educativo, como o psicólogo escolar, o assistente
social ou outros parceiros educativos. Algumas
escolas têm constituído, com sucesso, equipas
de resolução de problemas, onde muitas vezes
estão representados os pais. A investigação
revela que as escolas que previnem e lidam
melhor com a indisciplina são aquelas em que os
professores estão convictos de que têm o papel
principal, mesmo que reconheçam a importância
de causas ligadas a fatores externos à escola e a
necessidade de recorrer a outros intervenientes.
O envolvimento dos pais na vida escolar é cada
vez mais defendido.
Relação com as famílias
Havendo consciência de que os fatores
familiares podem estar na origem de comportamentos de inadaptação à escola e do insucesso
nela, há toda uma série de trabalhos que comprovam a eficácia do estreitamento das relações
entre a escola e a família
A adaptação do aluno à escola é favorecida
quando existe uma convergência da ação educativa entre a escola e a família, pois a pessoa do
aluno é una e indivisível. Por isso, é importante
que a escola, no início de cada ano, sobretudo
nos primeiros anos de escolaridade e nas
mudanças de ciclo, esclareça bem os pais sobre
as regras existentes. A compreensão dessas
regras e o pedido de cooperação no seu reforço,
em casa, a explicitação dos modos como os pais,
mesmo os iletrados, podem acompanhar a escolaridade dos filhos, são importantes para essa
convergência de ação. Importa igualmente o
esclarecimento sobre o tipo de autoridade que os
professores exercem na escola. Essa autoridade,
que não se confunde com autoritarismo, diverge
muitas vezes daquela que é exercida nas famílias,
em que a autoridade reside unicamente no pai e
a coerção é o meio corrente de conseguir a
obediência da criança ou do jovem. Corre-se
então o risco de os professores serem percecionados como fracos, sobretudo quando são
mulheres. A reflexão conjunta de pais e professores sobre a autoridade e os meios de fomentar
a autonomia e responsabilidade poderá ser um
meio de se evitarem alguns equívocos pedagógicos. Algumas famílias pertencentes a grupos culturalmente minoritários podem carecer de maior
suporte da escola, no sentido de uma formação
dos pais para interagirem positivamente com a
escola, pois a participação das famílias na vida
escolar não pode restringir-se àqueles que beneficiaram dessa cultura escolar. Como vários
autores salientam, é necessário que a escola confie nas potencialidades educativas das famílias
para que o diálogo possa ser frutuoso. É à escola
no seu todo que compete organizar as equipas
que possam encarregar-se dessa tarefa. Também
a formação dos professores para lidarem com a
diversidade cultural é uma questão crucial numa
sociedade cada vez mais diversa, lábil e dinâmica.
2- Abordagens recentes
2.1 Imagem social da indisciplina nas
escolas
Decorridos que foram esses anos, é legítimo
colocarmos a questão: o que há de novo neste
último decénio, na indisciplina escolar?
A julgar pelas notícias veiculadas pela comunicação social, agravou-se exponencialmente a
indisciplina e a violência cometida nos espaços
escolares, muitas vezes por elementos estranhos
à escola, aumentou o desrespeito dos alunos em
relação aos professores.
Se a sociedade portuguesa se tornou mais
violenta, inclusivamente na própria família, se
aumentaram os desequilíbrios sociais e
económicos, se não se conseguiram debelar os
comportamentos aditivos, se prevalecem valores
de consumismo, de sucesso fácil, de competitividade sem regras, é natural que a escola reflita
um pouco o que se passa na sociedade que lhe
fornece modelos de vida. Por isso, não será de
estranhar que na escola tenham aumentado as
A investigação
revela que
as escolas que
previnem
e lidam melhor
com a indisciplina
são aquelas em que
os professores
estão convictos
de que têm
o papel principal,
mesmo que reconheçam
a importância
de causas ligadas
a fatores externos
à escola
e a necessidad
de recorrer
a outros intervenientes.
O envolvimento dos pais
na vida escolar
é cada vez mais defendido.
24
Prevenir e intervir - considerações sobre a indisciplina na escola
agressões entre os alunos, que
começam a verificar-se também
dentro das salas de aula e em
relação ao professor, muitas vezes
cometidas por familiares dos alunos
ou elementos estranhos à escola.
Este fenómeno acompanha a deterioração da
imagem social do professor e a sua perda de
autoridade na escola. Para essa perda contribuiu
também um estatuto do aluno desresponsabilizador e uma burocracia judicialista que tinha
como efeito perverso dissuadir os professores
de fazerem participações disciplinares.
No entanto, a visibilidade social da indisciplina
e violência escolares parece-nos corresponder a
uma generalização de fenómenos que não
podem ser generalizados.
2.2. Imagens que nos vêm da Associação
de Escolas Nova Ágora
Se realmente
em muitas escolas se vivem
ambientes dramáticos,
que perturbam a vida
de professores e de alunos
e inquietam os pais,
muitas há, por esse país fora,
onde a indisciplina
não tem grande expressão
e é controlada
pela própria escola.
O questionário passado
pelo Centro de Formação
e Associação de Escolas
Nova Ágora,
a que responderam treze
escolas/agrupamentos,
é disso testemunho.
Se realmente em muitas escolas se vivem
ambientes dramáticos, que perturbam a vida de
professores e de alunos e inquietam os pais,
muitas há, por esse país fora, onde a indisciplina
(fenómeno que, note-se, sempre existiu desde
que há escola) não tem grande expressão e é
controlada pela própria escola. O questionário
passado pelo Centro de Formação e Associação
de Escolas Nova Ágora, a que responderam treze
escolas/agrupamentos, é disso testemunho. Só
duas escolas/agrupamentos consideram haver
muitos casos de indisciplina e apenas consideram
ter havido entre 20 a 30 situações relevantes
de indisciplina. no ano lectivo em questão,
enquanto em sete se considera haver menos de
10. Sobre o tipo de indisciplina, só uma
escola/agrupamento menciona ter ocorrido
raramente “agressão de alunos a docentes ou
funcionários”; o bullying no recreio é verificado algumas vezes, em duas escolas, e nunca,
em sete; as agressões entre alunos ocorreram
algumas vezes, apenas em cinco escolas, e
raramente ou nunca, em sete; já a perturbação
das aulas é referida como ocorrendo muitas
vezes, em quatro escolas/agrupamentos e
algumas vezes, em oito. No item de resposta
aberta – outros procedimentos ou observações –,
um agrupamento refere furtos e uma escola, o
uso de linguagem desadequada e uma constante
agressividade oral. Estes dados vão ao encontro
da afirmação encontrada em muitos trabalhos de
investigação sobre a relação inversa entre frequência e gravidade dos desvios que perturbam
sobretudo as dinâmicas escolares e desgastam
os professores.
Apesar destes resultados, de certo modo
tranquilizadores, parece-nos haver matéria de
reflexão a fazer pelos professores e órgãos de
gestão destas Escolas e Agrupamentos:
A que podem atribuir-se as diferenças entre
escolas/agrupamentos verificadas nas respostas ao questionário atrás referido? Por um
entendimento diferente do que é a indisciplina e
indisciplina relevante? Por alguns traços de personalidade dos alunos, configurando o que, em
linguagem corrente, se diz “alunos-caso”? Pelas
características socioeconómicas e culturais
das famílias dos alunos? Pela inserção de algumas escolas em bairros com populações mais
vulneráveis? Pelo tipo de liderança e clima das
escolas? Pelo grau de cooperação e coesão
dos professores? Pela coerência do projeto
educativo e dos seus valores? Pela formação e
experiência dos professores? Pelas estratégias
de prevenção utilizadas? Pela boa ou deficiente
comunicação com as famílias?
Seria desejável que se procedesse a essa
reflexão que reconhecemos poder ser difícil de
concretizar. Com efeito, sabemos como o controlo disciplinar se liga à imagem de autoridade do
professor e, por isso, nem todos os professores
se sentem à vontade para exporem os seus
problemas aos colegas. Mas sabemos também
que as estratégias de ocultação só ajudam a
agudizar os problemas, tornando os professores
que as adoptam cada vez mais vulneráveis. Se as
escolas do agrupamento conseguirem criar um
clima de confiança e de diálogo, onde estes problemas possam ser debatidos e se compreenda que
os problemas de um professor são problemas de
todos, sentindo os docentes que não estão sós, na
medida em que os seus problemas são problemas
da escola e da sua imagem, é provável que muitos
se resolvam ou atenuem.
25
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Como muita literatura salienta, os professores fazem a diferença, sobretudo no modo
como previnem as situações e não tanto no
modo como reagem a elas. Com efeito, as
estratégias utilizadas, de uma limitada variação,
tendem a ser idênticas em muitos professores,
o que não significa que todos as utilizem a todas,
nem com a mesma eficácia. O questionário atrás
citado, da Associação Nova Ágora, documenta a
importância atribuída pelos respondentes às
estratégias preventivas, mas surpreende que,
com exceção da renegociação de regras com os
alunos envolvidos no ato de indisciplina, as
estratégias a que dão maior importância passem
por estratégias punitivas com apelo à intervenção
doutros elementos, desvalorizando a capacidade
do professor resolver o problema pelos seus
próprios meios. Pensamos que é a influência da
legislação existente a ditar as respostas dadas,
ou que se tenham considerado, ao responder, os
casos extremamente graves. Só uma escola,
respondendo ao item “outros procedimentos”,
considerou falar com o aluno em privado, procurando convencê-lo a mudar de conduta.
Consideramos que é um ponto importante para os
professores refletirem.
Depois de nos referirmos à imagem social da
indisciplina, vejamos agora o que poderemos retirar da investigação científica que possa ajudar os
professores.
2.3. Investigações mais recentes sobre a
indisciplina
Na falta de estudos longitudinais que permitam comparações rigorosas, baseamo-nos apenas na consulta, que não foi de modo algum
exaustiva, dos resultados de algumas investigações mais recentes, mormente daquelas que
dizem respeito a realidades portuguesas.
Quanto às manifestações de indisciplina, o
bullying e o ciberbullying, que extravasa o espaço
escolar, ocupam um lugar de destaque na produção científica nacional mais recente.
Embora muitos estudos internacionais e
alguns nacionais destaquem a predominância
deste fenómeno no género masculino (e.g. Seixas,
2009, faz uma revisão desses estudos), outros
têm vindo a sublinhar uma tendência para idêntica prevalência do fenómeno no género feminino,
destacando-se as diferenças no tipo de bullying,
que é mais direto (com uso de agressão física)
entre os rapazes, e mais indireto (exclusão social,
disseminação de rumores, por exemplo) entre as
raparigas (e.g. Freire, Simão e Ferreira, 2006).
Os resultados da investigação atestam também
que, ao longo do desenvolvimento da criança e do
adolescente, se vai observando nos dois géneros
uma passagem de comportamentos mais agressivos e diretos para comportamentos de agressão
mais indireta. Observa-se ainda, uma evidente
diminuição da prevalência do bullying, embora os
casos que subsistem se tornem mais gravosos à
medida que se sobe no nível etário (os agressores
tornam-se mais poderosos e subtis e as vítimas
mais vulneráveis, cada vez mais marcadas pela
situação de impotência face aos agressores).
A vivência de situações de violência ocasional
ou sistemática nas escolas está intimamente
associada à dimensão emocional. Embora alguns
estudos tenham sublinhado a ausência de correlação
entre a competência emocional e as diferentes formas de agressão, existem evidências científicas
de que a indiferença (que constitui o oposto da
empatia) é um dos sentimentos mais associados à
experiência de agressão (Martins, 2009). Segundo
a mesma autora, vários estudos sublinham a
existência de uma correlação negativa entre a
competência de regulação e gestão das emoções
e a vitimação de carácter relacional (tipo indireto). O comportamento pró-social está intimamente associado à empatia e a vulnerabilidade
relacional e social à falta de poder pessoal e de
resiliência e, muitas vezes à incapacidade para
criar relações sociais sólidas e mesmo de fazer
amigos. Estes dados apontam para a necessidade
de os educadores, em geral, e os professores, em
particular, apostarem na formação das crianças
e dos jovens no campo emocional, criando
condições para o desenvolvimento da literacia
emocional, ou seja, da capacidade de conhecer,
expressar e regular as suas emoções, bem como
a capacidade de ler as dos outros e de expressar
sentimentos de empatia e cuidado para com o
outro. Este é um campo muito relevante de prevenção da agressão e da vitimação nas escolas,
que deverá ser extensivo a todos.
Vários estudos
apontam para a necessidade
de os educadores,
em geral,
e os professores,
em particular,
apostarem na formação
das crianças e dos jovens
no campo emocional,
criando condições
para o desenvolvimento
da literacia emocional,
ou seja,
da capacidade de conhecer,
expressar e regular
as suas emoções,
bem como a capacidade
de ler as dos outros
e de expressar sentimentos
de empatia e cuidado
para com o outro.
26
Prevenir e intervir - considerações sobre a indisciplina na escola
Muitas vezes,
quando se aborda
a problemática da violência
e do bullying,
circunscreve-se àqueles
que são
diretamente envolvidos,
mas existe uma terceira parte,
que são os observadores,
que nalguns contextos
são sujeitos
a uma contínua observação de
situações de intimidação
e de sofrimento
por parte dos seus colegas
e que, ao sentirem-se
impotentes para agir,
adotam uma atitude
de distanciamento.
Relativamente
aos estudos sobre
a violência nas escolas,
tem merecido atenção
a comparação entre
situações de agressão
em tempo escolar
e nos “tempos livres”.
Muitas vezes, quando se aborda a problemática da violência e do bullying, circunscreve-se
àqueles que são diretamente envolvidos, mas
existe uma terceira parte, que são os observadores, que nalguns contextos são sujeitos a
uma contínua observação de situações de intimidação e de sofrimento por parte dos seus colegas e que, ao sentirem-se impotentes para agir,
adotam uma atitude de distanciamento. Daí ser
tão importante a ação da escola e dos educadores. A inação e a negligência terão como
consequência que os agressores sistemáticos
serão adultos que aprenderam a gerir as suas
vidas com base no exercício da prepotência
sobre os outros, as vítimas sistemáticas virão e
ser adultos com grandes fragilidades emocionais, com falta de resiliência e de confiança
em si, e muitos dos observadores frequentes
dessas situações (nalgumas escolas pode ser
algo muito real se nada se fizer em contrário)
serão cidadãos passivos e que não cuidam do seu
semelhante. Portanto, justifica-se plenamente o
investimento que algumas escolas têm feito na
educação para os valores e para a cidadania.
Com esta preocupação social têm-se conduzido alguns estudos que integram processos
de intervenção nas escolas, no sentido de se
melhorar o seu ambiente relacional e social e
assim contribuir para a prevenção e o combate
ao bullying e outras formas de agressão (e.g.
Pereira, 2002; Freire, Caetano, Veiga Simão,
Cardoso e Gouveia, 2009; Martins, 2009; Matos
et al, 2009). Depois de um diagnóstico criterioso
do problema nos contextos escolares onde se
realizaram (usando questionários adequados à
população em causa, análise de desenhos das
crianças sobre a escola, entrevistas de focus
group, notas de campo, por exemplo) foram
desenvolvidas ações com vista à criação de um
ambiente mais securizante e potenciador de
relacionamentos interpessoais mais positivos. A
intervenção nos recreios foi um dos aspectos
privilegiados, valorizando-os como espaços
educativos e lúdicos, através da oferta de atividades estruturadas, de recursos educativos e
lúdicos e também de supervisão mais adequada
por parte dos adultos, sem pôr em causa a liberdade da criança de imaginar outras brincadeiras.
No caso do estudo de Martins (2009), realizado
em escolas na zona de Lisboa e no Alentejo, foi
observado um significativo impacto das intervenções realizadas (formação de professores,
divulgação dos resultados do diagnóstico, sensibilização dos órgãos diretivos) na redução da
agressão e da vitimação (mais significativa na
primeira), comparando dados de 00/01 e 07/08.
Também Matos et al (2009) observaram uma
redução das agressões nas escolas onde implementaram um programa da Organização Mundial
de Saúde para a prevenção e combate ao bullying
e outras formas de violência, comparando os
anos de 2002 e 2006.
Relativamente aos estudos sobre a violência
nas escolas, tem merecido atenção a comparação
entre situações de agressão em tempo escolar e
nos “tempos livres”. Como sabemos, atualmente
as nossas crianças passam uma grande parte do
dia na escola. No 1º ciclo, durante uma parte do
dia, estão com o seu professor de turma e outra
parte, em atividades “pós-curriculares”, por
força das ocupações laborais dos pais e da organização da sociedade atual e também em consequência da regulamentação das Atividades de
Enriquecimento Curricular (AEC), desde 2005.
Estudos realizados em escolas e em espaços de
ocupação de “tempos livres”, em Portugal e em
Espanha, revelam existir uma maior incidência de
formas de agressão mais graves (situações que
envolvem coação e violência) nos espaços de
“tempos livres” que nas escolas, embora nestas
a frequência de comportamentos de agressão
seja claramente mais elevada (Martins, 2009;
Diaz-Aguado e colaboradoras, 2004). Também as
situações de indisciplina são um problema muito
saliente nas Atividades de Enriquecimento
Curricular (e.g. Santos, 2009). A falta de preparação
pedagógica dos professores responsáveis por
estas atividades (recentemente designados por
técnicos), a precariedade da sua situação laboral, os baixos vencimentos, a desvalorização do
seu estatuto e do estatuto das AEC, a sistemática
falta de recursos didáticos, a falta de articulação
do seu trabalho com o dos professores titulares
de turma (na maior parte das vezes), a falta de
apoio e a desorganização da coordenação destas
atividades (que na maior parte dos casos está
entregue a empresas privadas) são alguns
dos fatores que concorrem para esta situação.
27
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
A estes fatores acresce o cansaço das crianças,
especialmente das mais pequeninas, dos 1º e 2º
anos. É um assunto muito sério e preocupante
do sistema educativo atual, este de ocupar as
crianças do 1º ciclo do básico em ambientes formais de aprendizagem durante todo o dia (algumas ainda depois das 17h30mn, vão para outras
estruturas comunitárias, associações por exemplo, por vezes até às 20 horas, onde lhes volta a
ser solicitado que estejam sentadas a realizar
atividades durante parte do tempo). Há que fazer
uma reflexão profunda sobre este aspeto do sistema educativo, e da complementar oferta da
educação não formal, não só a nível
macrossistémico, como em cada agrupamento e
comunidade. Refletir e agir de forma consequente. Que crianças estamos a educar, se não
lhes damos espaço para brincar e serem livres?
Que valor estamos a dar à Educação e Expressão
Artísticas (expressão plástica, musical, por
exemplo) ou à Educação Física e Desportiva, se
as remetemos para um espaço e um tempo
desprestigiado, com professores que mesmo
formados para o ser, não são reconhecidos como
tal, nem lhes é dada autonomia nem estatuto
para exercerem a sua atividade profissional?
Outra linha de investigação recente é a dos
estudos sobre o cyberbullying, que, a nível internacional, começou a desenvolver-se por volta de
2002 e, em Portugal, sensivelmente em 2005.
O cyberbullying apresenta algumas características distintas do bullying, designadamente,
ultrapassa o horizonte do espaço e do tempo,
tornando-os fluidos e híbridos, e assenta em
fontes de poder que alargam o poder pessoal e
se baseiam no manuseamento das novas tecnologias. O cyberbullying é, não raras vezes, um prolongamento do bullying, que torna o fenómeno
muito mais inquietante porque, como dissemos, é
um processo de intimidação que não tem lugares
nem tempos definidos, ele está presente em toda
a parte. Um dos aspectos que tem vindo a ser
realçado pelos estudos destes fenómenos é o
seu impacto na vida emocional daqueles que os
vivenciam.
1
Num estudo recente que realizámos com
alunos dos 6º, 8º e 11º anos, em escolas das
zonas de Lisboa e de Coimbra, que responderam
a um questionário sobre o tema, observou-se que
aqueles creem que os pais e os professores são
quem mais pode ajudar a evitar o cyberbullying e
a apoiar as vítimas (para além dos colegas e das
forças policiais), sendo manifesto que esperam
mais dos professores do que de outros agentes,
como, por exemplo, dos psicólogos. Para ajudar a
evitar o cyberbullying, os jovens participantes
neste estudo (N=334) reconhecem nos professores os papéis de mediador, de facilitador do
diálogo e de suporte emocional, sem deixarem
de realçar o importante papel que os professores podem desempenhar na monitorização e
gestão de ferramentas tecnológicas e na sensibilização para os riscos do uso da internet e do
próprio cyberbullying. Para além do diálogo e da
capacidade de mediação entre as partes
envolvidas, o apoio emocional parece ser muito
importante para grande parte destes jovens que
esperam e desejam que os professores saibam
apoiar, proteger, acalmar, dar segurança, dar
poder, indagar. Definem também um conjunto de
atitudes que esperam dos seus professores,
como: abertura, atenção aos comportamentos e
sentimentos dos alunos (particularmente aos
que se isolam), promoção de relações interpessoais positivas e de um clima de respeito entre
alunos e entre alunos e professores. Nalguns
projetos, os professores têm beneficiado de formação em literacia emocional, que, segundo eles,
ajuda ao seu autoconhecimento e ao conhecimento dos alunos, do ponto de vista emocional,
aumentando a capacidade de regulação das suas
próprias emoções e da gestão afetiva das turmas
(Estrela, 2010; Freire, Bahia, Estrela, Amaral,
2012; Franco, 2007).
1
Integrado no Projeto “Cyberbullying - um diagnóstico da situação em Portugal”, financiado pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia no âmbito do Programa Operacional Temático Fatores de Competitividade (COMPETE) e comparticipado pelo Fundo
Comunitário Europeu FEDER, referência: PTDC/CPE-CED/108563/2008.
O cyberbullying
apresenta
algumas características
distintas do bullying,
designadamente,
ultrapassa o horizonte
do espaço e do tempo,
tornando-os
fluidos e híbridos,
e assenta em
fontes de poder que
alargam o poder pessoal
e se baseiam
no manuseamento
das novas tecnologias.
28
DOSSIE: A indisciplina na escola
A multiplicidade das causas
dos comportamentos
de indisciplina na escola,
a sua interrelação
e a multiplicidade dos locais
onde se manifestam
implicam
uma visão holística
da prevenção e intervenção
da escola,
neutralizando ou atenuando
os seus possíveis efeitos.
Conclusão
Ao longo do texto pusemos em evidência
elementos que poderão ajudar as escolas e os
professores a equacionar os problemas disciplinares que são simultaneamente uma das causas
e efeitos do clima de bem-estar escolar.
A multiplicidade das causas dos comportamentos
de indisciplina na escola, a sua interrelação e a
multiplicidade dos locais onde se manifestam
implicam uma visão holística da prevenção e
intervenção da escola, neutralizando ou atenuando os seus possíveis efeitos. Intervenção que tem
de ser feita ao nível das representações dos
alunos, que evoluem ao longo da escolaridade e
tendem a convergir com as dos professores. Mas
também ao nível das representações e crenças
dos professores e dos pais, como condição de
mudança dos comportamentos. No que aos professores diz respeito, é conveniente que a sua
formação tenha maior incidência do que até aqui
nas dimensões relacionais, éticas e emocionais
como condição necessária, ainda que não suficiente, da promoção do desenvolvimento pessoal
do aluno. Mas também em competências que
estão a montante, como saber observar, refletir
sobre a realidade, pesquisar soluções alternativas, implementá-las e avaliá-las.
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(*) - Doutorada em Ciências da Educação (Doctorat d’Etat e
Doctorat de 3ème cycle pela Universidade de Caen) e
Professora catedrática jubilada da ex Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de
Lisboa. Autora de numerosas publicações, nacionais e internacionais, nomeadamente sobre a indisciplina, formação de
professores, dimensões éticas e emocionais da profissão
docente e epistemologia das Ciências da Educação
(**) - Doutorada em Ciências da Educação pela
Universidade de Lisboa e Professora associada do Instituto
de Educação da mesma Universidade. As suas publicações,
nacionais e internacionais, incidem especialmente nos
temas da indisciplina e cyberbullying, mediação escolar e
formação emocional de professores
29
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
A indisciplina na sala de aula
» Manuela Gonçalves (*) & Carla Gonçalves (**)
Introdução
A problemática da indisciplina na escola integrase numa discussão que tem vindo a ser alimentada,
há alguns anos, pelos meios de comunicação
social, em particular pelas diversas estações de
televisão, e que tem conduzido à generalização
da ideia de que as escolas têm vindo a ser palco
de uma conflitualidade crescente. Com efeito, a
sucessão de reportagens sobre problemas (discussões, confrontos físicos e outros) ocorridos
em determinadas escolas, entre alunos ou entre
estes (ou os seus encarregados de educação)
e os professores, tem contribuído para que as
representações sociais da escola portuguesa da
atualidade sejam largamente dominadas por imagens de desordem, indisciplina e violência, por
oposição às imagens de suposta ordem e paz da
escola de antigamente. Tal não significa, evidentemente, que os problemas da indisciplina não
merecem preocupação e análise. Contudo, neste
artigo, mais do que “medir” a indisciplina em
contexto escolar, procuraremos problematizá-la
enquanto fenómeno socioeducativo (Barroso,
2001), indissociável da análise da escola de massas que temos hoje em dia, e da sociedade de
classes em que vivemos. Propomo-nos, ainda,
equacionar a indisciplina no contexto específico
da sala de aula, através do olhar dos alunos, frequentemente desvalorizado, de uma escola de 3º
1
ciclo e secundária .
1. A indisciplina escolar no contexto da
escola de massas
Impõe-se, desde logo, uma clarificação
sobre o conceito de indisciplina escolar,
carregado de ambiguidade. De acordo com
Amado e Freire (2002), a indisciplina refere-se
ao conjunto de atos que violam as regras que,
explícita ou implicitamente, regulam o funcionamento da escola e/ou da sala de aula, prejudicando as condições de aprendizagem, o ambiente
de ensino ou o relacionamento entre os diversos
1
protagonistas da cena escolar. Os mesmos
autores consideram que os tipos de comportamento enquadráveis no fenómeno da indisciplina
podem ir desde o colocar em causa as “regras
de produção” da escola (regras e valores da cultura de escola), até aos conflitos entre o aluno e
o professor (colocando em causa o seu estatuto
e autoridade), passando pelos conflitos interpares. Neste sentido, a indisciplina constitui,
obviamente, o oposto de disciplina enquanto
“regra de conduta para fazer reinar a ordem
numa coletividade; obediência a essa regra”
(Estrela, 2002: 17). Assim sendo, é importante
realçar que, independentemente do contexto
concreto em que ocorra, a indisciplina implica a
existência de incongruência, em maior ou menor
grau, entre os critérios e expectativas assumidos pela escola e os comportamentos dos estudantes.
Ora, quando o consenso, quanto às finalidades, métodos e regras da educação escolar,
entre escola e estudantes (e suas famílias)
era evidente - na época da escola de elites,
que vigorou em Portugal até ao 25 de Abril de
1974 -, aquela incongruência era muito menor
do que hoje em dia. Com a passagem para
democracia, a escola sofreu uma transformação
assinalável, particularmente no que se refere ao
seu público, que não apenas aumentou como se
diversificou socioculturalmente. A escola da
atualidade é uma escola de massas ou, para utilizar uma expressão já antiga nos estudos sobre
a educação em Portugal, mas ainda com grande
atualidade, uma escola massificada (Lemos
Pires, 1988). Quer isto dizer, portanto, que não
obstante a quantidade e diversidade de alunos
que a frequentam, a escola portuguesa se caracteriza por grande homogeneidade e uniformidade aos mais diversos níveis, desde as estruturas organizacionais aos currículos,
caraterísticas estas herdadas da escola de
elites. São de assinalar alguns dos aspetos em
que, de acordo com Sebastião et al (2003: 40),
se regista a manutenção de modelos do passado,
São apresentados alguns dos resultados da investigação que sustentou a tese de mestrado de Carla Gonçalves.
A sucessão de reportagens
sobre problemas ocorridos
em determinadas escolas,
entre alunos ou entre estes
(ou os seus encarregados de
educação) e os professores,
tem contribuído para que as
representações sociais
da escola portuguesa
da atualidade
sejam largamente dominadas
por imagens de desordem,
indisciplina e violência,
por oposição às imagens de
suposta ordem e paz
da escola de antigamente.
30
A indisciplina na sala de aula
Não é possível,
na nossa ótica,
desenquadrar a problemática
da indisciplina escolar
da sociedade de classes
em que vivemos,
na qual a escola desempenha
um papel central
na reprodução cultural
e na legitimação
das desigualdades sociais.
e que colocam em causa uma efetiva democratização da educação: os modelos organizacionais dos
estabelecimentos de ensino; as formas de organização das turmas, de elaboração dos horários e
de designação dos docentes para as turmas; os
modelos de trabalho docente; a promoção de
mecanismos de aprendizagem e de acesso ao
saber, em particular para os alunos com dificuldades de aprendizagem; o estabelecimento de
laços com as comunidades, entre outros.
Uma das manifestações mais visíveis da
massificação escolar acaba por ser paradoxal,
tendo em conta os propósitos subjacentes à
democratização do sistema educativo e à sua
abertura a crianças e jovens provenientes de
todas as origens sociais, relacionados com a
promoção da igualdade de oportunidades de
acesso (à escola), de sucesso (na escola) e de
uso (das competências escolares). Com efeito,
ao aumentar a diversidade socioeconómica, cultural, étnica e geográfica no interior das escolas,
sem que tenha ocorrido uma alteração substancial da lógica de organização do sistema, ocorreu
uma ampliação da heterogeneidade académica
dos alunos, e, em consequência, um aumento do
insucesso escolar. A população discente é, hoje
em dia, muito heterogénea social e culturalmente, o que pressupõe serem também bastante
diferenciados os tipos de socialização familiar
que antecedem e acompanham a socialização
escolar. Nem sempre as normas e valores veiculados por uma e por outra são coincidentes. Por
vezes, a cultura familiar de que os alunos são
portadores é, até mesmo, bastante divergente
da cultura escolar - designadamente, no que se
refere ao próprio interesse ou valorização da
escolarização -, o que pode conduzir a dificuldades de adaptação e de aprendizagem, as quais,
por seu turno, se traduzem no desenvolvimento
de frustrações, desmotivação ou desinteresse.
Assim sendo, assumindo-se a disciplina na
escola como a interiorização das regras da cultura
escolar e a sua exteriorização através de comportamentos congruentes com ela, uma das causas da
indisciplina pode ser situada no interior da tensão
gerada pela descoincidência - de valores, expectativas e regras - que existe entre os alunos (por via
da sua cultura familiar) e a escola. Ora, em linha
com o que Bourdieu (1989) considera relativamente ao insucesso escolar, não é possível, na
nossa ótica, desenquadrar a problemática da indisciplina escolar da sociedade de classes em que
vivemos, na qual a escola desempenha um papel
central na reprodução cultural e na legitimação
das desigualdades sociais. Com efeito, na escola,
processa-se a circulação dos bens culturais e simbólicos da cultura dominante, apropriados mais eficazmente pelos alunos cuja cultura familiar se
encontra mais próxima da cultura escolar. Estes
alunos, interiorizando mais facilmente as regras e
valores que compõem a cultura escolar, mais facilmente, também, adotarão comportamentos congruentes com ela. Na medida em que os alunos
provenientes de meios culturalmente mais favorecidos tendem a ver a educação escolar como uma
continuação da educação familiar, para eles as
exigências escolares não são ameaçadoras, uma
vez que foram socializados dentro das regras, disciplina, hábitos de leitura, de escrita e de
expressão oral valorizados pela escola. Desta
forma, “tratando todos os educandos, por mais
desiguais que sejam eles de fato, como iguais em
direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar
a sua sanção às desigualdades iniciais diante da
cultura” (Bourdieu, 1989: 10).
2. A indisciplina na sala de aula vista pelos
alunos
2.1. Breve apresentação do estudo efetuado
O estudo aqui apresentado foi realizado
durante o ano letivo de 2008/2009, numa escola secundária e de 3º ciclo do ensino básico do
distrito do Porto, numa zona urbana densamente
povoada, com uma população discente socioculturalmente diversificada, mas com predominância, à data, de camadas sociais médias e médiasaltas. A amostra estudada integra todos os
alunos dos 8º e 9º anos do ensino regular (ER) e
dos cursos de educação e formação (CEF), perfazendo um total de 345 indivíduos (Quadro 1).
Quadro 1. Amostra estudada
31
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Adicionalmente, refira-se que esta amostra é
composta, em termos de género, por 150
(43,5%) raparigas e 195 (56,5%) rapazes. A
maioria destes alunos (169 - 49%) tem idades
compreendidas entre 13 e 14 anos, 128 (37,1%)
tem entre 15 e 16 anos, 43 (12,5%) tem entre 17 e
18 anos, e ainda 5 (1,5%) tem mais de 18 anos.
No que se refere à metodologia de investigação, este estudo teve um caráter quantitativo,
tendo sido utilizada como técnica de recolha de
informação o inquérito por questionário, de
administração direta, e como técnica de tratamento da informação, a análise estatística,
através do programa Statística 5.0.
2.2. Resultados principais
Com o objetivo de apreender qual o conceito
dos estudantes sobre a indisciplina, foi-lhes
solicitado que se pronunciassem sobre um conjunto variado de comportamentos, indicando,
relativamente a cada um deles, se entendiam
tratar-se de comportamentos indisciplinados ou
não.
A análise do Gráfico 1 permite constatar,
desde logo, uma elevada concordância dos estudantes relativamente ao caráter indisciplinado
de quase todos os comportamentos apresentados. Com efeito, apenas “não trazer o material
para a aula” e “conversar com os colegas” foram
considerados, maioritariamente, como comportamentos não integráveis na ideia de indisciplina.
Esta primeira constatação leva-nos a considerar
que, contrariamente aos discursos de senso
comum frequentemente veiculados na comunicação social, assimilando os estudantes das nossas escolas públicas a um coletivo indiferenciado
de indivíduos que não sabem como comportar-se
na sala de aula, a maioria dos estudantes deste
estudo distingue-o de forma muito nítida.
Gráfico 1. Comportamentos que os estudantes consideram/não consideram indisciplinados (%)
Por outro lado, destacam-se dois conjuntos
diferenciados de comportamentos, a que os
estudantes atribuem valorizações ligeiramente
diferentes:
- Um primeiro conjunto de itens, que reúne
elevado consenso (acima dos 80%) dos estudantes, remete para a ideia de colocar em
causa, intencionalmente, a autoridade do professor na sala de aula: “fazer comentários
provocadores”, “não cumprimento das regras
do RI”, “desobediência”, “fazer ameaças” e “discutir com o professor”;
- Um outro conjunto de itens, também associado a condutas indisciplinadas pela maioria dos
estudantes (mas com percentagens a rondar os 70%)
diz respeito à perturbação do processo de ensino aprendizagem na sala de aula: “desvalorizar
as tarefas solicitadas”, “interromper a aula
desnecessariamente”, “levantar-se do lugar sem
pedir licença”.
Foram analisadas, também, as respostas dos
estudantes relativamente ao número de participações disciplinares de que teriam sido alvo no
seu percurso escolar (Gráfico 2). Constata-se
que a maioria (68%) nunca teve participações
disciplinares, seguindo-se aqueles que tiveram
apenas 1 participação (21%), 3 ou mais participações (8%) e 2 participações (cerca de 2%).
Gráfico 2. Nº de participações disciplinares (%)
Sendo certo que a ocorrência de indisciplina não é medida, apenas, através da participação disciplinar a que eventualmente dá
origem, regista-se que mais de um terço dos
estudantes sofreu essa penalização em resultado de comportamentos disruptivos ocorridos na
sala de aula. Este dado é significativo, tendo em
conta o elevado consenso dos alunos, atrás identificado, relativamente aos comportamentos considerados indisciplinados.
Contudo, a análise torna-se mais interessante quando tentamos verificar se a ocorrência de participações disciplinares se encontra
relacionada com o facto de o aluno ser repetente (Quadro 2). Com efeito, constatamos que,
Contrariamente
aos discursos de senso
comum
frequentemente veiculados
na comunicação social,
assimilando os estudantes
das nossas escolas públicas
a um coletivo indiferenciado
de indivíduos que não sabem
como comportar-se
na sala de aula,
a maioria dos estudantes
deste estudo distingue-o
de forma muito nítida.
32
A indisciplina na sala de aula
se cerca de 82% dos alunos não repetentes
nunca teve qualquer participação disciplinar, é
muito menor o peso dos alunos repetentes que
apresentam essa situação (51%) e, inversamente, maior o peso que assume, entre estes
estudantes, a ocorrência de participações disciplinares - quase metade. Esta aparente ligação
entre (in)sucesso escolar e (in)disciplina merece
alguma atenção, levando-nos a considerar que,
provavelmente, ambos os fenómenos terão a
sua origem na frustração e desmotivação provocadas pela rutura entre os interesses e os valores
dos alunos, largamente determinados pelos seus
recursos socioculturais de origem, e as exigências
e valores da cultura escolar. A análise que faremos mais à frente dos motivos que, no entender
dos estudantes, estão subjacentes aos comportamentos indisciplinados, contribui, de algum modo,
para confirmar esta ideia.
Vejamos, então, quais os motivos que, na
opinião dos alunos, estão subjacentes à ocorrência da indisciplina na sala de aula, tendo em conta
estes diferentes agentes.
De entre os motivos ligados aos alunos
(Gráfico 4), surge destacada a ideia de que “a
escola não serve para nada”, com 40% das
respostas. Se a esta percentagem adicionarmos
a daqueles que consideram importante o
“desânimo perante o futuro”, constatamos que
metade dos alunos em estudo entende a indisciplina como o resultado daquilo que poderíamos
designar de desmotivação da população discente relativamente ao papel da escola e à sua
utilidade para o seu futuro.
Gráfico 4. Motivos ligados ao aluno (%)
Quadro 2. Ocorrência de participações disciplinares em função do facto de ser repetente ou não (% em coluna)
Desde logo, é possível observar que os estudantes atribuem a responsabilidade da indisciplina, maioritariamente, aos próprios alunos
(74%), tendo pouco peso no conjunto da amostra
aqueles que a remetem para os professores,
para as famílias dos alunos ou para a escola
(Gráfico 3).
Gráfico 3. A quem se deve a indisciplina? (%)
Não sendo de desprezar, ainda, o “desejo de
rebeldia”, assinalado por 16% dos inquiridos, os
motivos que podem ligar-se à influência sobre a
indisciplina de aspetos inerentes aos próprios
alunos e ao seu percurso escolar (“dificuldades
de aprendizagem”, “consumo de drogas”, “uma
ou várias retenções”), ou de aspetos ligados à
sua relação com os outros (“influência de alunos
perturbadores”, “não identificação com o professor”, “falta de modelos positivos”, “não identificação com os colegas”) não atingem, no seu conjunto, ¼ das respostas.
De forma congruente com o sentimento,
atrás identificado, de que a desmotivação para
estar na escola é importante para a ocorrência
de indisciplina, os estudantes revelam ainda que
este fenómeno:
33
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
- Relativamente aos professores (Gráfico 5), se
associa à sua “falta de capacidade de comunicação”
e “falta de capacidade para motivar os alunos”,
que, no seu conjunto, atingem 50% das respostas.
Assim sendo, mais do que problemas ligados ao
“método de ensino”, à “dificuldade em lidar com
situações de conflito” ou aos estilos de liderança
e relação com os alunos ("autoritarismo”, “permissividade”, “indiferença”), a maioria dos
alunos parece perspetivar que é a dificuldade,
por parte dos professores, em gerar um
interesse efetivo dos alunos pelas aulas que
contribui para a indisciplina;
-Relativamente à escola (Gráfico 6), se
encontra relacionado, para 34% dos inquiridos,
com a “falta de interesse dos currículos e programas”. Concretiza-se, portanto, a ideia de que
o distanciamento dos alunos relativamente aos
objetivos da escola, agora expressa na falta de
interesse pelas disciplinas e matérias abordadas, é um fator causador de indisciplina, para
os estudantes inquiridos.
apenas para uma pequena parte dos alunos (8%).
Finalmente, é de realçar, como motivo da indisciplina apontado à escola, a “falta de participação
dos encarregados de educação”, que foi escolhido por 18% dos estudantes.
Gráfico 5. Motivos ligados ao professor (%)
Esta perspetiva manifestada por alguns
estudantes é tanto mais interessante quanto,
quando questionados sobre os motivos para a
indisciplina ligados à família (Gráfico 7), os
inquiridos valorizem, de forma expressiva (62%),
o “desinteresse dos pais” pelos seus educandos.
Gráfico 6. Motivos ligados à escola (%)
Gráfico 7. Motivos ligados à família (%)
Este distanciamento face à realidade escolar
parece patentear-se, ainda, quando verificamos
que os aspetos relacionados com a organização
pedagógica da escola (“regime disciplinar rígido”,
“horário desadequado”) assumem importância, no
seu conjunto, para 30% dos inquiridos. Já os
aspetos ligados às infraestruturas da escola
(“falta de espaços físicos”, “localização da escola”,
“degradação do edifício escolar”) têm significado
34
DOSSIE: A indisciplina na escola
Para estes alunos,
a indisciplina resulta da
incerteza e frustração
face à utilidade da escola
e ao pouco interesse
do currículo,
perspetiva que confirma
a existência de
uma tensão entre
os valores e expectativas
de parte dos alunos,
por um lado,
e as exigências escolares,
por outro.
Ao mesmo tempo,
não só os alunos consideram
que os professores
não conseguem gerar, junto
dos alunos desinteressados,
empenho e motivação,
como também evidenciam
lacunas na organização
pedagógica da escola
e no relacionamento
entre esta e as famílias dos
educandos.
Considerações finais
Ao longo deste artigo, procurámos compreender como um conjunto de estudantes do 8º
e 9º ano entende o fenómeno da indisciplina na
sala de aula. Temos subjacente a ideia de que,
tratando-se de um fenómeno socioeducativo,
coloca em jogo não apenas alunos e professores,
mas também a própria organização escolar e as
famílias dos alunos. Como tal, não pode ser explicado de forma simplista, assim como não existirão receitas fáceis para a sua resolução. Em
todo o caso, apesar de não pretendermos efetuar
generalizações dos resultados apresentados,
parece-nos ser possível esboçar algumas considerações com interesse para quem se preocupa com a indisciplina na sala de aula, a partir do
olhar destes alunos. Desde logo, a maioria dos
alunos parece reconhecer aquilo que coloca em
causa a autoridade do professor e perturba o
funcionamento da sala de aula. Contudo, os comportamentos de indisciplina, aqui apenas medidos
em função das participações disciplinares, não
deixam de ocorrer, verificando-se, ainda, que os
estudantes não tendem a desresponsabilizar-se,
remetendo para outros agentes a culpa por
esses comportamentos. Então, porquê a indisciplina? Dos resultados analisados parece sobressair a convicção de que, para estes alunos, a
indisciplina resulta da incerteza e frustração
face à utilidade da escola e ao pouco interesse
do currículo, perspetiva que confirma a existência de uma tensão entre os valores e expectativas de parte dos alunos, por um lado, e as
exigências escolares, por outro. Ao mesmo
tempo, não só os alunos consideram que os professores não conseguem gerar, junto dos alunos
desinteressados, empenho e motivação, como
também evidenciam lacunas na organização
pedagógica da escola e no relacionamento entre
esta e as famílias dos educandos. Trata-se, na
nossa ótica, de três interessantes pistas para
uma reflexão sobre a indisciplina, num contexto
como o atual, em que a expansão da escolaridade
obrigatória implicará uma permanência cada vez
mais prolongada dos jovens no sistema escolar.
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(*) - Professora na Universidade de Aveiro
(**) - Professora do ensino secundário
35
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Violência escolar, indisciplina e gestão de sala de aula
» João A. Lopes (*)
Actualmente, face à evolução das regras que
regem as relações entre adultos e crianças,
situação que em muito ultrapassa os limites das
escolas, mas que tem sobre elas o maior impacto,
é usual falar-se em insustentáveis níveis de violência escolar, de indisciplina, de problemas de
comportamento, etc. Estes conceitos são normalmente apresentados como competências dos
alunos, ou seja, como comportamentos que estes
exibem nas escolas e que colidem com os objectivos fundamentais do ensino.
Por outro lado, estes conceitos são umas
vezes utilizados como sinónimos, noutras vezes
aplicados a situações claramente diferenciadas,
noutras ainda referindo-se a situações que não
parecem tipificá-los. Deste modo, parece-nos
importante clarificar a nossa perspectiva acerca
desta matéria.
• Violência Escolar
A violência escolar pode ser conceptualizada
como um leque de comportamentos anti-sociais
perpetrados nas escolas, podendo incluir comportamentos de oposição, agressões a pares,
professores e funcionários, assaltos, etc. (Baker,
1998; Mayer & Cornell, 2010).
A violência escolar é um tema extremamente
popular, servindo a comunicação social de amplificador das preocupações expressas por professores e alunos. No entanto, a hiperbolização da
violência não parece ter correspondência na
realidade da generalidade das escolas.
Em Portugal, não existem dados fidedignos
sobre a amplitude do problema. No entanto, nos
países em que esses dados existem, e em que a
comunicação social desempenha o mesmo papel
que em Portugal, nada sustenta a visão apocalíptica que a sociedade acaba por absorver e tomar
por verdadeira (Hyman e Perone, 1998).
Por outro lado, a discussão pública tem-se
desenvolvido em torno da crença de que a violência
escolar resulta fundamentalmente do comportamento disfuncional de alunos específicos. Ou
seja, verifica-se uma tendência para a patologização individual de comportamentos que têm
raízes bem mais profundas do que à primeira
vista se supõe, e que, como dissemos anteriormente, são em larga medida importados do exterior para a escola, e não constituem propriamente um produto da escolarização.
A popularização de disciplinas como a
psicologia ou a psiquiatria social terá contribuído,
involuntariamente, para tornar mais arreigada
a crença na patologia individual da violência
escolar. Na verdade, estas disciplinas tendem a
conceptualizar as condutas anti-sociais como
patologias do desenvolvimento e a enquadrá-las
em categorias psiquiátricas, podendo ser facilmente confundidas com doenças mentais. Porém,
as condutas anti-sociais, cuja etiologia é em
grande parte familiar e social, resultam de
processos de modelagem social, através dos quais
os filhos, por observação directa e continuada dos
comportamentos dos pais, tendem a reproduzilos não só no contexto familiar como em diversos
outros contextos, incluindo o escolar.
Deste modo, os comportamentos anti-sociais
dificilmente poderão ser encarados como manifestações de uma patologia mental, constituindo
antes o corolário lógico da exposição continuada a
situações em que a agressão constitui uma forma
privilegiada de comunicação entre as pessoas.
Curiosamente, no caso de países como os
Estados Unidos, os dados disponíveis não só não
sugerem elevados níveis de violência escolar,
como nem sequer evidenciam um qualquer
aumento dramático (Furlong & Morrison, 1994; U.S.
Department of Education, 1995). As flutuações têm
sido modestas nas últimas décadas e as variações
anuais têm sido, por vezes no sentido ascendente, por vezes no sentido descendente.
Verifica-se
uma tendência para a
patologização individual de
comportamentos
que têm raízes
bem mais profundas do que
à primeira vista se supõe;
são em larga medida
importados do exterior
para a escola,
e não constituem
propriamente
um produto da escolarização.
36
Violência escolar, indisciplina e gestão de sala de aula
Estudos comparativos da
localização dos crimes
revelam que
as escolas são
um dos locais mais seguros
para as crianças e os
adolescentes.
O conceito de indisciplina
difere do
conceito de violência,
uma vez que não implica a
existência de agressões
intencionais,
tende a ser representada por
comportamentos de baixa
intensidade mas de elevada
frequência e que
são altamente sensíveis à
figura do professor.
Estudos comparativos da localização dos
crimes revelam inclusivamente que as escolas
são um dos locais mais seguros para as crianças
e os adolescentes (Hyman, Olbrich, & Shanock,
1994; Morrison, Furlong & Morrison, 1994).
Os relatórios do Departamento de Justiça
dos Estados Unidos, em 1991, 1992, 1993, 1994,
1995, confirmam que violações, roubos e
assaltos têm maior probabilidade de acontecer
em casa do que na escola. Os lares são mesmo
os locais mais perigosos para as crianças. Em
1992, 91% das aproximadamente 2.9 milhões de
crianças abusadas ou negligenciadas foram
vitimizadas por membros da família. Daqui resultaram 1068 mortes, a maior parte das quais
provocadas pelos pais, parentes ou pessoas
encarregadas de cuidar das crianças.
Comparativamente, são muito raros os casos de
mortes provocadas por actos violentos nas
escolas.
No caso dos Estados Unidos, o que acabámos
de dizer é verdade, mesmo nas cidades mais violentas. Em Chicago, no ano de 1991, por exemplo,
houve 1502 casos de assalto à mão armada por
cada 100.000 habitantes, contra apenas 325 por
100.000 habitantes, no interior das escolas públicas. Em Los Angeles, nesse mesmo ano, verificaram-se 29,30 homicídios por cada 100.000
habitantes, contra somente três homicídios (um
dos quais acidental) nas escolas públicas.
Infelizmente, não dispomos de dados tão precisos relativamente a Portugal (embora, nos últimos anos, os relatórios policiais tenham vindo a
fornecer alguns dados importantes). No entanto,
poderemos aceitar que os níveis de violência têm
sofrido algum incremento, mas não vemos razão
para não considerar que, tal como nos Estados
Unidos, a percepção do fenómeno estará inflacionada. Assim, importa desde já salientar que a
violência escolar constitui um fenómeno preocupante mas raro, e que ocorre muito mais nos
recreios e casas-de-banho do que nas salas de
aula, pelo que não se trata de um fenómeno que
os professores verdadeiramente tenham que
enfrentar.
• Indisciplina
O conceito de indisciplina, apresentado usualmente como a negação da disciplina, difere do
conceito de violência, uma vez que não implica a
existência de agressões intencionais, com clara
violação dos direitos de terceiros. Por outro lado,
enquanto a violência tem um carácter esporádico e surge por “constelações” de elevada intensidade, a indisciplina tende a ser representada
por comportamentos de baixa intensidade mas
de elevada frequência. Assim, enquanto os actos
violentos são tendencialmente raros mas produzem danos elevados, os actos de indisciplina
são tendencialmente mais numerosos mas produzem menos efeitos negativos (para além de os
efeitos serem menos duradouros).
Uma outra característica distintiva diz
respeito ao contexto de exibição dos comportamentos e à sensibilidade destes às estratégias
utilizadas pelos professores. Os alunos que
exibem comportamentos violentos ou de
oposição têm uma muito maior probabilidade de
os manifestar perante qualquer professor, ou
mesmo perante qualquer pessoa, desde que percepcionem que o poder de retaliação é baixo. Não
que sejam completamente insensíveis ao professor que têm pela frente; simplesmente revelam
uma considerável indiferença perante as
ameaças ou os castigos, porque muitas vezes
sentem que não têm nada a perder (Lopes, 2001,
2009).
Os comportamentos indisciplinados são,
por seu turno, altamente sensíveis à figura do
professor (Psunder, 2005). Há turmas que são
incontroláveis com um determinado professor,
e inofensivas com um outro. Isto é, no limite,
o professor pode ser o principal responsável
pela indisciplina, uma vez que pode não
conseguir gerir a aula de forma a inibir o
aparecimento e desenvolvimento dos comportamentos de indisciplina, a qual, aliás, assume com
frequência formas grupais.
37
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Isso não sucede nos casos de violência e de
agressão, relativamente aos quais o professor
não constitui origem, e cujo controlo em grande
medida lhe escapa (Booren, Handy, Power, 2011;
Gottfredson, Fink, & Graham, 1994; Loeber, &
Farrington, 1994; O'Donoghue, 1995).
A indisciplina consubstancia-se, nas salas de
aula, em comportamentos que colidem com o
denominado vector primário de acção, ou seja,
com os objectivos da lição que o professor pretende atingir através de um determinado conjunto de estratégias. Estes comportamentos podem
constituir manifestações individuais ou grupais
e apresentam usualmente um carácter benigno.
Porém, se o professor se revelar incapaz de
lidar apropriadamente com eles, o seu grau de
recorrência pode conduzir a uma escalada de
sérias consequências para a saúde mental do
professor, o qual, para além de desenvolver um
forte rancor para com os alunos, pode igualmente percepcionar-se como incompetente,
incapaz, e não digno de respeito por parte dos
alunos.
Não são raros os casos de professores que
acabam por soçobrar perante a incapacidade de
lidar com a indisciplina. No entanto, o que estes e
muitos outros professores podem não saber é
que os melhores professores são tão maus a lidar
com a indisciplina como os bons professores
(Brophy, 1996; Lopes, 2001, 2009). A diferença
reside no facto de os bons professores serem
eficazes na instauração de um clima de sala de
aula que inibe a indisciplina. Deste modo, raramente têm que lidar com comportamentos
problemáticos e muito menos com situações de
indisciplina generalizada.
Os comportamentos problemáticos mais
comuns são: chegar tarde, interromper as aulas,
faltas de material, desatenção, falar para o lado
e formas menores de agressão física e verbal
(Brophy, 1996). Como se depreende facilmente,
nenhum destes comportamentos é passível, por
si só, de perturbar seriamente uma aula ou um
professor. No entanto, a possibilidade de tais
comportamentos serem exibidos por diversos
(ou por “muitos”) alunos, e por períodos de
tempo prolongados, pode transformar o seu
carácter “benigno"” em “maligno”, com grave
prejuízo para o ensino.
• Gestão de sala de aula
A organização e gestão de sala de aula,
enquanto conjunto geral de competências e atitudes do professor atinentes às regras de funcionamento do grupo-turma, funciona a montante dos processos ou formas de lidar com os
maus comportamentos (Kayikçi, 2009). Trata-se
pois de um conjunto de procedimentos visando
estabelecer a ordem na sala de aula, dirigindo-se
por isso ao grupo-turma e não a indivíduos particulares. Os procedimentos disciplinares, ou de
intervenção em problemas de comportamentos
na sala de aula, têm, pelo contrário, um carácter
usualmente mais individualizado e de correcção
de desvios (ou remediativo).
A gestão de sala de aula tem um cariz organizacional e preventor da indisciplina, muito mais
do que remediativo. Não é evidentemente incompatível com os métodos comportamentais, sejam
estes aplicados à intervenção na indisciplina ou à
promoção de um clima de sala de aula favorável.
Poderá mesmo dizer-se que uma boa gestão de
sala de aula compreende o recurso a estratégias
comportamentais de promoção de comportamentos adequados ou de correcção de eventuais
comportamentos inadequados.
As radicais transformações das escolas em
termos da população que as frequenta, não
tiveram infelizmente impacto significativo na formação de professores pelo que, de uma forma
geral, esta área é ainda ignorada por quase todos
os professores actualmente em exercício. Além do
mais, é fundamental realçar que, se é verdade que
os alunos que frequentam sobretudo as escolas
dos 2º e 3º ciclos do ensino básico são muito
diferentes dos de há 30 anos atrás, os professores são-no muito mais. O rácio professoraluno baixou muito (ainda que agora haja uma
tendência para um novo aumento), o que significa que, proporcionalmente, entraram muito mais
professores do que alunos para o sistema. Por
conseguinte, estes mudaram ainda mais do que
aqueles, sendo pois as dificuldades recíprocas.
Infelizmente, o sistema de formação de professores parece ainda não reconhecer a necessidade
de os professores, para além de conhecerem os
conteúdos e a didáctica, serem ensinados nos
processos de gestão das turmas. Há quarenta
Os melhores professores
são tão maus
a lidar com a indisciplina
como os bons professores.
A diferença reside no facto de
os bons professores
serem eficazes
na instauração de
um clima de sala de aula
que inibe a indisciplina.
As radicais transformações
das escolas em termos da
população que as frequenta,
não tiveram infelizmente
impacto significativo
na formação de professores
pelo que,
de uma forma geral,
esta área é ainda ignorada
por quase
todos os professores
actualmente em exercício.
38
DOSSIE: A indisciplina na escola
A gestão de sala de aula
não visa lidar com os
problemas de comportamento
em sala de aula,
nem com a violência
ou com a agressividade
escolar. Visa, isso sim,
promover o ensino através
da implementação de um
conjunto de regras e
procedimentos
que balizem
os comportamentos do
grupo-turma, e,
consequentemente,
inibam fenómenos de
perturbação da lição.
Trata-se pois de um processo
de estruturação de
um grupo social,
de carácter crónico e,
em certa medida,
nunca encerrado.
anos atrás a questão da ordem nas salas de aula
tinha uma premência muito menor do que tem hoje
(ainda que tivesse bastante mais do que usualmente se supõe). O professor estava imbuído de
uma autoridade que hoje os alunos não reconhecem tão facilmente. Daí que os professores que
então se revelavam incompetentes pudessem ser
considerados como pessoas que se limitavam a
desperdiçar o que lhes fora outorgado pela
sociedade. Actualmente, o professor tem que conquistar a sua posição perante as turmas, desempenhando as suas competências de gestão, um
primordial papel no cumprimento desse objectivo.
Há largos anos atrás, os professores
possuíam um poder que tinha muito de sancionatório (faltas de presença conducentes a
reprovações, faltas disciplinares que, ultrapassando o número de três, provocavam a expulsão
da escola, etc.). Hoje em dia, têm que conquistar
o poder através da implementação de um sistema de regras e procedimentos que os alunos
interiorizem rapidamente, e que percebam que
não admite quebras nem ultrapassagens a seu
bel-prazer. Mais: este sistema de regras, que há
décadas atrás era implícito, e que no entanto os
alunos assumiam de uma forma generalizada
como sendo para cumprir, tem agora que ser
explicitado, uma vez que os alunos têm
proveniências sociais e culturais muito diversificadas, e que os próprios professores variam
imenso nas regras que pretendem implementar
(Lopes, 2001).
Em resumo, poderemos dizer que a gestão
de sala de aula não visa lidar com os problemas
de comportamento em sala de aula, nem com a
violência ou com a agressividade escolar. Visa,
isso sim, promover o ensino através da implementação de um conjunto de regras e procedimentos que balizem os comportamentos do
grupo-turma, e, consequentemente, inibam fenómenos de perturbação da lição. Trata-se pois de
um processo de estruturação de um grupo
social, de carácter crónico e, em certa medida,
nunca encerrado (Doyle, 1995; Evertson, Emmer,
& Worsham, 2000; Pfiffner, & Barkley, 1990).
Conclusão
Apesar das preocupações que os problemas
de comportamento em sala de aula evidentemente levantam, os actos de violência extrema
são ainda raros nas escolas portuguesas. Já os
comportamentos perturbadores de baixo
impacto parecem evidenciar-se pela sua frequência, levantando nessa medida sérios problemas a alguns professores. Neste artigo sugere-
se que as competências de organização e gestão
de sala de aula e um bom ensino constituem os
melhores antídotos contra estes comportamentos, uma vez que, mais do que os debelar, inibem
a sua ocorrência. Esta sempre foi, e provavelmente continuará a ser, a melhor forma de evitar problemas nas salas de aula, deixando o
maior espaço possível para o que verdadeiramente interessa nesse contexto: o ensino e a
aprendizagem.
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Slovenian teachers' and students' views. Teaching and
Teacher Education, 21, 273-286
(*) - Universidade do Minho
Por opção do autor, este artigo não está escrito de
acordo com o novo acordo ortográfico
39
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Escola Secundária com 3º Ciclo Secundária Quinta das Flores
Disciplina e indisciplina na sala de aulas; uma responsabilidade de professores e alunos
» José Vieira Lourenço (*)
“Não terá ventos favoráveis, aquele que não sabe de
onde vem, nem para onde vai.”
Séneca
1. O título deste artigo procura deixar
antever a nossa posição sobre este multifacetado problema: a existência dum clima de maior ou
menor disciplina nas salas de aula é tanto da
responsabilidade dos professores como dos
alunos. Ninguém de bom senso poderá admitir
que a responsabilidade dos comportamentos
indisciplinados que se manifestam na sala de
aulas é da exclusiva responsabilidade dos alunos.
Temos feito, já há algum tempo a esta parte, algu1
mas ações de formação sobre esta temática e tem
sido esta a tese que temos defendido e podemos
dizer também que esta tese tem sido aceite pela
larga maioria dos docentes que têm frequentado
tais ações. Como é fácil de demonstrar, não se
trata de uma tese particularmente simpática
para os docentes. Alguns, mais instalados no alto
do seu trono todo poderoso, (o velho estrado da
sala de aulas ajudava a criar esta ilusão!) pensam
ainda que estão na escola tradicional, em que
eram donos exclusivos do saber e de todo o
poder. Mas os tempos, hoje, são outros.
São múltiplos os fatores que podemos
referenciar para explicar este complexo fenómeno e que condicionam a disciplina, tanto no
espaço sala de aula, como no espaço Escola.
Todos conhecemos sobejamente a importância
de alguns fatores estruturais (entre outros, a
escolaridade obrigatória, o número de alunos
por turma, os currículos escolares, a própria
autoridade do professor); ou de alguns fatores
político-sociais (as representações sociais; as
políticas económicas, as subculturas docentes e
discentes; os poderes dos professores e dos
alunos); de alguns fatores pessoais (objetivos
individuais, estilos de ensino e estratégias de
aprendizagem); e ainda de fatores biopsicogénicos (perturbações emocionais, dificuldades de
aprendizagem) e familiares (a importância das
regras aprendidas na família).
Como facilmente se entende, não é nosso
objetivo escalpelizar neste artigo este conjunto
de fatores. Cingir-nos-emos, sobretudo, aos que
mais facilmente podem ser da responsabilidade
dos docentes e discentes.
2. O filósofo latino Séneca, que citámos em
epígrafe, defendeu que não pode ter ventos
favoráveis, aquele que não sabe de onde vem,
nem para onde vai. Apetece-nos, desde já, perguntar se todos os professores e alunos sabem
de onde vêm e para onde vão. Será que todos os
docentes e discentes costumam avaliar criticamente as situações geradoras de indisciplina nas
salas de aulas? Admitamos que os discentes nem
sempre se questionem nesta matéria, convictos
que podem estar de que a responsabilidade não
lhes pertence! Muitos poderão pensar que se
existe um clima de indisciplina na sala, a responsabilidade nem é sua, porque quem dirige os trabalhos são os professores! Mas um docente
poderá ter esta postura? Claro que não pode! Um
professor que não se interrogue sobre as razões
dos comportamentos desviantes dos seus alunos
não pode exercer com eficiência a sua função de
educador. Perante situações de indisciplina na
sala de aulas, qualquer docente tem obrigação de
se interrogar por que motivo é que isso acontece,
convicto de que tal questionamento pode ser o
primeiro passo para a solução do problema.
Convém também que os docentes se
consciencializem de que a sala de aulas é um
espaço de poder partilhado. Um espaço em que
se cruzam diversos poderes e que não são exclusivos dos professores.
Quando se fala de poderes na sala de aula, os
docentes pensam imediatamente no chamado
poder do cargo, o qual permite que o professor
determine os métodos de estudo, as regras de
trabalho e de comportamento dos alunos. Mas
aqui pode perguntar-se, pertinentemente, se tal
poder é exclusivo do professor. E a resposta é
clara: as regras de jogo definidas em cada disciplina têm de ser uma tarefa conjuntamente
assumida por docentes e discentes.
Estamos a referir-nos à ação: Gestão de conflitos. Disciplina e indisciplina na sala de aulas., que realizámos em vários CFAE.
(Nova Ágora; Minerva; Beira Mar).
1
Perante situações
de indisciplina
na sala de aulas,
qualquer docente
tem obrigação de
se interrogar por que motivo
é que isso acontece,
convicto de que
tal questionamento
pode ser
o primeiro passo
para a solução do problema.
40
Disciplina e indisciplina na sala de aulas; uma responsabilidade de professores e alunos
Sempre que
o poder exercido
assenta
numa base de autoridade,
os alunos reconhecem-no
como legítimo.
Muitos alunos e alunas
sofrem de verdadeiro
aborrecimento,
em certas salas de aula,
e desse aborrecimento
à indisciplina
individual ou coletiva
a passada é curta!
Um outro poder que podemos referir é o
poder de coerção, o qual possibilita que o professor utilize punições, ou restrinja a liberdade dos
alunos. Mas aqui também a questão parece ser
óbvia: usar indiscriminadamente tal poder, à velha
maneira do quero, posso e mando, só pode originar situações de conflito que em nada contribuem
para um clima de aprendizagem que se quer sério
e saudável. E será muito mais eficaz no seu múnus
o docente que privilegiar o poder de recompensa, o qual se baseia na utilização de estímulos
positivos, os quais serão muito mais adequados ao
desenvolvimento integral dos discentes.
São vários os autores que defendem que os
discentes esperam que os professores exerçam a
sua autoridade. Mas exercer a autoridade não é
exercer o autoritarismo. Marcel Postic defende
mesmo que, quando os docentes não exercem tal
autoridade, são desvalorizados, sendo mesmo
rejeitados ou, então, motivo de zombaria, chegando mesmo a funcionar como anti-modelo. E na
mesma linha se pronuncia o professor Albano
Estrela, ao afirmar que é curioso notar que os
alunos mais indisciplinados são os que mais
exigem que os professores os mantenham na
ordem. Não podemos, portanto, nesta matéria, ter
grandes dúvidas, já que a autoridade e o poder são
condições da relação pedagógica. Sempre que o
poder exercido assenta numa base de autoridade,
os alunos reconhecem-no como legítimo.
3. Outro aspeto que podemos considerar aqui,
é que compete a cada docente desenvolver
estratégias e métodos pedagógicos motivadores.
Todos nós já ouvimos, num ou noutro contexto,
referências pouco elogiosas a certas práticas
pedagógicas. Alguns alunos e alunas falam das
aulas de certos docentes como exercício de tortura, de monotonia constante, de seca permanente,
de exemplo acabado de falta de criatividade, de
rotina enfadonha do tipo vira o disco e toca o
mesmo, dia após dia. Descontando o exagero que
tais posições possam veicular (porque, como
sabemos, muitas vezes a caricatura feita pelos
discentes é ditada por razões diversas, nomeadamente o facilitismo e a falta de rigor de análise
que hoje é imagem de marca), não podemos deixar
de nos questionar, porque como todos sabem, não
é fácil ser diariamente criativo e motivador. Mas
pelo facto de não ser fácil, não que dizer que seja
impossível. Muitos alunos e alunas sofrem de ver2
dadeiro aborrecimento , em certas salas de aula, e
desse aborrecimento à indisciplina individual ou
coletiva a passada é curta! Daí que a responsabilidade dos professores seja grande nesta matéria.
Uma boa estratégia, que poderá combater esta
monotonia, será certamente envolver mais os
alunos, apelando à sua colaboração com recurso
3
aos chamados métodos ativos.
Uma pedagogia tradicional, centrada no velho
método expositivo, em que o docente é o único
detentor do tempo de antena, é um convite subtil à
indisciplina e ao enfado. Já em 1987, Werneck
defendia que os docentes ensinam de mais e os
alunos aprendem de menos e cada vez menos! E
acrescentava esse autor que eles aprendem
menos porque os assuntos são a cada dia mais
desinteressantes, mais desligados da realidade
dos factos e os objetivos mais desligados da vida
dos adolescentes.
Uma das regras de ouro da chamada pedagogia tradicional era a que considerava o espaço
da sala de aula como um espaço de ordem e
respeito pela palavra do professor. No entanto,
como já defendia Neri (1992) o silêncio, tão desejado na sala de aula, nem sempre é garantia de
aprendizagem, pois o aluno aprende quando participa ativamente numa atividade, executa alguma
tarefa, ouve as diferentes formas de perceção dos
demais sobre um assunto e tem a oportunidade de
argumentar as suas ideias através de grupos de
discussão ou de debate. E na mesma linha se pronuncia Brophy (1993), ao defender que um estado de motivação para aprender (só) existe quando
2
Há um autor brasileiro que criou o termo aborrescência, referindo-se ao aborrecimento típico da idade adolescente. Tema que,
aliás, já o nosso rei D. Duarte tratava numa das suas obras.
3
Não é nossa pretensão referenciar aqui todos os métodos ativos que se podem usar em situação de aprendizagem Muitos professores nem sempre recorrem a tais métodos porque consideram que eles exigem muito mais tempo. Admitindo a veracidade
desta posição , não podemos contudo deixar de defender que tais métodos podem ser usados com criatividade e equilíbrio na
lecionação da maioria das disciplinas. Quando nos referimos aos métodos ativos, estamos a pensar, entre outros, nos seguintes:
Trabalho de grupo; estudo de caso; dramatização; role playing; discussão dirigida; debate; trabalho de pares; Phillips 66.
41
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
os alunos se comprometem, intencionalmente
nas tarefas académicas, buscando dominar os
conceitos ou atividades envolvidas. É por isso
importante que cada docente seja capaz de
transformar a sua sala de aula. Ora isso implica
que seja capaz de substituir a necessidade de
saber pela necessidade de saber fazer, que seja
capaz de fazer da sala de aula um ambiente de
ensino/aprendizagem, o que verdadeiramente só
se consegue se esta se transformar em oficina
de descoberta, pesquisa, investigação.
4. Para além deste recurso aos métodos
pedagógicos ativos e a uma pedagogia diferenciada e motivadora, são certamente muito diversas as estratégias para manter a disciplina na
sala de aulas e prevenir conflitos. Elencaremos
aqui algumas, sem qualquer pretensão de ser
exaustivos nesta matéria. Pede-se, em primeiro
lugar, que o docente se mantenha sempre calmo,
sereno e seguro, no sentido de modelar o comportamento dos alunos. Nem sempre é fácil
manter esta serenidade nos dias que correm,
sobretudo se atendermos aos diversos estímulos sociais que são antítese disto mesmo e que
forçosamente influenciam o comportamento dos
discentes. Depois é preciso ser flexível, mas mantendo sempre a coerência e a estabilidade. Mais
do que nunca é necessário ser tolerante e evitar
confrontos desnecessários. Muitas vezes estes
confrontos na sala de aula surgem apenas porque
os discentes querem experimentar o docente e
ver ate onde vai a sua capacidade de encaixe.
Outro aspeto fundamental é aproximar-se dos
alunos. Um docente nunca se deve distanciar dos
alunos indisciplinados, apenas estabelecendo
relação com eles quando apresentam comportamentos de indisciplina. E a razão é lógica:
Nenhum aluno é sempre indisciplinado durante
todos os minutos em que decorrem as aulas.
Outro aspeto fundamental é o reforço, uma
vez que qualquer docente deve enfatizar os
aspetos positivos do comportamento e da aprendizagem dos alunos, encorajando os seus progressos e fomentando uma expectativa de auto
confiança, através de respostas de aprovação e
de elogios. Não é correto só estabelecer a interação apenas quando o comportamento do aluno é
menos adequado ou quando há insucesso na
aprendizagem. É importante que cada docente
tenha consciência do papel que podem desempenhar as expetativas positivas, fazendo com que
os alunos passem a acreditar que podem vir a
alcançar resultados escolares positivos.
Acreditamos igualmente que é muito
importante delegar funções de assistente no
líder informal da turma, responsabilizando-o
inclusivamente pela gestão do comportamento
dos colegas. Esta parece ser das estratégias
mais eficientes e infelizmente os docentes nem
sempre a usam. Trata-se dum estratégia de
corresponsabilização, cujo efeito pode ser
visível se for assumida responsavelmente. Além
disso parece ser cada vez mais importante estabelecer contratos que identifiquem os comportamentos a corrigir pelos alunos, no sentido de os
responsabilizar e de os levar a desenvolver uma
disciplina interior ou autodisciplina.
Por uma questão de bom senso é também
fundamental que os docentes sejam capazes de
separar os alunos mais perturbadores. Junto
doutro aluno perturbador um aluno tem a
tendência a ser ainda mais perturbador.
Separado, essa tendência pode diminuir,
contribuindo assim para melhoria do clima de
aprendizagem.
5. Tudo o que apontámos anteriormente pode
parecer apenas bom senso pedagógico. Não
custa assumi-lo como tal. Tudo porém poderá
cair por terra se faltar o fundamental. Por mais
estratégias que um docente use, nada poderá dar
bom efeito se este não programar e planificar
bem as aulas. Nem sempre dá bom resultado
confiar na improvisação. E duma coisa podemos
estar certos: os nossos discentes entendem
sempre quando o professor preparou ou não
preparou as aulas. E não podemos esquecer
esta regra de oiro: Manter sempre os alunos
ocupados, porque nada favorece tanto a
indisciplina como não ter nada que fazer.
(*) - Formador, Professor do Quadro da Escola
Secundária com 3º Ciclo Secundária Quinta das Flores.
Coimbra
São certamente
muito diversas
as estratégias
para manter a
disciplina na sala de aulas
e prevenir conflitos:
serenidade,
flexibilidade,
proximidade,
reforço,
corresponsabilização...
42
Bullying e cyberbullying
– da compreensão à formação de professores
» Teresa Pessoa, Armanda Matos e João Amado (*)
O cyberbullying partilha
muitas das características
do bullying face a face.
No entanto,
o recurso às
tecnologias da informação e
da comunicação
confere aos comportamentos
de cyberbullying
uma especificidade que é
necessário compreender.
A sociedade contemporânea e o rápido
desenvolvimento tecnológico a que hoje assistimos conferem às escolas dinâmicas particulares. A atual compressão do espaço e do tempo
concede a estas instituições características
singulares que bem se materializam na recente
criação dos mega-agrupamentos. Não se
estranhe, pois, o aumento da pressão para que
os professores desempenhem uma multiplicidade de papéis, com implicações diversas no
diálogo e construção de uma cultura aprendente.
Também a diversidade cada vez maior de
alunos e respetivas histórias de vida, a necessidade de cumprir programas com horários
pré-estabelecidos, para além dos ritmos
próprios dos discentes e a aceleração do
desenvolvimento tecnológico são fatores que
cedem às dinâmicas de aprendizagem uma
natureza própria, em cujo âmbito devemos
compreender os fenómenos da indisciplina, do
bullying e do cyberbullying.
A indisciplina, enquanto infração às regras e
normas de trabalho e de comportamento dentro
das instituições, tem nos restantes fenómenos –
o bullying e o cyberbullying – uma ampliação considerável nas suas consequências, na medida em
que eles ameaçam mais intensamente as normas
do são convívio entre cidadãos, pondo em causa
os direitos fundamentais de pessoas e grupos, o
bem-estar emocional dos sujeitos e o clima
social indispensável para a consecução de todos
os objetivos da escola.
O bullying, expressão intraduzível por uma
outra palavra, tem vindo a ser definido – desde
que alcançou a visibilidade que lhe foi dada pelos
primeiros estudos, na época de 70 do século
passado, por investigadores, de que se destaca
Dan Olweus –, como um abuso de poder (com
expressão física, psicológica ou de cariz social,
como a exclusão do grupo), repetido persistentemente e prolongada no tempo, de um aluno ou de
um grupo de alunos sobre outro aluno mais vulnerável (mais novo, mais fraco, menos autoconfiante) e que assume o papel de vítima, incapaz
(física, psicológica ou socialmente) de dar uma
resposta inibidora da agressão. A presença de
observadores é considerada por alguns
autores como fundamental para a compreensão das motivações que podem estar por de
trás do bullying, em especial devido ao reforço
(aplauso) que a sua atitude (raramente de defesa da vítima ou, sequer, de denúncia da situação)
pode dar ao comportamento do ou dos agressores. Trata-se, portanto, de um comportamento,
essencialmente grupal.
Mais recentemente, com a utilização massiva de telemóveis (com crescentes potencialidades comunicativas) e da internet (mormente
através do uso das mais diversas redes sociais), e apesar do seu emprego altamente produtivo e benéfico em todos os domínios, tem-se
vindo também a constatar o seu uso, por parte
de crianças e jovens, para o envio de mensagens
deliberadamente persecutórias, agressivas,
hostis, ofensivas, denegridoras e perversas, que
põem em causa a imagem e bom nome de outros,
dando, assim, uma nova expressão ao bullying
tradicional ou face a face. Trata-se, neste caso,
do cyberbullying, que pode ser definido, de uma
forma simples, como o bullying realizado através
de canais eletrónicos de comunicação.
O cyberbullying partilha muitas das características do bullying face a face. No entanto, o
recurso às tecnologias da informação e da
comunicação confere aos comportamentos de
cyberbullying uma especificidade que é
necessário compreender, associada a três
aspetos essenciais: o anonimato que as TIC possibilitam (e que contribui para o desequilíbrio de
poder entre vítimas e agressores), o facto de o
caráter repetido dos comportamentos poder ser
quantificado em função do número de vezes que
uma certa mensagem (texto, imagem ou vídeo) é
colocada online ou é vista e, ainda, a possibilidade de a agressão poder ocorrer a qualquer
hora do dia ou da noite e em qualquer lugar,
condição que deixa as vítimas particularmente
vulneráveis e agravando a impossibilidade de se
defenderem. A estas características acresce o
imensurável número de espetadores que um ato
de cyberbullying pode reunir, devido às possibilidades tecnológicas de disseminação.
43
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Podemos dizer, então, que o fenómeno do
bullying, quer na modalidade dita tradicional
ou face a face, quer na modalidade eletrónica
(cyberbullying) se constitui como um problema social com que todos os agentes educativos se devem preocupar. As escolas,
enquanto contextos de desenvolvimento dos
alunos e de formação para a vida em sociedade,
desempenham um papel fundamental em termos de prevenção, deteção e construção de
medidas para lidar com este problema, nas
suas diversas faces. O desafio que os diferentes
membros da comunidade educativa enfrentam,
tendo em conta a gravidade e especificidade
deste fenómeno, é complexo, tanto mais se
tivermos em conta, nomeadamente, o carácter
recente do bullying eletrónico e, ainda, a
escassez de estudos e de orientações para a
ação preventiva e corretiva do mesmo.
Neste contexto apraz-nos destacar três projetos, um nacional e dois europeus, em que temos
estado envolvidos, e que constituem um investimento, quer no diagnóstico e compreensão, quer
na formação de agentes e na construção de
recursos que podem ser utilizados na prevenção
e no combate a este problema.
O projeto nacional, intitulado Cyberbullying –
Um diagnóstico da situação em Portugal, apoiado
pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), a
concretizar por duas equipas, uma da Universidade
1
de Coimbra e outra da Universidade de Lisboa , visa,
como a sua designação indica, proceder a um
diagnóstico e a uma caracterização do problema,
inquirindo crianças e jovens portugueses, de
ambos os sexos, acerca da perceção do mesmo,
tendo em conta os contextos (grandes cidades e
zonas de província) em que situa a sua vida escolar e familiar. Está neste momento em curso, com
a preciosa colaboração de diretores de escolas e
de professores, e a nível nacional, a aplicação de
um questionário previamente testado em diversas
escolas de Coimbra e Lisboa.
O projeto europeu CyberTraining: a research2
based training manual on cyberbullying teve
como objetivo o desenvolvimento de um manual
para formadores na área do cyberbullying, em
forma de e-book. O manual de formação está
disponível nas diversas línguas dos parceiros,
inclusive em português (em http://www.cybertraining-project.org/book) e é constituído por
sete módulos que podem ser utilizados de uma
forma flexível, de acordo com as necessidades
dos formadores. Os quatro primeiros módulos
oferecem uma introdução geral às estratégias e
princípios da formação, às questões da segurança das TIC e da Internet, ao cyberbullying e
às abordagens europeias para lidar com o
cyberbullying. Os módulos seguintes elegem um
conjunto de orientações, sugestões e conselhos
práticos para os formadores que trabalham com
os alunos, com os pais ou com outros membros
da comunidade escolar.
O segundo projeto europeu, denominado
3
CyberTraining-4-Parents tem como objetivo
desenvolver cursos de formação (presenciais e
online) sobre cyberbullying, dirigidos a pais e
formadores de pais. Trata-se de um projeto que
teve início em Novembro de 2010, no âmbito do
qual foram já realizados, na Universidade de
Coimbra, 4 cursos de formação de formadores, e
que terão continuidade mesmo depois de o projeto terminar (Novembro de 2012). De entre os
resultados importantes deste projeto, destacamos ainda: a disponibilização gratuita, a pais
interessados (e outros), de cursos online autodirigidos e a redação de um novo manual de formação de pais, igualmente em formato e-book.
O Investigador responsável é João Amado, Professor da Universidade de Coimbra.
http://www.cybertraining-project.org/. O projeto, coordenado por Thomas Jäger, foi desenvolvido por equipas de oito países
europeus, entre 2008 e 2010. A equipa portuguesa foi coordenada por João Amado.
3
http://cybertraining4parents.org/aboutct4p&lang=Pt. O projeto CyberTraining-4–Parents, também coordenado por Thomas
Jäeger, integra equipas de cinco países europeus e, ainda, Israel. A equipa portuguesa que participa desses projetos é coordenada por João Amado.
1
2
O desafio que
os diferentes membros
da comunidade educativa
enfrentam
é complexo, tanto mais
se tivermos em conta,
nomeadamente,
o carácter recente
do bullying eletrónico e,
ainda,
a escassez de estudos
e de orientações para a
ação preventiva
e corretiva do mesmo.
44
DOSSIE: A indisciplina na escola
Ajudar a olhar a escola
de forma crítica
e transformar os problemas
em momentos
de desenvolvimento pessoal
e profissional
dos diversos agentes educativos,
de forma fundamentada,
foi o desafio dos cursos
“Violência e Gestão de
Conflitos na Escola”
e “Gestão de Conflitos na
Escola”.
No que concerne à formação de professores
em torno destes domínios e de domínios mais
abrangentes, como os da indisciplina e violência
escolar e os da gestão e mediação de conflitos,
não podemos deixar de referir o trabalho que
vem sendo desenvolvido, neste âmbito, na
Universidade de Coimbra, e que envolve, igualmente, os signatários deste texto. Tal como já o
dissemos acima, consideramos importante e fundamental a preparação da comunidade educativa
não só para a compreensão sistémica de todo o
conjunto de problemas que envolve comportamentos disruptivos, agressivos e de desvio à
norma, como também para a aquisição de competências técnico-pedagógicas e interpessoais
que permitam preveni-los e resolvê-los, aos
níveis da aula e da escola.
4
Nesse sentido, a equipa avançou, no início de
2010, com a ideia de oferecer formação contínua
nesta área destinada a professores e outros
agentes educativos. Foram criados, então, na
modalidade de b-learning e no âmbito da oferta
de Ensino a Distância da Universidade de
Coimbra, os cursos de Violência e Gestão de
Conflitos na Escola (VGCE – 100 horas) e de
Gestão de Conflitos na Escola (GCE- 50 horas),
acreditados pelo Conselho Científico Pedagógico
da Formação Contínua de Professores. O protocolo estabelecido, desde aquela data até ao presente, com o Ministério da Educação e Ciência
constituiu uma das condições básicas e fundamentais para a sua concretização e para o êxito
continuado das suas já oito edições: cinco, no
ano letivo de 2010-2011, e três, no ano letivo de
2011-2012. Esta formação tem sido realizada com
suporte na plataforma Moodle que, para além de
todos os aspetos relativos à gestão da formação, permitiu criar cenários pedagógicos
que, tendo em conta as avaliações internas e
externas realizadas, responderam às necessidades de formação dos 360 professores já
envolvidos e a nível nacional.
Ajudar a olhar a escola de forma crítica e
transformar os problemas em momentos de
desenvolvimento pessoal e profissional dos
diversos agentes educativos, de forma funda4
mentada, foi o desafio destes cursos. No final da
formação espera-se, assim, que todos os formandos tenham adquirido conhecimentos e
competências necessárias para: reconhecer a
diversidade de fatores de conflito disciplinar e
violento na escola; identificar os fatores de proteção inerentes ao contexto escolar; reforçar
esses mesmos fatores de proteção, pedagógicos e organizativos; participar ativamente em
equipas escolares, promotoras de programas de
prevenção da(s) indisciplina(s) (comportamento
disruptivo e comportamentos que põem em
causa o bom relacionamento entre pares ou com
professores e outros agentes educativos) e da
violência, de gestão e mediação de conflitos e de
intervenção eficaz.
Em síntese, consideramos de grande
importância a tomada de consciência, por parte
dos agentes educativos, da natureza, fatores e
consequências gravosas para os indivíduos,
para a escola e para a sociedade em geral, dos
comportamentos que, além de colocarem em
causa a consecução dos objetivos da escola
(ensinar e aprender), tornam, por vezes, a vida
das pessoas (alunos, professores e outros
agentes) um drama, senão mesmo uma tragédia,
devido ao desprezo de valores como o respeito
mútuo, a amizade e a solidariedade.
Consideramos não menos importante que, para
além do esforço de consciencialização
necessário, se tente passar à ação concreta, no
sentido de criar condições preventivas e remediativas das problemáticas constituídas pelos
comportamentos intensamente agressivos, abusos de poder e desrespeito mútuo. Por tudo isso,
temos vindo a empenhar-nos em projetos e em
ações, como aqueles de que aqui demos conta, na
certeza, de que problemas como os do bullying e
do cyberbullying merecem o empenho de todos,
num trabalho conjunto em que a Universidade e
as Escolas de outros graus podem e devem dar
as mãos.
(*) - Professores da Faculdade de Psicologia e de Ciências
da Educação da Universidade de Coimbra
Professores: João Amado (coordenador), Armanda Matos, Cristina Vieira e Teresa Pessoa.
45
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Agrupamento de Escolas de Miranda do Corvo
Em volta da construção da disciplina
» Júlia Teixeira e Rosário Pimentel (*)
O projeto em desenvolvimento ao longo deste
ano letivo, no Agrupamento de Escolas de
Miranda do Corvo, teve como ponto de partida a
necessidade sentida por alguns professores da
criação de um espaço de partilha onde se
pudesse refletir e discutir as questões de (in)disciplina. Também não foi despiciendo o facto de
um dos elementos do grupo de trabalho ter frequentado, no ano lectivo de 2009/ 2010, um
curso de formação denominado “Violência e
Gestão do Conflito na Escola”, da responsabilidade do Ensino à Distância da Universidade de
Coimbra, protocolado com o Ministério da
Educação e para a qual o Agrupamento foi convidado a participar. Da conjugação destes
fatores e com o interesse que a questão suscita, (parece ser do domínio geral que a indisciplina é uma das fortes responsáveis pelo
insucesso educativo), ficaram criadas as
condições para a concretização do projeto.
A enorme carga burocrática a que as Escolas
têm estado sujeitas nos últimos anos, tem deixado pouco tempo livre aos docentes para se
sentarem, olharem a realidade do seu agrupamento, refletirem e decidirem o que fazer e como
fazer. A indisciplina tem vindo a mostrar graves
consequências em professores e alunos, muitas
vezes, com contornos violentos e gerando
stress, cansaço, preocupação, e desistência.
Com este projeto de reflexão e construção de
alguns caminhos pretendeu/pretende o
Agrupamento refletir sobre o conceito multifacetado e até ambíguo da palavra indisciplina,
definir caminhos para a construção da disciplina, partilhar e discutir os trilhos de sucesso
que já existem e trazer à discussão uma das
formas mais recentes e em expansão - o
“cyberbullying” - tentando reconhecer os seus
contornos numa perspetiva de prevenção.
Este projeto tem tido algumas sessões de
trabalho com a participação de um grande
número de professores do Agrupamento, em
contexto informal e voluntário, e terminará em
Setembro, com um dia dedicado à temática do
"cyberbulling", fazendo parte das atividades de
abertura do ano letivo. Teremos como
palestrantes o Professor Doutor João Amado e a
sua equipa, que se têm dedicado a esta área tão
problemática.
Pensamos que este projeto não deveria
encerrar com essa última sessão, mas continuar
como uma das prioridades de trabalho do
Agrupamento, incluindo, para além dos
docentes, todos os restantes elementos da
comunidade educativa. No momento em que a
Escola vai estender a sua escolaridade obrigatória, confluindo no mesmo espaço alunos
de faixas etárias tão diversas, um trabalho
continuado nesta área parece revelar-se de
toda a utilidade.
Quando se aborda esta questão, falamos de
muitas coisas ao mesmo tempo, com significados diferentes, resultando pois a necessidade de
uma objetividade o mais profunda possível. São
indispensáveis espaços de discussão, reflexão e
partilha conjunta, que levem à clarificação de
conceitos e à definição dos caminhos do que
queremos construir nesta realidade concreta
que é o nosso Agrupamento.
(*) - Professoras do Agrupamento de Escolas
de Miranda do Corvo
46
Agrupamento de Escolas de Soure
Programa PAES
» João Ramos Pereira (*)
A crise económica com que nos debatemos
tem arrastado consigo a degradação de um conjunto de normas de convivência social e a subversão de valores comummente aceites. A par
de frequentes manifestações de incumprimento
de regras e normas de urbanidade, sente-se
uma agressividade latente no dia a dia das
relações sociais, na banalização de linguagem
imprópria, em locais públicos, ou no desrespeito
pelas orientações dos mais velhos.
Sob os nossos olhos, vemos instalar-se esta
doença social que conta, num extremo, com a
indignação dos que solicitam mais "músculo" a
quem manda ou, no outro extremo, os que se
resignam aos "sinais dos tempos". É do senso
comum que actuar sobre os sintomas, ignorando a causa do problema, poderá criar melhorias
temporárias, mas nunca conduzirá à sua
solução.
“O individualismo
ou a intolerância
opõem-se à solidariedade,
à entreajuda, ao respeito
pela opinião do outro,
à valorização do mérito.
Assim, e por inerência
da sua missão,
a escola será sempre um
espaço de conflitualidade;
o seu êxito ou insucesso
depende da forma
como consegue gerir,
melhor ou pior,
este desencontro de valores.
É neste contexto que se insere a actividade
da escola, também ela nem sempre reunindo as
condições necessárias para actuar sobre a
génese dos problemas, ainda que sempre
empenhada em corrigir ou minimizar os seus
efeitos. A sua inserção na comunidade educativa
faz dela objecto da influência do meio, obrigandoa muitas vezes a ser uma ilha isolada na defesa
de princípios e valores. Na realidade, os alunos
transportam consigo (pre)conceitos, atitudes e
comportamentos que, ainda que lamentavelmente
comuns na sociedade actual, se confrontam frequentemente com os que a escola veicula. Por
exemplo, o individualismo ou a intolerância
opõem-se à solidariedade, à entreajuda, ao
respeito pela opinião do outro, à valorização do
mérito. Assim, e por inerência da sua missão, a
escola será sempre um espaço de conflitualidade; o seu êxito ou insucesso dependem da
forma como consegue gerir, melhor ou pior,
este desencontro de valores.
Claro que este papel é hoje mais difícil de
desempenhar porque, para além de se ter
agravado o problema, a escola perdeu muito da
sua autoridade como centro de transmissão de
conhecimento. Também os baixos níveis de esco-
laridade das famílias fazem com que as expectativas relativamente à escola não sejam muito elevadas, o que acaba por se transmitir aos filhos
que a frequentam. Por último, a constante deriva
da tutela, com as suas hesitações e equívocos e
a legislação impossível de compatibilizar, longe
de lhe dar tranquilidade, contribui para lhe dificultar a sua afirmação na sociedade. Mas se, no
que diz respeito à componente meramente
instrutiva de transmissão de conhecimentos, a
escola pode ter concorrentes, já no que diz
respeito ao seu papel educativo, ela é, e será
sempre, insubstituível.
Esta situação irá agravar-se no próximo ano
lectivo com a conclusão de alunos de cursos de
educação e formação (CEF), com idade inferior
aos 18 anos. A escolaridade obrigatória (artigo 2º
da Lei nº 85/2009, de 27 de Agosto) estabelece
que estes alunos permanecem na escola até aos
18 anos ou até à conclusão do ensino secundário.
Por outro lado, a legislação laboral em vigor
permite a assinatura de contratos de trabalho
por jovens com um mínimo de 16 anos (artigo
68º da Lei nº 7 /2009, de 25 de Junho). Tendo
em conta que, de um modo geral, a composição
das turmas deste tipo de oferta formativa é
constituída por alunos em risco de abandono
escolar (ponto 2 do Despacho nº 453 /2004, de
27 de Julho), aos quais quase sempre se associam dificuldades de aprendizagem, um historial
de repetências, problemas disciplinares e a
obrigação de frequência de cursos que não
querem e pelos quais não manifestam qualquer
tipo de interesse, são, por isso, expectáveis
problemas frequentes de ordem disciplinar e
perturbações da normal vida da escola, uma vez
que as escolas estão privadas de lhes garantir
continuidade formativa no ensino secundário.
Acresce que não faz qualquer sentido que a
escola continue a dedicar mais recursos
humanos e tempo aos alunos que não querem
estar na escola, penalizando todos aqueles que
gostam de a frequentar, aceitam as suas regras
e pretendem atingir patamares de excelência no
seu percurso escolar.
47
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
O programa PAES (Programa Alternativo de
Educação e Socialização), criado pelo
Agrupamento de Escolas de Soure e pela
Comissão de Protecção de Crianças e Jovens,
aparece pela necessidade de criar uma resposta
a situações semelhantes que ocorrem regularmente na escola e que dificultam o seu funcionamento, impedindo-as de garantir o direito à educação de todos.
Na realidade, todos os anos há alunos
abrangidos pela escolaridade obrigatória que
ultrapassam o limite de faltas permitido legalmente, por razões decorrentes da aplicação de
medidas disciplinares sancionatórias de exclusão
de frequência da escola. Estes alunos assumem
atitudes perturbadoras, desinteresse pelas
actividades lectivas e uma atitude de conflito
com as regras em vigor na escola. A situação de
possível retenção, em fases muito prematuras
do ano escolar, acarreta para a escola a dificuldade acrescida de controlo de comportamentos
desviantes e comprometedores.
A concretização deste programa passou por:
• Criação de actividades diárias em contexto de
trabalho, nas oficinas da Câmara Municipal
de Soure e dos Bombeiros Voluntários;
• Vinda semanal à escola para entrevistas
com a psicóloga, a assistente social e a
directora de turma, numa perspectiva de
aprofundamento da sua formação cívica;
• Entrega de relatórios da sua actividade em
contexto de trabalho;
• Cumprimento da actividade “um dia na
prisão”.
Este conjunto de actividades implicou a
realização de protocolos com instituições associadas, de acordos de promoção e protecção
com as famílias e com os alunos e a colaboração
do Estabelecimento Prisional de Leiria.
Procurou-se que as actividades em contexto de
trabalho não fossem muito atractivas e tivessem
um horário rígido, para que os alunos envolvidos
percebessem que, com a formação que possuem, não poderão jamais aspirar a uma actividade exercida em melhores condições, mais
bem remunerada ou socialmente aceite.
A escola não alienou as suas responsabilidades educativas sobre os jovens envolvidos
neste projecto, mas em rigor não possui meios
humanos, materiais, ou legais para, por si só,
lidar, com êxito, com estas situações, nem para
preservar os restantes alunos das consequên-
cias negativas impostas pelos comportamentos
desviantes destes jovens que frequentemente se
colocam no limiar da delinquência.
O acompanhamento, por parte de especialistas da escola, no trabalho de construção da personalidade, do director de turma ou até no trabalho de professores de áreas específicas, é um
importante contributo para corrigir comportamentos. Por outro lado, o contacto regular com a
escola é também uma oportunidade de os alunos
retomarem a companhia de colegas/amigos e de
serem confrontados com as virtudes do espaço
escola.
A iniciativa "um dia na prisão", que envolveu
os pais, directores de turma, CPCJ e a psicóloga
coordenadora do projecto, teve naturalmente
uma função intimidatória e constituiu uma oportunidade de reflexão sobre as consequências
das escolhas que fazem e pela repercussão que
têm no futuro. Tratou-se de uma iniciativa devidamente preparada que marcou claramente
alguns dos alunos, se tivermos em linha de conta
as manifestações de medo e de arrependimento
que manifestaram, em alguns casos, pela
primeira vez.
Este projecto constitui-se como uma resposta
muito focalizada na resolução de situações muito
específicas com que fomos confrontados. Não tem
por isso que responder a todas as situações de
indisciplina com que se confrontam as escolas, a
maioria delas de resolução fácil pelo estatuto do
aluno, ou com programas de socialização e integração que as escolas sempre promovem, ou
ainda no âmbito de programas de mediação de
conflitos em contexto escolar.
Por último, deve ser realçada a estreita
relação que estabelecemos com a CPCJ, principal responsável pela qualidade, planeamento e
organização do trabalho desenvolvido e pelo
envolvimento de várias entidades da comunidade
educativa.
A indisciplina não deve ser entendida apenas
como um problema escolar; é um problema também social e, como tal, a sociedade através das
entidades que a integram, deve envolver-se na
sua resolução. A não ser assim, mais tarde ou
mais cedo, o aluno abandona a escola e passa a
ser um problema apenas da sociedade.
(*) - Diretor do Agrupamento de Escolas de Soure
Por opção do autor, este artigo não está escrito de
acordo com o novo acordo ortográfico
A indisciplina
não deve ser entendida
apenas como
um problema escolar;
é um problema
também social
e, como tal,
a sociedade
através das entidades
que a integram,
deve envolver-se
na sua resolução.
Agrupamento de Escolas de Soure
Projeto Rémora
» Anita Duarte (*) e Mónica Marques (**)
Rémora sendo tão
pequenos não só se chegam a
outros maiores, mas de tal
sorte se lhes pegam aos
costados que jamais os desferram…
Padre António Vieira
“Sermão de Santo
António aos Peixes”
Uma estratégia colaborativa,
de interação, envolvimento
e cooperação entre alunos
mais velhos e mais novos
para valorização
dos aspetos cognitivos
e socioemocionais,
num clima de escola
propício às aprendizagens,
ao reforço da autoestima
e das relações
interpessoais.
A Escola assume um papel cada vez mais
significativo na vida dos jovens, propondo-se
garantir uma educação integral a todos os que
acolhe, independentemente da sua proveniência
ou características socioeconómicas e culturais.
Esta missão ambiciosa encerra um desafio tripartido: chegar a todos, esbater desigualdades e
contribuir para um processo de igualdade de
oportunidades. Neste contexto, as competências
exigidas pela escola promovem o desenvolvimento de capacidades intelectuais e sociais, num
processo de construção simultânea de conhecimentos e relações interpessoais.
A proposta de acompanhamento tutorial
delineada neste projeto pretende ser uma das
linhas de atuação essenciais à concretização
deste duplo papel educativo e formativo da escola. A par de vários projetos em desenvolvimento
neste Agrupamento de Escolas, a atenção centrase agora na importância das relações entre
pares, na integração, comportamento, socialização e sucesso escolar dos adolescentes que compõem o seu universo educativo. A tutoria entre
pares é uma prática já amplamente utilizada em
vários países e em anos de escolaridade muito
diferenciados. Os estudos efetuados sobre esta
temática mostram que é uma prática eficaz numa
escola de qualidade para todos, pois permite
mobilizar a capacidade de mediação social, cultural e académica dos alunos e favorece a sua
interação, valorizando o papel dos tutores e
reforçando as capacidades dos tutorados. O
Projeto Rémora surge, assim, da necessidade de
valorização das relações sociais na escola, num
processo de promoção da interação entre alunos.
Pretende afirmar-se como um projeto de interajuda, alicerçado na partilha de experiências e
colaboração positiva. Para a sua definição, muito
contribuiu um dos exemplos mais conhecidos das
relações bióticas estabelecidas entre seres vivos
de uma mesma comunidade: a interação entre
rémoras e tubarões. O pequeno peixe frágil fixase ao corpo do grande predador, sendo por ele
transportado na procura de alimentos, numa
relação positiva para si mesmo e neutra para o
seu anfitrião. Aparentemente, o tubarão não
ganha nada com as rémoras, de peso e tamanho
insignificante, mas tolera a sua presença. Permite
assim que estas estejam sempre por perto, o
acompanhem e sigam para todo o lado, numa
invulgar relação de aceitação e amizade.
Espera-se que os alunos mais novos, mais
frágeis e mais vulneráveis possam encontrar
apoios nos seus colegas mais velhos, conhecedores da realidade escolar na qual se iniciam,
para vencer dificuldades de integração na escola
ou na turma, minimizar comportamentos perturbadores e encontrar resposta para as suas mais
diversas necessidades. Do aluno tutor espera-se
um acompanhamento mais atento e mais próximo,
na orientação do colega apoiado, numa relação de
grande proximidade; do aluno tutorado espera-se
que se sinta seguro e confiante nessa relação,
para poder usufruir plenamente da ajuda que lhe
é proporcionada, fazendo do seu tutor um exemplo a seguir. Tutor e tutorado terão competências diferentes que deverão ser conjuntamente
valorizadas e aproveitadas. Todo este processo
pressupõe o estabelecimento de um clima relacional de aceitação e abertura, uma atitude de
disponibilidade e recetividade mútua, de responsabilidade ativa partilhada.
Será constituída uma bolsa de alunos
tutores voluntários, cuja intervenção incidirá
sobre o acolhimento dos novos alunos na transição de estabelecimento/passagem de ciclos; a
integração no ambiente escolar na procura da
promoção da convivência entre faixas etárias
diferentes; o apoio à melhoria do clima de trabalho no seio da escola com ajuda à progressão
de quem sente dificuldades.
Existirá também um grupo de coordenação
com professores, assistente social e psicóloga
escolar para garantir a realização das atividades
com prática supervisionada e reunir mensalmente com os tubarões (alunos tutores)
para acompanhamento dos progressos das
rémoras (alunos apoiados) que, da sua proteção
beneficiarem.
(*) - Assessora da Direção do Agrup. de Esc. de Soure
(**) - Assistente Social
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Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Agrupamento de Condeixa-a-Nova
Mediação escolar na Escola Secundária Fernando Namora – tópicos para uma reflexão
» Rui Damasceno Rato (*)
1. Mediação em contexto educativo
A escola, enquanto privilegiado espaço
social, propicia o desenvolvimento de interações
entre os diferentes atores sociais (alunos, professores, funcionários, técnicos, diretores, etc.),
contribuindo para o processo de socialização e
assimilação dos distintos papéis sociais, de modo
a criarem-se comportamentos recíprocos que
deverão tornar-se compatíveis e complementares. Se, no processo de socialização, os
elementos da comunidade educativa não se
reveem nos papéis sociais, no respeito a normas,
regras e valores ligados ao ensino e à disciplina na
sala de aula, natural se torna que surjam confrontos interpessoais influenciados por interesses e
expetativas individuais, agravados por dados de
personalidade dos sujeitos envolvidos.
Muito da bibliografia da especialidade
(Formosinho, 2005, Almeida et al, 2009, Almeida,
2009 e Tomás, 2010) vem alertando para a crescente existência de conflitualidades interpessoais,
manifestações de violência entre pares, indisciplina,
insucesso e abandono escolar, revelados de diversas formas. Tendo alguns incidentes como causas,
fatores exteriores à escola acabam por nela
desembocar, na própria sala de aula e/ou espaços
próximos. Assiste-se a confrontos verbais, quando
não físicos, que urge colmatar. Torna-se, assim,
urgente, desenvolver na escola uma “(...) educação
para a gestão positiva dos conflitos(...)” (Tomás,
2011:5) como aliás se vem implementando em diversos países e, igualmente, em Portugal.
No nosso país, a mediação escolar surge na
década de 90, sob impulso de programas comunitários de inserção socioprofissional para grupos sociais desfavorecidos. Algumas entidades
nacionais estabeleceram parcerias com organizações de países da UE, onde a mediação vinha
assumindo preocupações na formação/inserção
no mercado de trabalho, principalmente, de
jovens excluídos do sistema educativo. Na mesma
década, assiste-se à preocupação do Ministério
da Educação em desenvolver experiências-piloto
de formação e integração de mediadores em
escolas mais problemáticas e/ou com alunos de
1
minorias étnicas . Foram projetos que permitiram,
segundo Almeida, valorizar o “(...) conceito de
mediação e a figura do mediador.” (Almeida, V.
2009:78), nos contextos formativos e escolares.
Com a criação, em 2000, do Projeto de
Educação para a Cidadania Democrática, da
responsabilidade do Conselho da Europa e, em
Portugal, do Grupo de Trabalho para Mediadores
Culturais, de iniciativa do Ministério da Educação,
passa a ser reconhecido o papel do mediador
sociocultural para a inserção profissional de
comunidades étnicas minoritárias.
Excluindo legislação específica para a regulamentação das funções de mediador pessoal
e social, no âmbito dos Cursos de Educação e
Formação de Jovens e Adultos, as escolas portuguesas encontram-se, ainda, desprovidas de
dispositivos legais enquadradores para a
mediação escolar e seus mediadores.
Algumas das estruturas criadas em estabelecimentos de ensino continuam a ser fruto do
trabalho assertivo de professores e órgãos de
gestão. Tem sido este o exemplo da Escola
Secundária Fernando Namora, desde 2009,
alargado, este ano letivo, a outra das unidades de
gestão do seu atual Agrupamento.
2. Gabinete de Mediação de Conflitos versus Gabinete de Mediação Escolar (G.M.E.) –
criação, composição e articulação com
algumas estruturas educativas
A criação, em 2009-2010, com carácter
experimental, do então designado Gabinete de
Mediação de Conflitos na Escola Secundária
Fernando Namora, pretendia trazer para o seio
da comunidade educativa um novo conceito para
a resolução de conflitos interpessoais entre os
seus vários membros. De iniciativa da direção,
pretendia ver articulada a sua ação com os
Serviços de Psicologia e Orientação, Diretores de
2
Turma e órgão de gestão , numa perspetiva de
Catarina Tomás, num dos capítulos da obra já referenciada, dá uma desenvolvida informação não só da evolução diacrónica da
mediação escolar em Portugal como, fundamentalmente, do corpo legislativo e organismos interventores (Tomás, 2010:30-36).
2
Damos como exemplo algumas iniciativas divulgadas no nº2 de Setembro de 2011 desta mesma revista, seja na formação de
professores mediadores, seja na proposta de ações de formação para não docentes.
1
As escolas portuguesas
encontram-se,
ainda,
desprovidas
de dispositivos legais
enquadradores
para a mediação escolar
e seus mediadores.
Algumas das
estruturas criadas
em estabelecimentos
de ensino
continuam a ser
fruto do trabalho assertivo
de professores
e órgãos de gestão.
50
Mediação escolar na Escola Secundária Fernando Namora – tópicos para uma reflexão
A criação
de um Gabinete de
Mediação Escolar
é prova da necessidade
de existência de
uma estrutura que permita
um programa de Mediação
de conflitos inerentes à
(com)vivência de todos
os intervenientes
na/da comunidade
escolar sendo um
espaço alternativo para
a mediação/resolução
de situações de conflito
rede como alguns autores vêm defendendo e incrementando em diferentes projetos (Ferreira cit.
Formosinho, 2005:265-306, Simão et al, 2009 e
Almeida, V. 2009). Dotado de instalações próprias,
contou, desde o seu início, com a colaboração de
docentes pertencentes, preferencialmente, ao
Departamento de Ciências Sociais e Humanas, por
entender a Direção ser o núcleo de professores
que, por inerência de formação académica, melhor
se adequavam ao exercício desta atividade. Aos
professores mediadores foram atribuídas horas da
3
sua componente letiva para, em gabinete , assegurarem um conjunto de atividades centradas na
mediação de conflitos em contexto de sala de aula
e/ou espaços escolares e sob a orientação de um
professor coordenador nomeado pela Direção.
Se, nos primeiro e segundo anos letivos, a
inexistência de um articulado em Regulamento
Interno obrigava à definição de um conjunto de
normas procedimentais de atuação, em colaboração com os SPO e Direção, já na atualidade, a
aprovação de um artigo consignador desta
estrutura interventiva acabaria por agilizar
alguns passos de atuação dos mediadores. O
atual G.M.E. é, pois, considerado, no R.I. do
Agrupamento uma “(...)instância mediadora que
poderá ser criada em qualquer escola do
Agrupamento, com vista à resolução de conflitos
em contexto de sala de aula ou lugar onde decorram actividades escolares.” (AECN,2011:Artº128)
3. Mediação escolar no Agrupamento de
Escolas de Condeixa-a-Nova
O recente Regulamento Interno (Março 2011)
do Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova,
ao conter, pela primeira vez, um articulado
específico sobre mediação escolar (Secção X –
Artºs 128 a 131) releva a importância reconhecida pelos órgãos de gestão para a existência de
uma instância desta natureza nas diversas
escolas agrupadas. Assim, ao possibilitar-se a
criação de um Gabinete de Mediação Escolar
(G.M.E.), (designação agora adotada) em mais de
um estabelecimento de ensino é prova da necessidade de existência de uma estrutura que permita um “(…) programa de Mediação de conflitos
inerentes à (com)vivência de todos os interve-
nientes na/da comunidade escolar [sendo] um
espaço alternativo para a mediação/resolução
de situações de conflito (…)” (AECN,2011:Artº128 e
129) em fundamental colaboração com as demais
estruturas educativas, tendo em vista a “(…)
construção de oportunidades de relacionamento interpessoal e prevenção de conflitos sociais
[corrigindo] comportamentos considerados
impróprios, inadequados ou violadores dos
direitos e deveres de todos os membros da
Comunidade Escolar.” (AECN,2011:Artº129).
Esta “individualidade” institucional do G.M.E.
não o tem privado de continuar a colaborar com
as demais instâncias da escola, pois, estatutariamente articular-se-á com “(...) os órgãos de
gestão, S.P.O., Coordenadores de Ciclo,
Professores Tutores ou outras estruturas
educativas, sempre que as situações de
mediação o aconselhem” (AECN,2011:Artº131,
ponto 2). É neste contexto que a participação dos
S.P.O, se tem pautado com a presença da
Psicóloga nas reuniões de avaliação trimestral e
em protocolos de cooperação para situações que
têm requerido estudo e/ou aplicação de testes
da especialidade.
Por outro lado, a recondução da maioria dos
professores mediadores tem favorecido o
desempenho de funções. Ao professor coordenador é reservado um papel de “(...)interlocutor
privilegiado com os órgãos de gestão e estruturas educativas do Agrupamento.” (AECN,
2011:38). Foi com esta determinação que a
Direção solicitou o acompanhamento do novo
G.M.E. criado, no presente ano letivo, na Escola
Básica 2,3 do Agrupamento.
É ainda neste quadro cooperativo que vêm
sendo fornecidas e/ou solicitadas informações,
aos diretores de turma sobre determinados
processos de mediação, principalmente, se a
mediação envolve outros alunos e/ou docentes
da turma.
Por fim, tem entendido a direção, que os professores mediadores enquanto interlocutores
privilegiados na área da indisciplina, deverão
complementar o seu trabalho com a instrução
de processos disciplinares e a designação
preferencial de professores tutores.
Por razões de mancha horária dos professores mediadores e dos horários letivos dos alunos, têm-se dado prioridade ao
atendimento no período da manhã e em algumas tardes. É disposição em análise para futuros ajustamentos.
3
51
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
4. Registo de conflitos/Guias de
Ocorrência/propostas de mediação
Entendendo-se que qualquer conflito, ao
envolver pelo menos duas partes litigantes, não
ocorre, necessariamente, na presença do mediador,
requeria o Gabinete ter as versões das situações
de litígio para, em confronto, atuar em conformidade. Tal facto obrigou a criar um suporte escrito
que retratasse o relato do acontecimento. Surge,
neste contexto, a chamada Guia de Ocorrência
que, preenchida por qualquer membro da comunidade educativa (Fig.1), descreve muito
4
sumariamente a situação de conflito .
(Fig.2). Consoante a indicação do professor participante, assim o aluno litigante regressará, ou
não, à sala de aula/espaço de atividade letiva,
cumprindo sempre a tarefa estipulada pelo
docente, respeitando o prescrito legal.
Figura 2 - Registo de Ocorrência pelo Mediador e propostas de mediação
Figura 1 - Guia de Ocorrência a preencher pelo participante
Nos casos de ordem de saída da sala de aula
e outros locais de trabalho escolar, prescreve o
Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e
5
Secundário e o Regulamento Interno do
6
Agrupamento que competirá ao professor
“(...)determinar o período de tempo durante o
qual o aluno deve permanecer fora da sala de aula
[e se a ] aplicação de medida correctiva acarreta
ou não marcação de falta e, se for caso disso,
quais as actividades que o aluno deve desenvolver
no decurso desse período de tempo.”. Esta
imposição legal obrigou a referenciar, na Guia de
Ocorrência do professor participante, a sugestão
para o cumprimento do articulado.
Em gabinete e de posse da respetiva participação, o mediador preenche um pequeno formulário onde regista a versão do ocorrido pelo
aluno. A confrontação com a descrição do participante deverá fornecer dados para a implementação da mediação, cuja(s) proposta(s) de medida(s) registará neste mesmo impresso, a rubricar
pelo aluno como forma de responsabilização
A consulta das Guias e Registos de
Ocorrência deste último triénio revelam serem
situações de reiterada desobediência a solicitações de professores e/ou perturbações do
normal decurso das aulas as principais causas
que requerem a atuação do gabinete de mediação
escolar.
5. Processos mediados por nível de ensino
– triénio 2009-2012
Por se dispor das Guias de Ocorrência
destes três últimos anos letivos, dos processos
mediados na escola secundária a sua análise
permite fazer, entre outras possibilidades, uma
breve caracterização do total de alunos envolvidos, por nível de ensino. Assim, o Quadro I, sintetiza este desiderato.
Quadro 1 - Total de processos mediados por nível de ensino (2009-2012)
Para possibilitar o acesso às Guias de Ocorrência a docentes e não docentes, foram colocadas, para uso dos primeiros, diversos exemplares (em bolsa) no final do livro
de ponto de cada turma (com divulgação do horário de atendimento do GME) e, para os restantes membros da escola, em locais de acesso comum (Biblioteca, PBX, corredores de piso, Papelaria, Bar, SPO, GME), acompanhados do horário do gabinete de mediação.
5
Artº26º, ponto 5, da Lei nº30/2002 de 20 de Dezembro, republicada a 2 de Setembro de 2010.
6
Artº208º, pontos 3 e 4.
4
52
A representação gráfica dos mesmos valores
(Gráfico 1) permite verificar ser o 3º ciclo o
nível de ensino onde ocorrem mais situações de
mediação, embora com ligeira flutuação para os
anos letivos subsequentes. Excepção revelou-se,
este ano letivo, para um significativo valor de
participações para alunos de 1º ano do C.E.F., a
decorrer na escola secundária.Se, para o ensino
secundário regular, não foram pedidas intervenções do gabinete, os restantes casos de
conflitos (cursos profissionais), parecem não
merecer grande preocupação por serem, conforme registos, situações pontuais.
Gráfico 1 - Processos de mediação por nível de ensino (2009-2012)
Reflita-se, igualmente,
na necessidade
de aprofundar
conhecimentos,
repensar práticas,
procurar
formação especializada
no âmbito
da mediação de conflitos
Pelo facto de estarem, maioritariamente, em
alunos de 3º ciclo e C.E.F., como testemunham os
documentos, os motivos de alguns conflitos, convirá reflectir sobre causas dos incidentes, sua
frequência, interventores e circunstâncias de
ocorrência. Estes fatores são referências para
trabalhos futuros dos mediadores e demais
instâncias educativas do agrupamento.
6. Mediação escolar – tópicos para uma
reflexão final
Entende-se, assim, que o Gabinete de
Mediação Escolar nunca deverá perder a indispensável atuação conjunta com os SPO,
Coordenadores de Diretores de Turma,
Professores Tutores, Pais e Encarregados de
Educação, Diretores de CEF e Cursos
Profissionais, Órgãos de Gestão, e até estruturas
exteriores à escola, colaborando todos na
“(...)criação de novos espaços de socialização e
modelos alternativos de gestão das relações
sociais” (Almeida,2009:74). Recorda-se a
importância do relacionamento com gabinetes de
aconselhamento psicológico e médico dos
serviços públicos e privados, Comissão de
Protecção de Crianças e Jovens do Concelho, e
outras entidades que igualmente intervenham
na minimização de conflitos, de modo a que os
“(...) mediadores escolares (...) através do estabelecimento de parcerias, [concretizem] uma
mediação institucional.” (Almeida,V.2009:75).
Implícita está a noção comunicacional da
mediação, como Helena Almeida e Catarina
Tomás a prescrevem, a que se junta o papel de
catalisador a desempenhar pelo mediador
(Almeida, H. 2009:117-118 e Tomás, 2010:31).
Reflita-se, ainda, na possível relação da
atuação do G.M.E., não apenas com a diminuição
do número de participações, ao longo de cada
ano letivo, mas também com o número de
processos disciplinares instaurados/medidas
disciplinares sancionatórias aplicadas aos
alunos da escola secundária, unidade de gestão
que serviu agora de exemplo.
Reflita-se, igualmente, na necessidade de
aprofundar conhecimentos, repensar práticas,
procurar formação especializada no âmbito da
mediação de conflitos, seja para o universo dos
professores mediadores que já exercem funções,
seja para os que venham a ser designados para
esta novel instância educativa.
A terminar, concorde-se com Vítor Almeida
ao esperar-se do mediador (escolar!) não apenas uma intervenção de ordem moral, de educação para a disciplina, para o cumprimento de
regras básicas de convivência entre todos os
membros da comunidade educativa, mas uma
mediação inscrita ”(...) progressivamente, numa
perspectiva mais alargada de acção para o
desenvolvimento pessoal e social (...)” (Almeida,
V. 2009:76) dos alunos.
Referências bibliográficas
Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova (2011)
Regulamento Interno. Condeixa-a-Nova: A.E.C.N.
Almeida, Helena Neves (2009) Um panorama das mediações
nas sociedades. Na senda da construção de sentido da
mediação em contexto educativo, in, Ana Margarida et
al (2009) Tutoria e Mediação em Educação (p.115-128)
Almeida, Vítor de Almeida (2009) O mediador sócio-cultural
em contexto escolar. Contributos para a compreensão
da sua função social. Lisboa: Edições Pedago, Lda.
Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário. Lisboa:
Diário da República, 1ªsérie-nº171 de 2 de Setembro de 2010.
Ferreira, Fernando Ilídio (2005) Os agrupamentos de escolas: lógicas burocráticas e lógicas de mediação, in João
Formosinho (2005) Administração da educação: lógicas burocráticas e lógicas de mediação (p.265-306)
Formosinho, João (2005) Administração da educação: lógicas burocráticas e lógicas de mediação. Porto: Edições
ASA
Simão, Ana Margarida V. V.; Caetano, A.P.;Freire, I.P. (org.)
(2009) Tutoria e Mediação em Educação. Lisboa: Educa.
Fora de coleção, 8.
Tomás, Catarina A. R. (2010) Mediação escolar: para uma
gestão positiva dos conflitos. Relatório de estágio do
mestrado em Sociologia apresentado à Faculdade de
Economia de Coimbra. Coimbra: FEUC.
(*) - Professor e Coordenador do Gabinete de Mediação Escolar
Ag.Esc.Condeixa-a-Nova/Esc.Sec.Fernando Namora
53
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Utilização de Heurísticas na disciplina de Matemática
- Ferramentas para Resolução de Problemas
» Nuno Rodrigues (*), Alexander Kovacec (**) e Ana Cristina Almeida (***)
O Nova Ágora promoveu, no último trimestre
de 2011, a ação de formação Utilização de
Heurísticas na disciplina de Matemática Ferramentas para Resolução de Problemas.
Destinada a docentes do Terceiro Ciclo do Ensino
Básico e do Ensino Secundário, contou com a
participação de dezoito professores de onze
Agrupamentos de Escolas. A Oficina de
Matemática foi conduzida pelo formador Nuno
Rodrigues, com a colaboração da Professora
Doutora Ana Cristina Ferreira de Almeida, da
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra, e do Professor
Doutor Alexander Kovacec, do Departamento de
Matemática da Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade de Coimbra.
A carga horária de cinquenta horas foi dividida, em partes iguais, por sessões presenciais,
dedicadas à análise de problemas matemáticos,
dinâmica de grupos, debates com base em materiais indutores e acompanhamento individual dos
formandos, tendo o trabalho autónomo incidido
na planificação de atividades e implementação,
em sala de aula, de tarefas que culminaram na
elaboração de um portfólio. A metodologia utilizada teve por base o modelo de resolução de
problemas apresentado por George Pólya (18871985) no livro How to Solve It (1945), tendo sido
exploradas estratégias de ensino e aprendizagem propícias a um maior interesse e participação do aluno, para ensinar o estudante a pensar como resolver problemas matemáticos,
substituindo o habitual e prejudicial ensinar o
que pensar ou ensinar o que fazer.
A primeira sessão, realizada em 2011/09/30,
foi dedicada à apresentação dos conteúdos e
auscultação das expectativas dos intervenientes.
Concluído este ponto, os formandos foram convidados a participar numa atividade inspirada na
Teoria do Equilíbrio, de John Nash. Constituíramse, para o efeito, quatro grupos, tendo cada
grupo recebido dois cartões: um cartão com a
letra X e outro com a letra Y. O objetivo era obter
o maior número possível de pontos, no fim das
dez jogadas. Foi entregue uma tabela (Figura 1),
com todas as combinações possíveis de letras e
pontuação, de acordo com a letra escolhida.
Figura 1
Por exemplo, se todos os grupos, na primeira
jogada, optarem por levantar o cartão X, cada
grupo recebe dez pontos negativos.
Os elementos de cada grupo tiveram oportunidade de dialogar entre si, durante um período
de tempo previamente estabelecido, para decidir
a respeito da letra a exibir. Esgotado o tempo os
representantes de cada grupo mostraram, em
simultâneo, a letra escolhida. Antes de se iniciar
a terceira ronda, o formador permitiu o diálogo
entre todos os participantes para delinearem
uma eventual estratégia de jogo. A pontuação
obtida nesta ronda foi multiplicada por três. A
mesma oportunidade foi concedida, antes do início da quinta ronda, onde a pontuação foi multiplicada por cinco, e antes do início da décima
ronda, tendo agora a pontuação obtida sido multiplicada por dez.
O objetivo do jogo consiste em obter o maior
número possível de pontos, no fim das dez
jogadas (Figura 2).
Figura 2
Para alcançar tal desígnio todos os grupos
têm de levantar sempre o cartão com a letra Y, o
que permite a cada equipa somar 10 pontos, num
total de 40 pontos, ou mais, no caso das jogadas
54
Utilização de Heurísticas na disciplina de Matemática - Ferramentas para Resolução de Problemas
três, cinco e dez. No entanto, tal como aconteceu
com os formandos da Oficina de Matemática, é
muito provável que um, ou eventualmente mais
grupos, decida levantar a letra X, para ganhar
vantagem em duas frentes: somar mais pontos e
penalizar as equipas adversárias. Nas jogadas
seguintes, as equipas que anteriormente jogaram
Y depressa deixam de o fazer, e com todos a
erguer o cartão X, as pontuações rapidamente se
degradam. Conscientes do que está a acontecer,
alguns ou mesmo a totalidade dos grupos, nos
momentos em que é permitido o diálogo, vão
pretender que todos joguem a letra Y para recuperarem pontuação, mas a desconfiança instalouse, minando a confiança coletiva. A probabilidade
de todos os grupos jogarem sempre X até ao fim
é, agora, reduzida. Independentemente da equipa
que termina com o melhor saldo pontual, nunca
pode verdadeiramente ser declarada vencedora,
porque só quando todas terminam com 250 pontos é que se cumpre o objetivo do jogo: obter o
maior número possível de pontos, no fim das dez
jogadas!
A mensagem foi compreendida por todos! A
cooperação prevalece sobre o individualismo.
A sessão de 2011/10/04 foi dedicada à apresentação e análise de problemas clássicos da
História da Matemática. O método utilizado no
Egito Antigo para cálculo do valor de p, o paradoxo Aquiles e a Tartaruga, enunciado por Zenão
de Eleia (490/485 a. C? - 430 a. C?), o problema
dos coelhos incluído em Liber Abaci, escrito em
1202, por Leonardo Fibonacci (1170 - 1250) e a sua
relação com o número de ouro, assim como o
problema das pontes de Konigsberg, solucionado
por Leonhard Euler (1707 - 1783), permitiram trabalhar, entre outros, conceitos de Geometria,
Álgebra e Teoria de Grafos.
Carl Friedrich Gauss
Qual é o resultado da soma dos primeiros
cem números naturais? Carl Friedrich Gauss
(1777 - 1855), com nove anos de idade, alcançou a
solução num ápice. A sua argumentação conjugou simplicidade e eficiência. Se 1 + 100 = 101, 2 +
99 = 101, 3 + 98 = 101, 4 + 97 = 101... 49 + 52 = 101,
50 + 51 = 101, então, formados os 50 pares de
números, a resposta é 50 × 101 = 5050. Gauss
utilizou, ainda que sem a enunciar, a propriedade
da simetria das progressões aritméticas. Numa
progressão aritmética, a soma dos termos igualmente distanciados dos extremos é igual à soma
dos extremos.
A terceira sessão, em 2011/10/07, foi dedicada à leitura e interpretação das primeiras
páginas do Livro de Álgebra de Pedro Nunes
(1502-1578), onde o matemático português
escreve a respeito da resolução de equações do
segundo grau. A obra, redigida em Castelhano, e
preparada ao longo de mais de três décadas, foi
publicada no ano de 1567 (Figura 3).
A Álgebra é definida por Pedro Nunes como
“conta fácil e breve para conhecer a quantidade
ignota, em qualquer propósito de Aritmética e
Geometria, e em toda outra arte que usa de conta
e de medida, como são Cosmografia, Astrologia,
Arquitetura e Mercantil”. Utiliza no seu discurso
demonstrativo o número (arte de dizer qualquer
quantidade composta por unidades), a cosa (x) e
o censo(x 2).
Os formandos, nas
sessões de 2011/10/12
e de 2011/10/14,
envolveram-se na
resolução, com recurso às heurísticas preconizadas por George
Pólya, de questões
extraídas dos arquivos
do Canguru Matemático Sem FronFigura 3
teiras. Em Portugal,
esta prova realiza-se desde o ano 2005, constituindo uma oportunidade para professores e
alunos praticarem resolução de problemas. O
nome singular da prova é uma homenagem a dois
professores, André Deledicq e Jean Pierre
Boudine, que, em 1991, conceberam o Kangourou,
competição inspirada numa prova de escolha
múltipla do início da década de 1980 criada, na
Austrália, por Peter O'Holloran.
No seguimento do trabalho efetuado em
sessões anteriores, concluiu-se um guião de
resolução de problemas, para alunos do Terceiro
Ciclo de Escolaridade, tendo por base a leitura e
compreensão do enunciado, elaboração de um
plano, sua execução e verificação da solução.
Após um intervalo de três semanas para
implementação, em sala de aula, de resolução de
problemas, assente no modelo de Pólya, a Oficina
de Matemática retomou as sessões presenciais
em 2011/11/04, tendo prosseguido em 2011/11/11 e
2011/11/18. O tema principal foi a apresentação de
atividades desenvolvidas pelos formandos junto
dos seus alunos, discussão dos resultados obtidos
e análise das principais dificuldades sentidas por
alunos e professores.
55
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
A convite de alguns formandos, o Professor
Doutor Alexander Kovacec e a Professora Doutora
Ana Cristina Almeida deslocaram-se às escolas
promovendo, no terreno, a aplicação de heurísticas
na resolução de problemas, abraçando os preceitos da Psicologia Educacional. Atente-se nas
palavras da professora Célia Margarida Fonseca
Martins, docente no Agrupamento de Escolas
Infante D. Pedro, em Penela.
“Numa sexta-feira, 2011/11/11, final de semana
cansativa, final de manhã, depois duma aula
exaustiva de Educação Física, foi com muito gosto
que os alunos receberam a visita da Professora
Ana Cristina, (…), falou na destreza, capacidades
e vantagens das heurísticas na vida pessoal de
cada um e descreveu um pouco da Universidade
de Coimbra, aguçando o apetite para prosseguir
estudos…”
“O Professor (2011/12/02) fez uma autêntica
palestra sobre Probabilidades. (…) Os alunos
ficaram com a sensação de que ficou muita coisa
por perceber, mas a verdade é que as noções
intuitivas da lei dos grandes números, das
incertezas no cálculo das probabilidades, e até
de limite, foram profundamente trabalhadas sem
eles notarem. (…) A brincar, foram estabelecidas
muitas conexões matemáticas, feitas muitas
revisões e relacionaram-se muitos conhecimentos de matérias diferentes. O humor, a espontaneidade, a simpatia e a sapiência do Professor
cativaram os alunos, durante os dois últimos
tempos letivos de sexta-feira à tarde, e fizeram
90 minutos parecer meia hora. Forneceu muitas
ferramentas, vontade e curiosidade para as
aulas seguintes, que correram saudavelmente
fluídas, interessantes e repletas de vontade de
saber.”
O penúltimo encontro realizou-se em
2011/11/25, tendo o formador conduzido uma
apresentação em PowerPoint sobre Métodos de
Votação, com base no trabalho de Kenneth Arrow,
vencedor do Prémio Nobel da Economia em 1972.
Sobre este tema foi analisado, entre outros tópicos, o poder de cada um dos países com assento
no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O
problema, explorado com base em conceitos
matemáticos, permitiu concluir que cada membro
permanente tem, aproximadamente, dez vezes
mais poder que cada membro não permanente.
A Oficina de Matemática terminou em
2011/12/09, com referências aos diferentes conteúdos abordados ao longo das sessões e a auscultação das opiniões e críticas dos formandos.
Todos os participantes receberam um CD com os
materiais disponibilizados e temas abordados,
sendo impossível, neste artigo, referi-los na sua
totalidade.
O interesse e participação que os formandos
manifestaram ao longo das sessões provam a
importância da Utilização de Heurísticas na disciplina de Matemática – Ferramentas para
Resolução de Problemas. Uma vez que o desafio
de ensinar se renova a cada ano letivo e a
Matemática não só acompanha a evolução da
sociedade como é responsável pela sua transformação, a implementação de problemas que suscitem o interesse dos alunos é uma peça vital no
processo de ensino e aprendizagem da
Matemática.
(*) - Nuno Álvaro Ferreira Rodrigues: Licenciado em
Matemática – Ramo de Formação Educacional, em 2002, e
Mestre em Ensino de Matemática no 3º ciclo do Ensino
Básico e no Secundário, pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade de Coimbra, em 2010.
Atualmente frequenta o curso de doutoramento em
Psicologia, especialidade de Psicologia da Educação na
Universidade de Coimbra. É formador de Matemática no
Ensino Profissional Público e Privado.
(**) - Alexander Kovacec: Doutorado em Matemática pela
Universidade de Viena de Áustria, em 1980. Atualmente é
Professor Auxiliar do Departamento de Matemática da
Universidade de Coimbra e um dos membros do Projeto
Delfos (Escola de Matemática para
Jovens) que visa o enriquecimento
matemático de alunos que frequentam do 5º ao 12º ano de escolaridade.
É responsável pela preparação de
estudantes que participam em competições internacionais de
Matemática.
(***) - Ana Cristina Ferreira de
Almeida: Doutorada pela Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação
da Universidade de Coimbra, em
2004, com tese na área de Psicologia Pedagógica acerca
do tema "Resolução de Problemas em Psicologia e
Educação". É Professora nesta Instituição de Ensino desde
1990, tendo lecionado, entre outras, as unidades curriculares de Métodos e Técnicas da Educação, Ramo
Educacional (FL/FCT-UC) e Teorias e Modelos de Resolução
de Problemas. É responsável pela consulta de Resolução de
Problemas e Aprendizagem no Centro de Prestação de
Serviços à Comunidade, na FPCE-UC. Vem-se interessando
pelo estudo e intervenção de aprendizagem baseada em
problemas / em projetos / em jogos.
56
O cinema como ferramenta pedagógico-didática
no ensino da filosofia
» Cristina Janicas (*)
O cinema não pensa o real
apenas com a razão,
pensa-o igualmente com a
sensibilidade e afetividade.
Aqui reside a sua profunda
riqueza e autenticidade:
é um pensamento
que passa pelo corpo.
O cinema tem o poder de
tornar presente o ausente,
próximo o distante,
distante o próximo,
cruzando a realidade
e a irrealidade,
a reflexão e o devaneio.
O cinema é um recurso que pode potenciar a
aprendizagem de conceitos, a formulação de
problemas, o desenvolvimento de argumentações
de caráter filosófico e o pensar de temas incontornáveis da filosofia.
O cinema, enquanto modalidade de ensinoaprendizagem, justifica-se não só por se tratar de
um instrumento educativo que auxilia na reflexão
sobre determinados problemas que são da
filosofia, mas também porque o cinema, enquanto
experiência estética, potencia a criatividade e vai
ao encontro da educação pela arte e de uma
cidadania crítica e emancipada.
Conceber o cinema como ferramenta
pedagógica-didática nas aulas de filosofia implica
pensar a relação entre o cinema e a filosofia.
O cinema está próximo da vida e, enquanto
configuração do real, faz-nos sentir e pensar,
construir uma ideia de mundo, da vida como um
todo e do homem.
As narrativas fílmicas são uma das fontes
mais importantes de conhecimento dos costumes,
das atitudes e do modo de habitar o mundo do ser
humano e fornecem ainda paradigmas ou modelos
ético-morais.
A razão clássica, especulativa, abstrata e
descarnada dominou a filosofia, durante muitos
séculos, enquanto forma de compreensão e apropriação do sentido do real, excluindo o mundo dos
afetos e dos sentimentos e, como tal, sendo incapaz de explicar a vida no seu todo. É preciso
redefinir, de modo mais amplo, essa razão e
incluir os sentimentos, os valores e os afetos,
pois, de outro modo, escapar-lhe-ão sempre
dimensões significativas do real. A complexidade
da realidade humana não se conhece através de
uma razão que se deseja pura, é preciso dotá-la
de carne, de corpo.
Não é invulgar assistir a um filme e perceber
que constitui uma reflexão sobre temas substantivos do pensamento filosófico. Claro que é uma
reflexão de outra ordem: o cinema não pensa o
real apenas com a razão, pensa-o igualmente com
a sensibilidade e afetividade. Aqui reside a sua
profunda riqueza e autenticidade: é um pensamento que passa pelo corpo.
A minha experiência de docente permite-me
concluir que o cinema possibilita uma reflexão
crítica sobre a humanidade e o mundo. O cinema
tem o poder de deixar marcas narrativas e multiculturais em imagens e tem o poder extraordinário, próprio da obra de arte, de tornar presente o ausente, próximo o distante, distante o
próximo, cruzando a realidade e a irrealidade, a
reflexão e o devaneio.
A crescente importância dada ao cinema
potenciou que a Filosofia do Cinema ganhasse,
nas últimas décadas, relevância académica e
conquistasse o espaço de uma área de investigação autónoma no domínio da Estética. Uma
das questões mais abordadas nesta área é a
relação da filosofia com o cinema. É possível
uma relação entre cinema e filosofia? De que
tipo será essa relação? Como se conjugam estas
duas realidades, que cruzamentos correm entre
o inteligível e a imaginação? Devemos falar de
filosofia através do cinema ou de filosofia no
cinema? O atual debate supõe duas vias distintas, que não têm de ser necessariamente
opostas, mas podem ser complementares. Por
um lado, a via que afirma que o cinema é uma
mera ilustração de questões filosóficas e, por
outro lado, uma via mais radical, que defende o
cinema como criação filosófica.
Enquanto ilustração, podemos perspetivar o
papel pedagógico do cinema na exposição de
questões, teses e argumentos filosóficos. Neste
caso, o interesse da filosofia no cinema reduz-se
à capacidade que este tem de ilustrar a filosofia.
Neste sentido, podemos olhar o cinema como
arte útil à filosofia, capaz de exposição filosófica,
servindo de auxiliar pedagógico ou meio para
filosofar. Segundo esta conceção, o cinema é
acessório à filosofia.
Enquanto criação, o cinema é pensamento.
Pensa o real que se desvela frente à câmara, captando a complexidade do mundo. O cinema pensa
o real por meios cinemáticos e é capaz de produzir, por si só, conhecimento ou verdades. O cinema encerra um saber que deve ser interpretado
e um filme é uma obra aberta que não possibilita
apenas uma interpretação. A verdade captada
pela câmara é resultado dos elementos que
aparecem no ecrã e do que não aparece. Um
filme é também feito do que não é mostrado, que
está fora do plano. Existem aspetos que apenas
57
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
são sugeridos e que constituem os
intervalos/vazios que são tão significativos
quanto o que se vê ou se ouve. Um filme fala e, ao
falar, constrói um mundo. Este falar revela e
esconde a verdade, constitui um texto que possibilita compreender a complexidade do real. Esta
complexidade requer o olhar segundo diferentes
perspetivas, diferentes linguagens.
Face a estas posições, concordo com
1
Thomas Wartenberg , um dos autores que
defende uma posição das mais moderadas relativamente ao antagonismo ilustração/criação
filosófica. Por outro lado, Wartenberg alerta para
o facto de que o caráter acessório do cinema não
tem de ser perspetivado como algo necessariamente negativo. Ao ilustrar ideias filosóficas,
através de casos concretos e empíricos, o cinema contribui para a divulgação das mesmas. Esta
função que se reconhece ao cinema não diminui
nem tira qualquer valor ao filme enquanto obra
de arte. O Sétimo Selo, de Bergman, é uma obra
incontornável do cinema europeu, independentemente de poder ser considerada como uma alegoria que ilustra o problema filosófico da finitude
humana e da consciência da morte.
Porém, esta obra de Bergman não se limita
a ilustrar a filosofia, mas faz filosofia. É uma
narrativa fílmica que reflete, com radicalidade,
sobre a finitude humana e que faz de Bergman
um realizador-filósofo. Wartenberg reconhece
que existem filmes que possuem a capacidade
de ilustrar ideias filosóficas e existem outros
que são capazes de criar filosofia.
2
Stanley Cavell , já nos anos 70, defendera que
todos os géneros, desde o western à comédia, do
melodrama à ficção científica, poderiam ser um
instrumento privilegiado de acesso às ideias e às
questões filosóficas. O cinema é parte significativa da nossa experiência e ensina-nos alguma
coisa. É uma arte democrática, que chega a uma
maioria significativa de seres humanos, dotandoos da capacidade de compreender a realidade.
O cinema faculta-nos perspetivas do nosso mundo
ao convidar-nos, por alguns momentos, a deixá-lo,
olhando-o de fora. Um filme pode desvelar a vida
ou pedaços da vida, permitir-nos um autoconhecimento e, quem sabe, tornar-nos melhores.
O cinema pode também projetar o nosso pensamento e transformar-se numa espécie de
espelho das nossas dúvidas e incertezas. Para
3
Gilles Deleuze , o cinema serviu não apenas como
meio de exposição de ideias filosóficas, mas também como meio para provocar novas questões
filosóficas. A principal função do cinema, para
Deleuze, é fazer pensar. A imagem cinematográfica é mais do que uma representação do mundo
por nós pensado. Ela é uma procura de mundos
possíveis, de possibilidades de ser, de nos projetarmos no futuro. Deleuze considera a hipótese
de existirem filmes capazes de provocar um
choque na lógica habitual do pensamento e, deste
modo, obrigar o espectador a pensar, desvelando,
assim, o modo de funcionamento do pensamento.
O cinema assume uma importante dimensão
interrogativa do real. Interroga a precariedade da
existência humana, modelos políticos e sociais, a
relação eu-outro, a guerra, etc. Realizadores
como Bergman, Fellini, Wenders, Kurosawa,
Rossellini, Kubrick, Visconti, Resnais, Godard,
Truffaut, Lars Von Trier, entre outros, criaram
filmes que são reveladores de que o cinema
pensa e/ou obriga a pensar. Existem filmes
indiscutivelmente perturbadores e desconcertantes que obrigam os espectadores a sair da
inércia intelectual, lançando-os no terreno da
filosofia. Esses filmes projetam as situaçõeslimite e as preocupações do ser humano, situado num espaço e num tempo que habita. Ao
questionamento e ao pensamento que estes
realizadores levam a cabo através de imagens
em movimento e sons, chama Julio Cabrera,
4
conceitos-imagem .
Encontramos, por um lado, realizadores que
levam a realidade para o cinema e definem como
uma das suas tarefas empenhar a câmara com o
presente histórico. O cinema, neste caso, exerce
uma função política, de crítica e denúncia, função
essa que, como sabemos, cabe igualmente à
1
Thomas Wartenberg, Beyond mere ilustration: how films can be philosophy, in Thinking through Cinema, Oxford: Blackwell, 2006
e Thinking on Screen: Film as Philosophy, New York: Routledge, 2007
2
Stanley Cavell, Le cinema nous rend-il meilleurs?, Paris : Bayard Éditions, 2010
3
Gilles Deleuze, A imagem-movimento - Cinema 1, Lisboa: Assírio&Alvim, 2009 e A imagem-tempo - Cinema 2, Lisboa:
Assírio&Alvim, 2006
4
Cf. Julio Cabrera, O cinema pensa, uma introdução à Filosofia, Rio de Janeiro: Rocco, 2000, pp.9-10. Os conceitos-imagem são
conceitos compreensivos do mundo, que nos permitem uma apropriação do sentido do real.
Um filme pode desvelar
a vida ou pedaços da vida,
permitir-nos
um autoconhecimento e,
quem sabe,
tornar-nos melhores.
Existem filmes
indiscutivelmente
perturbadores e
desconcertantes que
obrigam os espectadores
a sair da inércia intelectual,
lançando-os
no terreno da filosofia.
58
O cinema como ferramenta pedagógico-didática no ensino da filosofia
Vemos filmes que colocam
questões filosóficas e
ensaiam respostas
a essas mesmas questões;
outros que trabalham com
conceitos-chave da
tradição filosófica;
e ainda outros que
estabelecem com os
textos filosóficos um diálogo,
uma relação intertextual.
As narrativas fílmicas,
em suma,
enxertam no texto filosófico
corpo, carne, concretude,
afetividade e emoções.
De algum modo,
permitem-nos obrigar
a filosofia
a descer do céu à terra
ou a abandonar
a sua torre de marfim.
filosofia ou a um certo tipo de filosofia. Por outro
lado, vemos filmes que colocam questões filosóficas e ensaiam respostas a essas mesmas
questões; outros que trabalham com conceitoschave da tradição filosófica; e ainda outros que
estabelecem com os textos filosóficos um diálogo, uma relação intertextual.
A minha convicção é a de que não podemos
reduzir o cinema a uma mera ilustração de teses
ou teorias filosóficas, embora alguns filmes apenas desempenhem essa tarefa. Outros há, contudo, que pensam e dialogam com a filosofia e esse
diálogo enriquece-nos e permite uma compreensão do real, mais profunda e radical.
A filosofia ocidental está intimamente ligada
ao logos e rasurou do seu contexto a dimensão do
que podemos denominar de pathos/afetividade.
Esta rasura foi posta em causa por filósofos
como Schopenhauer, Nietzsche, Kierkegaard e
5
Heidegger que problematizam e criticam a
racionalidade puramente lógica e introduzem no
processo de compreensão do real o elemento
afetivo. Assim, certos pedaços do mundo não são
compreensíveis se excluirmos essa dimensão.
A linguagem cinematográfica possui a capacidade de dizer o real, articulando a dimensão
racional com a componente afetiva/emocional.
No cinema, o pathos e o logos são dois polos que
se equilibram e se completam; "O emocional não
6
desaloja o racional: redefine-o."
Cabrera gosta de denominar compreensão
logopática a compreensão que cruza o racional
com o afetivo, própria dos filmes que pensam
uma realidade que não se revela exclusivamente
pela lógica, mas também pela sensibilidade
ou afetividade. Estes filmes permitem-nos
“experiências fundamentais ligadas à condição
humana, isto é, relacionadas a toda a humanidade
7
e que possuem, portanto, um sentido cognitivo.”
Se o conhecimento é uma construção/captação
do sentido do real, podemos entender o cinema
como uma construção/captação possível desse
sentido, através dos conceitos-imagens.
O conceito-imagem do cinema funciona no
contexto de uma experiência que é preciso ter
para podermos entender e utilizar esse conceito.
Supõe deixar-nos afetar por, de modo que a compreensão de uma realidade surge dessa afeção ou
do impacto emocional que despertou e abalou o
espectador. É este impacto emocional que diz
algo sobre o mundo e possui, portanto, um valor
cognitivo. Um filme inteiro pode ser considerado
um conceito-imagem de uma ou várias noções.
Por exemplo, Morte a Venezia, de Visconti, é um
filme que pensa as noções de belo, amor e morte;
Blow Up, de Antonioni, é um filme que reflete sobre
as noções de conhecimento, incerteza e dúvida.
Por fim, refere ainda Cabrera, estes
conceitos-imagens permitem-nos pensar os
problemas filosóficos de modo não definitivo,
porque a imagem cinematográfica é movimento,
o que nos possibilita captar o dinamismo do real.
Numa outra perspetiva, enquanto narrativas,
os filmes podem estabelecer uma relação inter8
textual com os textos filosóficos. Há filmes que
pensam alguns dos problemas que a filosofia
pensa e este diálogo pode ser enriquecedor quer
para o cinema, quer para a filosofia e, decerto,
para a compreensão do real. A relação entre o
cinema e a filosofia pode ser, pois, pensada como
uma relação intertextual. As relações intertextuais
possíveis consistem em estabelecer relações e
diálogos entre as narrativas fílmicas e os textos
filosóficos e não apenas com textos que precedem
a obra em análise, mas também com textos que lhe
são posteriores. Esta dimensão permite enxertar
num texto sempre outros e novos sentidos.
Neste caso, parece-me que as narrativas fílmicas, em suma, enxertam no texto filosófico corpo,
carne, concretude, afetividade e emoções. De algum
modo, permitem-nos obrigar a filosofia a descer do
céu à terra ou a abandonar a sua torre de marfim.
Aquando de um projeto de investigação-ação
e do Mestrado de Estudos Artísticos - Cinema,
elaborei um conjunto de fichas que deveriam
acompanhar o visionamento de filmes. É dessas
fichas que agora, aqui, apresento um exemplo.
Do cabeçalho que compõe cada ficha consta
o ponto do Programa de Filosofia com o qual o
filme pode estabelecer um diálogo intertexual.
De cada ficha constam os conteúdos estruturantes e específicos que o filme pensa/ajuda a
pensar, a ficha técnica, um texto para docentes e
que faz uma análise do filme tendo em conta a
temática filosófica selecionada e um conjunto de
questões/atividades que poderão orientar o
debate, após o visionamento do filme. Estas
fichas dirigem-se a professores e pretendem
ajudar na preparação das sessões de cinema.
Heidegger, por exemplo, expressou de modo muito claro o compromisso da filosofia com o pathos, quando fala da angústia e do
tédio como sentimentos com valor cognitivo e quando defende que a poesia pensa.
6
Julio Cabrera, O cinema pensa, uma introdução à Filosofia, Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p.18.
7
Julio Cabrera, O cinema pensa, uma introdução à Filosofia, Rio de Janeiro: Rocco, 2000, p.20.
8
Consultar Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva, Gérard Genette e Michael Riffaterre.
5
59
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
2. Os valores: análise e compreensão da experiência valorativa
2.2. Valores e cultura: a diversidade e o diálogo de culturas. Reflexão sobre a riqueza da diversidade dos valores, reconhecendo
a necessidade de encontrar critérios trans-subjetivos de valoração, bem como a importância do diálogo intercultural.
Conteúdo Estruturante - Ética; Política
Conteúdo Específico - diálogo intercultural, diversidade cultural, tolerância, hospedagem, multiculturalismo
Gran Torino (2008)
Realização I Clint Eastwood I Argumento I Nick Schenk I Fotografia I Tom Stern I Montagem I Joel Cox I Música I Kyle Eastwood e
Michael Stevens I Produção I Clint Eastwood I Intérpretes I Clint Eastwood, Bee Vang, Christopher Carley, Ahney Her, John Carroll
Lynch, Cory Hardrict, Geraldine Hughes… I 116 minutos I EUA I Cor
60
O cinema como ferramenta pedagógico-didática no ensino da filosofia
Gran Torino, de Clint Eastwood, narra a história de Walt
Kowalski/Clint Eastwood, um viúvo reformado, veterano da guerra
da Coreia, que vive num bairro de uma cidade do Midwest americano. Esse bairro, que já fora o paraíso para Kowalski, tem-se vindo
a transformar progressivamente num melting pot, onde a convivên9
cia entre estrangeiros/diferentes constitui um problema .
O filme vai buscar o título ao carro Ford Torino, que foi pro10
duzido, entre 1968 e 1976, pela Ford . Era um carro convencional,
eleito pela classe média americana. No filme de Eastwood, o Gran
Torino é um símbolo da poderosa América capitalista, que o poder
económico e político vai tornar cada vez mais arrogante, e que é
perspetivada pelo exterior como American Dream. Mas é esta
América que está a agonizar.
A narrativa de Eastwood surge como uma espécie de requiem: O
filme mostra-nos as ruínas da América, de um certo modo de ser
americano, e começa mesmo com o funeral da mulher de Kowalski.
Vemo-lo de pé, na igreja, olhando as pessoas. A câmara fixa o rosto
de Kowalski, enquanto os filhos questionam o que fazer com ele, pois
só conseguem ver a sua velhice. A câmara executa um intenso jogo
de campo e contracampo. Kowalski é centro das atenções e devolve
os olhares, um a um. Apercebemo-nos, pelo olhar de Kowalski, que
ele não consegue compreender os netos, os filhos, nem sequer o
padre. Nessa incompreensão mostra a sua perplexidade em relação
à América atual. A sua incapacidade de compreensão do outro é evidente e isso faz dele uma personagem intolerante em relação ao
diferente, preconceituosa e xenófoba.
Kowalski cuida da relva do seu jardim, do seu Gran Torino,
11
bebe cerveja Budweiser , vai ao barbeiro cortar o cabelo numa
espécie de ritual, tem hasteada a bandeira americana e insiste em
resistir à mudança que acontece em seu redor. Opta por
entrincheirar-se na sua casa, que transforma numa espécie de
ilha cercada por imigrantes, por quem ele nutre desprezo.
Centrado em si mesmo e no seu modo de vida, um corpo de outro
12
tempo, recusa-se a aceitar, a ver, a nova realidade .
Ao funeral da mulher de Kowalski segue-se uma refeição, ritual
culturalmente obrigatório nos EUA. O ato de comer constitui um
oposto à morte. A alimentação serve para conservar a vida e
confere-lhe prazer. Para além disso, este ato aproxima as pessoas e permite estabelecer, entre elas, relações afetivas. Mas
nem sempre essas relações são positivas. Neste caso, decorrem
numa atmosfera de tensão latente entre Kowalski, os filhos e o
Padre Janovitch/Christopher Carley. Percebemos que Kowalski
não está em paz com o seu mundo nem com a vida, até porque
está mais à vontade com a morte que com a vida.
Apesar da insistência dos filhos, Kowalski recusa abandonar a
casa onde viveu grande parte da sua vida que irá, então, sofrer uma
mudança inesperada. Começa a relacionar-se com Sue/Ahney Her
e Thao/Bee Vang, dois adolescentes vizinhos, de etnia hmong. Esta
mudança obrigá-lo-á a repensar a sua visão do mundo.
Sue e Thao sofrem as pressões de um bando de delinquentes
que atua no bairro. Caberá a Sue conduzir Kowalski num mundo
que não é o dele, permitindo-lhe ver outras realidades e perspetivar, de um outro modo, a realidade. Ela será os olhos de Kowalski
e uma tradutora do diferente: com ela conhecerá novos sabores,
cheiros, costumes e uma nova rede de afetos. Sue convida
Kowalski para uma festa em sua casa. Este primeiro recusa, mas
acaba por aceitar o convite, até porque a comida perde o sabor
quando saboreada na solidão. É em torno dos alimentos que Sue,
Thao e a comunidade hmong lhe oferecem, que se operam as
mudanças lentas na relação de convivência entre Kowalski e os
vizinhos. A dimensão afetiva opera esta metamorfose: os afetos
constituem, pois, uma via de acesso privilegiada ao outro.
A teia de afetos que vai prendendo Kowalski faz com que ele
compreenda que tem que cuidar de algo mais do que da relva do
jardim ou do Gran Torino. Tem pessoas para cuidar: Thao, a irmã
e até, mesmo, a restante família. É então que, incapaz de assistir
de braços cruzados à violência que atinge o seu pequeno mundo,
a vida de Thao e da irmã, Kowalski decide intervir, perseguindo o
gang ameaçador.
Italianos, polacos e irlandeses são imigrantes duma primeira fase e os seus descendentes são totalmente americanos. São imigrantes que já fazem parte da América. É
evidente o processo de assimilação à cultura americana. É o que acontece com Kowalski e com os seus amigos. Os novos imigrantes, de uma segunda fase, são
estrangeiros com quem é difícil a convivência, até porque, em termos de “raça”, cultura e valores são, efetivamente, radicalmente outros.
10
Walt trabalhou, durante 50 anos, na Ford. Foi ele que montou a coluna de direção do seu Gran Torino.
11
A mais famosa cerveja produzida na América, um outro símbolo deste país.
12
Este filme espelha as mudanças que nos últimos anos têm acontecido nos E.U.A., quer nas esferas política quer cultural. O sinal mais evidente do período de mudança
foi, em 2008 (ano da estreia do filme), a eleição do Presidente afro-americano, Barack Obama. Nesse mesmo ano, a Academia de cinema americana atribui a Slumdog
Millionaire, de Danny Boyle, o Óscar do melhor filme. Podemos, deste modo, estabelecer uma relação paratextual entre o filme e o seu contexto histórico-social-cultural
e político. O filme pensa e dialoga com as mudanças que o país vem sofrendo.
13
O etnocentrismo supõe uma tendência para privilegiar os valores do grupo de pertença e para o erigir em modelo de referência, com a desvalorização e a adoção de
sentimentos negativos em relação ao outro. É sinónimo de intolerância, fonte de racismo e de discursos moralizadores.
14
O etnocentrismo só reconhece legitimidade às normas e valores vigentes na sua cultura. Tem a sua origem na tendência de julgarmos as realizações culturais de outros
povos a partir dos nossos padrões culturais, pelo que não é de admirar que consideremos o nosso modo de vida como preferível a todos os outros, que deslocamos para
as margens. Os valores da sociedade a que pertencemos são, na atitude etnocêntrica, declarados como valores universalizáveis, aplicáveis a todos os homens, ou seja, dada
a sua “superioridade”, devem ser seguidos por todos. O que é diferente é rejeitado e o seu modo de habitar o mundo é considerado incorreto. Esta atitude tem a sua origem
num processo de estranhamento, comum nos choques entre culturas.
15
O multiculturalismo adota o reconhecimento e a aceitação de todas as identidades culturais. Caracteriza-se pelo diferencialismo, o comunitarismo, o particularismo e supõe
o relativismo dos juízos de valor. Todavia, na prática, legitima guetos e ausência de valores comuns. O multiculturalismo tem como consequência o assimilacionismo.
9
61
Nova Ágora - Revista 3 | setembro » 2012
Kowalski começa por ser intolerante ao diferente, que vê
como intruso e esta intolerância pode estar associada ao narcisismo. Por natureza ou por influência sociocultural, temos
tendência a procurar o igual. Biologicamente, o nosso sistema
imunológico rejeita os corpos estranhos. Culturalmente, o
estranho ou estrangeiro é detetado como um não-eu e provoca
em nós reações de defesa e de desconfiança. Daí que, por vezes,
nos lançamos na procura do igual e rasuramos o diferente, como
se de uma ameaça se tratasse. Por outro lado, há em nós um
traço de abertura ao outro e ao novo. Aqui entra a curiosidade, o
espanto e o desejo de saber ou saborear experiências.
Kowalski vive na fronteira entre o desejo do outro e o repúdio por ele. É interessante que a procura do outro acontece pelo
paladar, pelo saborear do diferente. Este saborear acaba por
contribuir para que Kowalski se descentre de si mesmo, se abra
ao outro e viaje nas margens.
É esta a trajetória de Kowalski ao longo do filme: o estado inicial de egocentrismo transforma-se, progressivamente, até
alcançar um estado que, pelo reconhecimento do outro e pela
experiência dos afetos, exige a partilha e a hospitalidade.
13
Da inicial posição etnocêntrica (que posiciona a cultura
americana no centro e cega em relação ao que lhe é marginal),
Kowalski passa para uma posição que podemos classificar multi14
culturalista (quando aceita os vizinhos, desde que não saiam dos
seus guetos, desde que não pisem a sua relva) e termina adotan15
do uma posição interculturalista (quando Walt se revela capaz de
hospitalidade em relação ao diferente, quando define como seu
projeto cuidar desse diferente, dado que descobriu que a diferença não é suficiente para justificar a distância). O velho Kowalski
enraivecido que aparece no início do filme e que parece estar a
“rosnar” para tudo e todos dará lugar, progressivamente, a um
ser humano tolerante que consegue dominar a sua raiva interior.
Mas Kowalski falha nesse projeto de cuidar e proteger. O gang
que persegue Thao ataca e viola Sue e Kowalski percebe que falhou
e, por isso, sente dor e culpa. Chega o momento de vingança, a hora
do justiceiro. Um justiceiro que escolhe a morte, porque só ela permite a redenção. Kowalski enfrenta o gang e é morto. Mas é a sua
morte que leva a que os elementos do gang sejam presos e Thao e
a família fiquem livres.
Kowalski deixa três heranças ao jovem hmong: a vida (que
merece ser vivida em liberdade), o Gran Torino (símbolo da afetividade, sem a qual a vida se torna insípida) e uma aprendizagem
sobre a morte de que o próprio Kowalski se consciencializou no
fim da vida e pela qual carregou o peso da culpa - matar um ser
humano não faz qualquer sentido.
Os sucessivos confrontos entre Kowalski e o gang fazem-nos
lembrar uma das personagens mais populares representadas por
16
Clint Eastwood, Dirty Harry . Também Kowalski é um justiceiro
implacável, disposto a usar a violência para resolver os conflitos,
um solitário descrente nas instituições e na capacidade de estas
fazerem justiça.
Este filme reflete sobre o diálogo intercultural e remete-nos
17
para uma nova dimensão do conceito de tolerância enquanto
capacidade de hospedagem, em nós, do estrangeiro, do diferente.
A tolerância é, nesta narrativa de Clint Eastwood, tematizada como
capacidade de se deixar tocar pelo outro, de o ouvir, ver e por ele
se deixar interpelar. Entendida deste modo, a tolerância joga com
afetos, sendo possível conceber uma razão sensível e afetiva em
que o conhecimento é também emoção. Assim, a nossa compreensão do outro, passaria, também, pelo modo como o sentimos e
pela força com que o sentimos. Esta é a ideia magistralmente filmada por Eastwood, neste Grand Torino.
A posição interculturalista consiste na procura de valores comuns através do diálogo intercultural; implica a integração de grupos étnicos minoritários numa sociedade
com uma cultura diferente, podendo estas minorias étnicas expressar e manter elementos distintivos da sua cultura, afirmando-se, deste modo, na miscigenação cultural,
sem imposições. Supõe o princípio do reconhecimento das diferenças, o princípio da mescla e o princípio não só mas também. Não podendo viver de costas para os
outros, abre-se diante de nós como possibilidade autêntica o diálogo intercultural, diálogo plural, inscrito no horizonte da solidariedade que implica a relação com o outro
e a forma como habitamos o mundo em que vivemos.
16
Refere-se a Harry Callahan, uma personagem representada por Eastwood, em 1971, no filme Dirty Harry, do realizador Donald Siegel. É um polícia que age para além dos
limites da lei, que faz justiça pelas suas mãos e que tem como objetivo limpar as cidades do lixo humano.
17
Sobre a noção de tolerância, cf. João Maria André, Pensamento e Afetividade, Coimbra: Quarteto, 1999. João Maria André coloca a génese do conceito de tolerância como
resposta aos fundamentalismos, defendendo que a tolerância é o contrário da atitude fundamentalista e do seu projeto societal. Apresenta-nos a tolerância como acolhimento do que é diferente do eu e como capacidade de se deixar transformar pela relação que nesse acolhimento se realiza, distanciando-se completamente da figura
“caritativa”, que supõe e que se encontra subjacente à sua raiz etimológica, e de uma outra figura da tolerância como indiferentismo ou falta de convicção.
15
1. Procede a um levantamento de crenças, hábitos ou padrões culturais que caracterizam as diferentes culturas
em confronto no filme.
2. Destaca do filme diferentes atitudes face à diversidade cultural.
3. Caracteriza cada uma dessas atitudes e procede a um levantamento das consequências que acarretam.
4. Faz um levantamento de situações de intolerância que o filme apresenta.
5. Reflete criticamente sobre o percurso de Walt Kowalski, ao longo do filme, e sobre o que o aproxima do diferente.
PLANO DE FORMAÇÃO 2012 - SET A DEZ
INFORMAÇÕES 2/2012
1. No ano em que se contam 20 anos desde a criação da maioria das estruturas que têm sido a base da formação contínua dos
profissionais de educação, os centros de formação de associação de escolas iniciam a terceira década da sua existência no
contexto de um sistema educativo em défice e atravessados pela omissão e incoerência de políticas para a formação contínua.
Iniciam-na, também, conscientes da inconsequência de algumas das iniciativas que, ao longo dos anos, foram implementadas
no setor da formação contínua; porém, por outro lado, bem certos do impacto positivo que a maioria delas teve e continua a
ter nos contextos da escola e da sala de aula.
2. A vivência desta herança de 20 ANOS DOS CFAE estará presente em atividades do Nova Agora – CFAE que se desenvolverão
ao longo do próximo ano letivo, seja a nível editorial, seja num conjunto de conferências e jornadas sobre diferentes temáticas.
3. Até ao momento, mantém-se para o corrente ano a situação de inexistência de um programa global de financiamento público para formação contínua dos profissionais de educação. De acordo com a legislação em vigor, a formação contínua é um
direito dos profissionais de educação, pelo que, segundo parecer da sua Comissão Pedagógica, o Nova Ágora – CFAE não
realiza ações de formação suportadas pelo pagamento de inscrição pelos docentes. A generalidade das ações e projetos
desenvolvidos pelo Nova Ágora – CFAE são executados ou com base em financiamentos pontuais ou, sobretudo, aproveitando os seus recursos próprios e das escolas e agrupamentos associados, bem como ainda através da cooperação com entidades parceiras e a participação graciosa de colaboradores.
4. No âmbito da medida "Educação Especial 2012" da Fundação Calouste Gulbenkian, o Nova Ágora-CFAE candidatou a financiamento o projeto “Plano de Formação em Educação Especial nas escolas do Nova Ágora-CFAE”. Vão ser apoiadas 8
ações para pessoal docente, pessoal não docente e pais e encarregados de educação. Prevê-se também a edição de recursos de formação-instrumentos de intervenção. As vagas serão distribuídas proporcionalmente pelas escolas associadas e a
seriação dos inscritos é da responsabilidade das direções das escolas e agrupamentos associados.
5. No ano letivo de 2012-2013, as ações serão divulgadas e as inscrições abertas caso a caso, para o que deverão
ser consultadas as indicações quanto aos destinatários, bem como as observações constantes do descritivo de cada Ação
de Formação na página do CFAE (no quadro “PLANO DE FORMAÇÃO: CURSOS/TURMAS A INICIAR” selecione a ação de formação que deseja consultar).
6. De acordo com a legislação em vigor, prossegue a Certificação de Competências Digitais - Nível 1, através de requerimento a apresentar no Portal das Escolas (http://www.portaldasescolas.pt), nos termos da Portaria n.º 731/2009, de 7 de julho.
Consulte a legislação e o Manual do Utilizador disponíveis no Portal das Escolas (http://www.portaldasescolas.pt). Após a
certificação pelo Diretor do Centro, os certificados de Competências TIC - Nível 1 são enviados periodicamente para a Sede de
Agrupamento de Escolas/Escola a que pertencem os docentes.
Saudações cordiais e
votos um bom ano letivo
O Diretor do Nova Ágora - CFAE,
João Paulo Janicas
AÇÕES DE FORMAÇÃO
Plano de Formação em Educação Especial nas escolas do Nova Ágora-CFAE
Financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian
DESTINATÁRIOS
MODAL.
/hORAS
FORMADORES
/PARCERIAS
N.º TURMAS/
CALEND./LOCAL
O “Currículo Específico Individual” do
Decreto-lei 3/2008: a perspetiva curricular funcional
Prof. de Educação
Especial e Psicólogos
Curso
30 h
Jorge Rocha
1.º período letivo
Escola Secundária D.
Duarte
Autismo e multideficiência/surdocegueira - diagnóstico, avaliação e
construção de material didático
Perturbações da Comunicação,
Linguagem e Fala - Como reduzir o
seu impacto na educação
Ed. Infância e Prof.
Ens. Bás. e Sec.;
Psicólogos
Ed. Infância, Prof. 1º
CEB e Ed. Esp.;
Psicólogos
Oficina
25 h+25 h
Assunção Ataíde
e Elvira Mendes
Curso
25 h
João Canossa
Dias
Partilhando a educação II - jogar e
brincar com alunos com necessidades
educativas especiais
Assistentes
Operacionais
Curso
21 h
Helena Reis
EE-2-1
A organização e funcionamento da
Educação Especial - a perspetiva do
Decreto-lei 3/2008
Ed. Infância e Prof.
Ens. Bás. e Sec.;
Psicólogos
Curso
25 h
entre janeiro a junho 2013
Jorge Rocha e
Escola Secundária D.
Paula Constantino
Duarte
EE-5-1
Dificuldades específicas de aprendizagem da leitura, escrita e cálculo
Ed. Infância e Prof.
Ens. Bás. e Sec.; Psic.
Curso
25 h
Maria da Piedade
Ramos
entre janeiro a junho 2013
Escola Sec. D. Duarte
EE-6-1
Programação neuro-linguística aplicada ao contexto educacional
Profs. do 3º CEB (9.º
ano)
Oficina
25 h+25 h
Cristina Vieira
entre janeiro a junho 2013
Escola Sec. D. Duarte
O papel do pessoal não docente na
educação pré-escolar e no 1.º ciclo para
a integração das crianças com NEE
Assistentes
Operacionais
N.º
EE-1-1
EE-4-1
EE-7-1
EE-9-1
EE-10-1
NOME DA ACÇÃO
Curso
21 h
Lídia Oliveira
1.º período letivo
Escola Secundária D.
Duarte
1.º período letivo
Escola Secundária D.
Duarte
1.º período letivo
Escola Sec. D. Duarte
entre janeiro a junho 2013
Escola Secundária D.
Duarte
Outras ações de formação previstas
07-2
Desenvolver Projetos Cooperativos
Europeus com a plataforma eTwinning
Ed. e docentes do
Ensino Bás. e Sec.
Oficina
25 h+25 h
Cristina Silva e
Luís Duarte
1.º período letivo
EB 2 da Lousã
44-2
Utilização de Heurísticas na disciplina
de Matemática – Ferramentas para
Resolução de Problemas
Prof. de Matemática
do 3º CEB e Sec.
Oficina
25 h+25 h
Nuno Rodrigues
1.º período letivo
Escola Secundária D.
Duarte
82-1
Tecnologias da informação e da
comunicação na biblioteca escolar.
Apoio aos utilizadores.
Assistentes
Operacionais
Curso (bLearning)
25 h
Helena Duque e
outros (RBE)
A definir
Escola Secundária D.
Duarte
65-1
Contratação Pública-Plataformas electrónicas - aplicações
Elementos das
direções executivas e
dos SAE
Módulo
não acred.
7h
Joaquim Bispo
novembro 2012
Escola Secundária D.
Duarte
80-2
Mediação de Conflitos em Contexto
Escolar
Assistentes
Operacionaiss
Curso
28 h
Elisabete Pinto
da Costa
setembro 2012
Escola Secundária
Martinho Árias - Soure
83-2
Manutenção básica de dispositivos
informáticos e multimédia
Curso
15 h
Manuel Tavares
1.º período letivo
Escola Secundária D.
Duarte
85-1
Primeiros socorros e proteção civil
Curso
28 h
Jorge Pedro
setembro 2012
Escola Secundária D.
Duarte
Assistentes
Operacionais
Assistentes
Operacionais
NOTAS: 1 - A consulta deste quadro não dispensa a leitura dos pormenores das ações na página do CFAE, particularmente no que respeita a destinatários
e critérios de seleção;
2 - Esta é a lista de ações previstas à data de publicação desta revista, estando outras ações em preparação para o decurso do ano letivo.