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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
WANDERSON DOS SANTOS REBELLO
O PAPEL DOS CANAIS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO
RIACHO (ES): ESTUDO DE CASO SOBRE A
CONSTITUIÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DA
CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL CAPIXABA
VITÓRIA
2012
WANDERSON DOS SANTOS REBELLO
2
O PAPEL DOS CANAIS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO
RIACHO (ES): ESTUDO DE CASO SOBRE A
CONSTITUIÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DA
CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL CAPIXABA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação
em
Geografia
da
Universidade Federal do Espírito Santo
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Luis Carlos Tosta dos
Reis.
VITÓRIA
2012
3
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
R291p
Rebello, Wanderson dos Santos, 1978O papel dos canais do DNOS nas várzeas do Riacho (ES) :
estudo de caso sobre a constituição técnico-científica da
configuração territorial capixaba / Wanderson dos Santos
Rebello. – 2012.
147 f. : il.
Orientador: Luís Carlos Tosta dos Reis.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal
do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Departamento Nacional de Obras de Saneamento (Brasil).
2. Aracruz Celulose. 3. Várzeas. I. Reis, Luís Carlos Tosta dos. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 91
4
AGRADECIMENTOS
Primeiramente ao professor-orientador-amigo Luís Carlos Tosta dos Reis, por ter oferecido a
oportunidade de orientação diante do quadro complicado que se instalou durante a definição
de orientadores em 2010. Sem esse apoio teria sido complicado obter resultados
consistentes na relação teoria-práxis da pesquisa;
Ao professor Carlos Teixeira de Campos Júnior, pelos valiosos apontamentos feitos durante
a etapa de qualificação da pesquisa, que ajudaram na elaboração do capítulo de análise;
Ao professor Aldo Dantas pelos apontamentos feitos durante a etapa de defesa da
dissertação;
Ao ex-professor da UFES e ex-diretor geral do DNOS no Espírito Santo, Elmo Luiz Campo
Dall´Orto, por ter compartilhado tão gentilmente parte de uma história do ES ainda não
encontrada nos livros e pesquisas existentes;
A minha família, por todo suporte oferecido durante minha caminhada pessoal e profissional;
Aos amigos Júlio Martins, Cláudio DJ e Cida, pela amizade ao longo desses anos...
Aos companheiros da turma do mestrado de 2010, em especial ao Aldo Rezende e à
Edmara Lorenção, pelas incansáveis conversas, cafés e sugestões durante a pesquisa;
A Izadora por toda ajuda, atenção e amizade construídas nesses 2 anos;
Aos funcionários dos diversos órgãos públicos visitados;
Ao Criador, pela Existência.
5
RESUMO
O trabalho problematiza o significado dos canais construídos pelo Departamento
Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) nas várzeas do Riacho, iniciados no
decênio de 1960, entre os municípios de Aracruz e Linhares.
Com base na perspectiva teórica de Milton Santos, que permite assimilar a noção de
Técnica enquanto recurso epistemológico para análise e interpretação do espaço
geográfico, buscou-se compreender o processo de materialização dos canais
enquanto obra de engenharia, configurando-se como estudo de caso do processo de
materialização da constituição técnico-científica da configuração territorial capixaba,
decorrente do período modernização do Espírito Santo.
O trabalho permite, ainda, compreender a inflexão sobre o uso original dos canais,
concebidos inicialmente para a promoção de áreas voltadas para a produção
agrícola modernizada e que, atualmente, encontram-se sob controle da Aracruz
Celulose (atual Fibria), causando consideráveis impactos sobre a sociedade local.
6
RÉSUMÉ
La recherche traite de vérifier le sens des canaux construits par Departamento
Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) dans les plaines inondables de la rivière
Riacho, depuis la décennie de 1960, entre Aracruz et Linhares.
Selon la perspective théorique de Milton Santos, qui permet d'assimiler la notion de
technique comme une ressource épistémologique pour l'analyse et l'interprétation de
l'espace géographique, nous avons cherché à comprendre le processus de
matérialisation des canaux comme une œuvre de ingénierie, comme une étude de
cas du processus de matérialisation de l'établissement scientifique et technique de la
configuration territoriale en raison de la période de modernisation du Espírito Santo.
Le travail permet également de comprendre l'inflexion sur l'utilisation originale de les
canaux, initialement conçu pour la promotion des zones pour la production agricole
et modernisée, qui sont actuellement sous le contrôle d'Aracruz Celulose (actuelle
Fibria), causant des impacts considérables sur la société locale.
7
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 – A Fibria (antiga Aracruz Celulose) não é bem vinda na festa dos
pescadores ............................................................................................................. 119
Fotografia 2 – Faixa representando o pensamento dos pescadores...................... 119
Fotografia 3 – Antiga unidade de processamento de arroz da fazenda Agril.......... 143
Fotografia 4 – Antigos galpões da fazenda Agril..................................................... 143
Fotografia 5 – Antiga unidade de processamento de arroz da fazenda Agril.......... 143
8
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Caracterização do custo das obras do DNOS nas várzeas do Riacho.... 71
Tabela 2 - Custos do projeto de adução emergencial para o canal Caboclo
Bernardo.................................................................................................................. 103
Tabela 3 - Custos do projeto de consolidação técnica para o canal Caboclo
Bernardo.................................................................................................................. 104
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Localização da área de estudo................................................................. 41
Figura 2 - Canal Caboclo Bernardo, visão parcial................................................... 101
Figura 3 - Canal Caboclo Bernardo, visão parcial................................................... 101
Figura 4 - Capa do Jornal da Aracruz anunciando a conquista do prêmio CNI de
Ecologia, em função da abertura do canal caboclo Bernardo................................. 111
Figura 5 - Croqui dos Canais do DNOS nas várzeas do Riacho em 1978............. 141
Figura 6 - Sistema de captação/adução de água do rio Doce pela Aracruz Celulose
................................................................................................................................. 142
Figura 7 – Investimentos do DNOS no Espírito Santo............................................ 144
Figura 8 – Notícia sobre o DNOS em A Gazeta...................................................... 144
Figura 9 – Recuperação dos vales úmidos capixabas............................................ 145
Figura 10 – Importação de arroz para o Espírito Santo.......................................... 145
Figura 11 – Representação das várzeas do Riacho no século XIX........................ 146
10
LISTA DE SIGLAS
BANDES – Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CASES – Companhia de Armazéns e Silos do Espírito Santo
CERMAG – Companhia de Engenharia Rural de Mecanização Agrícola
COFAI – Companhia de Fomento Agro-Industrial
COMDUSA – Companhia de Melhoramentos e Desenvolvimento Urbano
DNOS – Departamento Nacional de Obras de Saneamento
EMATER – Empresa de Assistência Técnica do Estado do Espírito Santo
EMCAPA – Empresa Capixaba de Pesquisa Agropecuária
EMCATUR – Empresa Capixaba de Turismo
ITC – Instituto de Terras e Cartografia
11
LISTA DE MAPAS
Mapa 1- Canais do DNOS em Aracruz e Linhares................................ 18
Mapa 2 – Canais dos DNOS/Provárzeas-ES....................................... 147
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 14
2 TÉCNICA E ESPAÇO GEOGRÁFICO: A BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA ...19
2.1
O
CONTEÚDO
TÉCNICO
DO
ESPAÇO
GEOGRÁFICO:
ENFOQUE
DIACRÔNICO.............................................................................................................21
2.2 CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL E MODERNIZAÇÃO. ................................... 32
2.3 SISTEMAS DE ENGENHARIA E RENOVAÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DA
CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL ............................................................................ 35
2.4 VERTICALIDADES E HORIZONTALIDADES..................................................... 38
3 A PROBLEMÁTICA EM TORNO DA ÁREA DE ESTUDO: AS VÁRZEAS DO
RIACHO E OS CANAIS DO DNOS.......................................................................... 41
3.1 AS VÁRZEAS DO RIACHO ENQUANTO MEIO NATURAL: O PERÍODO PRÉCABRALINO.............................................................................................................. 42
3.2 ATRIBUTOS DA GÊNESE DAS VÁRZEAS DO RIACHO ENQUANTO MEIO
TÉCNICO.................................................................................................................. 44
3.3 ELEMENTOS DA MODERNIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CAPIXABA NO
PERÍODO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL............................................ 48
3.4 OS CANAIS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO RIACHO........................................ 55
3.4.1 O DNOS como Vetor de Modernização: uma apreciação sintética.................. 56
3.4.2 A Ação do DNOS nas Várzeas do Riacho: aproximação preliminar e
questionamentos....................................................................................................... 59
4 O SIGNIFICADO DOS CANAIS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO RIACHO: UM
ESFORÇO DE ANÁLISE.......................................................................................... 64
4.1 PERFIL DA GÊNESE E MAGNITUDE: UMA GRANDE OBRA DE ENGENHARIA
LEGITIMADA SOB O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO DO ESTADO............ 65
4.2 A INFLEXÃO NO USO E SIGNIFICADO DOS CANAIS DO DNOS: A
APROPRIAÇÃO PELA ARACRUZ CELULOSE........................................................ 92
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 123
13
6 REFERÊNCIAS................................................................................................... 126
ANEXOS................................................................................................................. 140
14
INTRODUÇÃO
O presente trabalho problematiza o significado dos canais construídos pelo
Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), uma importante obra de
engenharia construída a partir dos anos de 1960 nas várzeas do Riacho (ES),
enquanto
processo
de
materialização
da
constituição
técnico-científica
da
configuração territorial capixaba.
A pesquisa que se propõe desenvolver sobre este objeto aspira, sobretudo,
investigar o significado dos canais enquanto expressão da assimilação de uma
parcela do território capixaba ao processo de modernização que ocorria em um
contexto mais amplo e complexo de intensificação da modernização que o país
conheceu, de modo saliente, desde o decênio precedente. Assim, o estudo sobre o
papel desta obra de engenharia não se orienta no sentido de considerar o caráter
estritamente técnico-funcional da referida obra, tratando-se, antes, de propor através
do aporte teórico da geografia, uma contribuição que - não obstante a condição de
estudo de caso – possibilite promover uma interpretação crítica sobre a constituição
técnico-científica de uma parcela da configuração territorial capixaba. Desse modo
os canais do DNOS são problematizados enquanto uma manifestação representativa
– ainda que pontual – do papel que o conteúdo técnico-científico do território
desempenha no complexo processo de modernização do Espírito Santo.
Instalada nas várzeas do Riacho e próxima à foz do rio Doce, entre os limites dos
municípios de Linhares e Aracruz, a referida obra foi produzida entre os anos de
1960 e 1990, inicialmente, sob os auspícios da aspiração de modernização nacional
por parte do governo federal, na tentativa de alinhar o Espírito Santo na perspectiva
da lógica desenvolvimentista em que o Brasil buscava se inserir naquele momento e
da necessidade criada para se promover a modernização na agricultura capixaba. A
princípio, como será ratificado ao longo do trabalho, a obra de engenharia foi
projetada visando tornar as várzeas do Riacho em uma área passível de utilização
para a produção agrícola modernizada, visando a introdução de culturas alimentares
que requeriam a irrigação controlada em busca da ampliação da produtividade
15
agrícola na área, tendo em vista, ainda, a possibilidade de exportação de parte da
produção. Trata-se, enfim, de uma obra levada a cabo sob uma política de fomento à
modernização da produção agrícola no território capixaba, sob o contexto dos anos
60, período que, como será evidenciado no que segue, pode ser considerado
decisivo à reestruturação da economia capixaba.
Não obstante esse contexto referente à origem da construção dos canais, os
mesmos foram ulteriormente submetidos a um propósito distinto que, entretanto,
permanece vigente atualmente, qual seja, o de servirem como instrumento de
fundamental importância ao fornecimento da água indispensável à Aracruz Celulose
(atual Fibria), no processo produtivo da celulose (matéria prima para a produção de
papel) voltada para exportação, cabendo destacar que a empresa exerce,
atualmente, o controle do fluxo de água nos canais das várzeas do Riacho, a fim de
abastecer seus reservatórios quando necessário, criando, dessa forma, impactos
significativos sobre a sociedade local existente.
É a partir do quadro brevemente esboçado acima que o presente trabalho tem como
objetivo investigar o papel dos canais do DNOS na produção da configuração
territorial capixaba, procurando responder questionamentos que incitam a pesquisa,
tais como: quais os principais atributos associados à gênese dos referidos canais,
isto é, à fase de projeto e construção dos mesmos? Quais as principais
transformações que o uso dos canais conheceu desde sua gênese até o presente?
Qual o significado dessas transformações no que respeita ao conteúdo técnicocientífico de uma parcela do território capixaba?
A fim de encaminhar a problemática em tela no plano teórico, a pesquisa buscará
apoio numa perspectiva estabelecida no âmbito da pesquisa em geografia, qual seja,
a perspectiva que focaliza a problemática acerca da relação entre espaço geográfico
e técnica.
Santos
Mais especificamente, trata-se de recorrer à contribuição que Milton
forneceu
à
assimilação
da
noção
de
técnica
enquanto
recurso
epistemológico para a análise e interpretação do espaço geográfico. Sua
contribuição é amplamente reconhecida entre os geógrafos, traduzindo-se, por sua
vez, como matriz de teoria e método de diversas contribuições e estudos de caso
16
que se dedicam à pesquisa acerca da dotação técnica do território e seu significado
mais amplo para a produção social. A adoção desse quadro de referência teórica
estrito, embora não exclusivo, reflete a constatação de que ele oferece uma
orientação de método convergente à perspectiva com a qual se propõe
problematizar os canais do DNOS, os quais, enquanto obra de engenharia,
exprimem de modo inequívoco a condição de objeto técnico-geográfico de grande
magnitude na configuração territorial capixaba. A disposição atual dos canais pode
ser conferida no mapa 1.
O estudo encontra-se estruturado em 4 capítulos, dos quais o seguinte é reservado
à base teórica e conceitual que orienta a pesquisa, enquanto o terceiro capítulo é
dedicado ao desenvolvimento da problemática em torno da área de estudo. Nesse
sentido, a fim de desenvolver uma caracterização da área que não se limitasse a
fornecer informações sobre a área de estudo, mas que, sobretudo, promovesse o
sentido da problemática elaborada em torno do papel dos canais do DNOS, tal como
esboçado anteriormente, foi observado a necessidade de contemplar três elementos
identificados como sendo inicialmente necessários à qualificação da pesquisa
proposta, no sentido de contextualizar a necessidade da construção dos canais no
tempo e no espaço, em função da produção, quais sejam (a) atributos da evolução
das várzeas do Riacho enquanto meio geográfico; (b) apreciação panorâmica dos
elementos básicos da modernização do território no Espírito Santo e; (c) qualificação
institucional do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, sendo concluído
com a exposição das questões centrais que orientaram a realização da pesquisa.
Estes 3 elementos não esgotam toda a complexidade associada a qualificação da
área de estudo, contudo, sugere-se, fornecem um enquadramento suficientemente
amplo e, nesse sentido, podem ser destacados enquanto fios condutores iniciais da
problemática da pesquisa proposta. O quarto capítulo constitui o cerne da pesquisa,
sendo reservado à análise do significado da implantação dos canais do DNOS nas
várzeas do Riacho, sendo, na primeira parte, evidenciado como em sua origem eram
voltados para a promoção da agricultura de alimentos, contanto inclusive com
programas de fomento financeiro; na segunda parte, a análise aborda a posterior
inflexão dos mesmos para a produção agroindustrial de celulose. O capítulo é
finalizado mostrando os rebatimentos dessa inflexão sobre a sociedade local,
17
sobretudo em função da apropriação dos canais do DNOS pela Aracruz Celulose,
ator hegemônico presente na área.
As considerações finais são desenvolvidas no capítulo cinco, escrito com o propósito
de fornecer uma síntese sobre os principais resultados da pesquisa em sua relação
ao tema.
18
Mapa 01
19
2 TÉCNICA E ESPAÇO GEOGRÁFICO: A BASE TEÓRICO-METODOLÓGICA
A perspectiva de reflexão teórica na geografia a partir da noção de técnica possui
uma larga proveniência na história do pensamento geográfico. Há, mesmo, o
reconhecimento de toda uma tradição de contribuições clássicas na geografia que,
em períodos distintos e com abordagens múltiplas, dedicaram à noção de técnica
um lugar de destaque na formulação teórica em geografia, como é possível aferir na
extensa revisão bibliográfica sobre o tema que abre a reflexão mais sistemática que
Milton SANTOS (2006) dispensou sobre a relação entre a técnica e o espaço
geográfico. Nessa revisão, o referido autor evoca contribuições de obras clássicas
na geografia, levadas a cabo por autores como, dentre outros, Vidal de La Blache; A.
Demangeon; Philip Wagner; Pierre George; Pierre Gourou; Max. Sorre; André Fel;
Joan-Eugene1.
No panorama recente da reflexão teórica na geografia brasileira, a contribuição de
Milton Santos pode ser destacada como uma das mais representativas devido ao
tratamento sistemático que dedicou à problemática do conteúdo técnico do espaço
geográfico. De fato, na longa trajetória do pensamento teórico de Milton Santos
sobre a natureza do espaço geográfico, a assimilação da noção de técnica parece
assumir importância crescente e decisiva2.
1
Para uma apreciação sintética sobre o tratamento dispensado à noção de técnica na reflexão
teórica em autores que estabeleceram as matrizes clássicas originárias do pensamento geográfico
brasileiro ver a contribuição de Ruy MOREIRA (2008).
2
O recurso à noção de técnica no projeto de formulação teórica sobre a natureza do espaço
encaminhado por Milton Santos possui uma larga proveniência. Desde o final dos anos 70, no texto A
Totalidade do Diabo: como as formas geográficas difundem o capital e mudam as estruturas sociais, o
autor já atribui ao conteúdo técnico das novas formas geográficas de antanho, um lugar de
fundamental importância para a interpretação do sentido técnico-instrumental do espaço ao serviço da
sociedade do capital (SANTOS, 2007 [1979]). Em sua primeira grande síntese dedicada à teoria geral
da geografia, intitulada Por Uma Geografia Nova (SANTOS, 1978), a reflexão sobre a técnica é
central, notadamente, articulada à noção de produção, segundo o pensamento de Marx. Em
Metamorfoses do Espaço Habitado, publicado no final dos anos 80, a relevância da técnica como
categoria de análise influencia notadamente as reflexões acerca do objeto da geografia, como, por
exemplo, na referência ao processo de culturalização da natureza que se torna “cada vez mais, o
processo de sua tecnificação. As técnicas, mais e mais, vão incorporando-se à natureza e esta fica
cada vez mais socializada, pois é, a cada dia mais, o resultado do trabalho de um maior número de
pessoas” (SANTOS, 2008c). Nos anos 90, a centralidade da noção da técnica para a fundamentação
teórica da geografia, ocorre, em seu sentido mais amplo, como é possível constatar no livro Técnica,
Espaço, Tempo – Globalização e meio técnico-científico-informacional, no qual o autor assevera que:
20
A reflexão teórica que se segue irá, a princípio, articular um leque relativamente
restrito de categorias de análise e noções do referido quadro teórico, consideradas
como aquelas que qualificam diretamente a problemática da pesquisa proposta.
Contudo, antes de enunciá-las e desenvolver a reflexão sobre o conteúdo de cada
uma dessas noções, considerou-se necessário fornecer, ainda que de modo
condensado, uma visão panorâmica do quadro teórico desde o qual as categorias de
análise são tributárias.3
Para Milton Santos, uma interpretação suficiente do objeto da geografia, o espaço
geográfico, compreendido como conjunto indissociável de sistema de objetos e
sistemas de ações, deve ser conduzida à luz dos dados constitutivos do período
atual, marcado de modo indelével pelo processo de globalização, podendo ser
contemplado à articulação de três noções gerais, quais sejam: a unicidade da
técnica, a convergência dos momentos e a unicidade do motor que, em conjunto,
explicariam o traço fundamental da globalização, a saber: a interdependência dos
eventos (SANTOS, 2006; 2008a).
A técnica da informação, tributária tanto da cibernética como da informática e da
eletrônica, permite a comunicação entre as diversas técnicas existentes, criando a
unicidade da técnica, que contribui, sobremodo, para a convergência dos momentos
vividos, quando as ações vão se dar de maneira simultânea, de forma a acelerar o
processo histórico. O mercado, passando a ser tributário do tempo da
“ A posição relativa de cada lugar é dada, em grande parte, em função das técnicas de que é portador
o respectivo meio de trabalho. Dessa maneira, a técnica constitui um elemento de explicação da
sociedade e de cada um dos seus lugares geográficos. É evidente que a técnica por si só não explica
nada.(...). O estudo das técnicas ultrapassa,..., largamente, o dado puramente técnico e exige uma
incursão bem mais profunda na área das próprias relações sociais. (...). Para que a geografia possa
aspirar ao seu reconhecimento como uma filosofia das técnicas, deve levar em consideração as
implicações de fatos como esses, aplicando-lhes, como em qualquer outro esforço de natureza
filosófica, um sistema de referências cuja base fundamental é a interpretação global do mundo e, por
seu intermédio, a interpretação de cada um dos seus aspectos ou partes (SANTOS, 2008a).
3
Se a exposição de um quadro teórico de grande amplitude extrapola os propósitos de uma
revisão teórica orientada por uma problemática específica, como ocorre em trabalhos que constituem
estudos de caso, uma apreciação sintética incorre no risco de fornecer uma visão parcial do referido
quadro, na medida em que necessariamente irá privilegiar determinados aspectos em detrimentos de
outros, que manifestariam menor correspondência à problemática de pesquisa específica a ser
desenvolvida. Assim, para uma visão de síntese da proposição teórica do referido autor consideramos
indispensável o estudo de SANTOS (1985; 2006).
21
simultaneidade, passa a ocorrer durante o dia inteiro em todos os lugares, em uma
operação das empresas globais que agem em escala planetária. Passa a existir,
dessa maneira, a mais-valia universal, motor único das ações globais, de um planeta
unificado tecnicamente através da informação, onde a internacionalização da
economia concorre para a mundialização dos produtos, do dinheiro, do crédito, da
dívida, do consumo e da informação (SANTOS, 2000).
Buscando-se, então, a operacionalização da pesquisa a partir desse quadro de
reflexão abrangente, constatou-se a necessidade de se adotar um número
relativamente limitado de conceitos e categorias, extraídos das contribuições de
Milton Santos, que foram, no que segue, destacados para orientar a reflexão teórica
em torno da problemática elaborada. É nesse sentido que, a fim de corresponder de
modo mais direto à problematização, no sentido previamente enunciado na
introdução, acerca do papel dos canais do DNOS nas várzeas do Riacho,
considerou-se adequado recorrer, preliminarmente, ao papel do conteúdo técnico do
espaço geográfico através de um enfoque diacrônico, quando Milton Santos nos
fornece uma sistematização sobre as fases de evolução do meio geográfico
centrada em seu conteúdo técnico. Por sua vez, no que respeita ao recurso de
noções que fornecessem subsídios, no sentido operacional, para a análise do papel
do conteúdo técnico do espaço, foram, a princípio, elencadas como necessárias à
reflexão, articulada sobre as seguintes categorias: a configuração territorial (em sua
relação com o processo de modernização); os sistemas de engenharia (e seu papel
na renovação técnico-científica do território); horizontalidades e verticalidades (e
noções associadas).
2.1
O
CONTEÚDO
TÉCNICO
DO
ESPAÇO
GEOGRÁFICO:
ENFOQUE
DIACRÔNICO
A perspectiva de se analisar a produção do espaço geográfico pelo viés da técnica,
tal como proposta por Milton Santos, parte de uma concepção instrumental e sócio
22
antropológica da técnica, que inicia sua reflexão sobre o conteúdo técnico do objeto
da geografia, apresentada de modo direto nos seguintes termos:
É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a
natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As
técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o
homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço.
(SANTOS, 2006, p.16)
Caberia ressaltar que, a técnica, tal como interpretada pelo autor, deve ser sempre
entendida como um fenômeno em sua total abrangência, mais geral, não se
restringindo a um enfoque que apenas contemplasse a(s) técnica(s) específica(s), as
chamadas técnicas da produção, como a técnica usada na produção de bens, vista
como um meio de realizar algum ou aquele resultado específico, através do
trabalho4. A visão mais específica, como a das técnicas de produção, poderia levar a
noções parciais como a de espaço agrícola e espaço industrial e apenas a noção
total e mais abrangente do fenômeno técnico é que permite alcançar a noção mais
ampla de espaço geográfico, defendida por Milton Santos.
Na perspectiva exposta, a técnica revela-se recurso analítico fundamental para a
compreensão das formas espaciais, pois,
[...] O recurso à técnica deve permitir identificar e classificar os elementos
que constroem tais situações. Esses elementos são dados históricos e toda
técnica inclui história. Na realidade, toda técnica é história embutida.
Através dos objetos, a técnica é história no momento da sua criação e no de
sua instalação e revela o encontro, em cada lugar, das condições históricas
(econômicas, socioculturais, políticas, geográficas), que permitiram a
chegada desses objetos e presidiram à sua operação. A técnica é tempo
congelado e revela uma história. (SANTOS, 2006, p.29)
Desse modo, através do recurso à noção de técnica, enquanto conteúdo primordial
da produção do espaço, seria possível entender o significado dos objetos técnicogeográficos em suas articulações com os territórios, pois, conforme indicado por
Santos (2006, p.111):
4
Como técnica específica pode-se entender, como exemplo, a técnica que o mecânico
emprega na fabricação de peças; a técnica do eletricista na manutenção elétrica de alguma máquina;
a técnica que o agricultor emprega ao trabalhar com alguma cultura agrícola específica. Já a noção
mais abrangente da técnica, em um cunho mais geral, permite alinhar todas as técnicas específicas
no tempo, permitindo a contextualização das mesmas em relação à modernização, no sentido
explicitado através da teoria exposta por Milton Santos, enquanto introdução de inovações.
23
As características da sociedade e do espaço geográfico, em um dado
momento de sua evolução, estão em relação com um determinado estado
das técnicas. Desse modo, o conhecimento dos sistemas técnicos
sucessivos é essencial para o entendimento das diversas formas históricas
de estruturação, funcionamento e articulação dos territórios, desde os
albores da história até a época atual. Cada período é portador de um
sentido, partilhado pelo espaço e pela sociedade, representativo da forma
como a história realiza as promessas da técnica.
A relação entre técnica e produção do espaço foi objeto de reflexão do autor sob
uma perspectiva diacrônica, sendo a evolução histórica do meio geográfico
sistematizada em função do conteúdo técnico do meio geográfico em modelos
gerais, quais sejam: o meio natural, o meio técnico e o meio técnico-científico,
também chamado de técnico-científico-informacional. Essa reflexão, sugere-se, é
relevante para a pesquisa proposta, no sentido em que fornece subsídios
importantes, tanto para contemplar a historicidade territorial presente nas várzeas do
Riacho, quanto, sobretudo, por tornar possível assimilar a construção dos canais do
DNOS como parte do processo de modernização técnico-científica do território
capixaba.
A primeira configuração geográfica existente, para Milton Santos, foi o meio natural,
onde o trabalho humano não era suficiente para dominar as forças da natureza, pois:
A precariedade ou a pobreza das técnicas disponíveis constituía o corpo do
homem como o principal agente de transformação tanto na produção como
no enfrentamento das distâncias e ainda aqui a natureza triunfa e o homem
se adapta. Era um período de acomodação e morosidade na relação com o
meio [...]. (SANTOS, 2010, p.29)
Para o autor, o nível de aplicação da técnica, nos primórdios da humanidade, estava
limitado ao ponto de se tirar da natureza apenas o que fosse necessário para
garantir a sobrevivência do homem e, desse modo, a interação humana com o meio
poderia variar segundo a adaptação dos grupos existentes no planeta. Assim, não se
imprimiam grandes transformações na natureza em termos de artificialidades, de
maneira que a natureza acabava condicionando fortemente o ritmo do trabalho
humano e as possibilidades de criação acabavam limitadas pelos ritmos naturais,
tendo como resultado o modo de produção subsistente como característica
marcante, baseado principalmente na caça de animais, na coleta de alimentos e a
24
prática da pesca, suficientes para alimentar o contingente populacional existente.
O aprimoramento gradual das técnicas, ao longo do tempo, tornou mais complexa a
produção, em função da aplicação de técnicas mais aprimoradas e complexas como
o pousio, a rotação de terras e a agricultura itinerante. Mesmo assim, “esses
sistemas técnicos sem objetos técnicos não eram, pois, agressivos, pelo fato de
serem indissolúveis em relação à Natureza que, em sua operação, ajudavam a
reconstituir”. (SANTOS, 2006, p.158)
As motivações de uso da técnica sobre as forças da natureza, nesse período, de
acordo com Santos (1985, 2006), eram locais, mesmo que o papel do intercâmbio ou
das trocas, nas determinações sociais, fosse crescente. As sociedades criavam as
próprias técnicas, sendo caracterizadas como autossuficientes e o território do grupo
circunscrevia a área de produção, do consumo, da circulação e de distribuição.
O ritmo da natureza acabava condicionando o ciclo social, pois o homem, de modo
geral, ainda não dispunha de técnicas avançadas a ponto de construir objetos
técnicos maquínicos que ajudassem a romper com os ritmos naturais, que
pudessem suprimir grandes extensões territoriais e sobre eles estabelecer um
controle. A produção agrária, por exemplo, estava ainda diretamente ligada aos
fatores naturais, como a localização dos melhores solos e de recursos como a
incidência da luz, a disponibilidade de água e a temperatura ambiente adequada ao
tipo de cultura a ser implantada.
As tentativas de dominação da natureza, no meio natural, ainda não se
materializavam através da implantação de próteses territoriais artificiais, cuja
emergência irá caracterizar uma nova fase da história do meio geográfico, marcada
pela introdução de objetos técnicos no território. Essa nova fase “passa a ser o da
criação do meio técnico, que substitui o meio natural”. (SANTOS, 2008b, p.133)
A transformação do meio natural em meio técnico seria marcada principalmente pelo
início e ascensão do espaço mecanizado, em função da introdução de máquinas no
território, que ampliaram a capacidade do trabalho humano, permitindo transpor
25
gradualmente as forças naturais. A emergência desse novo padrão de organização
do meio geográfico verifica-se a partir do fim do século XVIII e durante o século XIX,
sobretudo em função do advento da Revolução Industrial. A sociedade aprimora
seus instrumentos de trabalho, que deixam de ser simples prolongamentos de suas
mãos, tornando-se prolongamento do próprio meio. Segundo Friedmann apud
Silveira (1999, p.47), “[...] a passagem de um meio natural para um meio técnico
reconhecer-se-ia no momento em que a energia natural – força animal, vento, água
– é substituída pela energia térmica, elétrica, etc.”, ao passo que, para Silveira
(1999, p.410), reconhecer-se-ia um meio técnico:
Quando os instrumentos técnicos deixam de ser prolongamentos do homem
e passam a ter vida própria, aquilo que J. Attali chama de objeto vivant, e
quando os sistemas de ações criados em um lugar podem operar em
territórios longínquos, [c].
As forças naturais passam a ser transpostas pelo homem através dos objetos
técnicos, ocorrendo assim uma nova significação do tempo, com reflexos diretos no
trabalho e no território, criando o tempo social, voltado para a produção, marcado
profundamente pelo trabalho e fabricado pela sociedade mercantilista:
Os objetos técnicos, maquínicos, juntam à razão natural sua própria razão,
uma lógica instrumental que desafia as lógicas naturais, criando, nos
lugares atingidos, mistos ou híbridos conflitivos. Os objetos técnicos e o
espaço maquinizado são locus de ações "superiores", graças à sua
superposição triunfante às forças naturais. Tais ações são, também,
consideradas superiores pela crença de que ao homem atribuem novos
poderes - o maior dos quais é a prerrogativa de enfrentar a Natureza,
natural ou já socializada, vinda do período anterior, com instrumentos que já
não são prolongamento do seu corpo, mas que representam
prolongamentos do território, verdadeiras próteses. Utilizando novos
materiais e transgredindo a distância, o homem começa a fabricar um
tempo novo, no trabalho, no intercâmbio, no lar. Os tempos sociais tendem
a se superpor e contrapor aos tempos naturais. (SANTOS, 2010, p.158)
Para Santos (2006), anteriormente à instalação de um objeto técnico no meio há
sempre uma intencionalidade voltada para o aumento da eficiência do sistema
mercantilista, permitindo ao capital adquirir novas formas para se reproduzir.
Exemplificando um caso de intencionalidade na instalação do objeto técnico, o autor
cita a difusão da rede elétrica na Costa do Marfim para ilustrar como o objeto técnico
tende a forçar a solidariedade entre os indivíduos e a transformação do meio
geográfico:
26
A pretexto de analisar as redes sociotécnicas, criadas a partir da introdução
de objetos técnicos (no caso a eletricidade em meio subdesenvolvido), M.
Akhrich (1987) oferece-nos, também, uma chave para entender, a partir do
fenômeno técnico, a produção e a transformação de um meio geográfico,
assim como, por outro lado, as condições de organização social e
geográfica, necessárias à introdução de uma nova técnica. Ela estava
trabalhando sobre a difusão da rede elétrica na Costa do Marfim e avaliando
o seu peso na produção de uma solidariedade forçada entre os indivíduos.
Segundo essa autora (p. 52) o objeto técnico define ao mesmo tempo os
atores e um espaço. (SANTOS, 2006, p. 23, grifo nosso)
De acordo com o autor, a razão do comércio é o que vai determinar a adição de
objetos técnicos ao território, segundo a lógica da divisão internacional do trabalho,
lógica social que nem sempre é similar à lógica do meio onde o objeto será inserido,
como indica o seguinte trecho:
O componente internacional da divisão do trabalho tende a aumentar
exponencialmente. Assim, as motivações de uso dos sistemas técnicos são
crescentemente estranhas às lógicas locais e, mesmo, nacionais; e a
importância da troca na sobrevivência do grupo também cresce. Como o
êxito, nesse processo de comércio, depende, em grande parte, da presença
de sistemas técnicos eficazes, estes acabam por ser cada vez mais
presentes. A razão do comércio, e não a razão da natureza, é que preside à
sua instalação. (SANTOS, 2006, p.59, grifo nosso)
Buscando salientar o significado do aumento da divisão internacional do trabalho, é
possível citar Silveira (1999), quando trata da instalação do meio técnico na
Argentina, sobretudo no século XIX, enquanto parte do seu estudo sobre
modernização do território argentino, na medida em que ilustra o impacto da
crescente maquinização. O processo, segundo a autora, ocorreu “a partir de
investimentos do Tesouro e de concessões ao capital inglês” (SILVEIRA, 1999,
p.47), para a instalação e modernização de uma extensa rede ferroviária, de
frigoríficos, dos portos e de novas áreas para a criação de gado e lã. A autora
apresenta dados que demonstram a densificação de objetos no território, tornando
possível verificar como se deu a busca de um aumento da eficiência do caráter
exportador do mesmo, em função da ampliação da produção, já que
a impregnação do meio pelas técnicas, segundo a expressão de G.
Friedmann (1966, p.7), revela-se sobretudo através da difusão das
máquinas de produção e das máquinas de transporte. Na primeira década
do século, o motor elétrico e a linha de montagem, implantada nos
frigoríficos, permitir-nos-iam reconhecer uma maquinização das indústrias.
27
Por outra parte, a construção da rede ferroviária possibilitou a unificação
dos mercados do interior com Buenos Aires e acabou, assim, com a
fragmentação territorial dos mercados [...] (SILVEIRA, 1999, p.47-48)
Dentre os dados apresentados pela autora, cabe destacar o que ilustra a introdução
da refrigeração no processo produtivo da carne, fato que permitiu a exportação em
grandes quantidades de carne congelada para a Europa, de modo que a exportação
cresce de “17 mil reses congeladas em 1833 para 3 milhões em 1901” conforme
(SILVEIRA,1999, p.50). Fica evidente, assim, o aumento da eficiência exportadora
em função da introdução dos objetos técnicos frigoríficos na cadeia produtiva.
A difusão do meio técnico possui destacada importância na história do meio
geográfico em função da crescente composição técnica do território, sobretudo
evidenciado com o crescimento do fenômeno urbano e das vias de comunicação,
que permitem o escoamento da produção, mesmo que ainda não haja grandes
interações entre os pontos artificializados através dos objetos técnicos, o que
limitava, no período, a expansão comercial. Esse isolamento passa a ser rompido
com a emergência do meio que sucederá o meio técnico, em função, sobretudo, do
grande desenvolvimento tecno-científico dos meios de comunicação.
A sucessão gradual do meio técnico para o meio técnico-científico-informacional se
inicia, de acordo com Milton Santos, de meados dos anos de 1940, quando passa a
ocorrer uma importante modernização dos objetos geográficos já existentes, além da
implementação de novos objetos técnicos em quantidades crescentes, sobretudo em
função da evolução científico informacional, estritamente associada ao mercado,
promovendo a emergência do novo meio geográfico, o qual é considerado “a
resposta geográfica ao processo de globalização” (SANTOS, 2008a, p.10).
O processo de globalização, para Santos (2008a, p.32), constitui “um sistema de
relações hierárquico, construído para perpetuar um subsistema de dominação sobre
outros subsistemas, em benefício de alguns”. Esse novo sistema econômico mundial
tende a beneficiar os atores hegemônicos, sobretudo as grandes empresas que
buscam uma maior possibilidade de reprodução do capital, sobre as quais Silveira
28
(1999, p.127) observa que: “com uma renda global que excede o PNB5 da maior da
maior parte dos países [c] as firmas globais buscam impor sua lógica territorial nos
lugares”.
Sob influência da globalização, as transformações do espaço geográfico passam a
se suceder em velocidades maiores que nos meios anteriores, sobretudo, em função
do mercado mundial crescente, ocorrendo em intensidades diferentes nas diversas
partes do mundo (SANTOS 2006, 2008c). A característica marcante da nova lógica
dominante é a união entre técnica, ciência e informação em favor do mercado
mundial globalizado. Acontece, de modo distinto, toda uma reconstrução de
significados e maior integração dos objetos técnicos, inclusive aqueles produzidos
nos períodos precedentes, visando atender a nova divisão territorial do trabalho,
como afirma Santos (2008c, p.43):
O meio técnico-científico é o terreno de eleição para a manifestação do
capitalismo maduro, e este também dispõe de força para criá-lo. São duas
faces de uma mesma moeda. Por isso, esse meio técnico-científico
geografiza-se de forma diferencial, isto é, de forma contínua em algumas
áreas contínuas [...]. A tendência, porém, em todos os casos, é a conquista,
relativamente rápida, de mais áreas para o meio técnico-científico, ao
contrário do meio técnico, que o precedeu de forma geográfica e difundia-se
de forma relativamente lenta a certamente mais seletiva.
Os objetos técnicos deste meio, de acordo com Santos (2006; 1985), passam a ser
técnicos e informacionais ao mesmo tempo, resultantes da informação agora
difundida com base nos modelos de consumo provenientes dos países
hegemônicos. A cientificização e a tecnicização da paisagem geográfica acaba se
tornando fenômeno decorrente da informação, que além de estar presente nos
objetos quem compõem o espaço, apresenta-se nas ações que ocorrem entre os
mesmos, devido ao emprego em larga escala da ciência e dos estudos científicos
nos componentes que irão compor o território, visando facilitar a circulação dos
novos fluxos provenientes da divisão internacional do trabalho.
Em função do emprego da técnica, da ciência e da informação (que se unem em
função do mercado) em grandes proporções, passa a ocorrer uma extrema
5
Produto Nacional Bruto.
29
especialização das áreas produtivas, cada vez mais voltadas para o aumento do
lucro. A produção agrícola, por sua vez, passa a ocorrer em áreas cada vez
menores, conforme indica Santos (2008c, p.45):
Cabe, igualmente, lembrar que, nesta fase, amplia-se a área da produção,
enquanto a arena da produção se reduz. Isto é, a produção considerada em
todas as suas instâncias dá-se em áreas maiores do território, ao passo que
o processo produtivo direto completa-se em áreas cada vez menores.
Produções como a do alho, dos marmelos, do mamão, da cebola, para falar
apenas de algumas, que antes se davam em quantidades mínimas em
número considerável de lugares, hoje são majoritariamente feitas, com
produtividade muitas vezes maior, em áreas cada vez menores.
Santos (2008a) afirma que ocorrem mudanças na composição técnica do território,
graças ao emprego da informação e do conhecimento, os quais se materializam
através da cibernética, das biotecnologias, das novas químicas, da informática, da
eletrônica e a própria informatização do território ocorre antes mesmo que a
informatização da economia e da sociedade. Essas tecnologias tornam-se
ferramentas de fundamental importância para o aumento da eficiência da produção,
já que permitem controlar inúmeras variáveis de um produto, antes mesmo de ser
produzido, fato que ocorre na área de projetos das grandes empresas.
Os sistemas técnicos, que antes eram apenas locais ou regionais, relativamente
isolados, e em número semelhante aos lugares ou regiões existentes, vão perdendo
essa característica, em função da mais-valia mundializada através de firmas e
bancos internacionais. A mais-valia, materializada na forma de crédito, permite a
instalação de inúmeros objetos técnicos no espaço. Para Santos (2008c, p.44), isso
significa que:
O fato de que o espaço seja chamado a ter cada vez mais um conteúdo em
ciência e técnica traz consigo outras conseqüências, como uma nova
composição orgânica do espaço, pela incorporação mais ampla de capital
constante ao território e a presença maior desse capital constante na
instrumentalização do espaço, ao mesmo tempo em que se dão novas
exigências quanto ao capital variável indispensável (instrumentos de
produção, sementes selecionadas, fertilizantes adequados, pesticidas, etc.).
Desse modo, segundo Santos (2006, 2008c), passam a ocorrer requalificações
espaciais que visam atender aos interesses dos atores hegemônicos, sejam eles
econômicos, culturais e políticos, incorporadas plenamente às novas correntes
30
mundiais, traço característico do fenômeno da mundialização econômica, a
globalização. Para Milton Santos:
[c] O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da
globalização. A diferença, ante as formas anteriores do meio geográfico,
vem da lógica global que acaba por se impor a todos os territórios e a cada
território como um todo. O espaço "no qual o homem sobrevive há mais de
cinquenta mil anos [...] tende a funcionar como uma unidade" [c]. Pelo fato
de ser técnico-científico-informacional, o meio geográfico tende a ser
universal. Mesmo onde se manifesta pontualmente, ele assegura o
funcionamento dos processos encadeados a que se está chamando de
globalização. (SANTOS, 2006, p. 160)
Assim baseado no exposto, quanto mais atual um objeto adicionado ao espaço, mais
subordinado o mesmo estará ao fenômeno da globalização, já que:
[c] quanto mais "tecnicamente" contemporâneos são os objetos, mais eles
se subordinam às lógicas globais. Agora, torna-se mais nítida a associação
entre objetos modernos e atores hegemônicos. Na realidade, ambos são os
responsáveis principais no atual processo de globalização. (SANTOS, 2006,
p.161)
O meio técnico-cientifico-informacional passa a estar presente tanto no meio urbano
como no meio rural. As grandes cidades, que se apresentavam como locus
privilegiado da técnica sob o meio técnico, passam a compartilhar as mudanças com
o meio rural, sobretudo em função do volume de artificialidades adicionadas a esse
meio, com o intuito de aumentar a produtividade:
Antes, eram apenas as grandes cidades que se apresentavam como o
império da técnica, objeto de modificações, supressões, acréscimos, cada
vez mais sofisticados e mais carregados de artifício. Esse mundo artificial
inclui, hoje, o mundo rural. Segundo G. Dorfles (1976, p. 39), este é
marcado pela presença de "materiais plásticos, fertilizantes, colorantes,
inexistentes na natureza, e a respeito dos quais, de um ponto de vista
organolético, táctil, cromático, temos a nítida sensação de que não
pertencem ao mundo natural". (SANTOS, 2006, p.160)
O uso da informação e do conhecimento assume um papel marcante, o de ser
recurso que viabiliza a dominação da natureza, através do conhecimento científico
do funcionamento dos fatores naturais, com o uso de novas tecnologias, permitindo
dessa maneira, àqueles que tiverem acesso aos dados produzidos, obterem maiores
rendimentos financeiros por tirar proveito de informações que outros podem não
possuir, como indica Milton Santos:
31
As fotografias por satélite retraíam a face do planeta em intervalos
regulares, permitindo apreciar, de modo ritmado, a evolução das situações
e, em muitos casos, até mesmo imaginar a sucessão dos eventos em
períodos futuros. Os radares meteorológicos, cada vez mais poderosos e
precisos, são colaboradores preciosos nessa tarefa, porque permitem que
as previsões se realizem com intervalos ainda menores. Cientistas puros e
aplicados valem-se desses instrumentos de acompanhamento e previsão
para aperfeiçoar o conhecimento das leis da natureza física, antever o
respectivo comportamento e, de posse dessas preciosas informações,
alcançar uma implementação consequente das atividades econômicas e
sociais. As áreas em que tal instrumentação é disponível podem permitir aos
seus usuários um maior grau de certeza e sucesso na realização de
operações, sabido que, em muitos casos, na agricultura e na indústria,
certas etapas do processo produtivo alcançam maior rentabilidade, quando
empreendidas em condições meteorológicas favoráveis. A preparação das
terras, a sementeira ou o plantio, a utilização de adubos ou de fungicidas
podem ter mais ou menos eficácia segundo as condições de tempo em que
são feitas. Tudo isso tende a favorecer os empresários, uma vez que
tenham prévio conhecimento das condições meteorológicas em que cada
fração do trabalho e cada fração de capital serão utilizadas. (SANTOS,
2006, p.162)
Um fenômeno importante a ser citado, voltado para a consolidação do meio técnicocientifico-informacional, é a ocorrência do que Santos (2008c) chama de
tecnoesfera e psicoesfera, que juntas visam estimular uma mentalidade voltada para
o consumo da produção, conforme o seguinte trecho:
Ao mesmo tempo em que se instala uma tecnosfera dependente da ciência
e da tecnologia, cria-se, paralelamente, e com as mesma bases, uma
psicosfera. A tecnosfera se adapta aos mandamentos da produção e do
intercâmbio e, desse modo, frequentemente traduz interesses distantes;
desde, porém, que se instala, substituindo o meio natural ou o meio técnico
que a precedeu, constitui um dado local, aderindo ao lugar como uma
prótese. A psicosfera, reino das ideias, crenças, paixões e lugar da
produção de um sentido, também faz parte desse meio ambiente, desse
entorno da vida, fornecendo regras à racionalidade ou estimulando o
imaginário. Ambas - tecnosfera e psicosfera - são locais, mas constituem o
produto de uma sociedade bem mais ampla que o lugar. Sua inspiração e
suas leis têm dimensões mais amplas e mais complexas. (SANTOS, 2006,
p.172)
No tocante à psicoesfera, destaca-se a contribuição de Ana Clara Torres Ribeiro, que
identificou a relação existente entre os processos de comunicação e a organização
da estrutura produtiva do Brasil, afirmando que foi criado um aparelho institucional
para controlar o território, através da articulação e do controle dos mercados. De
acordo com Ribeiro apud Santos (2006, p. 172), a psicoesfera:
32
“[...] consolida "a base social da técnica e a adequação comportamental à
interação moderna entre tecnologia e valores sociais" e é por isso mesmo
que a psicosfera "apoia, acompanha e, por vezes, antecede a expansão do
meio técnico-científico”.
A
exposição
feita
sobre
o
meio
técnico-cientifico-informacional
permitirá
compreender como o processo de modernização territorial se manifestou sobre o
território brasileiro e, de maneira não menos importante, como o Espírito Santo foi
inserido ao processo, sobretudo, visando o modelo industrial-exportador submetido
ao capital estrangeiro. Permitirá, também, compreender como se manifestou o
domínio sobre a natureza, concretizado através da racionalização científica, a qual
se evidenciava por meio dos estudos voltados para a produção e para a adição de
artificialidades no território, seja através de obras de infraestrutura, seja através de
insumo químicos, do fornecimento de créditos e outros atributos do meio técnicocientífico informacional.
As características acima expostas, por fim, permitirão entender como as várzeas do
Riacho são inseridas ao processo de modernização, enquanto área a ser promovida
para a reprodução do capital, enquanto parte da modernização do território, através
da abertura dos canais do DNOS e da materialização atributos decorrentes,
provocando mudanças na composição territorial da área. Assim, será demonstrado
como a configuração territorial acaba sendo influenciado durante o período técnicocientífico-informacional, o que permite enquadrar o recorte teórico para área de
estudo na presente pesquisa, enquanto uma pequena parte de uma organização
espacial composta por uma materialidade geográfica de maior amplitude.
2.2 CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL E MODERNIZAÇÃO
A configuração territorial, de acordo com Santos (2006), é toda a materialidade
presente no território, sendo composta pelo território mais o conjunto de objetos
existentes sobre ele, sejam esses provenientes da natureza, sejam os mesmos
artificiais:
33
A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas
naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos
acréscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas naturais. A
configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem de sua
materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a
anima. A configuração territorial, ou configuração geográfica, tem, pois, uma
existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência
real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais. [c]. (SANTOS,
2006, p.38-39)
A realidade da configuração territorial de um país, ainda, é composta por vários
atributos, sendo alguns caracterizados por Milton Santos, da seguinte forma:
Seja qual for o país e o estágio do seu desenvolvimento, há sempre nele
uma configuração territorial formada pela constelação de recursos naturais,
lagos, rios, montanhas e florestas e também recursos criados: estradas de
ferro e de rodagem, condutos de toda ordem, barragens, açudes, cidades, o
que for. É esse conjunto de todas as coisas arranjadas e em sistema que
forma a configuração territorial cuja realidade e extensão se confundem com
o próprio território de um país. Tipos de floresta, de solo, de clima, de
escoamento, são interdependentes, como também o são as coisas que o
homem superpõe à natureza. [c]. (SANTOS, 2008c, p.84)
É necessário apontar que em uma dada porção do planeta, a configuração territorial
pode ser modificada em função dos acontecimentos do período histórico vigente,
que podem se manifestar materialmente de diversas formas, através da introdução
de objetos geográficos, criando rupturas com os períodos precedentes, sendo isso
um fenômeno, conhecido segundo Santos (2006), como modernização.
A modernização de um território ocorre toda vez que os novos arranjos, introduções
e reorganizações das infraestruturas se articulam em torno da produção, de acordo
com Silveira (1999). As modernidades, para a autora, possuem valor relativo, que
pode ser alterado conforme a tendência de um período temporal, sendo refletidas
nos arranjos das materialidades sobre o território.
A ênfase dada à questão das modernizações é tamanha que Elias (2003) afirma
como sendo as mesmas o único modo para se levar em conta as implicações
temporais da organização do espaço geográfico, de forma que cada período acaba
apresentando um conjunto coerente de elementos de ordem econômica, social,
política e moral, constituindo sistemas, de modo que a modernização de um espaço
34
ocorre quando esse se une ao mundo moderno através dos aspectos econômicos,
políticos e sociais. Santos (1985), afirmando que é possível estabelecer períodos de
inflexão associados ao fenômeno da modernização no espaço, sugere alguns
períodos onde podem ser apontadas características singulares que permitem a
caracterização do meio:
1. o período do comércio em grande escala, de fins do XV até,
aproximadamente, 1620;
2. o período manufatureiro (1620 – 1750);
3. o período da revolução industrial (1750-1870);
4. o período industrial (1870-1945);
5. o período tecnológico.
Para o autor, ocorrem importantes revoluções nesses períodos, que irão ter reflexos
diretos nas formas como o mundo se organiza. A primeira é a revolução dos
transportes marítimos, que permite a circulação de mercadorias em escala mundial,
entre os continentes, sendo a segunda a revolução industrial, a qual permitirá a
produção e a introdução de objetos técnicos no meio geográfico, de forma crescente
e, por fim, a revolução tecnológica, correspondendo a uma modernização comercial,
industrial e tecnológica. A revolução tecnológica é correspondente ao período
técnico-científico-informacional onde há a constituição do espaço globalizado,
quando, segundo Elias (2006, p.36): “todos os lugares participam, mesmo que de
forma indireta, de uma ordem econômica mundial”.
Tomando por base a reflexão exposta nos parágrafos anteriores e tendo como
consideração o atual período correspondente ao da materialização do meio técnicocientífico-informacional, torna-se necessário estabelecer o papel dos sistemas de
engenharia, enquanto conjunto de objetos técnicos pensados e criados para
determinado fim, na renovação da materialidade do território, indicando alguns
desdobramentos dessa manifestação técnica que permite a adição de mais objetos
técnicos voltados para a produção, sobretudo, especializada e hegemônica.
35
2.3 SISTEMAS DE ENGENHARIA E RENOVAÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA DA
CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL
Desde o início de sua história social, o homem utilizava objetos encontrados na
natureza para constituir um sistema de condições materiais indispensáveis à
reprodução do grupo de forma que, paulatinamente, através da adição de
artificialidades à natureza, estava criando infraestruturas sob a forma de sistemas de
engenharia, verdadeiras próteses que constituem a criação de condições de trabalho
próprias de cada época, formando, por sua vez, as bases da produção e do
intercâmbio de produtos ou mercadorias. (SANTOS, 2006, 2008a, 2008b)
Os sistemas de engenharia, segundo o autor, evoluem historicamente em função da
evolução do emprego do trabalho, ora baseado mais no trabalho, na força e na
técnica, ora baseado fundamentalmente no capital financeiro, como pode ser
observado no seguinte trecho:
De modo geral podemos dizer que passamos primeiro de um uso maior do
trabalho a um uso maior do capital, sempre. Por exemplo, o caso do arroz
plantado em bolanas, na Guiné, é através do trabalho que são feitos os
diques, os canais de irrigação ou de drenagem, enquanto nos países mais
ricos os sistemas modernos de irrigação e de drenagem, que são mais
capital, por isso mesmo espancam trabalho. É por isso que a palavra e o ato
da irrigação têm através do tempo, significados diferentes, de um ponto de
vista não apenas técnico mas econômico, social, político e cultural; e
paralelamente, a evolução dos sistemas de engenharia transcende a
natureza, que vai se tornando mais e mais artificial. (SANTOS, 2008c, p.88)
O exemplo brevemente mencionado por Milton Santos é o que ilustra o caso da
produção de arroz em Guiné-Bissau (África), onde o homem, com toda sua
engenhosidade acumulada e desenvolvida desde tempos pretéritos, criou um
sistema de diques para preparar a terra, conforme pode ser visto:
Mesmo as chamadas civilizações primitivas dispunham de sistemas de
engenharia e, às vezes, até mais bem elaborados que os atuais, porque
demandando engenho e arte, a empreender com poucos meios. O domínio,
por exemplo, das águas salgadas num país como Guiné-Bissau, que é
ainda pobre e economicamente atrasado, é algo extremamente ilustrativo,
dessa capacidade de aperfeiçoar a natureza com a construção de diques
para dessalgar a terra e plantar arroz. Trata-se de um caso-limite de
36
elaboração de um sistema de engenharia. (SANTOS, 2008c, p.88)
Os sistemas de engenharia, segundo o autor supracitado, funcionam em uma ordem
criada para e pelo trabalho, passando de uma condição de isolamento a uma
interdependência crescente, de forma a integrar o território de todos os países,
permitindo operações em tempo real. Por outro lado, Elias (2003, p. 39), ao
considerar o papel desses sistemas no contexto técnico-científico-informacional,
afirma que “a instalação desses sistemas explicar-se-iam pela necessidade de
reequipar o território, para que os capitais especulativos possam, em seguida, se
instalar”.
Os sistemas de engenharia, portanto, enquanto expressão da materialização de
objetos no espaço, irão permitir uma maior e crescente fluidez, intensificando as
trocas de todos os tipos de natureza, podendo ser materialmente encontrados sob a
forma de: oleodutos, gasodutos, canais, autopistas, aeroportos, teleportos. Tais
sistemas podem ainda ser definidos como uma superposição irregular de pedaços
de famílias de técnicas. (SANTOS, 2006; SILVEIRA 1999)
É possível observar ainda que, para a existência dos sistemas de engenharia, é
fundamental a existência de uma solidariedade entre os objetos técnicos:
Os portos, lugar de solidariedade entre navios, rotas de navegação e zonas
produtivas, as ferrovias, as primeiras estradas de rodagem e usinas de
eletricidade permitiram a constituição dos primeiros sistemas de engenharia
no território brasileiro. [c] No Rio de Janeiro, as novas infraestruturas
portuárias nascem em solidariedade com as primeiras estradas de ferro,
como a Pedro II. (SANTOS, 2010, p.33)
No entanto, cabe lembrar que a noção de solidariedade, é, para Santos (2006, p.
109):
[c] aquela encontrada em Durkheim e não tem conotação moral, chamando
a atenção para a realização compulsória de tarefas comuns, mesmo que o
projeto não seja comum. Esse acontecer solidário, malgrado todas as
formas de diferença, entre pessoas, entre lugares, se apresenta sob três
formas no território atual: um acontecer homólogo, um acontecer
complementar e um acontecer hierárquico. Numa região agrícola, esse
acontecer solidário é homólogo. Mas, numa mesma cidade, dominada por
uma mesma produção industrial, é possível identificar esse acontecer
homólogo. Nas relações entre a cidade e o campo, ele é complementar
como também, nas relações interurbanas. E há, também, o acontecer
hierárquico, resultante das ordens e da informação provenientes de um
37
lugar e realizando-se em um outro, como trabalho. É a outra cara do
sistema urbano. Não é que haja um lugar comandando um outro, senão
como metáfora. Mas os limites à escolha de comportamentos num lugar
podem ser devidos a interesses sediados em um outro. (grifo nosso)
Por outro lado, sem a solidariedade entre as infraestruturas, não haveria a formação
de sistemas de engenharia. Solidariedade e sistemas são, de acordo com o
pensamento em tela, praticamente sinônimos, o que leva a entender que existe uma
forte interação entre os objetos, durante o seu funcionamento. Para ilustrar um caso
representativo da ausência de sistemas de engenharia, caberia citar o seguinte,
acerca da existência de objetos técnicos em uma parcela do território brasileiro no
século XIX, com pouca ou nenhuma solidariedade entre eles:
Ainda que existissem, no final do século XIX, alguns caminhos de terra, sem
drenagem e com escassas pontes para atravessar os rios, eles permitiram
apenas o tráfego de animais e não se encadeavam em sistemas com os
portos. Todavia, no Sudeste e Sul, já existiam algumas estradas que,
embora permitindo a circulação de diligências, não foram suficientes na
concorrência com as ferrovias para escoar as produções. (SANTOS, 2010,
p.34)
O conteúdo técnico-científico do espaço, de acordo com Santos (2008a), vai permitir,
de maneira significativa, a produção de um mesmo produto em quantidades
maiores, mas em áreas cada vez menos extensas e em tempos menores,
rompendo, assim, os antigos equilíbrios e impondo novos, de acordo com a
quantidade e qualidade das populações, capitais empregados, formas de
organização e outros fatores. Esse aumento da produtividade em função dos
sistemas de engenharia apresenta-se como característica constante no meio rural,
sobretudo nas áreas produtivas especializadas.
A adição de objetos similares no espaço geográfico irá corresponder à unicidade
técnica em nível mundial, o que permite a fragmentação do processo produtivo, em
função da presença repetitiva de conjuntos técnicos. Para Elias (2003, p.39) ocorre:
[c] Uma verdadeira unicidade técnica, visto que todos os lugares do
planeta passam a conter os mesmo conjuntos técnicos, embora em
diferentes níveis de complexidade, o que possibilita a fragmentação do
processo produtivo à escala internacional, já que certos objetos geográficos
estão presentes em todas as partes do mundo: aeroportos, estradas de
rodagem, portos, silos, centros de pesquisa, centrais de telecomunicações,
bancos, etc.
38
A autora ressalta ainda que:
Sem a unicidade técnica propiciada pela organização funcional e estrutural
dos fixos em sistemas de engenharia, não haveria condições de realização
da mundialização da produção, tampouco da unificação do mercado
consumidor, do sistema financeiro internacional; não haveria, em suma,
configuração territorial necessária à intensidade, diversidade, e
complexidade de realização dos fluxos (de matéria e de informação)
inerentes à produção e consumo modernos. (Elias, 2003, p.39, grifo nosso)
Assim, manifestam-se através da renovação técnico-científica do território, um
conjunto de forças, ora verticais, ora horizontais, sobretudo a partir dos sistemas de
engenharia e dos objetos técnicos implantados, que passam a fazer parte do capital
constante no espaço, direcionando a produção. Almejando uma compreensão
melhor das lógicas que compõem essas forças, um esclarecimento sobre os
conceitos de verticalidades e horizontalidades será exposto adiante.
2.4 VERTICALIDADES E HORIZONTALIDADES
As verticalidades, de acordo com Santos (2000), são conjuntos de pontos que
formam um espaço de fluxos em um território, que se comunicam através de redes,
e estão submetidos à produção hegemônica, sobretudo durante o período técnicocientífico informacional. Apresentam conjuntos de relações baseadas em fatores
externos às lógicas locais, os quais direcionam o relacionamento dos agentes
produtivos entre si. Esses agentes, podem ser entendidos como macroatores, por
determinarem a lógica da produção, sendo os direcionadores das ações internas das
áreas escolhidas para a atuação do capital, principalmente através das
macroempresas, as quais acabam direcionando os papéis reguladores do espaço.
Nesse sentido, os espaços de fluxo apresentam uma solidariedade organizacional,
justamente por terem suas relações de agregação e cooperação entre os agentes,
resultantes de fatores externos às áreas de atuação dos mesmos.
39
Os interesses dos macroatores, estranhos ao local de atuação, acabam
prevalecendo sobre os interesses públicos locais, de modo que a construção do
espaço acaba sendo direcionada pelos interesses privados, os quais passam a atuar
como força política que direcionam a ação do Estado. Esse, por sua vez, atua de
maneira explícita ou disfarçada em prol dos interesses hegemônicos, cedendo assim
o papel de regulador para as grandes corporações. As forças externas que visam
determinar e dominar o espaço são, de acordo com Santos (2000), forças
centrífugas, portadoras do pensamento hegemônico que busca a unificação, a
homogeneização espacial e a imposição de um tempo universal, ditado pelas
macroempresas, no fluxo vertical.
As verticalidades, em suas ações, enxergam o território como um locus de ação
produtiva pragmática, em função da instalação dos equipamentos instalados,
caracterizando o território, dessa forma, apenas como recurso, sendo indiferentes ao
que acontece no entorno do mesmo.
As horizontalidades, por sua vez, são extensões contínuas formadas pelas zonas de
contiguidades, assim consistindo em um espaço banal, onde se dá toda a vivência
espacial. É nesse espaço que vai existir a solidariedade orgânica, um conjunto de
produções localizadas e dependentes entre si, na área de um território comum,
condicionadas pela disponibilidade de recursos do meio geográfico local. A presença
do Estado no espaço é limitada em função dos interesse oriundos das verticalidades
e suas macroempresas e até mesmo do próprio Estado, que busca favorecer um
bom desempenho dos macroagentes produtivos. Esse favorecimento causa uma
ampliação da ação das verticalidades, que assim, permitem um aprofundamento das
horizontalidades, expressas através da busca de uma maior integração entre as
empresas presentes no espaço banal, mesmo que o nível de técnica presente nas
mesmas seja variado. A solidariedade resultante possui um cunho econômico, social,
cultural e geográfico, conforme Santos (2000), buscando sempre a manutenção da
existência.
No espaço banal vão surgir forças centrípetas dominantes que garantem a
sobrevivência espacial, sendo regidas pela contra-racionalidade, surgida no interior
40
do próprio território, de forma a garantir a personalidade do mesmo, apesar da
racionalidade hegemônica das verticalidades, que atuam em diferentes pontos do
território.
As
contra-racionalidades
admitem,
ainda,
várias
temporalidades
produtivas, ao contrário do tempo hegemônico vertical. São as manifestações
horizontais que garantem a sua permanência no espaço banal, que pode ter seu
significado sempre refeito conforme a definição da produção vigente. A ideia e o fato
da Política e seu conjunto de normas que tendem a regular e proteger o
funcionamento do conjunto espacial, é recriada no espaço banal, em revanche à
intenção hegemônica das verticalidades.
Essas reações horizontais no território permitem que o mesmo seja caracterizado
como abrigo para aqueles que dele fazem uso, não sendo apenas um lugar de uso
pragmático, como para as ações verticais. Dialeticamente, verticalidades e
horizontalidades coexistem e se complementam, produzindo espaço.
Uma contribuição oportuna de ser destacada cabe à leitura teórica de Maria Laura
SILVEIRA (1999), que assimila de modo apropriado os conceitos de verticalidade e
horizontalidade aos termos espaços do mandar e espaços do fazer. O espaço do
mandar é aquele onde o pensamento hegemônico é elaborado, alheio às
particularidades de um local de ação, emissores de um know-how importado, e os
espaços do fazer são os locais que tendem a resistir à ação das verticalidades,
ainda que sejam os receptores das diretrizes mundiais da ação econômica global de
um macroagente.
Os conceitos de verticalidade e horizontalidade, assim destacados para orientar
parte da reflexão teórica em torno da problemática elaborada na presente pesquisa,
permitem compreender as forças que atuam direcionando o sentido da inserção de
um lugar no processo de globalização, assim como ocorrem as reações locais
contrárias às forças externas, um fenômeno passível de ser identificado, por sua
vez, através de um desdobramento da leitura teórica dos canais do DNOS, segundo
a articulação proposta na pesquisa, partindo da contextualização mundial do período
de inserção do território brasileiro no período técnico-científico-informacional, o qual
passa a ser equipado segundo as diretrizes hegemônicas verticais, sendo o contexto
41
mais geral para se compreender a inserção do Espírito Santo nessa articulação de
modernização espacial, chegando ao ponto empírico de análise da pesquisa, as
várzeas do Riacho, onde as horizontalidades irão ocorrer, sendo essa interpretação
tratada oportunamente em capítulo específico.
3 A PROBLEMÁTICA EM TORNO DA ÁREA DE ESTUDO: AS VÁRZEAS DO
RIACHO E OS CANAIS DO DNOS
A área denominada como várzeas do Riacho, conforme demonstrada na figura 1,
está situada nos limites dos municípios de Aracruz e Linhares e possui cerca de
69.000 hectares de extensão. Nessa área está presente o rio o Riacho6, principal
corpo d'água modificado pelo DNOS.
Figura 1:
Localização da área de estudo
6
Segundo Daemon (1879), em descrição feita no século XIX, o rio Riacho originava-se na
lagoa de Aguiar, sendo os seus afluentes o Santa Joana, Pavão ou Pavônio, Jemuuna, Cachoeirinha,
Quilombola, Brejo Grande, Araraquara, Comboios e pequenos córregos.
42
Na busca de mostrar afinidade entre o recorte temático e espacial estabelecido
anteriormente, neste capítulo será caracterizada a área de estudo com o propósito
de contextualizar, através da historicidade geográfica, o processo que levou à
implantação dos canais do DNOS enquanto importante obra de infraestrutura que
precedeu a elaboração de vários projetos voltados para a área.
3.1 AS VÁRZEAS DO RIACHO ENQUANTO MEIO NATURAL: O PERÍODO PRÉCABRALINO
A história do meio natural nas várzeas do Riacho, enquanto reflexo apenas pontual
do fenômeno maior da composição do meio natural no território capixaba, por sua
vez, pode ser caracterizada com base nos estudos do Prof. Celso Perota, antigo
pesquisador da Universidade Federal do Espírito Santo. A quantidade de
publicações sobre os sítios arqueológicos capixabas é escassa e a maior parte dos
sítios identificados coube ao citado pesquisador, de acordo com Biodinâmica (2004,
p.15):
Diante da escassez de publicações referentes a estudos arqueológicos
desenvolvidos no litoral norte do Espírito Santo, o Relatório Final de
Reestudo da Identificação das Terras Indígenas Caieiras Velhas, Pau Brasil
e Comboios (FUNAI, 1994) solicitou informações a respeito dos sítios
arqueológicos existentes no município de Aracruz. Segundo o documento,
“o arqueólogo Celso Perota não respondeu a nenhuma solicitação do GT.
Esse acontecimento chama a atenção, pois todos os sítios arqueológicos
encontrados nos municípios do Espírito Santo, onde se realizaram
pesquisas de prospecção, foram registrados no IPHAN por Celso Perota,
responsável por 95% das escavações.
Assim, de acordo com Perota (1980), a matéria-prima dos artefatos encontrados nos
sítios históricos identificados na planície do rio Doce, como as facas, lâminas e
lascas cortantes eram limitadas aos elementos minerais encontrados localmente,
como o quartzo e provenientes, também, de origem animal, construídos à base de
ossos. As cerâmicas, por sua vez, eram todas fabricadas com matérias-primas de
origem mineral e os outros artefatos culturais encontrados permitiram que o
43
pesquisador deduzisse que a atividade principal dos grupos era a coleta de alimento
além da prática da caça e da pesca.
Os sítios históricos encontrados (sambaquis) acabam sendo referências da
delimitação territorial dos grupos humanos, sobretudo, por constituírem locais
importantes, sendo inclusive considerados como sagrados, já que continham
também, os restos mortais dos antepassados desses povos. Os objetos encontrados
nos sítios históricos são em sua maioria compostos de materiais cerâmicos e
artefatos predominantemente culturais, característicos uma fase em que o homem
os fabricava sem depender de técnicas complexas ou de máquinas.
Segundo Biodinâmica (2004), consta atualmente na área da pesquisa e em seu
entorno, as aldeias Tupiniquim de Comboios, Caieiras Velhas, Irajá e Pau-Brasil,
além das aldeias indígenas Guarani de Boa Esperança, Três Palmeiras e PiraquêAçu, compostas aproximadamente por uma população de 5290 pessoas. Ressaltase que apenas os Tupiniquim são originários do território capixaba, ao contrário dos
Guaranis, que vieram do sul do país no século XX.
De maneira geral pode-se dizer que a população indígena no litoral capixaba existia
em grande número, porém, a maior parte foi dizimada após a chegada dos
europeus, sobretudo os botocudos, os quais eram vistos como “barreiras” à
ocupação estrangeira no Espírito Santo e assim, grandes mudanças na composição
territorial ocorrem após a chegada e o estabelecimento dos europeus no Estado, os
quais formaram pequenos núcleos de povoamento ao longo da costa capixaba.
É importante salientar que ocorre uma transição entre o meio natural, quando ainda
chegaram os estrangeiros no território capixaba (século XVI) e a constituição do
meio técnico, onde o início de um novo formato da configuração territorial das
várzeas do Riacho irá ocorrer. Assim, a ascensão do meio técnico será mostrada a
partir de fatos históricos ocorridos após a chegada dos estrangeiros, sobretudo
pontuados pela instalação e densificação do aparelhamento técnico do território,
voltado para a produção e suas respectivas modernizações, com a posterior
concretização do meio técnico, através da chegada das máquinas, como será visto
44
adiante.
3.2 ATRIBUTOS DA GÊNESE DAS VÁRZEAS DO RIACHO ENQUANTO MEIO
TÉCNICO
O fato que irá conduzir a gênese do padrão de organização espacial que marcará o
início da ruptura entre o meio natural e o meio técnico no território capixaba pode ser
associado à chegada dos europeus ao Espírito Santo, através de Vasco Fernandes
Coutinho, em 1535, com mais 60 pessoas, segundo Oliveira (1975), cerca de um
ano após a divisão do Brasil em capitanias hereditárias, por parte do rei português D.
João III.
A agricultura nas terras capixabas, após a chegada dos europeus, passa a ser
direcionada para o comércio, ao contrário do modo subsistente dos indígenas e
passou a se basear, densificadamente, nas culturas7 de mandioca, milho, arroz,
feijão e principalmente da cana-de-açúcar, para a qual foram construídos engenhos
para o processamento da cana. Ocorria ainda a extração de variados tipos de
árvores, provenientes de uma enorme e densa floresta composta por, segundo Zunti
(1982),
perobas,
cedros,
jacarandás,
ipês,
jequitibás,
pau-brasil,
parajus,
guararemas e muitas outras que, transformadas em madeira para o comércio, foram
utilizadas na construção de embarcações e residências, e também exportadas à
Europa em grandes quantidades.
Inicia-se, assim, uma razão baseada no comércio de caráter exportador, através da
aplicação de tecnologias mais complexas na agricultura e na produção em geral,
como no caso dos engenhos para o processamento da cana. Com o passar dos
anos, algumas fazendas foram estabelecidas visando o aumento da produção no
intuito de abastecer a capital Vitória, seus arredores e posteriormente os mercados
7
A mandioca e o milho já eram cultivados nas Américas antes da chegada dos europeus, ao
contrário das outras três culturas, as quais os cientistas acreditam ser provenientes da ásia, antes de
introduzidas nas Américas.
45
de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, com o traslado das mercadorias feitas através
do uso de animais e de embarcações.
A partir de 1572 foram iniciadas expedições pelo rio Doce na tentativa de obterem-se
maiores informações sobre a possível existência de metais e pedras preciosas em
Minas Gerais, o que apenas se consolidou entre fins do século XVII e início do XVIII.
Esse fato motivou um alto fluxo de pessoas à região mineira, através da abertura de
caminhos e estradas, o que levou a administração brasileira da época, segundo
Zunti (1982) a tentar impedir, através de leis e decretos, a comunicação entre os
estados de Minas Gerais e Espírito Santo, no intuito de dificultar o descaminho dos
novos artigos com alto valor comercial (COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, 2002).
Segundo o mesmo autor, após a exaustão das minas auríferas, no século XVIII, a
extração de minerais permitiu a abertura das primeiras fábricas de beneficiamento
de minério de ferro e, com a permissão do estabelecimento de indústrias no território
brasileiro em 1808, inicia-se a densificação industrial no estado mineiro. Assim, por
causa do aumento populacional de Minas Gerais, a produção capixaba passaria a
abastecer aquele estado com maior frequência, principalmente através de estradas
nas margens do rio Doce, ocorrendo também o intercâmbio de produtos entre os
dois estados.
De acordo o supracitado autor, tentou-se no início e no posterior desenvolvimento
das atividades da indústria de ferro, estabelecer e fortificar a ligação fluvial pelo rio
Doce ao mesmo passo que se iniciava a povoação das margens do rio e, inclusive,
no intuito de proteger tais iniciativas foram criados destacamentos militares, os
quartéis, levando-se em consideração o perigo da “invasão” de corsários
estrangeiros e dos ataques de índios, geralmente os botocudos. Os principais
quartéis criados no entorno do rio Doce foram os de Regência Augusta, Coutins,
Pancas, Porto do Souza, Lorena e Anadia e conforme afirma Zunti (1982), existiam
ainda dois pontos de apoio para tropas viajantes, os quartéis do Aguiar e de
Comboios. É importante destacar o papel dos quartéis, enquanto precursores do
povoamento de algumas localidades, como o quartel do Coutins, o qual originou o
município de Linhares, além do quartel de Regência Augusta, o qual se tornou o
atual distrito de Regência.
46
Salienta-se, ainda, o papel da fazenda Bom Jardim para a ocupação e produção
local. Essa, situada à margem direita do rio Doce, era propriedade de João Filipe
Calmon e segundo Saint-Hilaire (1974), o mesmo havia vendido o que possuía no
sul do estado no intuito de estabelecer morada permanente em Linhares, juntamente
com a família e os escravos. Segundo o autor citado, João enfrentou muitas
dificuldades ao atravessar os campos do Riacho8, pois o rio Doce estava em período
de cheias, alagando toda a área próxima ao rio Riacho, o que aumentava a
dificuldade de se atravessar a floresta existente naquela época, o que reforça
novamente como era a condição alagadiça do local.
Segundo Zunti (1982), a fazenda de João Calmon produzia farinha, açúcar, linho e
trigo e, mais tarde, passou a construir de barcos, e foi montada uma olaria de telhas
e tijolos e a produção escoava principalmente para Vitória e para Minas Gerais, tanto
por terra, usando animais como transporte ou pelo rio Doce, através de barcos.
As evidências de que passa a ocorrer a materialização do meio técnico, na área em
questão, ocorrem ainda na primeira metade do século XIX9, quando chegam os
barcos movidos a vapor no Baixo Doce, transportando pessoas e cargas entre os
portos, movimentando o comércio nos pontos de parada. A chegada dos barcos,
dessa maneira, torna evidente que ocorre uma consolidação dos primeiros sistemas
de engenharia no meio técnico, já que a solidariedade passa a estar presente nos
portos, evidenciada através do aumento da circulação de pessoas, dos meios de
transporte, do aumento do consumo de matérias-primas no entorno da área,
8
As descrições feitas por Saint-Hilaire permitem afirmar que os campos do Riacho eram os
alagados que formavam as várzeas do Riacho, área que periodicamente era afetada pelas cheias do
rio Doce. É possível ver uma representação da área das várzeas do Riacho feita no século XIX, na
figura 11 (ANEXO VI)
9
Procurou-se, nesse capítulo, enfatizar a materialização geográfica ocorrida no baixo Doce,
próximo à Linhares, Colatina e parte do litoral que tenha relação com a problemática do estudo, no
caso, no entorno da foz do rio Riacho. Sabe-se, porém, que o Espírito Santo, em termos de território,
possuía três regiões distintas em termos de ocupação, no séc XIX: a sul, polarizada por Cachoeiro de
Itapemirim, onde predominava a grande propriedade com base nos moldes escravistas presentes em
Minas Gerais e Rio de Janeiro, de onde a produção escoava através de ferrovias para o Rio de
Janeiro; a central, polarizada por Vitória, onde predominavam as atividades de comércio e serviços e
a norte, polarizada por São Mateus. Sobre o assunto relativos às atividades desenvolvidas no século
XIX no ES e alguns dados estatísticos, indicamos a leitura de Campos Júnior (2002), Oliveira (1975) e
Daemon (1879).
47
sobretudo as madeiras que, além de servirem para a construção de móveis, também
serviam como combustível para os barcos, principalmente durante o percurso entre
Colatina e Regência. Toda essa solidariedade é voltada para o mesmo fim, a
produção e o comércio.
É importante destacar que, segundo a autora citada, atravessar a barra do rio Doce
e chegar ao Atlântico era muito trabalhoso para os barcos, devido a pouca
profundidade local, aos bancos de areia presentes na área e às correntezas que se
formavam, constituindo-se em fatos que fizeram surgir a ideia da primeira grande
obra de intervenção nas várzeas do Riacho a abertura de uma ligação entre o rio
Comboios e o rio Preto, enquanto caminho alternativo, através do qual seria possível
navegar entrando pela foz do rio Riacho e sair no rio Doce e vice-versa, fato também
apontado por Oliveira (1975). Essa obra era um antigo projeto elaborado pelo
sargento-mor engenheiro Luiz D'Alincourt, em 1833, a pedido do presidente da
província do Espírito Santo, Manuel José Pires da Silva Pontes. (D'ALINCOURT,
1833)
A primeira tentativa de ligação só ocorreria em 1860, de acordo com Almeida (1959),
porém, a ligação definitiva apenas seria estabelecida no governo de Nestor Gomes,
entre 1920 e 1924, por onde “navegou o Tamoio, vindo rebocado de Vitória até a
concha do Riacho e dali com suas próprias máquinas, saiu no rio Doce”, como
afirma Zunti (1982, p. 90). O percurso foi abandonado tempos depois, após pouco
uso, já que o mesmo era pouco prático:
Toda aquela região era extremamente pantanosa. Alguns locais eram
bastante perigosos, podendo-se afundar até a cintura. Quando caíam
chuvas de inverno ou as tempestades de verão, elevando o nível das águas,
toda aquela área tornava-se quase um único e enorme alagadiço, com
correntezas que, indo dar no canal, enchiam-no de detritos, forçando a
subida das águas represadas e inundando as margens; ou então
proliferavam de tal maneira as plantas aquáticas que se tornava impossível
qualquer navegação. (ZUNTI, 1982, p.90)
Ainda em 1920, segundo Zunti (1982), ocorreu a introdução da rede elétrica,
proveniente de geradores impulsionados por motores movidos a diesel, em
substituição aos lampiões e velas, que começavam a permitir uma solidariedade
técnica entre as áreas que se utilizassem dessa energia. A quantidade de estradas
48
abertas crescia10, porém, até os anos de 1950, ainda não havia ligação permanente
entre Vitória e o norte do estado, lembrando que, segundo Moraes (1954), o ciclo
ferroviário do Espírito Santo ocorreu entre 1886 e 1910 e o ciclo rodoviário inicia
após 1924.
As maiores transformações na área irão ocorrem após a implantação dos canais do
DNOS nas várzeas do Riacho, no intuito de modificar profundamente a condição
pantanosa que prevalecia sobre o solo, preparando a área para a produção em
grande escala. Este assunto que será tratado adiante, com a adequada
contextualização do surgimento do DNOS e o papel desse órgão em parte do
cenário nacional no período técnico-científico-informacional.
3.3 ELEMENTOS DA MODERNIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CAPIXABA NO
PERÍODO TÉCNICO-CIENTÍFICO-INFORMACIONAL
A modernização territorial do Espírito Santo ocorre como parte da história do
processo de modernização nacional, intensificada após 1945. Foi, contudo, durante
o período da ditadura militar, para Milton Santos, que a ideia de integração nacional
ganhou força, orientando-se em função do mercado internacional, da seguinte
maneira:
[c] O golpe de Estado de 1964 todavia aparece como um marco, pois foi o
movimento militar que criou as condições de uma rápida integração do País
a um movimento de internacionalização que aparecia como irresistível, em
escala mundial. A economia se desenvolve, seja para atender a um
mercado consumidor em célere expansão, seja para responder a uma
demanda exterior. O país se torna grande exportador, tanto de produtos
10
Baseando-se em Moraes (1974), pode-se afirmar que as estradas capixabas foram
construídas em função da circulação que estava aumentando ao passo da decadência de parte da
rede ferroviária após 1910 e do aumento da circulação comercial entre os municípios capixabas. As
rodovias, sobretudo as federais, tendiam a convergir para Vitória em função do porto, por onde
poderiam escoar a produção de Minas Gerais, Sul da Bahia e Goiás. De acordo com Teixeira (1975),
o governador Bernardino Monteiro, à partir de 1916, dedicou-se à construção de rodovias por onde
escoaria a produção dos cafezais. A ele se deve a inauguração da política rodoviária estadual.
49
agrícolas não tradicionais, (soja, cítricos), parcialmente beneficiados antes
de se dirigirem ao estrangeiro, quanto de produtos industrializados. A
modernização agrícola, aliás, atinge, também produções tradicionais como o
café, o cacau, o algodão; alcança produtos como o trigo, cujo volume
plantado e colhido se multiplica; implanta-se em muitos outros setores e
beneficia-se da expansão da classe média e das novas equações de um
consumo popular intermitente, com o desenvolvimento da produção de
frutas, verduras e hortaliças. A população aumentada, a classe média
ampliada, a sedução dos pobres por um consumo diversificado e ajudado
por sistemas extensivos de crédito servem como impulsão à produção
industrial. [...] Em conseqüência, aparecem mudanças importantes, de um
lado, na composição técnica do território pelos aportes maciços de
investimentos em infra-estruturas, e, de outro lado, na composição orgânica
do território, graças à cibernética, às biotecnologias, às novas químicas, à
informática e à eletrônica. (SANTOS, 2008b, p. 38-39)
Essa integração com o mercado mundial se deu através de programas lançados
pelo governo federal, que optou pelo crescimento econômico à custa de um
considerável endividamento, resultando em profundas mudanças do território.
Segundo Xavier (2010, p. 330):
[...] o Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966) procurou
reintegrar o subsistema econômico brasileiro ao sistema capitalista mundial
(Octavio Ianni, 1971). Entre seus principais objetivos, estava a formação de
um mercado de consumo para bens duráveis, favorecendo o a implantação
das indústrias desse setor no país. Com a crise de 1973, nova etapa de
modernizações é imposta ao território. Segundo Antonio B. de Castro (1985,
p.28), “diante do transtorno das contas externas verificadas no ano de 1974,
o Brasil optou pelo crescimento-com-endividamento”. Esse crescimento
seria gestado por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974),
que priorizava a implantação de novos setores, a criação e a adaptação de
tecnologias para modernizar a economia, o ajustamento às novas
realidades da economia mundial e uma nova etapa de esforço de integração
nacional.
Nesse contexto de integração se insere o Espírito Santo, o qual sofreu um processo
de modernização em função da mudança de base econômica, de agrária para
industrial, sobretudo após a crise do café, quando importantes indústrias
exportadoras foram implantadas, com produção voltada para o comércio exterior. De
acordo com Campos Júnior (2002), o Espírito Santo possuía sua economia baseada
predominantemente na agricultura, até aproximadamente os anos de 1970, tendo o
café
como
o
produto
que
destacava
economicamente,
sendo
cultivado
predominantemente em pequena propriedade através do trabalho familiar. Nos anos
50, ainda em ascensão, o café tinha preços favoráveis no mercado externo e,
durante os anos 60, quando se instalou a crise, a produção começou a declinar em
função da baixa produtividade dos cafeeiros, que já estavam velhos e eram
50
plantados sem técnica, somada à queda no preço internacional do produto, iniciada
a partir de 1956.
Peruzzo (1984) afirma que o Estado capixaba sofre profundas mudanças na
estrutura econômica principalmente em função dos interesses maiores advindos logo
após o golpe de 1964, início da ditadura militar brasileira, época em que grandes
projetos se instalam em vários estados brasileiros:
O Espírito Santo passa por profundas transformações a partir de meados da
década de 60. Este Estado, desde a época colonial, representou uma
barreira que impedia a o acesso de indesejados às fontes auríferas de
Minas Gerais, tanto assim que o vale do Rio Doce, acesso natural entre o
mar e as minas, permaneceu inexplorado. Interesses econômicos e militares
forçavam a passagem pelo Rio de Janeiro para os que pretendessem ligar
Minas Gerais ao mundo exterior. Assim, o controle tributário teria maiores
possibilidades de ocorrer. Enquanto isso, o controle militar estaria
assegurado pelas forças existentes no Rio de Janeiro. A ocupação das
terras capixabas ocorreu lentamente, graças à expansão da fronteira
agrícola aberta pelo café, em torno da qual se estrutura a economia
capixaba. [...] Duro golpe sofre a economia capixaba após o movimento de
64. Nesse período o estado acelera a satisfação dos interesses do capital
em geral em detrimento do particular. Isto não é uma incoerência do Estado,
visto que grandes grupos, os mais poderosos, passam a ter maior poder de
barganha junto a ele. (PERUZZO, 1984, p.54)
Para o citado autor, o Instituto Brasileiro do Café – IBC - incentivou a política de
erradicação do café, alegando que se fazia necessário eliminar o café de tipo
inferior, inclusive os cafezais, substituindo-os por outras culturas que não o café, ao
invés de se desenvolver um conjunto de incentivos para a substituição do tipo de
café cultivado por outro tipo de café:
[...] Nos anos 66 e 67, o governo federal promove a erradicação de 185
milhões de pés de café, cerca de 45% do total existente no Espírito Santo,
mediante o pagamento de determinada importância por pé arrancado,
desde que fosse substituído por outra cultura que não o café. (PERUZZO,
1984, p.55)
Dessa forma, na visão do autor, a erradicação de 167 mil hectares, equivalentes a
uma redução de 336 mil sacas de café, suprimiu 50 mil empregos rurais, 16% da
mão de obra agrícola do Espírito Santo, o que acabou provocando a migração de
aproximadamente 150 mil habitantes do campo em direção à cidade, ao mesmo
tempo em que ocorriam novas relações capitalistas através da mudança das
51
atividades agrícolas, sobretudo com a expansão das grandes propriedades, já que a
crise se tornou oportuna para os grandes empresários, o que dificultava a vida no
campo dos pequenos proprietários, já que não contavam com as mesmas facilidades
para obter crédito como os grandes. Os novos projetos industriais e também o
desenvolvimento turístico que estava ocorrendo, incentivado pelos políticos
estaduais que aí encontraram uma boa oportunidade para especular o valor da
terra11, começaram a atrair os que não mais encontravam trabalho no campo.
Naquele momento, quando da erradicação do café, segundo Campos Júnior (1998),
a indústria do centro hegemônico do país (São Paulo), produzia implementos para a
modernização no campo12 ao mesmo passo que o pensamento dominante na
política era de que a “agricultura atrasada” constituía-se como entrave ao
desenvolvimento. A modernização do campo, então, com o uso de novas técnicas,
máquinas, insumos e mudanças na relação de trabalho13, seria uma aspiração ao
progresso, porém, apesar de esse processo ter se repetido em várias partes do país,
no Espírito Santo as mudanças foram menos intensas, não ocorrendo através do
emprego de máquinas na agricultura. Em certas áreas o cultivo do café passava a
ser trocado pela prática da pecuária, do reflorestamento com vistas à produção
industrial e ao cultivo da cana-de-açúcar. O café só viria a ser retomado como
cultura de grande importância após 1975, com o uso de técnicas modernas e de
insumos agrícolas, adequando-se ao pensamento modernista da época, sobretudo
11
O jornal Posição n°62 traz uma reportagem que trata de grandes empresários que se
beneficiariam dos planejamentos empreendidos pela Empresa Capixaba de Tursimo (Emcatur) –
órgão estatal – , através da valorização de áreas apontadas como de interesse turístico, por serem
proprietários de terras nas áreas escolhidas para o turismo. Dentre os empresários configuravam:
Camilo Cola, Eliezer Baptista, Otacílio Coser, João Santos e João Calmon.
12
Torna-se importante ressaltar a revolução verde enquanto estratégia mundial encontrada
pelo capital para a modernização da agricultura. Para Moreira (1999), a revolução verde , no Brasil,
assumiu – marcadamente nos anos 60 e 70 – a prioridade do subsídio de créditos agrícolas para
estimular a grande produção agrícola, as esferas agroindustriais, as empresas de maquinários e de
insumos industriais para uso agrícola – como tratores, herbicidas e fertilizantes químicos –, a
agricultura de exportação, a produção de processados para a exportação e a diferenciação do
consumo – como de queijos e iogurtes. Para o autor, essa revolução, no contexto brasileiro foi
socialmente conservadora, por ter sido um modelo concentrador e excludente, não beneficiando os
pequenos produtores rurais, tampouco a agricultura familiar. A FAO (Food and Agriculture
Organization) é um órgão vinculado às Organização das Nações Unidas que funciona como
estimuladora da revolução verde nos países subdesenvolvidos.
13
O assalariamento do trabalhador rural passou a ser uma constante nas propriedades
agrícolas.
52
direcionado pelos governantes estaduais.
A alternativa encontrada para atravessar a crise econômica estadual, de acordo com
Campos Júnior (2002), foi a criação do FUNRES14 (Fundo de Recuperação
Econômica do Estado do Espírito Santo), oficializado pelo decreto-lei federal 880 de
1969. Porém, mesmo com o incentivo, na visão do autor, a medida não foi suficiente
para mudar totalmente a base econômica estadual e apenas alguns poucos
empresários conseguiram se preparar para enfrentar a crise econômica que estava
se instalando.
Nessa
mesma
época,
o
aparelhamento
técnico-científico
estadual
foi
se
concretizando, com vistas à futura modernização, como pode ser demonstrado
através do depoimento do ex-governador Christiano Dias Lopes, que ocupou o cargo
entre 1967 e 1971, o qual listou algumas das realizações executadas em prol de se
reforçar a infraestrutura do Estado nas novas relações capitalistas:
Criamos e implantamos um sistema de assessoramento na área
administrativa, jurídica e de programação e planejamento; reorganizamos o
DER, reestruturamos a Polícia Militar, a Procuradoria Geral da Justiça, a
Geral do Estado e o Departamento de Estatística. Criamos, estruturamos e
implantamos o DERMAG (hoje CERMAG), o Departamento de
Aerofotogrametria, o DETRAN, a SUPPIN, o CIVIT, a Escola de Agronomia
de Alegre, o DTC, a SPC, a FESBEM, a COFAI, a SERCOP (hoje
PRODEST), a EMCATUR, a COPESA, a CESAN, a COMDUSA, a COHAB,
a CODES (hoje BANDES), a EMFORMA, a Meridional de Eletricidade (...)
entre outros (PERUZZO, 1984, p. 57)
É importante mencionar, de acordo com Peruzzo (1984), as propostas de
descentralização industrial constantes no II Plano Nacional de Desenvolvimento,
criado pelo governo federal entre 1975 e 1979, enquanto estratégia para conter os
fluxos migratórios que se direcionavam aos grandes centros, através da
industrialização das cidades de porte médio. Alguns desses projetos de
modernização, segundo o autor, foram direcionados para a Grande Vitória, o que
viria modificar o papel do Espírito Santo no novo contexto capitalista nacional, do
ponto de vista das novas relações de produção que estavam se estabelecendo em
nível mundial, o que, supostamente, diminuiria a possibilidade de que a população
14
O Funres concedia benefícios fiscais com vistas à industrialização, através da renúncia fiscal
do imposto de renda e do imposto sobre circulação de mercadorias e produtos – ICMS.
53
capixaba migrasse em massa para outros estados. Assim, de acordo com autor:
O Estado, por outro lado, articula os fatores de atração da população rural
para migrar para a cidade, que são os grandes projetos industriais e o
portuário, os quais se localizam na Grande Vitória, ou próximo dela. Dentre
estes projetos estão o Porto de Tubarão, Porto de Praia Mole, Porto de
Capuaba, Portocel, Porto de Vitória, Usina de Pelotização, Companhia
Siderúrgica de Tubarão, CIVIT (Centro Industrial de Vitória), Aracruz
Celulose, [c]. (PERUZZO,1984, p.56)
Para se reforçar a afirmação anterior, que versa sobre a industrialização capixaba,
pode-se citar Campos Júnior (2002, p.16), o qual afima que:
Aproveitando-se do momento de grande internacionalização da economia
brasileira e das possibilidades criadas através da política industrial proposta
pelo II PND, as lideranças locais juntamente com a CVRD articulam a
implantação de grandes projetos industriais (aqueles de capital do governo
federal e de origem externa) colocando em negociação as oportunidades
encontradas. Em conseqüência, promovem a instalação da Aracruz
Celulose, da Samarco Mineração, da Siderúrgica de Tubarão e a
intensificação das atividades da Companhia Vale do Rio Doce, que já
exportava minério [...]
Segundo Rocha e Morandi (1991), com essa nova dinâmica capitalista havia a
necessidade de se fortalecer a rede urbana, de modo facilitar os novos fluxos e
assim foram construídos quase mil novos quilômetros de estradas, sendo que um
quarto delas era asfaltada. Esses fatores também atraíram a população rural a
migrar para a Grande Vitória, em função da perspectiva de ampliação da oferta de
empregos, principalmente os ligados aos grandes projetos. Para o autor, a partir
1975, o setor industrial no Espírito Santo sofreu modificações, passando a expansão
a ser comandada por capitais externos, o que provocou crescente diversificação da
atividade industrial. De acordo com o autor, o gênero metalurgia, que se mantinha
estagnado entre 1975 e 1980, passava a aparecer como o terceiro mais importante
em valor de produção em 1980. O início da operação da Companhia Siderúrgica de
Tubarão em 1983, que apresentava uma capacidade de produção 15 vezes maior
que a Cofavi15, fez com que produção metalúrgica passasse a superar a produção
estadual de alimentos.
15
Companhia de Ferro e Aço Vitória
54
Rocha e Morandi (1991) afirma que o crescimento industrial, no Espírito Santo,
induziu o crescimento de outros setores como o terciário, que metodologicamente
sofre influência do setor primário e secundário da economia, assim como pelo
processo de urbanização. No espaço urbano, segundo o autor, verifica-se ainda a
integração e o pleno desenvolvimento de diversos setores da economia, como a
dinamização do setor terciário, a qual resulta da expansão dos outros setores e do
próprio processo de urbanização, integrando-se à globalidade econômica, sendo
suporte para a continuidade dos setores produtores e da aglomeração da população
no espaço urbano.
O autor afirma ainda que o número de empregos nesse setor foi suficientemente
satisfatório a ponto de atrair e ocupar os novos moradores da Grande Vitória, e
também a ponto de alavancar parte do mercado da construção imobiliária, já que a
busca por empregos causa uma considerável transferência de contingente
populacional e consequentemente provoca incremento na busca de moradias. Essa
atração de trabalhadores para a capital tornou-se interessante para a classe
empresarial do ramo imobiliário, que pôde especular com a quantidade de terrenos
ainda não plenamente construídos e ocupados na Grande Vitória. Por outro lado,
essa especulação desenfreada impede que os mais pobres possam se estabelecer
nas áreas tornadas nobres, através do planejamento urbano, fazendo com que os
mesmos passem a ocupar os morros e as áreas periféricas de Vitória16.
Aproveitando-se da crescente artificialização urbano-industrial do território capixaba
onde o contingente populacional estava aumentando e demandando quantidades
crescentes de alimentos, o Estado, através dos seus agentes políticos e financeiros,
passou a fazer levantamentos sobre a agricultura, no intuito de promovê-la
aumentando a eficiência produtiva, tanto para uma produção voltada para o mercado
interno, quanto para a possibilidade de exportação, beneficiando os grandes
proprietários de terra, assim como os grandes empresários do setor agrário. Para tal
16
Em Mendonça (1995) é possível entender como alguns locais de Vitória foram planejados de
modo que fossem valorizados a ponto de ser considerados bairros nobres, como no caso de
Camburi, em detrimentos de áreas com ocupações mais antigas, como o bairro Goiabeiras, que se
tornou desvalorizado em relação ao primeiro. A continuidade de eventos desse tipo foi interessante
para corretores de imóveis e imobiliárias da capital.
55
promoção, ainda nos anos 70, foi criada a Comissão Estadual de Planejamento
Agrícola e através dos órgãos e empresas criados no governo de Cristiano Dias
Lopes, vários estudos e projetos foram elaborados e dentre os levantamentos
agrícolas podem ser citados: Costa (1980, 1981a, 1981b), Espírito Santo (s/d,
1976a, 1976b, 1976c, 1976d, 1976e, 1976f, 1977a, 1977b, 1977c, 1977d, 1977e,
1977f, 1978a, 1978b, 1978d, 1981a, 1981b), Hemerly (1977, 1978), Vieira (1975) e
Walber (1977a, 1977b, 1977c, 1978a, 1978b).
Essa busca por uma nova perspectiva na agricultura capixaba, altamente
cientificizada17 e voltada para uma produção de alto rendimento, direcionada para o
mercado, levou o Estado a estudar soluções tecnicamente viáveis para remediar a
situação e como uma das alternativas foi proposta a produção nas várzeas do
Riacho, as quais se encontravam sob intervenção técnica do DNOS desde o final
dos anos 60. Este assunto será tratado adiante, contextualizando o histórico da
produção geográfica das várzeas do Riacho com o estado atual em que se encontra
a área, em função dos canais abertos pelo DNOS.
3.4 OS CANAIS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO RIACHO
O DNOS foi uma autarquia federal com âmbito nacional de atuação, responsável
pela modificação de grandes áreas segundo a política de modernização do território
vigente na época, através de obras de grande porte em pontos estratégicos,
previamente escolhidos, sobretudo, em função dos estudos elaborados pelo seu
corpo técnico, com vistas para a produção modernizada. Assim, nesse contexto
brevemente exposto, o DNOS será caracterizado historicamente, em linhas gerais, a
fim de permitir o encaminhamento da problemática envolvendo as várzeas do
Riacho, onde foram instalados dezenas de quilômetros de canais de drenagem, a
17
Lima, Vasconcelos e Freitas (2011) afirmam que nos últimos decênios do século XX, por
conta da onda de modernização mundial baseada em inovações técnico-científicas, a ciência é
cooptada pelo sistema produtivo e o Estado, então, é convocado a oferecer maior investimento ao
setor industrial, à produção agropecuária, acentuando o papel de base nos serviços modernos para
intensificar os fluxos de capital, mercadorias e pessoas.
56
fim de converter as características originais do ambiente físico, uma área composta
de alagados e sob influência dos transbordamentos do rio Doce.
3.4.1 O DNOS como Vetor de Modernização: uma apreciação sintética.
A história nacional do DNOS, segundo Carneiro (2003), é iniciada à partir do
Movimento de 193018, quando a gênese da modernização do território brasileiro,
representa uma ruptura com o antigo padrão de acumulação capitalista vigente,
através da implantação de uma nova base industrial voltada, sobretudo, para os
bens de produção, fator que direcionou a base econômica nacional para o padrão
urbano-industrial. Nesse ínterim foi constituída a Comissão de Saneamento da
Baixada Fluminense, visando o saneamento e aproveitamento da Baixada
Fluminense, em favor da ocupação da área, da instalação de cooperativas e
indústrias.
Analisando-se o Decreto-Lei 2.367 de 1940, é possível constatar que a Comissão de
Saneamento foi transformada em Diretoria de Saneamento da Baixada Fluminense
no final dos anos 30 e, posteriormente, transformado em DNOS, passando a
funcionar em regime de autarquia federal, de acordo com a lei 4.089 de 1962. Nessa
lei consta que o órgão passa a contar com personalidade jurídica de direito político,
autonomia financeira e administrativa, com sedes instaladas em vários estados,
podendo, inclusive, fazer obras em regime de parceria com os governos estaduais,
municipais e – cabe destacar – com pessoas físicas ou jurídicas, tendo ainda o
poder de fiscalizar e multar quem não cumprisse os contratos firmados, segundo
BRASIL
18
(1940,
1962).
Essa
direção
era
seguida
segundo
a
política
A Revolução de 1930 ou o Movimento de 1930 foi o momento político em que Getúlio Vargas
assume o Governo Provisório, após o fim da República Velha. O Brasil entra em um novo período de
modernização, onde são modificadas as estruturas sociais, econômicas e políticas, através da
estratégia populista, conforme afirma Teixeira (1995). Para Carneiro (2003) é desse período em
diante que o país passa a ser modernizado com base na planificação técnica da ações modificadoras,
executadas por parte do governo federal. Para uma leitura mais ampla sobre o processo do
aprofundamento da inserção do Brasil no sistema econômico mundial, recomenda-se,
imprescindivelmente, a importante leitura de Oliveira (2003).
57
desenvolvimentista assumida pelo Estado nacional durante o período pós-guerra.
Através da leitura das leis que regulavam o DNOS, percebe-se que o trabalho desse
órgão poderia ir além das obras de saneamento, chegando a atuar como órgão de
planejamento geográfico, dada a amplitude de atuação legal e, no intuito de ilustrar o
exposto, seguem algumas das atribuições legais:
• Levantar o cadastro imobiliário, de toda a região onde estiver operando ou
tenha de operar, anotando os índices de valorização das propriedades beneficiadas;
• Estudar os programas de obras e melhoramentos das regiões sobre a sua
influência, tendo sempre em vista uma previsão equilibrada das conseqüências
econômicas e sociais resultantes da realização dos trabalhos;
• Promover desapropriações, por necessidade e utilidade pública ou interesse
social, de bens necessários à execução dos serviços e obras a seu cargo;
• Proceder ao levantamento cadastral das propriedades beneficiadas ou a
beneficiar pela execução de serviços ou obras a seu cargo, visando à contribuição
de melhoria e à instituição de taxas por serviços prestados.
Pesquisando sobre os conflitos sociais existentes entre a agroindústria açucareira,
os pequenos agricultores e pescadores, resultantes das obras dos canais do DNOS
implantados na Baixada Fluminense, Carneiro (2003) levantou dados históricos
sobre a antiga Comissão de Saneamento, permitindo mostrar que o papel do órgão
enquanto “planejador” econômico e regional resultavam do esforço do engenheiro
Hildebrando Araújo de Góes, que comandava a Comissão desde 1933:
[...] as pretensões da Comissão de Saneamento superam em muito a tarefa
de realizar obras de saneamento na Baixada Fluminense. Na verdade, não
obstante serem essas suas funções precípuas, instituía-se, naquele
momento, um órgão com ampla capacidade de influir na economia regional,
realizando um extenso plano de obras voltados para o interesse da
agroindústria. Em grande medida, essas novas atribuições foram
consequência do esforço de Góes para que a comissão assumisse um
programa maior de serviços que aqueles determinados anteriormente
quando da sua criação. (CARNEIRO, 2003, p.38)
58
Segundo o supracitado autor, o saneamento das áreas “insalubres” acabou sendo
tomado como discurso para quem conseguisse se utilizar posteriormente dos
serviços do órgão, conseguindo assim, obter usos para fins de valorização fundiária.
A suposta qualificação de uma área como insalubre se dava em função da presença
natural da água no solo, fator que dificultava a ocupação do mesmo, seja pela
possibilidade de se tornarem foco de doenças que encontravam nessas áreas um
ambiente favorável à reprodução de seus transmissores, como tifo, malária e febre
amarela, muito comum nos séculos XVIII e XIX, ou pela impossibilidade de se
expandir as atividades agropecuárias ou outro tipo de ocupação sobre o terreno.
Nesse contexto, Netto (apud CARNEIRO, 2003, p. 43) salienta que:
A atuação do DNOS permitia e legitimava a expansão das atividades
agropecuárias na região. Utilizava-se um discurso de “recuperação da
área”, como se em um dado momento histórico as atividades agropecuárias
tivessem perdido as terras para as águas, quando na verdade o que havia
era o fenômeno inverso. Então o discurso do DNOS era de “recuperar”
estas terras, como se estas terras tivessem sido perdidas, em alguma
época, para as águas e estivessem sendo reintegradas às atividades
econômicas.
O DNOS, enquanto autarquia estatal que atuava destacadamente em função da
promoção do capital privado, teve seu fim durante o governo Collor em 199019,
quando foi extinto através da Medida Provisória n.151, juntamente com vários outros
órgãos, em função de um rearranjo político voltado para a nova política de
modernização que estava se estabelecendo no país, segundo um contexto
neoliberal.
Conforme exposto, a abertura de canais de drenagem nas baixadas no Rio de
Janeiro voltados para o favorecimento da instalação de grandes infraestruturas que
beneficiam uma minoria empresarial em torno dos lucros obtidos em torno de uma
área produzida pelo DNOS, com a posterior geração de vários conflitos sociais
originários, sobretudo no discutível modo de favorecimento aos ocupadores do solo,
é fato similar ao processo que ocorreu no Espírito Santo. Torna-se necessário,
19
De acordo com Lima, Vasconcelos e Freitas (2011, p.64), é à partir de 1990 que o Estado
brasileiro acasala-se com grande projeto de neoliberalismo, fundamentado na bandeira de menos
intervenção estatal, e maior força decisória das grandes empresas, onde se desestrutura a ordem do
bem-estar social e soerguem-se as as decisões do empresariado.
59
assim, remontar à história da ação do DNOS nas várzeas do Riacho, de forma a
ilustrar as disparidades que envolvem a problemática de uma questionável ocupação
do solo que gerou um contexto com sérias consequências sociais em benefício de
alguns empresários que passaram a utilizar o local através de alguns incentivos,
como poderá ser visto no capítulo 4.
3.4.2 A Ação do DNOS nas Várzeas do Riacho: Aproximação preliminar e
questionamentos.
As várzeas do Riacho tornaram-se objeto de intervenção do DNOS no final dos anos
de 1960, quando esse passou a instalar canais de drenagem no intuito de tornar o
solo aproveitável para o desenvolvimento da agricultura e pecuária, em parceria com
programas federais e estaduais, como será observado no capítulo 4. O rio Riacho,
principal corpo d'água presente na área, juntamente com seus afluentes, foi o alvo
principal de artificialização do referido órgão, de forma que a área, após
devidamente drenada e preparada, foi dividida em propriedades voltadas para a
produção agrícola. Segundo Mendes (1978), a área escolhida era interessante em
função da sua localização, por se comunicar com rodovias estaduais e com a
rodovia federal BR-101, o que facilitaria o escoamento da produção, além de contar,
na época, com a eletrificação rural, que estava sendo implantada.
Partindo-se dessa transformação, o Estado capixaba lançou alguns projetos
baseados em pesquisas que levavam em consideração algumas características do
solo e a necessidade de se utilizar implementos químicos para uma alta
produtividade, além do controle da água20 para as culturas que fossem
implementadas, através da irrigação mecanizada, assunto a ser aprofundado no
capítulo 4.
20
O controle da água, através da irrigação, era uma das características técnicas do
Provárzeas, que contava, inclusive, com manual técnico específico sobre esse assunto, como pode
ser conferido em Brasil (1986).
60
O DNOS, além de drenar o solo, era também responsável pela abertura de estradas
que iriam permitir o fluxo posterior da produção, segundo Mendes (1978). Cabe
notar, de acordo com o referido autor, que o tamanho médio das propriedades na
área do Riacho estavam em torno de 119,14 hectares, para apenas 456
proprietários, sendo que 50% da área possuía tamanho médio de 200 a 1000
hectares. Para o autor, “a análise minuciosa mostra que a concentração de
propriedades é relativamente grande em ambos os vales, e mais pronunciadamente
no Vale do Riacho, onde 10,9% da área total estão nas mãos de 51% do total de
proprietários [c]”. (MENDES, 1978, p.12)
Após a extinção do DNOS em 1990, os canais abertos deixaram de ser controlados
pelo órgão, ficando os mesmos em estado de abandono, já que a citada medida
mencionava que apenas os bens imóveis, os bens móveis, os materiais e
equipamentos passariam ao domínio da União, não sendo citado o que deveria ser
feito com os canais que já se encontravam em funcionamento. Assim, com a
extinção do DNOS, o poder público não assumiu a administração dos canais,
tampouco a manutenção dos mesmos, o que “permitiu” que os mesmos pudessem
ser utilizados para outros fins, apropriados sob domínio da iniciativa privada, fato
semelhante aos exemplos do caso da Baixada Fluminense citados em Carneiro
(2003), porém, no caso capixaba, o uso dos canais foram direcionados
predominantemente para o abastecimento de água da Aracruz Celulose.
A Aracruz Celulose, atualmente conhecida como Fibria, é a maior produtora mundial
de polpa de celulose branqueada. O processo de implantação da empresa ocorreu
paralelamente aos trabalhos de construção dos canais do DNOS, quando ainda ela
teve iniciado seus trabalhos no Espírito Santo através da Aracruz Florestal - Arflo em 1967, que fez os primeiros plantios de eucalipto no município de Aracruz. Em
1972 ocorreu a implantação da planta industrial da Aracruz Celulose - Arcel -, da
qual a Arflo se tornou subsidiária. Em 1978 foi inaugurada a fábrica A da Arcel,
seguida da fábrica B em 1991 e da fábrica C em 2002.
A implantação, o funcionamento e a ampliação da Aracruz Celulose, ao longo dos
anos, têm gerando uma série de repercussões, tratadas por diversos especialistas,
61
tanto através de artigos científicos como através das outras mídias disponíveis, em
assuntos que excedem os impactos gerados pela apropriação dos canais. Dentre os
trabalhos existentes, pode-se citar, dos anos de 1970, algumas reportagens
publicadas em revistas, que mencionavam alguns conflitos incipientes, tal como a
revista Espírito Santo AGORA (1972) que traz informações sobre o processo de
perda das terras enfrentado pelos indígenas de Aracruz, inicialmente para a Cofavi,
a qual retirou a cobertura original para o abastecimento do seu processo produtivo,
que as cedeu para a Aracruz Florestal executar o reflorestamento baseado na
monocultura de eucalipto:
A atividade dessa empresa [Ferro e Aço] não durou muito. Viria mais tarde a
completar os desejos do governo do Estado de transformar a região em
área de reflorestamento, cedendo terras para a Aracruz Florestal. Nesse
processo invasor, os terrenos dos índios foram tomados, beneficiando-se os
grileiros por não terem os tupiniquins quaisquer documentação não fossem
os registros históricos.
Essa versão é também acatada pelos antropólogos Carlos A. R. Freire e Carlos A.
M. Peres, que, ao prestarem serviços de consultoria para a Funai durante o
processo de demarcação da Terra Indígena Comboios, em 1996, afirmam que
durante os anos de 1940, as terras indígenas foram consideradas como devolutas
pelo Estado e foram ocupadas por projetos econômicos que eram indiferentes ao
modo de reprodução física e cultural dos indígenas, como consta no Diário Oficial de
27 de Fevereiro de 1997.
Joaquim NERY (1978) discorre sobre crescimento, em termos de área, da floresta
de eucaliptos em detrimento da diminuição da área dos indígenas guarani
(sobretudo os de Caieiras Velha) e tupiniquim, além do processo de instalação dos
canteiros de obras da Aracruz Celulose, o que prejudicava a reprodução do modo de
vida desses povos.
A revista Espírito Santo AGORA (1980) traz a reportagem sobre um decreto onde a
FUNAI reconhece apenas um centésimo das terras indígenas em relação à área da
sesmaria doada aos índios pelo ex-governador e capitão mor do Espírito Santo em
1610. Nessa reportagem, Ewerton Guimarães, então advogado da Comissão de
Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, concluiu que a única beneficiada no
62
processo é a Aracruz Celulose, já que a empresa plantou eucalipto sobre grande
parte da antiga sesmaria indígena. A revista Agora (1981) traz um artigo onde o
presidente do CIMI – Conselho Indigenista Missionário relata que o delegado
regional da Funai fomentava um conflito entre as tribos indígenas existentes, visando
facilitar a expansão das florestas da Aracruz Celulose sobre as terras indígenas.
A temática dos impactos da implantação da Aracruz Celulose sobre as comunidades
indígenas, quilombolas e de pescadores, no campo científico, é bastante recorrente,
sendo amplamente estudada, onde podem ser evocados, dentre os existentes, os
trabalhos de Barcellos (2008), Barcellos e outros (2010), Coelho (2005), Loureiro
(2006), Ferreira (2002), Fase (2002, 2006, 2007), AGB (2004), Dalcomuni (1990),
Maracci (2005, 2008, 2010), Gomes (2002), Vilarinho (2005). Dentre esses trabalhos
observa-se que o campo de ação impactante da Aracruz Celulose não se limita ao
município de Aracruz, avançando ao norte do Espírito Santo, chegando ao sul da
Bahia, onde vários casos podem ser vistos.
Sabe-se atualmente que os canais abandonados pelo antigo DNOS foram
apropriados de maneira predominante pela Aracruz Celulose desde o final dos anos
90 para o abastecimento da sua linha de produção. Cabe, então, analisar a relação
existente entre a referida empresa e a redefinição do significado do uso dos canais,
a partir da apropriação privada pela empresa, ponto de reflexão que será conduzido
no desenvolvimento do capítulo 4.
Diante da problemática exposta anteriormente, que envolve a construção dos canais
por parte do DNOS nas várzeas do Riacho, sobretudo durante o período de
modernização técnico-científica do Espírito Santo e de todos os impactos
decorrentes dos conflitos de ordem geográfica sobre a sociedade local, alguns
questionamentos foram elaborados a fim de dar continuidade à pesquisa, de forma a
contribuir para o desdobramento do próximo capítulo, que trata da problemática
central da pesquisa, buscando aferir qual foi o papel dos canais do DNOS na
constituição técnico-científica de parte da configuração territorial capixaba, através
da materialização de objetos técnicos surgidos a partir da referida obra. Para tanto –
no sentido de se atingir o que foi exposto – será feito um esforço de se articular a
63
problemática apresentada no corpo da pesquisa ao referencial teórico adotado.
Desse modo, nos capítulos subsequentes, buscar-se-á responder as seguintes
interrogantes, quais sejam:
1 - Quais os principais atributos associados à gênese da ação do DNOS nas várzeas
do Riacho e, especificamente, à fase de projeto e construção dos canais de
drenagem?
A resposta a este questionamento visa, num primeiro momento, caracterizar quais
projetos e objetos técnicos se materializaram nas várzeas do Riacho e no seu
entorno, enquanto tributários diretos da ação do DNOS, - elemento promotor de
modernização - , que, no plano teórico, remete em parte à reflexão desenvolvida no
capítulo 2, onde foi exposto o significado dos sistemas de engenharia enquanto
elementos de modernização do território, e, também, ao capítulo 3, onde é
ressaltado – ainda que panoramicamente – como ocorre o processo de
modernização capixaba e a materialização de projetos e objetos técnicos no Espírito
Santo. Nesse sentido, será indispensável, num segundo momento, conduzir a
análise sobre o contexto no qual se deu especificamente a construção dos canais do
DNOS porquanto constitui um elemento central para a pesquisa, na medida em que
se trata de um conteúdo indispensável para caracterizar a gênese dos referidos
canais.
2 - Quais as principais transformações que o uso dos canais do DNOS conheceu ao
longo do tempo?
A princípio destacam-se 2 elementos que podem ser elencados no sentido em que
se permitem orientar a análise sobre as transformações que o uso dos canais do
DNOS e, por extensão, seu significado conheceu desde sua criação até o presente:
a) A elaboração e a implementação de projetos agrários nas várzeas do Riacho, a
reboque da construção dos canais, tributários de estudos técnico-científicos
64
promovidos pelo Estado, onde a irrigação, a adubação e todo um aparato de
controle baseado na racionalidade técnica, tentou promover o aumento da
produtividade agrícola na área, resultante de um discurso de “recuperação” local;
b) O impacto da construção da Aracruz Celulose e a expansão das suas unidades
fabris com sua necessidade de se captar água em um volume progressivo para o
abastecimento da produção, culminando com a captação direta das águas do rio
Doce através dos canais, o que constitui elemento central do controle de toda a obra
de engenharia instalada no local, por parte da empresa. Caberia, sobretudo,
problematizar o efeito da apropriação dos canais por esta empresa no que diz
respeito aos diferentes segmentos que integram a sociedade local.
Esse
questionamento
visa,
assim,
aprofundar
o
entendimento
sobre
as
transformações do uso dos canais do DNOS nas várzeas do Riacho e, assim,
ampliar a compreensão sobre os seus significados como expressão da constituição
técnico-científica de parte do território capixaba.
4 O SIGNIFICADO DOS CANAIS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO RIACHO: UM
ESFORÇO DE ANÁLISE
O presente capítulo aborda a gênese e magnitude dos canais do DNOS implantados
nas várzeas do Riacho. Para tanto será necessário tratar de uma parte da história do
DNOS no Espírito Santo, a fim de contextualizar sua ação na construção dos
referidos canais. Tratará, também, da necessidade que a Aracruz Celulose teve de
se apropriar do uso dos canais com o propósito de consumir mais água para o seu
processo produtivo. Por fim, será apresentada uma síntese do significado dos canais
do DNOS na área, tendo como foco as repercussões sociais das principais
transformações do seu uso ao longo do tempo.
Para conduzirmos inicialmente a análise, iremos recorrer, fundamentalmente, aos
65
depoimentos cedidos pelo ex-diretor do DNOS capixaba, o engenheiro civil Elmo
Luiz Campo Dall'Orto. Esses depoimentos são considerados como importante fonte
de informações sobre o assunto na medida em que não é possível a consulta aos
antigos documentos produzidos pelo próprio DNOS21.
Na sequência, serão considerados, respectivamente, o papel de quatro programas
governamentais que, de modo mais ou menos direto, tiveram repercussões quanto
ao sentido do uso dos canais do DNOS nas várzeas do Riacho22.
4.1 PERFIL DA GÊNESE E MAGNITUDE: UMA GRANDE OBRA DE ENGENHARIA
LEGITIMADA SOB O DISCURSO DO DESENVOLVIMENTO DO ESTADO
No sentido de qualificar a gênese dos canais do DNOS, caberia, antes de tudo,
qualificar o contexto da instalação do DNOS no Espírito Santo. Esse órgão foi
instalado no Espírito Santo sob o regime presidencial de Getúlio Vargas (1930-1945)
21
É de suma importância ressaltar, nesse sentido, a posição que o Governo do Presidente
Fernando Collor de Mello teve para com o DNOS e sua repercussão para a memória do órgão,
construída em cinquenta anos de existência. Durante a entrevista com Elmo Dall´Orto, o mesmo
afirmou que partiu de Brasília uma ordem para que os documentos fossem recolhidos e guardados
em um galpão do DNOS na rodovia Dutra, em São Paulo, o qual, misteriosamente, 1 ano depois,
pegou fogo, destruindo a memória da maioria das seções regionais. Nas palavras do engenheiro: “Os
documentos pegaram fogo – eu digo pegaram fogo e não pegou fogo; Alguém, de propósito, queimou
toda a memória do órgão. Absurdo, rapaz. Perdeu-se aproximadamente cinquenta anos de história”.
Carneiro (2003) descreve o descaso com que o patrimônio de 1.145 metros lineares havia sido
tratado, no Rio de Janeiro, abandonado também em um grande galpão na av. Presidente Vargas, a
toda sorte de intempéries. As poucas caixas que sobraram foram recolhidas pelo Arquivo Nacional,
mas continham apenas informações relativas ao registro de ex-funcionários do órgão. Pode ser
observado, atualmente, que os serviços que eram realizados pelo DNOS estão sendo feitas pela
iniciativa privada, sob o regime de licitações, geralmente de confiabilidade duvidosa, como Dall´Orto
ressaltou no início da conversa, permitindo entender isso como parte da intenção de se apagar a
história do órgão.
22
Os quatro programas são os seguintes: o Provales, programa estabelecido através de uma
parceria entre o governo do Estado do Espírito Santo e o DNOS para promover os pequenos vales
úmidos para a agropecuária capixaba; o Ante-projeto de recuperação dos grandes vales da Suruaca
e Riacho, voltado para promover também a produtividade agrícola das várzeas do Riacho; o Projeto
técnico e econômico de viabilidade de desenvolvimento da agroindústria para exportação de arroz e,
por fim, o Provárzeas-ES, programa de fomento (sobretudo financeiro) ao cultivo de culturas irrigadas
que, no caso de sua ação/implementação nas várzeas do Riacho, valeu-se do uso dos canais do
DNOS para a captação de água do rio Riacho para promover a produção da cultura do arroz irrigado.
66
e sob o regime estadual do governador Jones dos Santos Neves (1943-1952).
Conforme o relato do engenheiro civil Elmo Luiz Campo Dall'Orto, ex-diretor do
DNOS capixaba, o órgão:
o
[...] foi instalado no Espírito Santo em 1944 com o nome de 7 D.F.O.S., ou
o
seja, 7 Distrito Federal de Obras de Saneamento e que, mais tarde, passou
a
a
a se chamar 5 D.R.S. - 5 Diretoria Regional de Saneamento. Era um órgão
vinculado ao Ministério do Interior, na época em que o Brasil tinha só 12
23
ministérios que funcionavam e hoje tem 38 que não funcionam [c] .
Acerca da infraestrutura técnica do DNOS no Espírito Santo, seu ex-diretor oferece
uma percepção entusiástica quanto à sua magnitude, o que, por seu turno, nos
permite inferir a complexidade e densidade da organização técnica do referido
órgão:
O departamento tinha 450 máquinas no país. Era o maior parque de
máquinas do Brasil inteiro, drag-lines... o maior parque de máquinas do
mundo! Só eu, aqui no Espírito Santo, tinha 38. [...] Nós tínhamos um
galpão enorme, aqui onde é o INCRA, hoje. Nós fizemos aquilo ali em 1964,
aquele galpão. Foi feito de 62 a 64, foi inaugurado em 1964.
Interessante, o DNOS começou comprando máquinas, mas ele cresceu
muito, uma coisa do governo de João Goulart. Trocou um navio carregado
de café por 150 máquinas alemãs. Eu não sei quantas toneladas de café
tinha no navio, eu sei que vieram 150 máquinas que funcionam até hoje –
as que salvaram – estão até hoje. A melhor máquina que já vi na minha
vida. De um total de 150 máquinas – veio de uma tacada só – aqui para o
Espírito Santo vieram 20 máquinas, que descarregaram em Vila Velha [c].
Nós tínhamos dentistas e médicos dentro do DNOS, fora uma carpintaria
que fazia tudo, fora uma oficina que eu nunca botei um carro para consertar
fora, só o motor... tudo ali dentro... tudo, a gente tinha tudo, o DNOS
fabricava tudo: móvel? Eu não comprava móvel, não, eu comprava a
madeira e tinha carpinteiros. O carpinteiro fazia móvel... eu me lembro do
Diretor Geral, uma vez, veio aqui e viu os móveis: - pô, vocês tem
carpinteiro, né? Eu to precisando de uma porta – aí mandamos dois
carpinteiros; ah, eles eram artistas, não eram carpinteiros... ele levou o
carpinteiro para fazer a porta, mandou copiar a porta da Candelária, em
louro, os caras fizeram a porta, perfeita. Passados uns tempos, nós
estávamos fazendo uma reforma no gabinete do diretor, no nono andar...
quem é que vai fazer? – Eu quero os dois carpinteiros do Espírito Santo - .
Pedreiro, soldador, tudo... nós nunca dependemos de nenhum estranho
para fazer nada, nada... a gente tinha estrutura. Quem criou o DNOS, já fez
com aquela mentalidade: vamos fazer um órgão autossustentável. Parece
um palavrão hoje em dia, né? Gabinete dentário, nós tivemos 2 dentistas,
nunca um funcionário nosso foi ao dentista de fora. Não só o funcionário, a
família do funcionário era atendida. O médico [...] o fundador da Associação
23
Todos os depoimentos do referido engenheiro, que serão citados ao longo da apresentação,
foram extraídos da entrevista realizada no dia 30/01/2012.
67
dos Funcionários Públicos do Espírito Santo, Dr. Denizard, era um médico
do DNOS. Ele dava plantão de 4 horas de expediente no DNOS.
Toda essa complexa organização técnica e humana viabilizava seus trabalhos
segundo planos plurianuais, nos quais eram estabelecidas as metas a serem
alcançadas pelo órgão federal, no período determinado em cada plano. Dall'Orto,
ressaltando o período do regime militar, afirmou que os trabalhos se davam da
seguinte forma, na época em que o mesmo era diretor:
[...] o pessoal fala muito de ditadura militar... nunca se trabalhou tão bem e
tanto nesse país quanto na ditadura militar, não tenha dúvidas disso [...]
trabalhou-se, olha, de 1965 até o final do governo Geisel, trabalhou-se
nesse país de uma maneira tão certa como eu nunca vi na minha vida. Você
quer ver como é que funcionava o DNOS, isto é, a maioria dos órgãos?...
uma coisa que não se escutou mais ninguém falar: existia um negócio
chamado plano plurianual, para todos os órgãos o governo federal tinha um
plano. Então você tinha no plano decenal, ao longo de 10 anos o que você
pretendia fazer: isso, isso, isso... dentro desse plano decenal, você dava
ênfase a um plano quinquenal, então, era mais detalhado; dentro desse
plano quinquenal, você tinha um plano trienal, que aí era rigoroso, e dentro
desse trienal, você tinha um plano anual. Você não podia alterar nada a
menos que houvesse uma calamidade pública; você tinha que terminar, a
menos que acontecesse a calamidade, por isso as coisas funcionavam [c]
Então, você tinha várias obras, estupidamente detalhadas ao mínimo. Hoje
em dia, rapaz, eu tomei um susto... eu não sei mais como é que se trabalha
neste país... As obras eram projetadas, demorava-se 1 ano ou 2, fazendo
um projeto mas eram no mínimo detalhe; as obras eram orçadas em nível
de centavo, orçadas, orçamento pronto! Aí você botava em concorrência um
negócio chamado preço-teto: não pode passar daqui. Ó, tá orçado em
1.292.633, 20... teto. Preço mínimo: não pode ficar abaixo disso mais que
20% porque você sabe que não vai fazer. A gente tinha tanta certeza do
orçamento que o pessoal trabalhava numa faixa de 20%. Se ele desse 30 a
40 por cento abaixo do orçamento, ele era desclassificado porque não vai
poder fazer, pô, ninguém faz milagre!c E isso funcionava! [c] então você
tinha certeza que você ia fazer aquela obra por aquele dinheiro.
Esse relato ratifica o Decreto 2.367 de 1940, no qual se destaca que caberia ao
DNOS “preparar e submeter à aprovação do Ministro da Viação e Obras Públicas os
planos gerais de trabalho ou programas decenais, quinquenais e anuais, nos limites
das possibilidades financeiras do país”.
A princípio, a construção dos canais foi realizada com bastante dificuldade, já que as
máquinas não podiam chegar facilmente aos locais designados para as primeiras
intervenções. Dall'Orto descreve esse fato da seguinte forma:
Então, o trabalho foi braçal no início, não tinha nem máquina! [...] a limpeza
68
dos cursos d´água, das coisas, era aberto no braço. Os homens entravam
com água no pescoço, tirando o mato da frente; ah, o negócio foi bravo! Nós
tivemos isso aqui no Espírito Santo, tivemos que fazer isso também... e já
não foi muito longe não: onde a máquina não entra, vai no braço... foi na
canoa, cortando até o nível da água baixar o suficiente para uma máquina
poder entrar. Você tem aquilo que a gente chama de vala-piloto: é uma vala
aberta no braço ou então com uma máquina pequenininha, com a máquina
quase flutuando, a gente bota em cima de uma verdadeira jangada de
madeira... hoje em dia você já tem máquina para isso, naquela época não
tinha. Você abre uma valinha de nada, para a água começar a escoar, aí
quando enxuga mais um pouco, você entra com o equipamento pesado
para fazer os grandes canais. Mas é um negócio demorado, viu.
Ao ser questionado sobre a finalidade imputada ao DNOS, Dall'Orto ressaltou alguns
pontos importantes da linha de atuação do órgão no Estado capixaba:
Olha, embora tenha atuado em várias frentes, o saneamento, se você for
procurar o que é saneamento, é uma expressão genérica, vai longe. O forte
do DNOS era justamente a área de atuação na área rural, combate às
inundações, prevenções de cheias. [...]
A finalidade do DNOS não era só drenagem de várzeas e defesas contra
inundação, era tudo. O DNOS fazia barragens, fazia pontes, fazia drenagem
urbana, fazia diques, então, a gama de atuação do DNOS aqui no Espírito
Santo, só aqui no Espírito Santo, o que eu fiz em matéria de obras
públicas... todos os canais de Vila Velha foi o DNOS que fez; todos os
canais foram feitos e mantidos. Vila Velha começou a ter esses problemas a
partir de 1990, quando o DNOS acabou, porque todo ano a gente botava
máquina para limpar aquilo, tá certo? [...] Abastecimento de água – o DNOS
24
fez obras para a Cesan , então, a gente cuidava de abastecimento d'água,
de drenagem urbana, proteção contra inundações e obras contra as secas
25
também – o DNOCS era só no nordeste – o DNOS era no Brasil inteiro.
Então nós trabalhamos aqui com irrigação, o DNOS fez várias obras de
irrigação aqui no estado. Então, você vê que a gama de atuação é enorme,
foram 50 anos de trabalho.
A atuação do DNOS26 no Espírito Santo, como mencionado acima, resultou em uma
considerável amplitude dos trabalhos no tocante ao beneficiamento de áreas com
possível potencial agrícola, durante aproximadamente 50 anos, como destacado por
Dall'Orto:
24
CESAN: Companhia Espírito Santense de Saneamento.
25
DNOCS: Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.
26
As notícias sobre a atuação e investimentos feitos pelo DNOS no Espírito Santo eram
destaques na primeira página dos principais meios de comunicação escritos da época. Ressalta-se,
inclusive, que as notícias de aniversário do órgão mereceram destaque na mídia capixaba. (ANEXO
IV)
69
Então, nesse período de instalação do DNOS foi verificado, foram
levantados, que o Estado tinha 240.000 hectares de terras alagadas,
inundáveis ou inundadas, com potencial agrícola muito grande; eram terras
inundáveis que podiam secar durante uma parte do ano, mas tinham
potencial agrícola enorme. Então foram levantados 240.000 hectares, isso é
muito chão. É só você imaginar, [c] 1 hectare é um campo de futebol;
240.000 hectares são 240.000 campos de futebol, tá certo? Então, desses,
200.000 são as grandes baixadas litorâneas [c] Então foi nessas baixadas
litorâneas que foi a grande atuação do DNOS aqui no Espírito Santo.
É no contexto dessa atuação federal do DNOS, como ressaltado por Dall´Orto, que,
a partir de 1965 as várzeas do Riacho e da Suruaca sofreram as primeiras
intervenções,
onde,
posteriormente,
alguns
programas
governamentais
de
agricultura foram fomentados pelo Estado. Algumas informações na esfera estadual
e/ou nacional foram ressaltadas pelo engenheiro civil, o que permitiu compreender a
dinâmica dos trabalhos nos locais citados, principalmente no que diz respeito a
escolha dos sítios onde os canais seriam implantados, em função da dificuldade de
escoamento das águas do rio Doce, que inundavam as várzeas em épocas de
cheias:
Olha, as obras [das várzeas] do Riacho foram iniciadas em 1965. Esse
negócio, de se drenar uma área grande, deixa eu te explicar que é
complicado... você pega uma área enorme daquela, você não pode ir
a
[desesperado], que você não consegue. Então, sobre o Riacho, a 1 coisa [a
27
ser observada] é o fundo do rio Doce, que é mais alto que isso aqui e que
a Suruaca. [c] por isso que o problema de drenagem dele é sério, pelo
seguinte: quando ele transborda para lá e para cá, ele não volta para o leito,
tá? [c] Eu já fiz seções transversais aqui para ver isso. O fundo dele é mais
alto que a baixada aqui, o nível d'água, então, nem se fala; bom, então você
vê como é que complica isso. Descia tanta água por aqui afora que não se
podia meter máquina aqui, então, o primeiro serviço foi pegar dessa ponta
aqui, uma máquina pequenininha, cavando uma vala e jogando material
para o lado. Essa máquina trabalhou anos aí, tadinha, isolada. Para cortar
essa água aqui e a dirigir para o Comboios aqui, tá? Então, depois que foi
feito esse corte aqui, cortou-se esse braço, inclusive do [rio] Riacho, aí que
começou a poder trabalhar aqui, senão ninguém conseguia fazer nada. [c]
Então, fez-se uma série de canais aqui, o canal C5, C4, C3, C2 e vai
28
embora . Isso aqui foi feito com a finalidade de recuperar 30000 ha de
27
No momento em que Dall´Orto explicava como se deram as obras no Riacho, o mesmo
estava desenhando um croqui esquemático para representar a área, mostrando, ao final, como foi
aberto um grande dique que hoje é a estrada que dá acesso ao mar no percurso Riacho-Regência.
Na representação, ora eram apontadas as várzeas do Riacho, no sul do rio Doce, e ora eram
apontadas as várzeas da Suruaca, ao norte do rio Doce. Infelizmente o croqui não pôde ser inserido
na pesquisa, pois, ao final da explicação, o rascunho tornou-se ininteligível devido à grande
sobreposição de informações feita por Dall'Orto em apenas uma única lauda.
28
De acordo com o relatório de Centro de Estudos Ambientais et al (1999), o canal C3 foi
finalizado em 1972, o canal Bananal do Sul em 1984, o canal C5 em 1970, o canal C4 foi finalizado
em meados dos anos de 1970. Não foram encontradas as datas relativas à conclusão das obras das
70
terra. [c] Então, começou em 1965 e terminou em 79, na grande
29
inundação , pronto. E foi o que acabou com o Brasil, né, com meio Brasil.
O projeto do DNOS (ANEXO I) fornece a localização que foi sugerida pela
Engenharia Gallioli Ltda (1966, 1970) para a construção dos canais nas várzeas do
Riacho. Para caracterizar a magnitude desse empreendimento, que envolve a
abertura de aproximadamente 272 quilômetros de canais de drenagem, serão
expostos alguns valores relativos aos custos estimados para a construção dos
canais, concebidos pela Engenharia Gallioli30, firma contratada pelo DNOS (governo
federal), para projetar os canais e estimar os custos das obras nas várzeas do
Riacho e da Suruaca.
De acordo com os dados31 presentes no documento Espírito Santo (1978c), as obras
do DNOS nas várzeas do Riacho estavam, então, voltadas para a recuperação de
uma área aproximada de 69.000 hectares (TABELA 1), através da implementação
das obras de infraestrutura, como a construção de pontes, a abertura de canais e da
construção de diques, ao custo estimado de 140 milhões de cruzeiros, calculados
pelo DNOS, não incluindo, ainda, algumas comportas que não haviam sido
dos canais C1 e C2. Esses dois canais, entretanto, não fazem parte do sistema atual de canais em
funcionamento nas várzeas do Riacho. Os canais C4 e C5 são resultantes da retificação do antigo
leito do rio Riacho. Para observar a disposição dos canais, ver ANEXO I.
29
Sobre a grande inundação o autor se refere às grandes cheias do rio Doce que ocorreram
em janeiro de 1979 e destruíram grande parte dos municípios ribeirinhos, sobretudo aos capixabas.
Parte da área costeira de Linhares ficou debaixo d´água por alguns dias, causando enormes
prejuízos aos pequenos agricultores locais. Essa tragédia, no entanto, traduziu-se em uma grande
oportunidade para que os fazendeiros mais ricos pudessem adquirir, dos pequenos proprietários, as
terras devastadas a preços baixíssimos (POSIÇÃO, 1979), que se tornaram áreas de pastagens com
decorrer dos anos, e que atualmente configuram como as grandes áreas de pecuária de algumas
famílias ditas “tradicionais” do Espírito Santo, como os Durão, que tiveram seu passado histórico
ligado à vida política de Linhares. Essa enchente fez com que o Ministério do Interior realizasse
estudos de prevenção e controle das enchentes, que resultaram em um relatório que mostravam as
principais ações a serem tomadas pelos governantes, editado em 1982. As enchentes tomaram
grande parte dos noticiários locais tanto na mídia televisiva quanto na escrita, podendo ser ressaltado
a edição especial do jornal Posição, de 23 de fevereiro de 1979, onde a reportagem Só o povo salva
o povo, de conteúdo crítico sobre a tragédia, descreve parte das transformações ocorridas nas
propriedades locais. Sobre o relatório das enchentes do rio Doce, ver Brasil (1982).
30
A Engenharia Gallioli era uma firma de origem italiana que empreitava grande parte das
obras do DNOS no Brasil. A citada firma possuía o escritório matriz sediado em Milão e contava com
uma filial no Rio de Janeiro.
31
Os dados relativos aos valores gastos na construção das obras dos canais do DNOS nas
várzeas do Riacho foram coletados do documento do Estado do Espírito Santo, elaborados com base
nos valores oriundos dos originais concebidos pelo DNOS nos anos 60, mas atualizados para o ano
da versão consultada, relativa ao final dos anos 70.
71
projetadas, mas que, segundo o documento consultado, seriam de fundamental
importância para o funcionamento dos canais, enquanto sistema planejado para ser
controlado em função das necessidades dos possíveis usuários locais.
TABELA 1: CUSTO DAS OBRAS DO DNOS NAS VÁRZEAS DO RIACHO
Área a ser
Custo por
Extensão
Volume
Custo
recuperada
hectare
das obras
(m³)
(Cr$)
(ha)
(Cr$/ha)
---
10.000.000
---
---
---
---
1.000.000
---
---
---
canais
272 Km
---
---
---
---
Total
---
---
140.000.000,00
69.000
2.028,99
Obra
Dragagem
de canais
Construção
de diques
Abertura de
Adaptado de: Espírito Santo (1978c).
As obras de construção dos canais começaram em 1965, mas o andamento das
mesmas não ocorreu conforme previsto pelo DNOS, já que alguns imprevistos
atrapalharam o seu ritmo de execução, sobretudo, devido à progressiva diminuição
das verbas federais, ocorrida em decorrência das crises econômicas que o Brasil
enfrentou durante os anos 70, segundo as informações fornecidas por Dall´Orto.
Como maneira de remediar essa dificuldade de ordem financeira, o governo federal
(DNOS) passou a estabelecer parcerias com o governo estadual capixaba através
da elaboração conjunta de projetos que previam a utilização integrada das áreas que
seriam beneficiadas, já que cada Estado da federação poderia destinar recursos
financeiros para a continuidade da construção dos canais já iniciados pelo DNOS,
assim como para o andamento dos estudos que permitiriam prever as futuras
necessidades infraestruturais32 das terras beneficiadas, levando-se em conta
32
Pode-se afirmar, com rigor, que cabia ao Estado, naquela época, dotar certa área piloto com
toda a infraestrutura necessária para que a mesma se conformasse geograficamente, formando
verdadeiros sistemas de engenharia. As áreas eram dotadas de estradas, energia elétrica,
72
diferentes
utilizações
previstas
para
as
mesmas,
de
forma
que
a
circulação/distribuição da produção fosse viabilizada.
Cabe destacar que, antes da criação e implementação dos referidos projetos, já
existiam uma série de ações desenvolvidas entre o DNOS e o governo estadual.
Sobre essa fase o ex-diretor do DNOS relatou o seguinte:
O relacionamento entre o governo federal e estadual aqui no Espírito Santo,
ou seja, DNOS – Seag era excelente; a secretaria nos pedia para sanear
algum pequeno vale, então a gente ia lá e fazia o estudo de viabilidade
econômica, o estado, e tudo, e a gente fazia o estudo das obras. E fazia de
comum acordo.
Assim, nessa fase, o DNOS atendia aos pedidos da Seag utilizando recursos
financeiros de origem federal para construir os canais que fossem necessários.
Ressalta-se que o DNOS trabalhava sem ter firmado vínculo funcional efetivo com o
governo
estadual,
o
que
somente
iria
ocorrer
com
a
elaboração
e
execução/implementação de determinados projetos desenvolvidos através de
parcerias entre o DNOS e o governo do Espírito Santo.
Dall'Orto deixou claro que, a partir do momento em que o DNOS capixaba passou a
enfrentar problemas financeiros, a criação e efetivação do Provales foi uma maneira
encontrada para que as obras de beneficiamento dos vales continuassem sendo
executadas:
Quando começou a faltar dinheiro do governo federal, o Estado [Espírito
Santo] começou a injetar recursos, tá certo? Aí foi criado o Provales.
Primeiro, [antes das parcerias] a gente simplesmente fazia – ta precisando
lá em São João Grande – vamos lá, vamos fazer [a drenagem]... começou a
faltar recursos, então o Estado criou o Provales, fazendo com recurso meio
a meio – só que esse meio do estado nunca apareceu todo, no máximo 10,
20 por cento... a gente acabava terminando as obras com recursos do
DNOS, só que demorava mais, né? Então, nessa brincadeira, nós
recuperamos bem, [...] uns quinze mil hectares desses vales. Dos vinte mil,
quinze mil pelo interior a fora, é muita coisa! Tá certo?
Esse tipo de parceria era permitido segundo a legislação que norteava os trabalhos
do órgão federal. Cabe destacar a existência da lei federal n° 819 de 1949, que
canalização da água e todo o suporte necessário para que outros agentes pudessem se beneficiar
futuramente.
73
definia como poderiam ser feitos os acordos de cooperação conjunta para beneficiar
áreas de acordo com a necessidade de cada uma delas. Através desses acordos
seria possível executar obras de drenagem, irrigação e defesa contra enchentes em
cooperação com:
I – governos estaduais
II – governos municipais, do Distrito Federal e de Território
III – pessoas naturais ou jurídicas de direito privado
A cooperação de que trata esta lei consistirá em:
I – reconhecimento, estudos, projetos e orçamento, a serem realizados pelo
D.N.O.S., à custa de seus próprios recursos;
II – contribuição do D.N.O.S., em dinheiro, de acordo com as seguintes
percentagens de orçamento aprovado pelo Ministério da Viação e Obras
Públicas, para a realização de obras:
a) aos governos estaduais, municipais, do Distrito Federal e dos Territórios:
70% (setenta por cento)
b) às pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado, de 50%.
Sob esse horizonte foi elaborada a primeira parceria estadual capixaba com o
DNOS, estabelecida durante o governo de Élcio Álvares33, por meio da Secretaria de
Agricultura (Seag), resultando, em 1977, no Programa de Aproveitamento dos Vales
Úmidos do Espírito Santo34 (Provales).
No tocante às justificativas oficiais para a elaboração do Provales, segundo o
documento oficial que trata do projeto (ESPÍRITO SANTO, 1977f), consta que a
carência de áreas novas às exigências da expansão agrícola tinha feito com que o
Espírito Santo, através do secretário de agricultura, solicitasse estudos referentes ao
aproveitamento dos vales úmidos estaduais e, buscando parceria com o DNOS,
estudou-se o conjunto de vales úmidos capixabas35. Previu-se, então, numa primeira
33
Governador do Espírito Santo entre 1975 e 1978.
34
A recuperação dos vales úmidos capixabas eram veiculadas nos jornais de grande
circulação, conforme pode ser constatado no ANEXO VI.
35
Dall'Orto ressaltou que o DNOS possuía um critério que levava em conta a existência de uma
dimensão mínima para que ocorresse o beneficiamento de vales alagados. Não foi informado, porém,
qual seria essa medida, mas ficou bem claro que, se o vale fosse muito pequeno, o investimento na
abertura de canais não se justificaria financeiramente, já que o retorno, através da captação de
impostos gerados na produção agrária, não seria compensador.
74
etapa, a abertura de 250km de canais distribuídos entre 16 pequenos vales
estudados. A incorporação desses vales equivaleria a uma área de 6.826 hectares
de terras a serem adicionadas ao processo produtivo agrário, de onde se estimava
uma geração de renda superior a 40 milhões de cruzeiros, através da exploração
econômica do milho, feijão, arroz, batata, tomate, alho, cebola e bovinos.
O custo total do projeto de engenharia relativo às obras de drenagem, segundo o
documento supracitado, estava em torno de 71 milhões de cruzeiros. Um
interessante dado a ser destacado é a análise do custo/benefício do projeto, que se
estimava favorável, pois, no terceiro ano de execução, a relação econômica seria
CR$ 1,31 de benefício (ou retorno) para cada CR$ 1,00 de custo. O projeto
enfatizava ainda, em relação ao benefício social, a possibilidade de geração de
1.000 empregos diretos na área rural. Esse último dado poderia criar uma boa
expectativa em torno da aceitação do projeto, considerando-se o contexto no qual o
Estado, então no final dos anos 70, se encontrava, decorrente dos efeitos da crise
do café, que teve o seu auge nos anos 60. As justificativas mencionadas para a
legitimação do Provales eram variadas, mas fundamentalmente giravam em torno da
apologia do discurso do desenvolvimento econômico e social do Estado. Destaca-se,
nesse sentido, que as mudanças, por exemplo, observadas no comportamento do
mercado da construção civil da época, justificariam a necessidade de se promover
aumento da produtividade agrícola estadual para um patamar correspondente, como
pode ser visto a seguir:
As atividades tradicionalmente desenvolvidas em torno da cafeicultura
entraram em decadência no início da década de 60, com a erradicação dos
cafezais. As terras liberadas pela erradicação do café foram ocupadas
principalmente por pecuária bovina, atividade de menor utilização de
36
m.o./ha , provocando a liberação de grande contingente de mão-de-obra.
Para fazer face a esse problema emergente, diversas outras atividades
agrícolas receberam maiores atenções por parte dos órgão governamentais,
com o objetivo de reduzir o problema de desemprego da população rural
remanescente e melhorar o nível de renda, altamente prejudicado com o
programa de erradicação do café.
As modificações da estrutura econômica estadual, em função das altas
inversões financeiras, levadas a efeito nos últimos anos, têm estimulado a
36
Mão de obra por hectare, ou seja, dado relativo à ocupação de um certo número de
trabalhadores por hectare.
75
expansão da indústria de construção civil. Pesquisa realizada pelo Instituto
de Desenvolvimento Industrial do Espírito Santo – IDEIES- constatou existir
naquele setor, em 1976, somente na região da grande vitória, um déficit de
6.234 trabalhadores.
O vulto dos investimentos previstos no Estado e o número de empregos
diretos a serem criados requerem das autoridades governamentais um
esforço de previsão e antecipação das políticas que contribuam à
harmonização das atividades dos três setores da economia, através de um
programa arrojado de apoio ao desenvolvimento econômico e social.
Projeções de economia estadual mostram que a agricultura terá que crescer
a uma taxa de 6,3% a.a. Para garantir a harmonização do desenvolvimento
econômico global do Estado do Espírito Santo. (ESPÏRITO SANTO, 1977f,
p. 06, grifo nosso)
Dados relativos às quantidades importadas de arroz37, batata, milho e laranja, além
da compra de alho e cebola, por parte dos atacadistas da Grande Vitória, segundo
estudos promovidos pela CEASA-ES, seriam, para o Estado, mais um importante
fator em favor da promoção da agricultura local, e assim, de justificativa do
Programa de Aproveitamento dos Vales Úmidos do Espírito Santo. Diante do
exposto, a SEAG, através de várias empresas vinculadas38, promoveu o
levantamento de vales úmidos do Estado, cabendo à Empresa de Assistência
Técnica e Extensão Rural (EMATER-ES), por intermédio dos seus escritórios locais,
proceder ao levantamento de localização e da área aproximada dos vales úmidos de
maior relevância. Dessa forma, era afirmado que:
O aproveitamento dos vales úmidos do Estado, através de programas
racionais de dragagem, irrigação e drenagem, permitirá a expansão das
fronteiras agrícolas do Estado e consequentemente aumento de produção.
Devido às suas promissoras características de solo e relevo, a adição
dessas novas áreas irá possivelmente proporcionar também um acréscimo
de produtividade agrícola, auxiliando, dessa forma, a fixação do homem no
campo. (ESPÍRITO SANTO, 1977f, p. 41-42)
Além da ênfase sobre o efeito positivo que o referido programa teria na geração de
emprego para a fixação do homem no campo, caberia destacar, também, a
37
As notícias sobre a importação de alimentos eram constantemente veiculadas nos jornais
capixabas. (ANEXO V)
38
Dentre as empresas que trabalhavam em consonância com a secretaria de agricultura eram
a Cermag, Cofai, DAF, Emespe, Emcapa, Emater/ES, DTC, Cases; Ceasa/ES. Sobre o significado
das siglas e o papel cabido a cada empresa, ver a página 10 dessa pesquisa.
76
qualificação da pequena propriedade como sendo considerada um entrave às
mudanças tecnológicas, tão apregoadas naquele tempo em função da aspiração de
aumento da eficiência produtiva, como pode ser visto no que segue:
Predominam em todo o território estadual, pequenas e médias propriedades
agrícolas. [...] em todos os municípios mencionados, existe a predominância
de propriedades até 50 hectares. Esta característica fundiária tem sido
apontada como uma das limitações às mudanças tecnológicas
caracterizando a presença, no Estado, de elevado número de produtores de
baixa renda. (ESPÍRITO SANTO, 1977f, p.16)
A impressão passada por Dall´Orto sobre a experiência vivida durante a parceria que
resultou no Provales foi positiva, sendo assim descrita:
O Provales nasceu aqui no Espírito Santo e depois foi para Minas Gerais
com o nome de Provárzeas. O Provales foi criado aqui no Espírito Santo,
entre o DNOS e a Secretaria de Agricultura, justamente para recuperar
estes pequenos vales interioranos [...]
Então você tem aí um monte de pequenos vales altamente produtivos. Olha,
tem essa coisa que dá prazer de fazer, eu me lembro quando fui na região e
pediram pra fazer, aqui, em Santa Maria de Jetibá... mandei uma máquina lá
pra fazer um servicinho, aí no dia em que eu fui lá inspecionar, os
agricultores: doutor, um valezinho que tem ali e você podia fazer... Quando
eu olhei, mandei o maquinista fazer uns 50, 100 metros... rapaz, cada
caçambada que dava, a água baixava dois dedos, o camarada aumentava a
horta dele, aí eu falei: vai embora, continua!... [Isso] dava prazer de fazer! O
camarada querendo produzir, mas sem ter como...
Com base na experiência positiva relativa à drenagem de pequenos vales no início
dos anos 60, o DNOS, a partir de 1965, iniciou a construção de canais nas várzeas
litorâneas do Riacho e da Suruaca, no intuito de permitir a utilização das terras para
a produção agropecuária. Segundo Robertson-Schultz (1973), entre 1965 e 1970, ou
seja, depois de decorridos aproximadamente 5 anos da construção dos primeiros
canais, o governador Cristiano Dias Lopes Filho reconheceu que o sucesso das
intervenções nas várzeas do Riacho e Suruaca iriam requerer melhorias de forma
planejada e integrada para que a produção fosse otimizada. A partir do momento em
que a Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional39 se comprometeu, no
ano de 1973, a financiar estudos de pré-viabilidade que justificassem os
investimentos em estudos mais aprofundandos que pudessem mostrar todo
39
Canadian International Development Agency – CIDA.
77
potencial de desenvolvimento da área, o governo estadual, então, no mesmo ano,
contratou a firma Robertson-Sinclair & cia ltda para executar os estudos iniciais que
ocorreram em conjunto com a empresa canadense C.D. Schultz & Company, tendo
como resultado um relatório40 apresentado em dezembro de 1973, no qual foi
demonstrado o potencial agrário e pecuário da área. O relatório foi entregue ao
governo do Espírito Santo, no qual era indicado que seriam necessários 3 milhões
de dólares de investimentos em estudos mais aprofundados para a efetivação do
aproveitamento de todo o potencial do vale da Suruaca e das várzeas do Riacho.
Ressalta-se que, no tocante ao investimento necessário para o prosseguimento das
obras, segundo os critérios de análise de custos mencionados em Robertson-Schultz
(1973), novos dados financeiros foram fornecidos pelo consórcio consultor
canadense, que levou em conta tanto a previsão de gastos do DNOS41 para o
beneficiamento da área, quanto das obras de infraestrutura que já haviam sido
efetivamente implantadas nas áreas do Riacho e da Suruaca, seja em termos de
drenagem quanto de aproveitamento do solo, incluindo o montante de estradas
abertas e do que havia se concretizado em termos de produção agrícola.
O relatório revela que a previsão de custos do DNOS era “equivocada”, em função
de o governo federal fornecer o próprio maquinário para a execução das obras,
fazendo com que o custo apresentado fosse bem menor que o custo real, caso fosse
empreitado por terceiros que utilizassem suas próprias máquinas:
O esquema apresenta um amplo sistema de canais de drenagem e diques.
O sistema foi projetado para o DNOS por Engenharia Gallioli Ltda., em
1968. O esquema está bem concebido e parece mais adequado para a
40
O relatório apresentado pela firma Robertson-Schultz intitula-se como Estudo de préviabilidade do potencial de desenvolvimento do vale da Suruaca, Estado do Espírito Santo, Brasil. O
texto original encontra-se todo escrito em inglês.
41
A previsão de gastos do DNOS era baseada no projeto elaborado em 1968 pela Engenharia
Galiolli, o qual era relativo à localização dos canais nas várzeas do Riacho e Suruaca e do valor de
custo para construção dos canais e diques previstos, conforme Engenharia Gallioli LTDA (1966,
1970). Como evidenciado em Robertson-Schultz (1973), a Engenharia Gallioli levava em conta que o
maquinário, que incluía dragas, tratores e caminhões, eram fornecidos pelo DNOS. Essas evidências
permitem supor que a Engenharia Galiolli, ao ser contratada para executar as obras de construção
dos canais em ambas as várzeas (NASCIMENTO, 1994), utilizava os equipamentos do DNOS em
seus trabalhos.
78
melhoria da planície costeira, tanto para a drenagem e irrigação. O custo do
esquema finalizado é cerca de CR$ 100 milhões, cerca 17 milhões de
dólares, segundo o DNOS. Este método, porém, não reflete os custos dos
equipamentos normais, pois o maquinário é fornecido pelo Governo. Apenas
as despesas de funcionamento e de manutenção operacional estão
incluídos no custeio. O custo esquema do DNOS, utilizando as taxas de
comerciais para a construção, é de cerca de CR$ 237 milhões, ou cerca de
40 milhões de dólares. A construção foi iniciada com o canal de drenagem
42
primário no sul, porém, até a presente data, apenas uma seção menor foi
concluída. (ROBERTSON-SCHULTZ, 1973, p.14-15, grifo nosso)
A concretização dos estudos sugeridos por Robertson-Schultz podem ser
confirmados através do trabalho da Comissão Estadual de Planejamento Agrícola
(Cepa), que conjuntamente a outros órgãos estaduais, em 1978, firmou uma parceria
com o DNOS e lançou o Ante-projeto de recuperação dos grandes vales da Suruaca
e Riacho, também sob o governo de Élcio Álvares, tendo sido posto em prática
(adotado efetivamente) no mesmo ano. O ante-projeto, elaborado com base em
vários levantamentos
feitos por equipes técnicas estaduais, tinha o objetivo de
indicar a viabilidade do aproveitamento de ambos os vales implantando-se uma
agricultura tecnificada, baseada em técnicas mais avançadas do que as já existentes
no restante do Estado, que poderiam permitir uma produção em escala industrial.
Como mencionado anteriormente por Dall´Orto, essas parcerias eram firmadas,
principalmente, para que o andamento dos trabalhos do DNOS, nas várzeas
capixabas, não fosse interrompido em função da diminuição das verbas federais
destinadas ao DNOS. Dall´Orto afirma que houve a concretização das parcerias e,
em conjunto com outros importantes projetos (COFAI e Provárzeas-ES), foi possível
produzir, dentre as culturas que obtiveram êxito, o arroz irrigado, como será visto no
decorrer do texto.
Cabe ressaltar o discurso presente no ante-projeto, que procurava reforçar o fato de
a agricultura tradicional da época não ser tão lucrativa quanto um modelo de
agricultura tecnificada e, além disso, considerar que a tecnificação não estimularia,
necessariamente, o êxodo rural, no caso do Espírito Santo:
A agricultura tradicional é pouco compensadora no sentido de que, numa
42
Esse canal primário foi o primeiro canal aberto nas várzeas do Riacho, conforme explicação
fornecida por Dall´Orto.
79
economia como a do Espírito Santo, uma queda de preços agrícolas, que
para a população como um todo se traduz em bem estar, para o agricultor
significa uma tendência ainda maior em utilizar-se de técnicas tradicionais,
aumentando assim o diferencial de produtividade em relação a outros
Estados produtores mais eficientes. Na realidade, da maneira como a
agricultura está estruturada, no que concerne o grau de tecnologia utilizada,
estrutura da propriedade, estrutura de custos e nível de conhecimentos, não
se criam tensões suficientes para uma combinação adequada de fatores e
para que fatores tradicionais e modernos se ajustem de uma maneira ótima.
[c] Para o caso do Espírito Santo, o uso de novas tecnologias não levaria,
necessariamente, a um incremento de êxodo rural. Acredita-se que a
modernização, obedecendo à composição fatorial disponível, pode levar à
criação de novas fontes de emprego, via maior integração com os outros
setores da economia, aumentando-se o grau de especialização, em
consequência da inovação. Por outro lado, a sustentação de propriedades
familiares eficientes seria uma razão maior para a fixação do homem ao
campo. (ESPÍRITO SANTO, 1978c, p.10 et seq, grifo nosso)
As afirmações acima deixam evidente que o Estado estava trabalhando para
introduzir novos métodos produtivos em prol da modernização da agricultura,
tecendo apologias aos supostos benefícios de um novo modelo produtivo altamente
tecnificado. Assim, no que diz respeito especificamente aos vales da Suruaca e do
Riacho, o ante-projeto também ressalta o seguinte:
Os vales da Suruaca e Riacho, aliados a outros pequenos vales parecem
ser as únicas áreas disponíveis no Estado susceptíveis de um
desenvolvimento agrícola dirigido, capaz de possibilitar uma utilização ótima
de do potencial existente, em termos de fatores e servir como centro de
irradiação e acumulação de conhecimentos.
A criação de empregos diretos e indiretos, adicionados ao aumento da
produção, serão os benefícios mais palpáveis do projeto de recuperação
dos vales, fazendo-se ressaltar que os empregos indiretos serão
diretamente proporcionais ao grau de integração intersetorial e interespacial.
E assim, à medida que o homem do campo se sentir apoiado e assistido,
recebendo carga de conhecimentos induzidos pelo projeto, a meta de
fixação do homem ao campo poderá tornar-se menos dispendiosa.
O projeto poderá funcionar como um pólo de crescimento capaz de, através
de efeitos de fluência “spread effects”, levar outras áreas a adotarem
técnicas e resultados de experiências ali efetuadas.
Em resumo, a área poderá transformar-se num laboratório aberto para o
setor agrícola. (ESPÍRITO SANTO, 1978c, p.11, grifo nosso)
É importante destacar que o projeto esposava os possíveis benefícios econômicos e
sociais a um sistema empresarial da agricultura, tornando explícita a vinculação
entre a dotação técnico-científica do território e o mercado:
Sob o ponto de vista distributivo, a manutenção da situação atual com as
80
características enunciadas, reforçará o processo de concentração espacial e
pessoal da renda. O benefício desta maneira adviria de uma possível maior
eficiência econômica: o sistema empresarial estaria mais aberto a inovações
via uso de novas tecnologias. Haveria um aumento de produtividade, como
já foi dito, na substituição de mão-de-obra por capital. O tempo de
maturação, e logicamente de retorno econômico, seria mais rápido,
partindo-se da hipótese de que a capacidade de acumulação de capital é
bem maior no sistema empresarial. (ESPÍRITO SANTO, 1978c, p.12, grifo
nosso)
Os principais objetivos do ante-projeto podem ser sinteticamente apresentados da
seguinte maneira:
Contribuir para a expansão da produção agrícola do Espírito Santo.
Contribuir para a integração agro-industrial do Espírito Santo diversificandose assim, a base econômica regional.
Contribuir para a criação de novos empregos.
Contribuir para o aumento de produtividade via melhoria da tecnologia,
podendo constituir-se a região num centro de irradiação de inovações.
Fixar o homem a terra, dando-lhe condições satisfatórias de vida, como
também dando-lhe treinamento adequado, aumentando sua produtividade,
com reflexos positivos no mercado de trabalho. (ESPÍRITO SANTO, 1978c,
p. 20- 21, grifo nosso)
Como forma de evidenciar, a guisa de exemplo, o modo com o qual o Ante-projeto
de recuperação dos grandes vales da Suruaca e Riacho conduziu a efetivação do
perfil técnico-científico da produção agrícola nas várzeas do Riacho, destacaremos o
caso específico, porém emblemático, da produção de arroz, que teve uma
expressão sobremodo saliente em termos de volume de produção. Além disso, o
exemplo da produção do arroz permite dimensionar o papel que, então, os canais do
DNOS exerciam enquanto objetos técnicos indispensáveis à produtividade agrícola
do arroz nesta área, notadamente através de uma dupla função: por um lado, a de
drenar o solo encharcado, eliminando o excesso de água, de forma a permitir a
plantação do arroz e, por outro lado, fornecer água para a irrigação da plantação
através de canais menores.
Para melhor caracterizar a produção modernizada do arroz nas várzeas do Riacho,
serão analisados dois projetos de fomento a essa cultura, quais sejam, o elaborado
pela Cofai e o Provárzeas/ES, os quais culminaram na materialização propriamente
81
dita da produção do arroz na fazenda Agril, que se beneficiava dos canais para a
produção do arroz irrigado.
A almejada modernização da agricultura, para que efetivamente ocorresse, dependia
substancialmente do crédito rural, considerado no projeto como um “eficiente
instrumento de política agrícola no sentido de atingir objetivos específicos, tais como
introduzir novas técnicas no setor, orientar a produção agrícola, e promover o
aumento da produtividade” (Espírito Santo, 1978c, p.38). Dentre os agentes
financeiros disponíveis para a concessão de créditos estavam o Banco do Estado do
Espírito Santo e o Banco do Brasil, além de outros bancos sediados no Estado.
Obtendo os créditos, geralmente a baixo custo, o produtor dependia de
assessoramento para que a produção pudesse alcançar o êxito desejado. Entre os
agentes de assessoramento técnico da produção agrícola, nos anos 70, exista a
Companhia de Fomento Agroindustrial (Cofai), que se constituía em uma autarquia
estadual encarregada de fomentar o desenvolvimento das culturas agrícolas,
fornecendo insumos visando o alto rendimento produtivo.
Dentre os estudos que a COFAI empreendeu, pode ser citado o projeto que previa a
produção consorciada de arroz, o Projeto técnico e econômico de viabilidade de
desenvolvimento da agroindústria para exportação de arroz (ESPÍRITO SANTO,
s/d), exclusivo para as várzeas do Riacho e da Suruaca43, que almejava o
abastecimento tanto do mercado capixaba, quanto do brasileiro, quando a produção
atingisse o mínimo necessário para tal fim. O objetivo principal da proposta
elaborada pela COFAI era desenvolver
[...] um projeto integrado de produção e processamento de arroz.
Recomenda-se a instalação de uma operação de produção de 6 000 ha de
arroz, no Estado do Espírito Santo. Em conjunto com o programa de
produção, recomenda-se a instalação de uma unidade de processamento
de arroz com capacidade de 10 ton/hora e cujo produto será vendido no
mercado doméstico brasileiro. O produto final dessa unidade de
processamento será um arroz descascado, limpo e polido e ainda, o farelo
para ser vendido como ração animal. (ESPÍRITO SANTO, s/d, p.02, grifo
43
A produção seria consorciada entre produção e processamento do arroz, como descrito no
projeto: Assim, propõe-se um empreendimento para plantio e processamento de arroz em grande
escala, a ser implantada na planície inundada do rio Doce. O produto poderá ser vendido nos
mercados interno e internacional. O arroz beneficiado destina-se a ser vendido a granel e em pacotes
para o consumidor [c]. (ESPÍRITO SANTO, s/d, grifo nosso)
82
nosso)
Consta no documento elaborado pela Cofai que, para efetivação do projeto, seria
necessário um investimento de CR$ 58.357.150,00. Havia, segundo o documento, a
previsão do crescimento na demanda de arroz, com base nas projeções brasileiras
de consumo, que indicavam um crescimento per capita entre 38kg e 55kg até o ano
de 1980. Essas taxas de consumo per capita resultariam, então, em um consumo
total de 6 744 mil a 5 290 mil toneladas, o que significaria que a produção teria que
aumentar de 40 a 80% entre 1972 e 1980, para atender a demanda doméstica.
Previa ainda que a produção deveria atingir 100% das necessidades de matériaprima da unidade de processamento projetada no trabalho, com rendimento da
produção em 3.5 toneladas por hectare de arroz, utilizando uma alta mecanização
do processo, de acordo com as últimas inovações tecnológicas da época,
destinando-se a satisfazer as necessidades práticas do plantio e colheita dos 40
ha/dia previstos, seguindo as orientações para a produção de arroz baseadas no
preparo da terra, no plantio, na adubação, no controle da irrigação, no controle das
ervas daninhas, pragas e moléstias e da colheita (ESPÍRITO SANTO, s/d). Caberia a
Cofai, prioritariamente, o fornecimento de adubos, pesticidas e toda a espécie de
insumos químicos necessários à produção em grande escala, de modo a acelerar o
processo biológico das espécies cultivadas, além do controle de pragas que
porventura viessem a se manifestar na produção.
Consta, ao ter sido indicada a localização da área do projeto proposto pela Cofai,
que “a área proposta está sendo drenada pelo DNOS e as instalações necessárias
para o controle da água estão sendo executadas como parte deste programa”
(ESPÍRITO SANTO, s/d, p.6, grifo nosso).
O projeto elaborado pela Cofai, de produção e beneficiamento do arroz se
concretizou, ou seja, foi implantado na fazenda Agril, como será visto adiante. Tornase necessário, ainda, contextualizar o papel desempenhado pelo Provárzeas-ES,
para demonstrar como se viabilizou financeiramente a produção do arroz na fazenda
Agril e toda a relação existente entre os canais abertos pelo DNOS e os canais
fomentados pelo Provárzeas-ES, necessários à irrigação do arroz.
83
Desse modo, a implantação da cultura do arroz em todas as várzeas capixabas
passou a contar, no início dos anos 80, com o apoio financeiro (de origem federal) do
Programa Nacional para Aproveitamento de Várzeas Irrigáveis (Provárzeas
Nacional), disponibilizava o crédito através do Banco do Brasil (BRASIL, 1981). O
financiamento das culturas no Espírito Santo, porém, também contou com um
programa específico, estabelecido entre o governo brasileiro e capital alemão.
Em 1981 foi instituído o Projeto de Aproveitamento Racional das Várzeas Irrigáveis
para o Estado do Espírito Santo, o Provárzeas-ES, programa exclusivo para o
estado capixaba, que contou com financiamento do banco de desenvolvimento
alemão Kreditanstaut Für Wiederaufbau (KFW)44, sendo agenciado (intermediado)
através do Banco Central do Brasil. O Espírito Santo, por sua vez, contava com
vários agentes financeiros credenciados para o fornecimento desses recursos45.
Constava no documento referente ao Provárzeas-ES que o mesmo era um amplo
programa que visava o aumento da oferta de alimentos por meio da incorporação de
várzeas não utilizadas ou subexploradas ao processo produtivo, empregando
tecnologia adequada ao uso racional do solo e da água, por meio da irrigação
controlada, de forma que o sistema econômico estadual seria envolvido através de
entidades bancárias, do comércio, indústrias, armazéns, novas estradas e redes de
comunicação (ESPÍRITO SANTO, 1982). Destaca-se, aqui, a intenção existente no
Provárzeas-ES, de aumentar a financeirização da agricultura estadual, sobretudo
através da entrada do capital estrangeiro. Cabe salientar que os objetivos
específicos constantes no Provárzeas capixaba eram:
Promover, por meio de obras de saneamento agrícola, drenagem, e
44
O KFW foi fundado logo após a segunda guerra mundial como parte do Plano Marshall, esse
criado com o objetivo principal de reconstruir a economia européia, desestabilizada em função da
guerra. Para maiores esclarecimentos, acessar: www.kfw.de. <Acesso em 17 jan. 2012>
45
De acordo com o projeto, o custo total do programa era de 252.595.680,00 de Marcos
Alemães, equivalentes a 9.332.400.000,00 de Cruzeiros, em 1981. Os juros sobre os empréstimos
concedidos aos beneficiados eram de apenas 4,5% ao ano, com a vantagem da carência de 5 anos,
além da variação cambial do cruzeiro, em relação ao marco, que era pago pelo governo brasileiro
como forma de subsídio ao programa.
84
irrigação/drenagem, o desenvolvimento integrado dos recursos naturais
(solo e água) e humanos da região;
Sensibilizar técnicos e produtores para o uso racional das várzeas irrigáveis
e do fator de produção, água, disponível em abundância em muitas regiões.
Incorporar à produção
economicamente;
agropecuária,
áreas
não
aproveitáveis
Proporcionar pesquisa e assistência técnica aos produtores, orientando-os
ainda quanto à utilização racional das máquinas e equipamentos agrícolas;
Incrementar e racionalizar a cultura do arroz no período chuvoso e
implantar, na rotação anual, as culturas do feijão, milho, olerícolas e
forrageiras;
Permitir até 3 plantios por ano, o que beneficiará a regularização da oferta
na entressafra, contribuindo para a estabilização dos preços ao longo do
ano e para o aumento da renda líquida do agricultor;
Minorar, mediante o plantio de forrageiras anuais na entressafra, o problema
de alimentação do gado no período seco do ano;
Gerar excedentes exportáveis, sobretudo, de produtos básicos usados na
alimentação;
Fixar o homem ao campo, por meio do aumento da renda, pelo uso
intensivo da sua várzea;
Oferecer bases para a instalação de agroindústrias pela oferta concentrada
de matérias-primas.
Incentivar a criação de cooperativas de usuários da água, de produção e de
comercialização;
Dinamizar o comércio exportador pelo aumento da produção e elevação dos
índices de produtividade, gerando excedentes exportáveis; (ESPÍRITO
SANTO, 1982, p. 84-85, grifo nosso)
Pode-se afirmar, com base no documento acima, que a incorporação das áreas ao
processo produtivo, segundo os critérios do Provárzeas-ES, exigia uma assistência
técnica especializada em função do nível tecnológico preconizado no programa.
Eram as equipes de assistência técnica que iriam assistir ao produtor rural durante o
processo, desde o encaminhamento de produtores selecionados aos órgãos
financeiros até a elaboração do plano de exploração agrícola, com assistência
técnica dirigida visando o uso racional das áreas beneficiadas, desde o preparo do
solo, até a comercialização. O crédito rural apresentava-se como importante
ferramenta ao Provárzeas-ES e dessa forma, no tocante à disponibilização de
crédito ao produtor, 75,2% destinavam-se ao custeio agrícola e apenas 6,3% para a
aquisição de máquinas. Os 18,5% restantes destinam-se a investimentos em obras
85
de
saneamento
drenagem/irrigação
agrícola,
conservação
(sistematização).
O
do
solo
custo
das
e
água,
obras
da
drenagem
e
drenagem
e
sistematização representava 11,8% do total do projeto e 14,4% das despesas
realizadas pelo produtor. Tais despesas poderiam ser financiadas através do
Sistema Nacional de Crédito Rural e estavam enquadradas nas operações de
créditos para investimento, disciplinadas pelo Manual de Crédito Rural, segundo o
supracitado documento.
Um detalhe importante do projeto, a ser ressaltado, diz respeito ao custeio da
atividade agropecuária, pois as despesas destinadas à aquisição de insumos
(sementes, fertilizantes e defensivos) e mão-de-obra eram responsáveis por 80%
dos custos para os produtores e 66% do custo total do projeto (ESPÍRITO SANTO,
1982). Tal como as despesas de aquisição de máquinas, drenagem e
sistematização, as de custeio eram financiadas pelas agências bancárias, sendo que
80% das despesas de custeio eram financiadas e 20% supridos com recursos do
produtor. O projeto anunciava que, além dos reflexos econômicos gerados pela
produção de alimentos básicos nas áreas recuperadas, o mesmo seria de
indiscutível alcance social, já que poderia gerar 24.363 empregos diretos, atingindo
até 123.170 pessoas nas explorações agropecuárias num período em que a oferta
de trabalho, no meio rural estava em regressão, o que, supostamente, favoreceria
fixação da mão de obra no campo.
Um exemplo concreto que permite evidenciar a repercussão desses projetos,
notadamente os benefícios concedidos pelo Provárzeas-ES, bem como o papel de
fundamental importância dos canais do DNOS como pressuposto técnico da
modernização da produção agrícola nas várzeas do Riacho, pode ser observada à
partir do caso da fazenda Agril, propriedade de Ângelo Coutinho46, que produziu e
beneficiou arroz, segundo o projeto proposto pela Cofai.
46
Outras propriedades chegaram a produzir arroz em grandes quantidades, como foi
constatado na entrevista com Elmo Dall´Orto. Devido à amplitude da questão, preferiu-se limitar o
exemplo à propriedade do Coutinho, levando-se em consideração o foco da pesquisa sobre o uso dos
canais do DNOS, já que um aprofundamento no tema específico sobre a produção arroz iria
ultrapassá-lo.
86
Consta no relatório do Programa de Desenvolvimento Regional Integrado - PDRI,
elaborado pelo Instituto Jones dos Santos Neves, que em 1983, no município de
Aracruz, havia um bolsão de produção de arroz fomentado pelo provárzeas-ES, que
utilizava um grande nível de assalariamento. Tal bolsão, localizado justamente na
fazenda Agril, promovia a retenção de mão-de-obra para exploração:
A localização de uma agrovila em suas imediações como estratégia para
reter a mão de obra necessária à sua exploração, insuficiência esta
provocada pela baixíssima densidade populacional que sempre se verifica
nas áreas de pecuária, uma vez que esta atividade ao se expandir
desapropria grande parte dos pequenos proprietários, retendo as
propriedades exclusivamente pecuaristas um contingente mínimo de
pessoas, ao mesmo tempo que, por ser extensiva, se apropria de extensas
áreas de terra. (INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 1983, p.153154, grifo nosso)
De acordo com o mesmo documento, no tocante às relações de trabalho, foi
ressaltada a grande quantidade de trabalhadores com assalariamento temporário
presentes na propriedade, de Ângelo Coutinho, com cerca de 2.000ha (dados de
1983)47, onde eram utilizados processos produtivos altamente tecnificados, sendo
que 1.000ha eram dedicados ao cultivo do arroz e os outros restantes à pecuária. A
plantação de arroz era financiada através do projeto Provárzeas-ES e, por destoar
das técnicas utilizadas pelo conjunto dos produtores nas propriedades próximas,
teve ressaltada, no relatório do PDRI, o perfil das modernas técnicas utilizadas no
seu processo produtivo.
Dentre as técnicas descritas no relatório do PDRI, destaca-se que o solo era
preparado através do uso de enxada rotativa ou gradeação, a correção do solo era
feita com calcário, além do uso intensivo da adubação química, sendo todos esses
processos realizados com o uso de trator, assim como na abertura dos canais para
irrigação. O plantio era efetuado através de plantadeira ou com o uso de avião, com
uso de semente de arroz pré-germinado, sendo feito à seguir a incorporação do
arroz através de gradagem48.
47
Seguindo dados fornecidos pelo Movimento dos Sem Terra (MST), em 2006 a fazenda Agril
possuía 8.980 hectares, sendo que apenas 3700 hectares estão regularmente registrados no INCRA
e o restante seria formado por áreas públicas ou terras devolutas. (BERNARDES, 2006)
48
Gradagem consiste na técnica de desfazer os grandes torrões de terra que permanecem
após a aração. Com o uso de grades, também puxadas por tratores, esses torrões são desfeitos de
87
Dentre os tratos culturais empregados, configuravam a capina química feita com
herbicida através de avião, o controle de pragas e doenças pulverizadas com avião,
a adubação de cobertura feita com trator e também com o uso de avião, feita um
mês após o plantio, além da irrigação e represamento da água proveniente dos
canais do DNOS. Destaca-se, aqui, o papel do Provárzeas-ES para o financiamento
da abertura de canais específicos para a irrigação do arroz, que eram interligados
aos canais do DNOS através de canais abertos pelo maquinário da Companhia
Integrada de Desenvolvimento Agrícola do Espírito Santo – CIDA-ES49, segundo as
especificações estabelecidas no manual do Provárzeas (BRASIL, 1986). A colheita
do arroz, por sua vez, também era mecanizada e a produção era destinada ao
abastecimento de supermercados e pequenas mercearias, situados no Espírito
Santo e alguns pontos de comércio em Minas Gerais50. Parte dos canais do
Provárzeas-ES pode ser vista no mapa 2 (ANEXO VII).
A fazenda Agril empregava cerca de cinquenta pessoas, no geral diaristas, e alguns
poucos assalariados permanentes, constituindo-se em mão de obra especializada
responsável pela irrigação e represamento. Os trabalhadores possuíam carteira
assinada e recebiam, aproximadamente, 1 salário mínimo, exceto a mão-de-obra
especializada, que provavelmente eram melhor remunerados. Os assalariados
permanentes provinham da sede de Aracruz e os diaristas, da Vila do Riacho. Parte
dos trabalhadores moravam na semi-vila presente na propriedade, formada por
cerca de 15 a 20 casas que eram cedidas aos trabalhadores. (INSTITUTO JONES
DOS SANTOS NEVES, 1984)
Na conversa com o Sr. Antônio, antigo trabalhador da Agril e atual caseiro da antiga
sede da fazenda, agora pertencente a outro proprietário51, constatou-se o seguinte,
modo com que o solo fique mais uniforme para o cultivo.
49
A CIDA-ES dispunha de uma frota de máquinas específicas para a prestação de serviços
para o Provárzeas-ES. (EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA, 1988)
50
Fato relatado pelo Sr. Antônio, ex-trabalhador da fazenda Agril, em entrevista realizada no dia
15/01/2012.
51
A antiga fazenda Agril foi dividida em duas partes ao ser vendida. A parte onde se encontra a
88
sobre o fim da produção do arroz na fazenda:
Um dia, cedo, o Coutinho chegou pra mim e disse: - Antônio... vou parar de
mexer com o arroz. Vou é encher a fazenda de gado, o gado dá menos
trabalho. Vou arrendar a parte do arroz para outro tocar essa parte da
52
fazenda.
Rapaz, ele parou porque ganhou muito dinheiro, cansou de ganhar dinheiro,
o Coutinho ganhou muito dinheiro com o arroz. Era arroz que não acabava
mais, muito mesmo. Tinha até avião que jogava o veneno e a semente. A
gente processava o arroz ali do outro lado. A gente enchia o caminhão de
saco de arroz e saía cedinho, vendendo. A gente parava e um monte de
lugar, em Aracruz, Nova Almeida... a gente ia até Minas Gerais entregando
arroz, ali na divisa. Aí o Coutinho arrendou tudo e parou de mexer com
arroz. E gado também tinha muito, muito mesmo.
Olha, tem bem pra lá de vinte anos que não produz mais arroz aqui. Ta
vendo aquele monte de casa ali? Morava um monte de gente aqui. Essas
casas que sobraram era onde morava os encarregado da fazenda. É tudo
casa boa, casa com laje, tamanho bom.
53
Aquele monte de galpão que você viu lá atrás era o galpão do maquinário,
era a casa das máquinas, onde guardava trator, essas coisas. Nos outros
estocava arroz, era muita coisa, enchia o galpão todo. O Coutinho ainda
comprava arroz de um monte de gente, limpava, ensacava e vendia depois.
De acordo com o entrevistado, a localização da fazenda despertou o interesse da
Aracruz Celulose, em função da abertura do canal Caboclo Bernardo, como será
considerado adiante. Como alguns canais passavam pela propriedade, desde a
época em que produzia arroz, a fazenda tornou-se uma importante área para a
empresa, que além de adquirir a área, passou a plantar eucalipto na mesma. A
fazenda, que era produtora de alimentos, passou a produzir eucalipto para a
transnacional:
A Aracruz [Celulose] veio aqui querendo comprar tudo, por causa dos
canais, para fazer o canal novo que suga água lá do rio Doce. O Coutinho
vendeu uma parte para a Aracruz, a parte lá de baixo. Aqui, a sede, o
Coutinho vendeu para um doutor lá em Vitória, que eu trabalho pra ele. Eu é
que tomo conta daqui agora, dessa parte pequena que era a sede antiga,
durmo lá atrás, na casa de lá. Aqui só tem um pouco de gado, quase nada,
mas o doutor disse que vai investir aqui e colocar mais gado.
antiga sede, composta pelas casas e galpões ainda presentes, foi vendida para um médico residente
em Vitória, conforme informou o Sr. Antônio. A área restante, onde parte dos antigos canais do DNOS
estão situados, foi comprada pela Aracruz Celulose.
52
Cabe lembrar que Ângelo Coutinho é proprietário da FRISA – Frigorífico Rio Doce S.A.,
produtor de derivados da pecuária bovina e esse fato, ligado aos fatores econômicos da produção do
arroz, pode ter levado o empresário a se voltar apenas para a pecuária.
53
Ver foto 3 (ANEXO III).
89
Ta vendo esse monte de eucalipto em volta? A Aracruz encheu a parte dela
de eucalipto depois de comprar tudo. Aí tudo na sua frente, era tudo da
fazenda antiga. Você vai ali atrás, na rua que corta ali na lateral, vai ver o
que sobrou da usina de arroz, só tem as lajes, tá cheio de eucalipto em
volta. A gente produzia arroz, agora é só eucalipto. O arroz era pra comer,
né, vender no supermercado; a gente tinha emprego, vivia gente disso aqui,
do arroz, do gado, vinha um monte de gente trabalhar no arroz. Agora é só
eucalipto, a Aracruz vai encher tudo de eucalipto. Anda aí com seu carro e
você não acha nem gente, é só eucalipto. Antes era comida pra mesa dos
outros e agora é eucalipto pra a fábrica, só pra ela. Só tem eucalipto aqui,
54
só vai ter eucalipto daqui uns anos.
Complementando as informações sobre o arroz nas várzeas do Riacho, pode-se
citar o relato de Dall´Orto, que afirmou sobre a ocorrência de uma grande produção
de arroz, ao mesmo tempo em que a fazenda Agril comprava, de outros produtores,
grandes quantidades de arroz, que eram beneficiados posteriormente:
Então, só nessa região aí do Riacho, [...], só aí tinha trinta mil hectares de
terras produtivas, sendo que além desses doze mil que nós recuperamos,
55
uns quinze mil era só de arroz . Olha, eu nunca vi um arroz tão bom na
minha vida. Quinze mil hectares só de arrozais, só ali no Riacho; agora você
bota uma terra dessa produzindo 10 toneladas de arroz por hectare por ano,
em quinze mil hectares, você chega num número que assusta. Chegaram a
beneficiar arroz ali, os Coutinho, compraram ali uma propriedade grande e
ele beneficiava arroz na Agril.
De acordo com Dall´Orto, a grande enchente do rio Doce que ocorreu em 1979 foi o
principal motivo de o DNOS ter diminuído o ritmo da abertura dos canais, o que
acabou dificultando a continuidade das culturas agrícolas. Em parte, o governo
federal já não estava disponibilizando a mesma quantidade de verbas que seriam
necessárias para a abertura e recuperação dos canais atingidos pelas cheias. Por
outro lado, alguns produtores deixaram de produzir arroz em função da amplitude da
destruição causada pelas enchentes:
Quando eles [os Coutinho] viram que não tinha jeito, botaram boi. A chuva
de 79 acabou com os canais, acabou com tudo entupiu, pô, ali não é
brincadeira não, rapaz, aí você vê, os canais ali eram quarenta metros de
largura, trinta metros de largura, não é qualquer coisa que você desentope
isso não. A nossa conta foi que nós íríamos gastar para desentupir, mais ou
54
A foto 3 (ANEXO 3) ilustra o que restou da antiga unidade de beneficiamento ou
processamento de arroz pertencente à Agril, atualmente envolta por eucaliptos. O projeto da referida
unidade coube à Cofai.
55
Dos 30 mil hectares de terra produtivas, cerca de 12 mil era provenientes dos
beneficiamentos do DNOS. Desses 30 mil hectares produtivos, 15 mil eram de arroz.
90
menos, 30% do valor que foi gasto pra executar. Despejou tudo aqui para
dentro [...]
Essa cheia de 79 passou a exigir verbas muito maiores para recuperar os
canais, não era mais para fazer, era recuperar, então nós paramos com o
programa de novos investimentos, para salvar o que já existia aqui. Eu não
vou abrir um canal novo se eu preciso desobstruir um antigo. E aí começa
um problema no governo federal de existir cada vez menos verba; quando
mais a gente precisou de mais, foi onde veio menos, entendeu? Então, até
hoje, tem lugares que não foram desobstruídos... lá se vão quarenta anos
nessa brincadeira, viu. [...]
Se verificou, o pessoal da Seag, verificou que, do jeito que o DNOS tava
56
trabalhando, já com pouca verba, muita gente desistiu de plantar. Cariê foi
um que desistiu de plantar arroz, os Coutinho pararam de plantar arroz, as
pequenas continuaram porque era pouca coisa... agora, as grandes, não
tinha mais jeito, tinha que recuperar todos esses canais e aí são anos, para
começo de conversa, são anos! Você não faz... deixa eu ver... só ali no
Riacho [c] dos grandes canais, eu chamo de grande canal o canal que tem
mais de dez metros de largura – o resto eu chamo de vala – os canais ali
são de trinta ou quarenta metros, tá certo? Então um canal pequeno tem
dez metros de largura. Só disso aí, ali no Riacho, você tem mais de 60
quilômetros de canais. Para você desobstruir tudo, vai longe. Vou te dar
uma noção do que foi a inundação de 1979, você tinha máquinas
trabalhando nessa região; um drag-line é um guindaste equipado com uma
caçamba. Eu tinha oito máquinas na beira dos canais do Riacho, elas
simplesmente desapareceram debaixo d’água, sumiram, eu tenho foto aí
que eu sobrevoei a região: cadê minhas máquinas? Depois de um mês
começou a aparecer a ilha em cima; a ilha era a ponta da lança da máquina,
cheia de mato [...]
Então, em 1979 veio aquela cheia cavalar, a grande enchente, a maior
enchente já registrada no país, eu acho que, em 1979. Arrasou tudo; jogou –
a gente quando draga um canal, a gente pega o material dele e empilha do
lado, pelo menos, no mínimo, a oito metros de distância, mas às vezes você
tem uma montanha de três, quatro metros de altura; a água subiu, passou
por cima dos diques, na hora que voltou, voltou fechando os canais, até
hoje tem canais sujos. Essa região acabou em matéria de agricultura. Foi a
cheia de 1979 que acabou com essa, tá certo? Aí virou pastaria; muito
simples de explicar, o boi você toca, certo?
Com base nesses relatos é possível considerar que muitos tenham abandonado a
produção de arroz em função da margem de lucro que se tornaria menor por causa
do montante necessário de investimentos para se recuperar a área após a enchente.
A extinção posterior do Provárzeas-ES (BERGAMIM, 2004) também pode ter
56
Cariê Lindemberg, filho do ex-governador Carlos Lindemberg (mandatos: 1947-1951 e 1959),
integrante da família proprietária da Rede Gazeta de Comunicações (subsidiária da rede Globo), foi
um grande produtor de arroz, assim como o pessoal da família Dalla Bernardina, que detinha vários
negócios no Estado, inclusive no ramo imobiliário. Ambos, porém, possuíam propriedades que se
localizavam nas várzeas da Suruaca, ao norte do rio Doce, onde havia outro bolsão de arroz que foi
destruído na grande enchente de 1979. Enquanto a produção do arroz no Riacho adentrou aos anos
de 1980, chegando aos anos 90, a produção na Suruaca findou ainda no final dos anos 70 e o início
dos anos 80, conforme informou Dall'Orto.
91
contribuído para o fim da produção do arroz nas várzeas do Riacho57.
Os trabalhos do DNOS, em âmbito nacional, foram encerrados em 1990 pelo novo
presidente empossado, Fernando Collor de Mello, o qual, por meio da medida
provisória 151 de 15 de março de 1990 (primeiro dia da posse como presidente),
efetivamente extinguiu o órgão, juntamente com outras autarquias federais, segundo
um plano de remodelação econômica para o Brasil, processo aprofundado no
governo de Fernando Henrique Cardoso, de 1994, por meio de inúmeras
privatizações de importantes empresas brasileiras58. Sobre tal fato, Dall´Orto
forneceu os seguintes comentários:
O Collor assumiu em 1990, não foi isso? No discurso de posse, ele acabou
com o DNOS, IAA e outros vários órgãos. Ninguém entendeu o por quê.
Então, o DNOS viveu um ano aquilo que se chama em extinção; você não
acaba hoje, você tem que ter um período para reorganizar o que vai fazer
com os funcionários, com as coisas, estar redistribuindo as atribuições. As
atribuições do DNOS foram jogadas no lixo. Mentiram, dizendo que ia para
aqui, para lá; foram para lugar nenhum. Acabou, simplesmente acabou. O
negócio dele era extinguir mesmo.
Então, ao longo do ano de 1990 foram tomadas essas providências. Foi
feito o chamado inventário. Tinha um inventariante que era encarregado de
extinguir o DNOS. No final de 90, pegou fogo lá e acabou com tudo. O
interessante de comentar isso é que botaram um camarada lá, um
inventariante, um camarada inteligente, espetacular, esqueci o nome dele.
Depois de seis meses de inventariança, é como se chama, né, ele reuniu
todos os diretores regionais, em conversa, o que que faz, o que não faz;
quando ele ficou sabendo o que era o DNOS, ele simplesmente fez um
relatório que ele não podia, não se podia [...] extinguir aquele órgão, dado o
que ele fazia, era um órgão enxuto, ele não via razão para extinguir o órgão
e se recusou; ele se recusou: - sou obrigado, mas me recuso! - Aí
destituíram ele da coisa e colocaram outro em ordem de: - acaba amanhã! -,
na porrada. É, interessante da coisa foi essa: o camarada passou seis
meses olhando o que é, como é que é, como é que funciona, o que que faz
e simplesmente: - não se pode extinguir este órgão! – foi posto para fora
para botar outro que aquela ordem do Collor foi extinguir. Rapaz, você não
queria saber o prejuízo que foi para o país aquilo ali.
Após o fim do DNOS, todas as máquinas e obras dos canais foram abandonadas em
57
Cabe mencionar que no relatório (ESPÍRITO SANTO, 1992) ainda é citada a produção do
arroz como importante cultura em funcionamento nas várzeas do rio Riacho. Não foi possível
identificar com precisão a data em que finalizou a produção de arroz no Riacho. A produção de arroz
nas várzeas do Riacho, conforme a entrevista concedida por Herval Nogueira Júnior, morador da
Barra do Riacho, findou nos anos 90.
58
Com relação ao processo de privatização no território brasileiro e suas repercussões, ver
Biondi (2003a), Biondi (2003b) e Ribeiro Júnior (2011).
92
várias partes do Estado59. Esse abandono de um amplo patrimônio, inclusive toda a
memória escrita, em vários estados brasileiros, na visão de Dall´Orto foi um grande
prejuízo para o Brasil, dada a amplitude da atuação do DNOS:
[...] O maior parque de máquinas do mundo, só eu aqui no Espírito Santo
tinha trinta e oito. Bom, virou ferro-velho! No ano da extinção, a gente pedia:
não, vamos dar um destino... – Larga como está, do jeito que tá... não, nem
recuperar, nada. No dia em que encerrou, a ordem foi: larga onde tá... –
não, eu não posso largar isso. A única coisa que consegui fazer com a
maioria do pessoal foi andar com as máquinas, tirar da beira do rio... pô, pra
dar uma enchente, não sei, e carregar... afastar dos córregos, cinquenta
metros e lá ficou e lá está até hoje, um monte de ferro velho que ficou por
aí.
Eu posso te garantir uma coisa de cadeira: foi um prejuízo enorme causado
ao país a extinção do DNOS. O pessoal, hoje, não sabe o tamanho do
prejuízo que foi causado. [...] Acredito que Collor teve uma briga com o
diretor do DNOS, pois ele pediu para fazer um canal lá em alagoas e o
diretor disse – não tenho recurso, pede ao ministro; se o ministério liberar o
recurso, eu mando. – Ele achou que tinha sido desacatado pelo diretor, um
reles diretor geral do DNOS, cujo status era de governador, na verdade, era
de governador... negar um pedido do governador do Estado de Alagoas.
Ficou com raiva desde aquela ocasião, dali a dois anos ele se elegeu e
resolveu acabar com o DNOS. Primeiro, essa coisa dele acabar com a
memória do DNOS foi [repugnante]; o que se perdeu de estudos... [...] tá
certo? Jogando fogo! Você não brinca não, foram cinquenta anos de
memória de um órgão nacional, é muita coisa.
Esse estado de abandono dos canais, gerado pela ausência administrativa do
governo federal, acabou agravando os conflitos de interesse existentes em torno do
uso dos canais. No estado do Rio de Janeiro, de acordo com Carneiro (2003),
situação semelhante ocorre na baixada fluminense, envolvendo diversas situações
enfrentadas por pescadores, pequenos proprietários e usineiros de cana-de-açúcar.
Segundo o referido autor emerge uma grande dificuldade para lidar com os conflitos
derivados desse quadro. Nas várzeas do Riacho a situação não será diferente,
envolvendo, porém, diferentes agentes sociais como será tratado no capítulo
adiante.
59
Parte do maquinário usado na dragagem do rio Riacho está sucateado e abandonado
próximo à vila do Riacho. As drag-lines remanescentes do DNOS, ainda em funcionamento, estão
sob responsabilidade da Aracruz Celulose e das prefeituras de Aracruz e Linhares, de acordo com
Dall'Orto. Ainda existem sucatas em Mimoso do Sul, em Anchieta e alguns outros locais.
93
4.2 A INFLEXÃO NO USO E SIGNIFICADO DOS CANAIS DO DNOS: A
APROPRIAÇÃO PELA ARACRUZ CELULOSE
Neste item será abordado o que pode ser considerada a principal transformação do
uso dos canais construídos pelo DNOS nas várzeas do Riacho, a saber, sua
apropriação pela Aracruz Celulose, na medida em que se trata de um momento
decisivo na ressignificação dessa obra de engenharia. Torna-se indispensável,
contudo, conduzir preliminarmente uma breve apresentação da empresa, para que
seja possível contextualizar o modo com o qual a apropriação dos canais do DNOS
torna-se uma necessidade de fundamental importância para a atividade produtiva da
Aracruz Celulose.
A Aracruz Celulose60 é a empresa que lidera o mercado mundial de celulose
branqueada, sendo constituída predominantemente por capital privado61, tendo se
instalado no município de Aracruz, distrito da Barra do Riacho, no final dos anos 60.
A história dessa empresa inicia-se em 1967, a partir da fundação da Aracruz
Florestal, a qual fez os primeiros estudos e experimentos relativos à adaptação e
produtividade do eucalipto nas terras capixabas62, prosseguindo com a constituição
da Aracruz Celulose S.A. em 1972, passando por uma fase de planejamento,
desenvolvimento e implantação da empresa, que culminou em setembro de 1978, na
partida inicial da sua primeira unidade de operação, denominada como Fábrica A.
(CEPEMAR, 1999)
60
Atualmente a empresa chama-se Fibria, após a fusão da Aracruz Celulose com a Votorantim
Celulose e Papel, ocorrida em 01/09/2009, vindo se tornar a líder mundial do mercado de celulose
branqueada. Maiores detalhes podem ser vistos em <www.fibria.com.br.>
61
A composição acionária da Aracruz Celulose era assim dividida no seu início: 25,90 %
pertencente ao BNDE; 25,90% da Companhia Souza Cruz de Ind. e Com.; FIBASE com 14,72%;
Grupo Billerud com 6,07%; Grupo Lorentzen com 5,08%; Vera Cruz Agroflorestal S/A com 3,37%;
Grupo Moreira Salles com 2,63% e 16,94% divididos entre outros acionistas. O controle acionário
atual (2012) é exercido pelos grupos Safra, Lorentzen e Votorantim, com participação acionária de
28% cada e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com participação de
12,5%. Ressalta-se que o grupo Lorentzen é de origem norueguesa. Para um maior entendimento
sobre o desenrolar do financiamento da empresa, sugere-se a leitura de Dalcomuni (1990).
62
Na época foi constatado que a produtividade do eucalipto no município de Aracruz/ES era
muito alta, se comparada às plantações europeias, devido a fatores favoráveis, relativos ao solo e
clima.
94
O contexto político63 da criação da empresa, ocorrido sob a conjuntura do regime
militar, mereceu destacado tratamento crítico elaborado parte da economista Sônia
Dalcomuni:
A implantação da Aracruz Celulose S.A. no Espírito Santo é resultante de
um conjunto de fatores relacionados à dinâmica capitalista a nível
internacional, nacional e estadual. No plano nacional, o fomento estatal à
“industrialização pesada”, nas décadas de 1960-80, promove
paulatinamente profundas mudanças estruturais na indústria de celulose no
país. Esta passa a se caracterizar pela forte concentração e centralização
do capital, elevadas barreiras à entrada, integração vertical da produção,
adoção do biodesenvolvimento tecnológico enquanto principal fator de
concorrência e forte viés exportador, processo, esse, possibilitado por
redefinições verificadas no mercado mundial de celulose. A nível estadual,
estratégias de diversificação de investimentos de grupos empresariais, por
um lado, e preocupações governamentais e de frações da sociedade
capixaba em promover a diversificação da economia estadual,
demasiadamente dependente da monocultura do café, por outro, suscitam
desde o final dos anos 60 interesses no desenvolvimento da indústria de
celulose no Espírito Santo. Esses interesses, no entanto, apenas nos anos
70, em especial com a implementação do II PND, encontram conjuntura
favorável à sua consecução. Em consonância, portanto, com a dinâmica
capitalista nacional, o Espírito Santo se insere no novo “padrão da
industrialização brasileira”. (DALCOMUNI,1990, p. 5)
Com base na autora supracitada, pode ser ressaltada a realização de dois cursos da
CEPAL64 em Vitória, no período 1964-69, com cerca de quatro meses de duração
cada um, através de um acordo CEPAL-BNDE. Esses cursos visavam à ampliação
do número de simpatizantes das ideias de “industrialização planejada” propalada
como uma possível forma de superação do subdesenvolvimento, fato que
contribuiria para fortalecer o projeto de industrialização do Espírito Santo.
Fornecendo um panorama geral sobre os impactos decorrentes da implantação da
Arcel no Espírito Santo e
63
Com relação à sucessão do poder no Estado, após o resultado negativo da CPI para a
derrubada do governador Lacerda de Aguiar, o mesmo foi obrigado a entregar sua carta de renúncia
sob pressão dos militares, tendo sido substituído pelo vice-governador, Rubens Rangel, que governa
até 1966 (MEDEIROS, 2004). Depois dele vêm os governadores indiretos, começando por Christiano
Dias Lopes Filho (1967 — 1971), passando por Arthur Carlos Gerhardt Santos (1971 — 1975),
prosseguindo com Élcio Álvares(1975 — 1979) e finaliza com Eurico Rezende(1979 — 1983). Alguns
desses políticos são citados em partes da pesquisa por terem desempenhado papel importante na
modernização do Espírito Santo, geralmente beneficiando grandes empresários ou grandes
empresas.
64
Comissão econômica para a América latina e o Caribe.
95
Por ser a produção de madeira a base do funcionamento de todo o
complexo, a Aracruz Celulose diferencia-se dos demais “Grandes Projetos”
por provocar fortes impactos também sobre a agricultura estadual. Sua
implantação aumentou o nível de concentração da terra, alterou o uso do
solo, contribuiu para uma maior generalização de relações capitalistas de
produção no agro-capixaba, com a intensificação do uso da mão-de-obra
assalariada e utilização de insumos e implementos industriais em todas as
fases da exploração florestal. (DALCOMUNI, 1990, p.6)
Segundo a supracitada autora, pode-se afirmar que a criação da lei federal 5106/66
funcionou como grande incentivo ao reflorestamento por conceder benefícios fiscais
aos empresários do ramo florestal, fazendo com que as florestas artificiais
aumentassem significativamente entre 1967 e 1968. Pode ser evidenciado, com a
criação dessa lei, a ação de um Estado que passa a beneficiar os futuros atores
hegemônicos ou os macroatores. Assim, ressalta-se que a criação da referida lei foi
influenciada pela empresa capixaba Ecotec S.A., de propriedade de Jorge Kfouri e
Antônio Dias Leite Jr., este último, destaca-se, veio a se tornar, posteriormente,
ministro das Minas e Energia. A Ecotec, em 1966, foi responsável pelos estudos que
determinaram a localização da Aracruz Celulose no município de Aracruz. Nota-se o
papel de um empresário, o qual determinou a localização de um futuro macroator no
município de Aracruz.
Os benefícios fiscais concedidos ao reflorestamento, através da legislação, de
acordo com Dalcomuni (1990, p. 106), suscitaram um grande número de denúncias
que colocavam “em suspeição os níveis de racionalidade técnica e de moralidade
envolvidos nos projetos beneficiados”. No entanto, o reflorestamento no Brasil
apresentou um crescimento notável, principalmente a partir dos anos 70, em função
das redefinições na indústria mundial de celulose, de ações do governo no sentido
de atrair para o país os capitais abundantes na economia mundial e de fomentar as
atividades exportadoras através de benefícios fiscais e tributários concedidos às
mesmas, além do interesse de grupos empresariais em participar de um mercado de
celulose em expansão. Cabe lembrar que esse aumento significativo das florestas
de eucalipto, no Espírito Santo, resultou em um expressivo aumento da demanda de
água pela Aracruz Celulose, resultando na apropriação dos canais constituídos pelo
DNOS, convertendo um território que era abrigo para muitos, em recurso para um
grande ator hegemônico, a Aracruz Celulose, como será visto no decorrer do texto.
96
Dalcomuni (1990) ressalta que a Aracruz Celulose, apesar de ter se beneficiado do
contexto relativo aos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), teve sua
implantação viabilizada apenas como parte de um conjunto de projetos65 que não
emergem diretamente da estratégia federal de desenvolvimento, já que foram
planejados em nível estadual. De acordo com a autora, os documentos oficiais
demonstram que os projetos aglutinados foram gestados apenas em consonância
com a estratégia federal e,
Nesse sentido, a importância do papel desempenhado pelo governo
estadual deveu-se ao seu posicionamento favorável à implantação desses
projetos, envolvendo-se em gestões junto ao governo federal e instituições
internacionais, para a concretização de tal intento. Assim, também, no plano
federal, o II PND “abençoa” tais projetos, propiciando-lhes o financiamento,
não os cria. A sua fundamentalidade reside exatamente no fato de, numa
conjuntura de “reversão de expectativas” na economia brasileira e mundial,
ter garantido o afluxo de recursos, sem os quais esses projetos dificilmente
viabilizar-se-iam. O II PND, portanto, aglutinou e financiou projetos
suscitados pelo crescimento dos mercados internos e externos durante o
“período do milagre”, possibilitado sua concretização. É o que se verifica,
por exemplo, com a implantação da Aracruz Celulose S.A. no Espírito Santo
[c]. (DALCOMUNI, 1990, p.181-182)
Outros fatos importantes com relação aos desdobramentos da implantação da
empresa durante o período militar, quando os interesses corporativos da ação
Estatal são impostos de forma dissimulada em prol dos interesses hegemônicos, de
maneira autoritária, sem a participação da sociedade civil, são evidenciados por
meio do que está descrito em Movimento Alerta contra o Deserto Verde/FASE (2001,
p.8-9):
O projeto de implantação de uma grande empresa produtora de celulose na
região de Aracruz tem início em 1972, no auge da ditadura militar, na
vigência do Ato Institucional n.5 (AI-5). Durante o governo Médici, um dos
piores momentos da ditadura, esse projeto só poderia assumir uma forma
clássica que mistura censura, violência e exclusão. Durante esses 30 anos,
o projeto dessa empresa – que tinha em sua origem o controle estatal – e
outros projetos semelhantes (Companhia Vale do Rio Doce – CVRD,
Companhia siderúrgica de Tubarão – CST, etc.) mudaram o perfil do Estado
do Espírito Santo e do sul da Bahia. Todos ocorreram sem nenhum debate
sério com a sociedade civil organizada, exploraram a ausência de
informação e se apoiaram, em muitos casos, no uso da violência.
65
A citada autora, em seu trabalho, lista vários projetos de grande porte planejados pelo
estado, dentre eles a instalação da Companhia Siderúrgica de Tubarão, usinas de pelotização da Vale
do Rio Doce, usina de pelotização da Samarco. Para maiores esclarecimentos ver Dalcomuni (1990,
p.175-180).
97
De acordo com este estudo, a presença dos chefes de Estado na inauguração das
fábricas que compõem a empresa representam simbolicamente o poder do Estado
autoritário que tecia seu discurso em torno da promessa da geração de empregos e
melhora da qualidade de vida, mas que, ao final, os resultados apresentados não
foram os prometidos:
A presença de Ernesto Geisel na inauguração da primeira fábrica na década
de 70 e de Fernando Collor em sua ampliação nos anos 90 são fatos
simbólicos. Os dois presidentes representam o autoritarismo e o descaso
com o dinheiro público, que marca a história de nosso país. E essas elites
também têm um discurso autoritário [...] A destruição da organização
territorial anterior é justificada pelo discurso oficial de que o que existia
antes nessas regiões era arcaico e atrasado e que estavam construindo um
grande pólo de desenvolvimento. Prometiam a integração com o mercado
internacional. Prometiam emprego e qualidade de vida. E o que vemos hoje,
trinta anos depois? Até há alguns meses contávamos com a presença da
[...] SUDENE atuando em 27 cidades do Espírito Santo, quase 35% dos
municípios desse Estado, alguns deles com significativas plantações de
eucalipto. Vemos também a distribuição de cestas básicas para combater a
fome e a miséria. Vemos hoje, mais claramente, que antigas promessas não
passavam de mentiras.
De acordo com Loureiro (2006) que promoveu uma análise da implantação do
complexo Aracruz Celulose S/A no Espírito Santo e os seus reflexos sobre as
populações indígenas preexistentes, Tupinikim e Guarani Mbya, no período
compreendido em 1967 e 1983, a ação do Estado, subentendido enquanto governo
estadual, foi fundamental para o estabelecimento do locus de ação pragmática da
Aracruz Celulose no que diz respeito às terras cedidas para a empresa, que se
tratavam de antigos territórios indígenas, estabelecidos pelos seus ancestrais como
território de abrigo, fato solenemente ignorado pelos sucessivos governantes da
época, os quais permitiram com que a referida empresa transformasse o território
em recurso:
A Aracruz Florestal S/A recebeu do Governo Estadual, representado pelo
governador Christiano Dias Lopes, os dez mil hectares anteriormente
explorados pela Cofavi, onde iniciou o plantio de eucalipto. A partir dessa
concessão, a empresa não cessou de estender seus domínios,
incorporando de forma ilícita em seu território áreas de índios, de
quilombolas, de posseiros, de pequenos lavradores.
Conforme cópias de processos de requerimentos de terras devolutas ao
66
estado do Espírito Santo, anexadas à CPI da Aracruz Celulose (2002) , a
66
Em março de 2002 foi instalada uma comissão parlamentar de inquérito (cpi) na Assembleia
Legislativa estadual com a finalidade de investigar as irregularidades ocorridas durante a implantação
98
empresa valeu-se de terceiros, “testas de ferro” (empregados da própria
Empresa) no processo de legitimação de terras que eram habitadas por
índios, posseiros, remanescentes de quilombos. Depoimentos prestados à
CPI apontam como principais “testas de ferro” da Empresa, o major
Orlando; o coronel Argeu; o tenente Merçon e o Sr. Benedito Braulino, mais
conhecido como “Sr. Pelé”. Nesse período, as pessoas jurídicas não podiam
requerer nem receber por legitimação terras devolutas e depois as
repassavam para a Aracruz Celulose, burlando, dessa forma, a lei. Em
outros termos, as terras eram legitimadas por funcionários da empresa e
depois repassadas para a empresa.
No correr do mandato do governador Artur Carlos Gerhardt Santos (1972)
foi criada a empresa Aracruz Celulose S/A (Arcel). Já instalados e
determinados a ampliar a área de plantio do eucalipto, os empresários, com
o Governo Estadual e as agências de desenvolvimento, procederam, com
todos os meios para atingir seus objetivos, desde à especulação do preço
da terra, à expropriação do território, onde viviam não somente as
populações indígenas, como também posseiros, pequenos agricultores,
remanescentes de quilombos. (LOUREIRO, 2006, p.94; 96)
Após a aprovação da implantação do projeto inicial da Aracruz Celulose em
01/11/1977, através do Ofício/SEMA/SACT/n°53 concedida pela Secretaria de Meio
Ambiente do governo federal, as atividades da empresa foram iniciadas com duas
linhas de produção, ambas constituindo a fábrica A, com capacidade de produção de
500.000 toneladas por ano de celulose de fibra curta para atender o mercado
internacional. Visando o escoamento de seus produtos através do transporte
marítimo, nos anos 80 a empresa instalou o Porto de Barra do Riacho através da
empresa Portocel – Terminal Especializado da Barra do Riacho S.A.
Projetando o
aumento da produção, a Arcel deu entrada no órgão ambiental estadual em 1986,
com uma solicitação de ampliação, obtendo em 1987 a aprovação para a construção
da fábrica B, a qual iniciou suas atividades de operação em 1991. No final dos anos
90, a empresa deu início a mais um projeto de ampliação, visando a construção da
fábrica C, onde a capacidade de produção da empresa passaria a ser de 1.940.000
toneladas por ano de polpa de celulose branqueada. Assim, a fábrica C foi
inaugurada em 2002, ampliando, sobremaneira, a capacidade produtiva da empresa,
chegando a uma capacidade estimada de produção de 2.300.000 toneladas por
ano67.
da Aracruz Celulose no Espírito Santo.
67
Para atingir os números dessa elevada produção, atualmente os principais equipamentos
que compõem o processo industrial da Aracruz Celulose são: 2 linhas de descascamento; 3 caldeiras
de recuperação; 8 picadores; 3 digestores; 4 linhas de deslignificação com oxigênio; 5 linhas de
branqueamento; 5 secadores; 7 linhas de enfardamento; 1 planta química para geração de dióxido de
cloro e dióxido de enxofre. Dados disponíveis em <www.fibria.com.br.>
99
Atender a ampliação da demanda de água prevista no projeto da unidade C, porém,
constituía numa condição para a efetivação da ampliação planejada para a empresa,
já que haveria um substancial aumento no consumo total de água para o
abastecimento dos reservatórios. Essa demanda, juntamente com o período de falta
de chuvas que vinha ocorrendo ao norte do Espírito Santo, como noticiado nos
meios de comunicação da época, levou a empresa a buscar uma solução para
aumentar a quantidade de água disponível para o processo industrial, já que seus
reservatórios, se encontravam em níveis críticos para a manutenção do ritmo de
produção68.
Aludindo a um claro interesse de um macroator que direciona a ação do Estado,
tem-se a ação da Aracruz Celulose, que, em conjunto com as prefeituras de
Linhares e Aracruz, estabeleceu uma parceria que levou a contratar um consórcio de
empresas consultoras69 com vistas a solucionar a situação posta no parágrafo
anterior. A proposta sugerida na época, pelos consultores, levou em consideração a
antiga outorga de água expedida pelo Ministério de Minas e Energia70, sob a Portaria
210 de 22 de fevereiro de 1974, que permitia derivar até dez metros cúbicos por
segundo de água do rio Doce. Então, como Solução para o problema crônico da
ocorrência de secas cíclicas na região, foi apresentado o Projeto de aumento da
disponibilidade hídrica nas várzeas do rio Riacho nos municípios de Aracruz e
68
Elmo Dall´Orto, Herval Nogueira Júnior, Sebastião Buteri, o Sr. Antônio e Júlio Perini,
entrevistados durante a realização da pesquisa, afirmaram que o nível de água dos reservatórios da
Arcel estava tão crítico que havia a ameaça de que a produção da Aracruz Celulose corria grande
risco de parar, ainda no final dos anos 90, devido à situação climática vigente no norte capixaba.
69
O consórcio era constituído pelas seguintes empresas: CEA – Centro de Estudos Ambientais,
sob a responsabilidade de Orlindo Borges Filho, professor da Ufes; MPS – Gestão e Qualidade do
Meio Ambiente Ltda, sob responsabilidade de Márcio Pereira de Souza e José Carlos Derírio, ambos
engenheiros químicos; Hidrossistem Engenheiros e Consultores Ltda, sob a responsabilidade de
Antônio Garcia Occhipint, meteorologista e Luís Antônio Villaça de Garcia, engenheiro civil e, por fim,
CBC – Construtora Base e Com. Ltda, sob responsabilidade dos engenheiros civis Waldir Lopes
Magalhães e Elmo Dall'Orto, ex-engenheiro chefe do DNOS no Espírito Santo.
70
Durante a pesquisa percebeu-se que a gestão do ministro Antônio Dias Leite Júnior foi de 27
de janeiro de 1969 até 15 de março de 1974, lembrando que o referido ministro era um dos
proprietários da Ecotec, empresa que determinou a localização da Aracruz Celulose.
“Coincidentemente”, pouco antes do fim da sua gestão enquanto ministro de Minas e Energia, Antônio
Dias concedeu à Arcel a outorga para a captação de água no rio Doce, em 22 de fevereiro de 1974.
100
Riacho, aproveitando os antigos canais abertos pelo DNOS, através da abertura de
um novo canal, o canal Caboclo Bernardo (Figuras 2 e 3).
O projeto tinha como objetivo principal:
Ampliar a disponibilidade hídrica no município de Aracruz para fortalecer o
seu desenvolvimento em bases sustentáveis nos planos econômico e social
a partir do aporte de água do rio Doce ao subsistema hídrico na margem
direita e a jusante de Linhares, aproveitando os antigos canais de drenagem
do DNOS existentes na área (CENTRO DE ESTUDOS AMBIENTAIS, 1999,
p.7)
Tal objetivo foi elaborado com base nos seguintes requisitos presentes no projeto:
Melhorar a distribuição da disponibilidade hídrica concentrada no rio Doce;
Maximizar o aproveitamento das estruturas de drenagens existentes
construídas pelo DNOS e abandonadas, para exercerem a função dupla de
drenagem e adução aberta de água;
Compartilhar responsabilidade entre o poder público, comunidade e
iniciativa privada para encaminhar o projeto, buscar financiamento e
executar obras tendentes a alcançar o objetivo fixado, qual seja, ampliar a
disponibilidade de água nos sistemas hídricos do município de Aracruz;
Desenvolver projetos que não se restrinjam a soluções técnicas de
engenharia, mas que viabilizem e tratem das questões ambientais e sociais
associadas com esses projetos, adotando os princípios do desenvolvimento
sustentável, mesmo quando tratar de ações de emergência;
Otimizar as soluções para beneficiar o maior número possível de usuários,
garantindo o acesso público aos mananciais e priorizando o uso do da água
para o abastecimento público;
Consolidar soluções de emergência na linha de se implantar sistemas
definitivos de solução do problema em termos de preparar o município para
atravessar secas prolongadas sem impor sofrimentos sociais e econômicos
que se experimenta no momento presente;
Atender, sempre que possível, às demandas das atividades do campo de
modo a contribuir para fixar o homem no campo, reduzindo o êxodo rural;
Manter a produção industrial e garantir o suprimento da demanda para
atendimento das indústrias existentes e com pretensões a se instalarem no
município. (CENTRO DE ESTUDOS AMBIENTAIS, 1999, p.6-7, grifo nosso)
101
Figura 2
Canal Caboclo Bernardo, visão parcial.
Fonte: Aracruz Celulose S.A (2000)
Figura 3
Canal Caboclo Bernardo, visão parcial.
Fonte: Aracruz Celulose S.A (2000)
Tal objetivo foi elaborado com base nos seguintes requisitos presentes no projeto:
Melhorar a distribuição da disponibilidade hídrica concentrada no rio Doce;
Maximizar o aproveitamento das estruturas de drenagens existentes
construídas pelo DNOS e abandonadas, para exercerem a função dupla de
102
drenagem e adução aberta de água;
Compartilhar responsabilidade entre o poder público, comunidade e
iniciativa privada para encaminhar o projeto, buscar financiamento e
executar obras tendentes a alcançar o objetivo fixado, qual seja, ampliar a
disponibilidade de água nos sistemas hídricos do município de Aracruz;
Desenvolver projetos que não se restrinjam a soluções técnicas de
engenharia, mas que viabilizem e tratem das questões ambientais e sociais
associadas com esses projetos, adotando os princípios do desenvolvimento
sustentável, mesmo quando tratar de ações de emergência;
Otimizar as soluções para beneficiar o maior número possível de usuários,
garantindo o acesso público aos mananciais e priorizando o uso do da água
para o abastecimento público;
Consolidar soluções de emergência na linha de se implantar sistemas
definitivos de solução do problema em termos de preparar o município para
atravessar secas prolongadas sem impor sofrimentos sociais e econômicos
que se experimenta no momento presente;
Atender, sempre que possível, às demandas das atividades do campo de
modo a contribuir para fixar o homem no campo, reduzindo o êxodo rural;
Manter a produção industrial e garantir o suprimento da demanda para
atendimento das indústrias existentes e com pretensões a se instalarem no
município. (CENTRO DE ESTUDOS AMBIENTAIS, 1999, p.6-7, grifo nosso)
Conta, ainda, no referido projeto que a escassez de água para atendimento das
atividades urbanas, rurais e industriais é um paradoxo, se comparada com a elevada
disponibilidade hídrica encontrada no rio Doce, o que evidenciaria que o problema
da provisão da água ao sul e a jusante de Linhares seria mais dependente de
soluções de transporte e melhor distribuição dessa disponibilidade concentrada, do
que um problema natural. Dessa forma o projeto de captação de águas estaria, em
certa medida, resgatando a antiga política federal de drenagem das várzeas do rio
Riacho, executada pelo DNOS, promovendo a limpeza, recuperação e manutenção
dos canais, o que, na visão do autor, caracterizar-se-ia como um empreendimento
governamental para a solução de um problema de déficit hídrico de toda uma região,
levando a beneficiar a população das localidades de Barra do Riacho e Vila do
Riacho (CENTRO DE ESTUDOS AMBIENTAIS, 1999) com a disponibilização de
água para o consumo humano, revitalizando os mananciais reservados ao
abastecimento industrial e viabilizando os projetos municipais de implantação do
Distrito Industrial da Orla
Através das tabelas 2 e 3 é possível observar os custos do empreendimento,
103
listados no projeto e ter noção de como foi empregado o montante financeiro de US$
2.300.000,00 de dólares em função das tarefas executadas para a construção do
canal Caboclo Bernardo, uma ligação feita para ligar o rio Doce aos antigos canais
do DNOS, de forma a captar parte das águas do rio Doce para o abastecimento da
Arcel, através de um engenhoso sistema controlado por comportas71.
Item
TABELA 2: CUSTOS DO PROJETO DE ADUÇÃO EMERGENCIAL - CANAL CABOCLO
BERNARDO
Descrição
US$
Adução emergencial – etapa 1
01
Estudos preliminares e consultoria
40.000,00
02
Engenharia conceitual básica e detalhamento
60.000,00
03
Galeria da travessia junto ao rio Doce
93.000,00
04
Stop-log na galeria de travessia junto ao rio Doce
05
Ligação com o canal Bananal do Sul (2km)
06
Escada de dissipação de energia
07
Galeria da travessia Bebedouro-Regência
08
Stop-log na galeria da travessia Bebedouro-Regência
09
Ligação Bananal do Sul ao C3 (2km)
10
Stop-log Bananal do Sul
23.000,00
11
Abertura da ligação com o rio Doce
34.000,00
12
Elevação do nível da estrada Bebedouro-Regência
59.000,00
13
Contingências
80.000,00
Total da primeira etapa
Fonte: Centro de Estudos Ambientais (1999).
71
As comportas, no projeto original, são chamadas de stop-logs.
6.000,00
110.000,00
15.000,00
130.000,00
20.000,00
130.000,00
800.000,00
104
TABELA 3: CUSTOS DO PROJETO DE CONSOLIDAÇÃO TÉCNICA – CANAL CABOCLO
BERNARDO
Consolidação Técnica – etapa 2
01
Limpeza do canal Bananal do Sul
515.000,00
02
Limpeza do canal C3 (16 km)
295.000,00
03
Limpeza do canal C5 (5 km)
57.000,00
04
Projeto estrutural e mecânico das comportas
17.000,00
05
Aquisição das comportas
40.000,00
06
Execução da estrutura de concreto das comportas
60.000,00
07
Instalação das comportas
10.000,00
08
Limpeza do trecho Bananal do Sul até Comboios (2km)
40.000,00
09
Recuperação do acionamento das comportas da barragem
66.000,00
móvel
10
Projeto, topografia, consultoria e outros serviços
250.000,00
11
Contingências
150.000,00
Total da segunda etapa
1.500.000,00
Total Geral
2.300.000,00
Fonte: Centro de Estudos Ambientais (1999).
O esquema apresentado no ANEXO II ajuda a ilustrar como o sistema de canais é
controlado pela Aracruz Celulose, com a captação e controle inicial da água do rio
Doce ocorrendo na Fazenda Monterrey através de uma comporta (stop-log), sendo
enviada para o canal C3 e/ou para o rio Comboios, chegando ao final do curso na
comporta ou barragem móvel, que desvia a água para o rio Gimuhuna, abastecendo
os reservatórios da empresa. Em épocas chuvosas, o excesso de água é desviado
pelo rio Comboios para a foz do rio Riacho através da abertura de uma comporta
(stop-log) e em época de escassez hídrica a comporta pode ser fechada fazendo
com que a água circule somente pelo canal C3 e C5, sendo desviada, por fim, pela
comporta móvel (ANEXO III) para o rio Gimuhuna, de onde é bombeada para os
reservatórios da fábrica. A comporta possui ainda a finalidade de impedir a entrada
de água salgada proveniente do mar, em certas épocas do ano, para o sistema.
O ex-diretor do DNOS, Elmo Dall´Orto, um dos consultores responsáveis pela
elaboração do canal Caboclo Bernardo, explicou que a ideia de captar água no rio
105
Doce é antiga, tendo sido elaborada ainda nos anos 70, no entanto, não foi acatada
pela Arcel, já que a empresa preferiu represar outros rios, transformando os mesmos
em reservatórios.
Os canais do DNOS, então, foram usados para abastecer as propriedades ao longo
dos mesmos, tanto para a agricultura quanto para a pecuária. Todavia, a comporta
construída no encontro do rio Gimuhuna com o rio Riacho teve fundamental
importância para a Aracruz Celulose, por impedir a entrada de água salgada,
proveniente do mar, nos reservatórios da empresa. É possível observar ainda como
ex-diretor do DNOS enfatiza a importância do controle da água, e assim, dos canais
para a empresa:
Em 1970, quando a Aracruz começou a estudar a fábrica, nós avisamos,
pedimos a quantidade de água que eles iam precisar, falaram em cinco
metros cúbicos por segundo, então o DNOS avisou a Aracruz que nem por
sonho não daria essa água; a bacia do Riacho dava meio metro cúbico por
segundo nas estiagens; então a gente tinha feito um projeto de irrigação, a
gente – o DNOS – ia pegar água do rio Doce que era na fazenda Maria
Bonita e ia sair com um canal grande em direção à lagoa do Aguiar e fazia
uma curva e caía no canal C4, então, tudo isso que tá aqui, trinta mil
72
hectares, iriam ser irrigados por esse canal aqui. Propusemos à Aracruz –
lembre-se de que a Aracruz, naquela ocasião, cinquenta e um por cento das
ações eram do BNDES, hoje em dia ela é totalmente privatizada. Então nós
propusemos - era o governo federal trabalhando com o governo federal –
para botar água lá era só fazer esse projeto que o DNOS tem aqui. Então,
não gasta o dinheiro todo do DNOS, vão propor cinquenta por cento para
cada “branco” e toparam. E começamos a esticar o canal. Eu já tinha
estranhado e falado com o Artur – Artur Carlos Gerhardt Santos – Artur era o
73
presidente da Arcel naquele tempo e foi meu professor de hidráulica –
Artur, cinco metros por segundo, Artur? – A matéria prima de vocês não era
a madeira, é água! – Porque cinco metros cúbicos por segundo... é água! Aí
voltou o projeto todo para tratar e veio um metro cúbico e meio por segundo,
que mesmo assim achei muito.
Mas então eles desistiram de fazer esse negócio aqui
74
e começaram a
72
Durante a entrevista ficou claro que o papel principal dos os canais do DNOS nas várzeas do
Riacho era a promoção da produção agrícola alimentar e também pecuária, mas, nesse caso, o
DNOS que sugeriu à Aracruz Celulose que se drenasse água do rio Doce, mesmo sendo a produção
da fábrica não sendo voltada para alimentos.
73
O ex-governador do Espírito Santo, que esteve no poder entre 15 de março de 1971 e 15 de
março de 1975, passou a presidir a Aracruz Celulose pouco tempo após o fim do seu mandato
estadual.
74
O DNOS ofereceu o uso dos canais também para o abastecimento da Aracruz Celulose,
porém, esse projeto não se efetivou por parte da empresa. A Arcel preferiu construir barragens e
transformar alguns rios em reservatório, por estarem situados bem próximos da fábrica, o que, na
visão de Dall'Orto, foi mais oneroso que a proposta do DNOS.
106
fazer um sistema de barragens; custou dez vezes mais caro. Não entendi
até hoje essa furada que fizeram. Então, parou isso aqui, ao mesmo tempo
eles tinham problemas aqui, eles começaram a pegar água da bacia, mas
acontece que, ali onde eles fizeram, subindo o Gimuhuna, você tem uma
influência grande de maré ali... então, naquela ocasião, eles fizeram uma
comporta [...] aquela comporta ali foi feita pela Aracruz.
A comporta é comporta de maré, quando a maré subir, a comporta desce;
quando a maré baixar e com o nível da água alto, sobe. Bom, eles tinham
um controle automático que funcionava muito bem... simplesmente a
famosa enchente de 79 passou com dois metros d´água por cima e destruiu
tudo. Destruiu equipamento eletrônico, elétrico, motor, destruiu tudo e eles
nunca mais recuperaram aquilo. Então passaram a um equipamento manual
com motor de serra. (grifo nosso)
Cabe destacar o depoimento do ex-engenheiro do DNOS, que, ao tratar da
construção do canal Caboclo Bernardo, ressalta a importância que o referido canal
representa para a Aracruz Celulose, já que a empresa poderia ter a produção
interrompida por falta de água. O mesmo justificou que projetou o canal Caboclo
Bernardo visando o uso compartilhado da água entre a Arcel e os produtores rurais
localizados no entorno do projeto, deixando bem claro, porém, que o controle das
comportas e do sistema de canais como um todo ficou a cargo da Aracruz Celulose,
em função da necessidade de consumo da empresa:
Em 1999 já tava com seis anos de uma seca brutal, as barragens da
Aracruz estavam secas, já estavam dando poeira no fundo e eles tavam
fazendo as contas de operar e em três meses iriam para a fábrica, então me
chamaram porque eu já tinha falado muitas vezes que eu tive problema de
água, então, vocês vão ter que pegar água no rio Doce. Eles pensaram que
era brincadeira minha, era gente nova, que não fazia parte da turma velha
que tava lá; vocês vão ter que pegar água do rio Doce! Aí [c] me
encomendaram um projeto, aí eu projetei o que se chama lá hoje de Canal
Caboclo Bernardo. Então, ao invés de fazer aquele lá por cima, que é
demorado demais, eu simplesmente aproveitei tudo o que já existia, os
antigos canais.
75
E foi justamente esses canais aí que eu aproveitei para irrigar a região –
aquele projeto ali que o pessoal fala tanto em Aracruz, ele irriga a região. Eu
não ia [...] deixar passar uma oportunidade dessas...
Então, botei um canal saindo do rio Doce até o Bananal, dois quilômetros de
canal, aproveitei seis quilômetros do bananal aqui, já feito e fiz mais seis
quilômetros cruzando a estrada, então, fiz 12 quilômetros novos de canal
[c] Aí sim que eu limpei os canais entupidos desde 79; a Aracruz limpou
por conta dela o que precisava, limpou isso aqui tudo, fez esse pedacinho
novo [c]. Só quando me pediram o projeto, pediram cinco metros cúbicos
por segundo, eu falei: não, vamos fazer dez. - Dez? - Dez porque vocês vão
ter que justificar essa água aqui, vocês vão irrigar essa região aqui toda. - E
a diferença de custo?- Mais vinte por cento, só. Não parece, né? Mais vinte
75
Os canais abandonados pelo DNOS nas várzeas do rio Riacho.
107
por cento e dobra. Então fiz esse projeto, hoje eles puxam aqui – o projeto –
até dez metros cúbicos por segundo, é o que sai aqui – até – é a licença
que eles tem. Só que eles puxam daqui, com bomba, eles puxam cinco
metros por segundo com bomba, aqui da bacia, raramente abre essa
comporta toda. Então quando o pessoal grita: Ah, a Aracruz... - a Aracruz
não puxa essa água toda – por exemplo, tá chovendo? A comporta tá
trancada, porque não precisa. Já tem o Riacho todo aqui, tem essa bacia
toda contribuindo, essa bacia aqui toda dá noventa, noventa e cinco metros
cúbicos por segundo, nessa época de enchente ela vai a isso. E o problema
é a água crítica do período seco, então, de março a setembro, que chove
menos, então eles puxam dois e meio, cinco, seis metros..., nunca mais do
que isso. Não o tanto que o pessoal berra e eu sempre briguei com esses
camaradas aí, ah vai secar... ó, o rio Doce, a mínima do rio Doce, Q7,10 do
rio Doce, a vazão mínima é duzentos e sessenta metros por segundo – isso
é água que não acaba mais. Provável, nunca se verificou isso. A média do
rio Doce é de mil metros cúbicos por segundo. Em 79 ele deu onze mil e
duzentos metros cúbicos por segundo, arrasou com essa região. Nós
tomamos um susto, nós nunca pensamos que o rio Doce pudesse ter essa
cheia centenária. Então, hoje foi feito esse canal de irrigação, ele abastece
a Aracruz e irriga [c] uns dez mil hectares.
É evidenciado na fala do ex-diretor do DNOS o modo com o qual a Arcel passa a
controlar os canais. Diante disso, ao ser questionado sobre o aproveitamento dos
antigos canais do DNOS pela empresa, Dall'Orto afirmou o seguinte76:
Eu achei que valeu à pena porque a terra ali tava perdida, virou área de
gado, se bem que eu não tenho nada contra o gado. [c] um boi aqui
pastando são dois empregos lá no açougue, fora os que ficaram no
frigorífico, no transporte, etc.
É possível perceber que, em momento nenhum, o entrevistado toca no assunto
relativo à existência de outros segmentos sociais ao longo dos rios, agora
transformados em sistema de canais de abastecimento da Aracruz Celulose.
Dall'Orto, por fim, falou sobre a aquisição das terras em torno dos canais por parte
da empresa, de forma que os canais passaram a constar no quadro fundiário da
mesma. O ex-diretor ressaltou, ainda, a vantagem de se trabalhar com o eucalipto
quando se tem um alto nível da mecanização no processo, o que barateia o
processo por não ocupar muita mão de obra:
Hoje a Aracruz comprou a maioria daquelas terras todas, só não comprou
um pedacinho de terra, aqui que é do Moro, que é justamente onde faz a
76
Durante a entrevista, Dall'Orto não teceu comentários sobre os indígenas de Comboios,
tampouco os pescadores da Barra do Riacho, presentes ao longo do sistema de canais, sendo
diretamente impactados negativamente pelo controle total exercido pela Aracruz Celulose sobre as
comportas do sistema.
108
ligação do rio Doce, só tem o Moro que não vendeu a terra para eles, o
resto a Aracruz foi comprando e aonde tinha boi e arroz antigamente, tem
eucalipto hoje em dia... eucalipto é agricultura, né? Não deixa de ser... Olha,
e eu vou te contar, hein, e bastante rentável! Pelo que eu to sabendo, o
eucalipto tá rendendo mais que o café rendia, viu. Você não tem muita mão
de obra, é uma lavoura mecanizada, né [c]
Após demonstrar brevemente o complexo histórico da implantação da Aracruz
Celulose e a forma com que a mesma se apropriou dos antigos canais do DNOS,
torna-se necessário aprofundar a reflexão sobre o significado dessa apropriação dos
canais do DNOS nas várzeas do Riacho e seus desdobramentos, trazendo à tona os
efeitos gerados pela implantação do canal Caboclo Bernardo, problematizando o
contraste entre o propósito original dos canais do DNOS e o destino que o sistema
de engenharia conheceu. No que segue, serão abordados alguns conflitos
decorrentes da apropriação dos canais por uma grande empresa, a Aracruz
Celulose, em detrimento dos pequenos atores locais existentes.
Dada a amplitude existente em torno da temática ambiental e social envolvendo a
Aracruz Celulose e seus impactos, cabe citar a realização, através de diversas
entidades que compõem a Rede Alerta contra o Deserto Verde, do seminário Os
danos socioambientais da monocultura do eucalipto no Espírito Santo e Bahia,
ocorrido na Universidade Federal do Espírito Santo no dia 19 de junho de 2000.
Nesse evento, Herval Pereira Júnior77, antigo morador da Barra do Riacho, durante o
momento em que se abriu o debate com o público, deixou evidente, através de sua
fala, a insatisfação social dos que convivem dia a dia com a problemática do rio
Riacho, em função das promessas feitas, por parte do Estado, de que seria
aumentada a quantidade de água no rio Riacho, o que iria permitir uma melhor
navegação na foz do rio Riacho, mas, contudo, não foram cumpridas por parte da
empresa e do Estado:
Em 1998 saiu no jornal um projeto do prefeito, mais o presidente da
ADERES [agência de desenvolvimento regional do Espírito Santo] e o
governo do Estado, que era ligar o rio Doce e o rio Riacho por meio de um
canal. Era a solução que ele dava para a Barra do Riacho. Só que tem um
77
Herval, mais conhecido como “Cidadão” é considerado como importante referência local em
termos da história do passado da Barra do Riacho, por ser morador daquele distrito desde 1982,
conforme informou Sebastião Buteri, presidente da associação dos pescadores, em entrevista
concedida no dia 16 de janeiro de 2012.
109
detalhe. Naquela ocasião, a barragem da Aracruz estava secando e o
projeto a beneficiava. E o projeto era da SUDENE [...], o dinheiro era da
SUDENE, dois milhões e trezentos mil reais. Conclusão: fizeram o canal em
dois meses. Essa seria a solução de vida para o povo lá da Barra do
Riacho, onde está a grande parte dos pescadores, mas não vimos nenhuma
gota dessa água ainda. Por quê? Eles ficaram de fazer outro canal de três
quilômetros ligando o rio Comboios, e o curso da força desse canal ia
permitir levar água até a boca da Barra. Conclusão: Aracruz, tá lá,
gigantesca, reserva cheia, e os pescadores têm dificuldades de apanhar seu
alimento, e ainda por cima, ela ficou colocando máquina lá para extrair
areia, para enganar o povo, pois até hoje estamos com esse problema e o
dinheiro era do povo. E aí vem a notícia de que ela ganhou um prêmio, que
foi reconhecida como projeto socioambiental. Parece brincadeira! É tudo
com o dinheiro do povo. (FEDERAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL E EDUCACIONAL, 2000, p.49)
Corroborando com a fala de Herval, o discurso feito em torno da abertura do canal
Caboclo Bernardo foi construído na promessa de que a água beneficiaria
grandemente o rio Comboios e as comunidades da Vila do Riacho e da Barra do
Riacho78. Pode-se perceber que o texto foi escrito de forma a induzir o leitor a uma
interpretação de que a Aracruz Celulose não seria a maior interessada na abertura
do canal:
A proposta que o presidente da Aderes considera uma solução saudável
para resolver o abastecimento de água no município de Aracruz, além de
representar a solução para a problemas sociais da população [c]. O
prefeito de Aracruz destaca que a captação de água do Rio Doce vai
garantir o abastecimento para as comunidades de Vila do Riacho e Barra do
Riacho, que têm uma população de aproximadamente 12 mil habitantes,
além de viabilizar o pólo petroquímico que será instalado numa área de 5
milhões de metros quadrados em Vila do Riacho.
A captação de água do rio Doce, lembrou o prefeito, possibilitará o
restabelecimento da vazão do Rio Comboios, resolvendo o problema dos
pescadores – cerca de 150 – que não podem sair com os barcos, quando o
volume de água é reduzido. A Boca da Barra, explicou o prefeito, quase
toda assoreada não permite a movimentação dos barcos quando a vazão é
baixa.
A Aracruz Celulose, conforme informou seu diretor de Operações , Walter
Lídio Nunes, tem interesse em participar desse projeto. Hoje a empresa tem
o suprimento de água garantido por barragens, mas a adução representa
para a Aracruz tranqüilidade para os períodos de seca e também o
78
A notícia intitulada Governo quer drenar Rio Doce até Aracruz: Estado e Prefeitura de
Aracruz buscam parceiros para o projeto; água será canalizada até Vila do Riacho, num trajeto de 50
quilômetros, foi veiculada no jornal A Gazeta de 08/04/1998. Para Herval, entrevistado no dia
16/01/2012, essa matéria foi escrita de forma que o leitor pensasse que os maiores beneficiados
seriam a Barra do Riacho, a Vila do Riacho e a aldeia de Comboios, amenizando os interesses de
quem seria a maior beneficiada, a Aracruz Celulose. Herval fez questão de ressaltar, em vários
momentos, que a abertura do canal, feita em benefício maior da Aracruz Celulose, foi feita com
recursos públicos provenientes da Sudene.
110
fornecimento de em caso de expansão da planta, que implicará no aumento
do consumo. Ainda não está definida qual será a participação da Aracruz no
projeto, mas sua parceria é dada como certa.
Apesar dessas promessas discursadas pelo prefeito de Aracruz, Herval Pereira
afirma que os benefícios para as citadas comunidades nunca apareceram, somente
a Aracruz Celulose foi grandemente beneficiada. Durante a entrevista, Herval
mostrou o jornal de circulação interna da empresa Aracruz Celulose (Figura 4), que
anunciava na capa que a o projeto canal Caboclo Bernardo conquistava o prêmio
CNI79 de Ecologia, onde ainda é afirmado que o mesmo é um exemplo ambiental em
nível nacional. Consta na matéria que:
Um ano após começar a irrigar as várzeas da região de Aracruz, é possível
notar as mudanças na paisagem cortada pelo Canal Caboclo Bernardo.
Com 49km de extensão, trata-se do maior canal de adução e drenagem do
país. Captando água do Rio Doce, o canal melhorou a qualidade da água
consumida pela população da Vila do Riacho, trouxe água para cerca de 20
mil hectares de propriedades rurais, revitalizou o Rio Comboios, garantiu a
viabilidade do pólo industrial da região de Aracruz e a manutenção da
produção de celulose. (ARACRUZ CELULOSE, 2000)
79
Prêmio concedido pela Confederação Nacional da Indústria - CNI -, portanto, prêmio CNI de
Ecologia. O objetivo desse prêmio é, através das estratégias do “marketing verde”, reconhecer e
estimular as boas práticas empresariais que conduzam a indústria brasileira a produzir de forma
eficiente e sustentada, gerando riquezas para o Brasil. Trata-se de um prêmio gestado pelo capital
industrial voltado para a valorização do próprio capital industrial, conforme as metas estabelecidas
pela CNI. A relevância desses resultados para os menos favorecidos é sempre discutível, como será
visto no trabalho, no tocante aos impactos gerados pelo canal Caboclo Bernardo, que ganhou o
prêmio de ecologia na categoria proteção dos recursos hídricos. O projeto vencedor intitula-se Canal
Caboclo Bernardo e a qualidade ambiental em sua área de influência, de autoria de Alberto Carvalho
e Orlindo Borges Filho, professor da UFES e consultor da Aracruz Celulose.
111
Figura 4: Capa do Jornal da Aracruz Celulose: o canal caboclo Bernardo.
Fonte: Aracruz Celulose S.A. (2000)
Em dezembro de 2000 foi noticiado no jornal da prefeitura de Aracruz, como suposto
motivo de orgulho, que o “Projeto que capta água no rio Doce recebe premiação”. Na
notícia é possível constatar a afirmação de que “ao captar a água do Rio Doce, o
canal melhorou a qualidade da água consumida pela população do município de
Aracruz”. No seguinte trecho pode perceber-se que a intenção maior de que o
projeto fosse executado, ou seja, o crescimento econômico baseado no setor
industrial:
A Prefeitura de Aracruz, sem dúvida, tem motivos suficientes para se
orgulhar de alguns projetos que desenvolveu durante esses últimos quatro
anos de Administração. Um deles é o projeto de captação de água do Rio
Doce, realizado em parceria com a Aracruz Celulose. [c] A prefeitura de
Linhares também participou do projeto.
A captação do Rio Doce solucionou o problema de falta de água nas
112
comunidades de Vila do Riacho e Barra do Riacho, aumentando as áreas
irrigáveis para a agricultura. Na opinião da Administração, o projeto
possibilitou ao município de Aracruz retomar a capacidade de
desenvolvimento econômico, sobretudo para a sua grande potencialidade
que é o setor industrial. (grifo nosso)
No jornal ainda é veiculado que o projeto trouxe resultados altamente significativos
para a irrigação das várzeas do Riacho, para o rio Comboios e, sobretudo, para a
Vila do Riacho:
Os resultados desse trabalho são altamente significativos. Para se ter uma
idéia dessa importância, em apenas um ano, a irrigação das várzeas da
região e as mudanças na paisagem e benefícios para a comunidade são
evidentes. Ao captar a água do Rio Doce, o canal melhorou a qualidade da
água consumida pela população da Vila do Riacho, irrigou cerca de 20 mil
hectares de propriedades rurais, revitalizou o Rio Comboios, garantiu a
viabilidade do pólo industrial de Aracruz e o bom desenvolvimento de outros
empreendimentos que estão ali instalados, entre as quais o porto de Barra
do Riacho e a própria Aracruz.
Como será visto adiante, a abertura do canal Caboclo Bernado, que aproveitou os
antigos canais do DNOS, não trouxe grandes benefícios para os segmentos da
sociedade citados pelo prefeito de Aracruz; pelo contrário, o projeto foi altamente
benéfico para a Aracruz Celulose, porém, promoveu a reboque uma série de
conflitos em torno do uso e do controle da água, notadamente prejudiciais à
população local.
Nessa perspectiva, o rio Comboios, um importante afluente do rio Riacho, pôde ser
problematizado por Florêncio (2010), Maracci (2008), Rebello (2002, 2006, 2009) no
tocante aos impactos do sistema de controle de água montado sobre os canais do
extinto DNOS, provenientes do rio Doce através do canal Caboclo Bernardo
controlado pela Aracruz Celulose, transformando o território em recurso. De fato, o
canal Caboclo Bernardo causou uma série de impactos negativos, sobretudo no
tocante ao nível médio das águas, que variam conforme a necessidade de consumo
de água da Aracruz Celulose, assim como a qualidade da água, com relação aos
aspectos de cor contaminação da água. Esses impactos têm prejudicado
significativamente a reprodução etnocultural dos habitantes da aldeia indígena de
Comboios (localizada às margens do rio Comboios) que utilizam o território como
abrigo, onde garantem sua sobrevivência espacial.
113
Em pesquisas precedentes foi possível abordar a ligação direta de tais
indígenas com o rio Comboios, no tocante a vários aspectos: a pesca artesanal,
as atividades de lazer e de ócio, da circulação, executada através de pequenas
travessias e curtas viagens de barco, todas afetadas negativamente pelas
modificações impostas pela abertura do canal Caboclo Bernardo (REBELLO,
2006). Até os banhos ficaram prejudicados, pois existem evidências de que a
água do rio Comboios provoca irritações na pele dos que se banham naquelas
águas, conforme relatado por alguns indígenas entrevistados. Ao analisar as
relações que os indígenas de Comboios desenvolviam com o referido rio, pôde ser
constatado que:
A pesca é praticamente artesanal, para consumo interno da aldeia e
segundo o cacique João Mateus, ainda é essencial para algumas famílias.
A locomoção fica comprometida, sobretudo quando feita por barcos, pois os
passageiros, ao descerem do barco, são obrigados a pôr os pés na água,
devido à falta de calado suficiente para o barco alcançar a margem.
Outro transtorno percebido foi o aparecimento de cobras na ilha. Segundo o
cacique João Mateus, as cobras ficavam nas antigas margens, mais baixas,
onde se alimentavam e se reproduziam. Agora, as águas subiram e as
cobras ficam mais próximas das casas. (REBELLO, 2006)
Em relação à pesca indígena realizada no rio Comboios, o maior impacto da
abertura do Caboclo Bernardo foi sobre a queda no volume da produção do
pescado, sentida pelos pescadores, que, resumida nas palavras do Compadre
Pedro, antigo pescador da aldeia, chegava-se “a capturar 19kg de camarão pitú por
dia e agora a gente mal consegue 1 ou 2 kg por dia” (REBELLO, 2006). De modo
geral, alguns peixes como a carapeba, o piau e o cará não são mais encontrados.
Outros como o robalo, a traíra, o crumatã e o tucunaré, ainda aparecem no rio
Comboios, mas a quantidade capturada tem diminuído ao longo dos anos. A
presença de algumas espécies exóticas provenientes do rio Doce, no rio Comboios,
como o bagre africano, também causa transtornos, pois esses peixes se enrolam
nas redes de pesca feitas para capturar os peixes de menor porte, causando danos
nas mesmas. Os animais exóticos também se alimentam dos filhotes de camarão,
dificultando a reprodução da espécie, fazendo com que a pesca de camarão seja
diminuída. As palavras do cacique João Mateus, durante as entrevistas realizadas,
foram enfáticas ao comparar a atual condição do rio Comboios ao passado:
114
“Isso aí não é o rio Comboios. Nós queremos o nosso rio de volta. Isso aqui que
você vê é um canal da Aracruz Celulose!”
Em outra pesquisa foi possível constatar que o canal Caboclo Bernardo foi
licenciado na esfera estadual, porém, através da análise de leis ambientais
pertinentes, verificou-se que o canal deveria ser licenciado na esfera federal, já que
referido rio passa por mais de um estado, o que faz com que o mesmo esteja sob
tutela federal, tendo sido, assim, um equívoco o licenciamento ter ocorrido na esfera
estadual capixaba (REBELLO, 2009). Além disso, deve ser ressaltada a dificuldade
de ter acesso a dados consistentes no IEMA80, sobre o licenciamento do canal
Caboclo Bernardo, apesar de existir a lei 10.650 de 2003, que garante o acesso
público aos dados e informações ambientais e informações existentes nos órgãos e
entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, por parte de qualquer
cidadão. Os dados disponíveis à população, porém, estavam limitados a uma
simples declaração de impacto ambiental e ao resumo executivo do projeto, assim
como as algumas notas emitidas em jornais, que tratam da comunicação obrigatória
ao público referente à emissão de licenças para o empreendimento. Sobre a
disponibilidade de dados sobre o canal Caboclo Bernardo, Rebello (2009, p. 26-27)
afirma que no IEMA:
Não existem maiores estudos que verifiquem a ocorrência de danos ou
impactos negativos provenientes do funcionamento do canal. Não é possível
encontrar dados sobre qualidade da água, poluição, variação do pH em
pontos determinados, nem sobre o aparecimento de espécies de flora e
fauna provenientes de outros locais, assim por diante. Os dados existentes,
segundo alguns funcionários do Iema, são produzidos pela Aracruz
Celulose, sendo propriedade dessa, e muitos não se encontram no órgão
ambiental (informação verbal, 2005). Seria interessante que houvesse uma
fiscalização e um rigor maior na produção desses dados por parte do órgão
ambiental responsável, já que é a própria empresa que os produz. Isso
aumentaria a credibilidade sobre a veracidade dos mesmos.
Tratando da temática referente ao uso da água para fins de acumulação de capital
por parte da iniciativa privada, em alusão a toda a problemática envolvendo o
consumo de água pela Aracruz Celulose, pode-se citar Maracci (2005, p.8480), para
quem:
80
Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado do Espírito Santo.
115
O projeto Aracruz Celulose está todo ele baseado na apropriação dos
recursos hídricos por meio do domínio da terra. A apropriação das águas
para fins de acumulação de capital é base deste empreendimento. A
celulose fabricada origina-se de uma planta, o eucalipto, constituído
basicamente de água e carbono. Assim a ARCEL exporta indiretamente
água, muita água. Nesta perspectiva, o controle dos recursos hídricos é
peça fundamental para a existência e expansão deste empreendimento. O
domínio desses recursos pela ARCEL se dá de diversas formas, tais como:
pelo monopólio da terra, pelo crescimento urbano e pelas atividades
industriais. O impactante processo de instalação e ampliação do Grupo
Aracruz, produziu e continua produzindo graves consequências
econômicas, sociais, culturais e ambientais, em especial, no que refere à
concentração fundiária, à destruição da biodiversidade e dos modos de vida
tradicionais, às relações de trabalho e à precária urbanização de povoados
e cidades no norte capixaba. A maior parte da área ocupada era coberta
pela Mata Atlântica. As comunidades viviam num modo de vida em que
biodiversidade e cultura formavam um [todo] complexo.
A apropriação das águas pela Aracruz Celulose, de acordo com a autora:
Atingiu diretamente comunidades indígenas, comunidades de pescadores,
de quilombolas, camponeses e outras populações locais que têm pelas
terras, pelas águas, pelas matas e respectivos seres, fundamentalmente,
uma relação de base da reprodução da vida, da cultura e da história.
De forma a retratar as reações que emergiram no plano das relações sociais típicas
da horizontalidade, no que diz respeito aos impactos resultantes da apropriação das
águas do rio Riacho pela Aracruz Celulose sobre a comunidade da Barra do Riacho,
em função da abertura do canal caboclo Bernardo, é possível citar o trabalho de
Maracci (2008), onde se encontra o depoimento de Herval Nogueira, que afirma que
a comunidade da Barra do Riacho não obteve benefícios com a construção do canal
Caboclo Bernardo:
A comunidade de Barra do Riacho não recebe nenhuma gota d’água deste
desvio para seu abastecimento, pelo contrário, as águas do rio Riacho
diminuíram. A comunidade se vê obrigada a comprar água mineral
engarrafada no mercado ou, na pior das hipóteses, utiliza água de um
córrego próximo que está contaminado
Corroborando com que foi acima exposto, o Sr. Herval Nogueira, de acordo com
Maracci (2008, s.n.),
demonstrou em campo, durante várias caminhadas no entorno de Barra do
Riacho, o estado de degradação dos cursos d´água e nascentes e as obras
de barragens realizada pela empresa. Diante da foz do rio Riacho ele
116
explica que depois da construção do canal Caboclo Bernardo verifica-se o
estreitamento da boca da foz do rio Riacho provocado por bancos de areia
formados pelo mar.
Assim, ilustra-se a extensão dos efeitos perversos que apropriação dos canais do
extinto DNOS e do canal Caboclo Bernardo, pela Aracruz Celulose, exerce sobre as
comunidades locais da Barra do Riacho. Nesse mesmo sentido, a autora afirma que
a pesca é bastante impactada em função da diminuição do fluxo de água, que
provoca a obstrução da foz do rio Riacho, prejudicando o deslocamento dos barcos
pesqueiros o quê, por consequência, impacta negativamente a economia local:
A diminuição do fluxo de água do rio Riacho a partir do sistema de inversão
do fluxo do seu afluente rio Gimuhuna (nas proximidades do povoado de
Barra do Riacho), tornou insuficiente o movimento de retirada da areia pela
água do rio, desequilibrando a dinâmica de movimento entre o mar e o rio
do Riacho, na sua foz. No local é possível observar claramente um intenso
processo de assoreamento e um estado de desequilíbrio dos processos
deposicionais e erosionais entre rio e o mar na foz do Riacho. Com a
redução do fluxo de água do rio Riacho houve um comprometimento da
dinâmica da foz, cujo controle morfológico dá-se agora pelo domínio da
ação das ondas do mar, reduzindo a capacidade do rio Riacho em
transportar os sedimentos para desobstruir sua foz, resultando no que os
pescadores de Barra do Riacho chamam de “fechamento da boca da barra”.
Observa-se ainda um movimento de migração rápida dos bancos de areia
motivada pela energia das ondas. Segundo Herval Nogueira, em poucos
dias muda completamente a configuração da “boca da barra”. Com estes
problemas as embarcações de pesca artesanal, recurso tradicional de
sobrevivência da comunidade pesqueira do povoado, não conseguem
chegar ao mar em períodos de maré baixa. Esse fato impõe a diminuição
das horas de pesca, agora determinadas pelas marés e,
conseqüentemente, uma drástica diminuição na produção de peixes. Isso
provocou grande impacto na economia da comunidade de pescadores que
já enfrenta a concorrência com grandes barcos que realizam pesca
predatória, diga-se de passagem que não sofrem fiscalização, nas águas
desta comunidade, segundo os pescadores de Barra do Riacho. A
comunidade pesqueira de Barra do Riacho reivindicou providências junto à
empresa que dispôs uma draga para retirar a areia depositada. Explica o
Herval Nogueira que “a draga retira a areia do canal da foz e a amontoa na
praia, do lado direito. O mar, por sua vez, retira a areia do barranco, à
esquerda, na tentativa de repor o material. Em época de maré alta, o mar
passa por cima do barranco”. (MARACCI, 2008, s.n.)
O Estado, de acordo com a autora, na tentativa de justificar a abertura do canal
Caboclo Bernardo, afirmava que a captação de águas do rio Doce, através da
referida obra de engenharia iria solucionar os problemas de abastecimento de água
da comunidade de barra do Riacho. Esse argumento, porém, foi refutado, tendo em
vista o seguinte:
117
O Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Aracruz (SAAE), através do Of.
201-02/SAAE-ARA de 18/06/2002, informou que “a captação de água de
Barra do Riacho é feita na lagoa Santa Joana, local já sem influência do
canal, que não traz benefício às características físico-químicas da água
captada”. Segundo Relatório da AGB-ES (2004), o mesmo ofício informa
que a canalização não beneficiou o Distrito de Barra do Riacho porque a
captação do abastecimento desse distrito no Rio Riacho está em um ponto,
à jusante, anterior ao desvio das águas para os reservatórios de
abastecimento da Aracruz Celulose. Barra do Riacho fica depois desse
referido ponto, às margens da foz. Fica evidenciado, assim, que a
justificativa do Estado quanto à necessidade da construção do Canal para
resolver problemas de do abastecimento de água do distrito são infundados.
No entanto, justamente por localizar-se às margens da foz, a redução do
volume de águas do rio Riacho que acontece após o ponto de inversão de
seu curso, atinge substancialmente os pescadores de Barra do Riacho.
(MARACCI, 2008, s.n.)
A partir de uma clara evidência da ação racional de um macroator hegemônico, é
possível citar Maracci (2010) que, em trabalho mais recente, faz alusão ao processo
de apropriação dos canais originários do DNOS, pela Aracruz Celulose, que
consistiu em um dos principais vetores que induziu a transformação de um território
que para a maior parte da população local existia enquanto “abrigo” para, então,
reduzi-lo em território recurso. Nesse sentido, autora discorre sobre o processo de
ressignificação exercido pela racionalidade econômica industrial sobre as águas:
O processo de apropriação dos recursos hídricos realizado pela
agroindústria celulósica, vinculado ao sistema mais amplo de
assenhoreamento territorial, além de aprofundar as assimetrias na
distribuição e/ou apropriação social de recursos hídricos, impõe às
populações tradicionais atingidas e à sociedade civil as ressignificações da
água (e do território) em seu uso industrial. Atualmente, nos arredores das
três fábricas, um novo glossário renomeia e ressignifica todo o território. Se,
entre os povos habituais, rurais, os verbos conjugados com a água eram
sorver, pescar, nadar, banhar, divertir-se, conduzir, batizar etc., hoje, a
empresa em questão flexiona outros verbos, com a mesma água: desviar,
depositar, branquejar, caustificar, purgar, secar, deslignificar, empacotar,
vaporizar etc. Também, entre os substantivos, há uma nova nomeação.
Retiram-se os córregos, rios, ribeirões, lagos e lagoas, e entram em cena os
canais, os reservatórios, as barragens, as elevatórias e as comportas.
Tomada pela empresa, a água é ressignificada em seu emprego industrial.
(MARACCI, 2010, p.17)
Cabe mencionar que a instalação da Aracruz Celulose no município de Aracruz fez
com que outras empresas fossem lá instaladas para atender à demanda de insumos
da empresa produtora de celulose. Dentre essas empresas pode ser citada a
Evonik-Degussa, instalada próximo à foz do rio Riacho, que fornece peróxido de
hidrogênio (popularmente conhecida como água oxigenada) para o branqueamento
da celulose. Nessa ordem torna-se importante destacar a opinião expressa em
118
entrevista concedida no dia 16 de janeiro de 2012, por Sebastião Buteri81, o qual
informou que o desaparecimento de peixes pode estar ligado com a quantidade de
empresas presentes na área que lançam seus dejetos industriais no rio Riacho, tais
como a Evonik-Degussa, além do lançamento de esgoto residencial no referido rio,
já que não existe unidade de tratamento de esgoto na Barra do Riacho. Ao comentar
sobre o passado do rio Riacho, Buteri afirma que:
O rio Riacho sempre foi uma fonte de alimento para os moradores, tá certo?
Aqui você pescava uma série de peixes e era um lazer para os moradores
que tomavam banho e ficavam ali também pescando. Era muito significativo,
um rio bonito, imponente, [...] ele fluía muito bem, de acordo com a
natureza. A partir de quando foi feita aquela barragem, exclusivamente para
colocar água para a Fibria, a antiga Aracruz celulose. [...] 4 comportas, eles
fecham 2 e deixam 1 ou 2 abertas e o restante da água é desviado para lá,
que é sugado com aparelhos grandes. Inclusive, onde suga, é um rio
chamado Gimuhuna, esse rio é um afluente, ele jogava as suas águas no
rio Riacho; justamente ali, ele também é sugado, é o único rio que anda
para trás, é o rio Gimuhuma. Agora ele só serve para alimentar as fábricas
da Fibria.
Era um rio importante para o pessoal da Barra, aqui tinha caranguejo, que
era meio de vida dos pescadores, peixe, lazer, inclusive, os barcos saíam
normalmente para pescar no mar, sem ter problema na boca da barra e ia
embora. E depois, infelizmente, com essa barragem, começou a assorear o
rio e hoje o rio está poluído, assoreado, está difícil a navegação no rio, a
situação é triste. Hoje tem até esgoto de toda a cidade que é jogado nele,
tem a Evonik-Degussa, que joga veneno dentro dele, as fábricas todas aqui
em volta que jogam coisas dentro dele.
Sobre a situação atual do rio Riacho, Buteri, na mesma entrevista, expressa a
seguinte opinião:
Hoje nós consideramos que o rio está morto, a poluição é muito grande para
ter vida lá; de primeiro, a gente ficava olhando assim e tinha siri que
passava. Hoje você não encontra um ser vivo dentro do rio. Só quando o
mar enche, bota um pouquinho de peixe, que nada de volta ou morre,
porque ele não agüenta isso, mas o rio mesmo, hoje, não tem mais.
Historicamente ele era um ser vivo e hoje não é mais.
A fotos 1 e 2 ajudam a ilustrar a manifestação da contrarracionalidade, expressa
através de uma situação de reação típica do plano da horizontalidade, por parte dos
pescadores, à ação da Aracruz Celulose – atual Fibria –, na Barra do Riacho,
81
Sebastião Buteri é o atual presidente da Associação de Pescadores da Barra do Riacho
(ASPEBR) e morador da Barra do Riacho desde 1991.
119
durante a festa dos pescadores82 realizada em 2011:
Foto 1: A Fibria (antiga Aracruz Celulose) não é bem vinda na festa dos pescadores
Fonte: Bernardes (2011)
Foto 2: Faixa representando o pensamento dos pescadores.
Fonte: Bernardes (2012)
Inconformado com a situação na qual se encontra o rio Riacho, Sebastião Buteri
encaminhou o ofício 004/12 ao prefeito do município de Aracruz, Ademar Devens,
onde é solicitada a:
[c] despoluição e recuperação do Rio Riacho, que se encontra assoreado e
quase morto, criando bancos de areia em seu percurso, trazendo perigo
para os tráfegos de barcos e prejuízos para os pescadores e artesanais. Em
82
Festa dos pescadores artesanais da Barra do Riacho, realizada em 30/09/2011 na Barra do
Riacho- Aracruz.
120
outras épocas, os pescadores e moradores tinham este rio como fonte
complementar de alimentos e lazer para sua família. Todo rio é desova de
peixes nobres como robalo, de camarões, siris, marisco e uma fonte
inesgotável de nutrientes que são alimentos para os filhotes de peixes do
mar e etc.
Julio Cezar F. Perini83, ao lembrar-se do passado relativo à realização de eventos
esportivos envolvendo o rio Riacho e fazendo um contraste com a situação presente,
agravada pelas águas provenientes do rio Doce através do canal Caboclo Bernardo,
afirma que:
[...] o pessoal atravessava o rio, tinha triátlon em 1988, eu lembro, em 1988
tinha triátlon aqui; hoje, morreu um rapaz afogado na lama. O barco dele
virou, tinha uma criança que ele tirou, mas a cabeça dele ficou agarrada na
lama e ele morreu afogado na lama.
Carlinhos, pescador nascido e criado na Barra do Riacho, falando84 do rio Riacho,
lembra da época em que ainda era possível tomar banho nele:
Antigamente esse rio era um rio que a gente tomava banho [c] pulava ali
num trampolim e a água era limpinha. Hoje, ali tem um esgoto que hoje não
dá pra se tomar banho mais. A água tá toda poluída. Este mangue aqui era
bastante povoado de caranguejo, aratu. Hoje você vai ali e não acha nada
porque da poluição, né, a poluição hoje tomou conta de tudo.
Eutálio85, um experiente pescador e antigo habitante da Barra do Riacho, fala da
dificuldade enfrentada para se atravessar a barra do rio Riacho rumo ao mar:
Esse rio, quando nós começamos a pescar, ele tava bom, a barra não
fechava de repente, hoje em dia ela fecha de repente por que não temos
água no rio, né? De primeiro a água corria direto aí a barra demorava a
fechar, não fechava fácil. Nós comecemos a pescar em canoas, depois
passemos pra barco à vela, pescava garoupa. Muita garoupa nós peguemo
aqui.
É possível perceber, diante do quadro de repercussões esboçado que a hegemonia
exercida pela Aracruz Celulose sobre o controle dos canais, por onde é regulado o
83
Julio Cezar F. Perini, atual Presidente da AMBSPPC - Associação de Moradores dos Bairros
São Pedro, Pindorama e Chic-Chic –, e morador da barra do Riacho, concedeu a entrevista no
mesmo dia da entrevista realizada com Sebastião Buteri, em 15/01/2012.
84
A fala do pescador foi retirada do vídeo Rio Riacho, produzido em 2011 por alunos da escola
Caboclo Bernardo, situada na Barra do Riacho. O vídeo foi produzido pelas alunas Liza Borges,
Lorena Silva e Joselha Santos, para a disciplina de química, conforme informou Liza Borges.
85
A fala do pescador foi retirada do vídeo Mas e o peixe? produzido em 2011, dirigido por
Itamar Cossi e Paulo Nascimento, professores da escola Caboclo Bernardo.
121
fluxo de água conforme a necessidade da produção da empresa, criou uma série de
efeitos negativos sobre os vários segmentos que compõem a sociedade no entorno,
não gerando reação significativa por parte do poder público.
Diante do quadro apresentado e retomando-se algumas ideias dos propósitos dos
canais na primeira fase, antes da extinção do DNOS, é nítida a brutal transformação
acerca do significado dos referidos canais. Num primeiro momento, a justificativa
esposada para a construção dos canais, era, a princípio, a recuperação e promoção
ou valorização de áreas rurais para a agricultura de alimentos, com vistas ao
desenvolvimento local, sendo também evocado o sentido social da obra levando-se
em conta a oferta de trabalho que seria gerada nas culturas que fossem introduzidas
nas áreas beneficiadas, sobretudo em função da proposta de uma volumosa
produção agrícola para o abastecimento do mercado da Grande Vitória, o que,
supostamente, beneficiaria os produtores locais que se inserissem no processo.
Contudo, a apropriação privada dos canais do DNOS pela Aracruz Celulose, a partir
de 1999, foi um propósito radicalmente distinto que se impôs ao uso dos canais,
culminando em uma ampliação da área industrial da Aracruz Celulose, por meio da
expansão em larga escala da monocultura de eucalipto, com área muito superior à
antiga produção local de alimentos.
Assim, se numa primeira fase, pode-se inferir que o propósito maior, alegado em
torno da legitimação da obra de engenharia era o de promover benefícios
socioeconômicos, de modo prevalente no plano da horizontalidade, notadamente a
recuperação de áreas rurais, tendo como retorno um suposto desenvolvimento
social, através da proposta de modernização que a agricultura estava enfrentando,
enquanto discurso legitimado pelo Estado, numa segunda fase, o que se percebe é
que foi a presença e o predomínio de um ator hegemônico, sob a figura da Aracruz
Celulose,
uma
empresa
de
capital
privado,
transnacional,
de
alto
valor
mercadológico, detentora de grandes latifúndios voltados para a monocultura,
atuante em um mercado de nível mundial, que exerce o seu domínio irrestrito sobre
o uso da obra de engenharia que se encontrava abandonada, a reboque da extinção
do DNOS. Assim, a referida empresa passa a controlar todo o sistema de água
122
captado desde o rio Doce até o fim do percurso do rio Riacho. Destaca-se, assim, a
força da influência que a Aracruz Celulose exerce ao estabelecer parcerias com o
poder político municipal, obtendo, assim, enorme vantagem, sobretudo no tocante ao
controle da água, de acordo com sua demanda de consumo. Percebe-se, em todo
esse complexo processo que envolve a construção e as transformações do uso dos
canais do DNOS nas várzeas do Riacho, de modo nítido, a figura transfigurada de
um Estado sucumbindo ao típico perfil neoliberal de atuação, ao beneficiar86 um
grande ator hegemônico, ao mesmo tempo em relega à indiferença, o sentido social
de suas ações.
86
De acordo com Alves (2012), a Aracruz Celulose (Fibria), assim como outras transnacionais
instaladas no Espírito Santo, é grande financiadora de campanhas dos candidatos a cargos políticos.
Na disputa de 10 anos atrás, a 500 mil reais foram doados a Paulo Hartung para campanha na
disputa do cargo de governador. Em 2006, o mesmo candidato recebeu 200 mil reais da empresa.
Renato Casagrande, atual governador, recebeu 250 mil reais. No tocante aos deputados estaduais,
16 candidatos se beneficiaram das doações, dentre eles Élcio Álvares. Na câmara federal, 8
deputados receberam o patrocínio, dentre eles Lelo Coimbra, com 140 mil reais. Nas eleições
municipais de 2008, João Coser, atual prefeito de Vitória recebeu 140 mil reais; Nelcimar Fraga,
prefeito de Vila Velha, recebeu 120 mil reais; Guerino Zanon, em Linhares, recebeu 110 mil reais e
em São Mateus, Amadeu Boroto recebeu 40 mil reais. Diante desses valores concedidos ao
financiamento de campanhas eleitorais, é possível entender o descaso e a omissão das autoridades
no tocante aos assuntos geográfico-ambientais no Espírito Santo. É o poder financeiro de um ator
hegemônico atuando como controlador (indireto) do estado.
123
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho problematizou o significado dos canais do DNOS enquanto
importante obra de engenharia construída a partir dos anos de 1960 nas várzeas do
Riacho (ES), como parte do processo de materialização da constituição técnicocientífica da configuração territorial capixaba, visando investigar o significado dos
canais enquanto expressão da assimilação de uma parcela do território capixaba ao
processo de modernização que ocorria em um contexto mais amplo e complexo de
intensificação da modernização nacional.
Foi possível constatar, no decorrer do trabalho, evolução do meio geográfico nas
várzeas do Riacho durante o período técnico-científico-informacional e a maneira
pela qual os canais do DNOS foram produzidos com o propósito de tornar aquela
área passível de utilização para a produção agrícola modernizada, visando à
introdução de culturas alimentares baseadas na alta produtividade, voltadas para o
abastecimento do mercado interno, com vistas a possibilidade de exportação de
parte da produção.
Foi possível reconhecer que a construção dos canais do DNOS ocorreu, a princípio,
sob a ação de um estado que salientava, enquanto discurso, as limitações do perfil
da produção agrícola capixaba de então como um problema face à perspectiva de
expressivo crescimento do quadro urbano-industrial e da consequente demanda de
alimentos – que se concretizaria a reboque do expressivo crescimento populacional
que a aglomeração urbana da Grande Vitória manifestava nos anos 1960. Destacase, sobretudo,que parte do discurso supunha uma oferta de condições que atrairiam
ou fixariam o homem no campo, face ao êxodo rural que vinha ocorrendo em função
da crise do café, importante fato que acometeu a economia capixaba nos anos de
1960.
Tais argumentos legitimavam a construção dos canais como instrumento que iriam
viabilizar a “recuperação” das várzeas do Riacho para ampliação da produtividade
agrícola no Espírito Santo via modernização da agricultura e, nesse sentido, a
124
materialização da vontade estatal foi demonstrada através da história dos trabalhos
executados pelo DNOS no Espírito Santo. Assim, através deste estudo de caso
sobre as várzeas do Riacho, pôde-se perceber a ocorrência de elementos da
modernização da produção agrária, sobretudo entendidos através dos projetos de
“recuperação” ali instalados, o Ante-projeto de Recuperação das Várzeas do Riacho
e Suruaca, que deram continuidade às obras de construção de canais, iniciadas pelo
DNOS, além do projeto para a produção de arroz, elaborado pela Cofai, implantado
na fazenda Agril, com financiamento do Provárzeas-ES, que permitiu o
desenvolvimento de um padrão de atividade agrícola altamente tecnificada de arroz
irrigado, com alta utilização de modernos equipamentos agrícolas, contando,
inclusive, com uso de avião. Destaca-se o emprego de aproximadamente 50
trabalhadores assalariados na produção existente em mais de 2000 hectares de
área da citada fazenda. Tal número de trabalhadores, em vista da área ocupada pela
fazenda (que pode ter chegado a quase 9 mil hectares nos anos 90), pode ser
tomado como inexpressivo diante dos números estimados por Peruzzo (19840 sobre
êxodo rural dos anos 60/70, de aproximadamente 150 mil habitantes que ocupavam
cerca de 167 mil hectares com pequenas propriedades.
Assim, fica evidente que o apelo à modernização da agricultura, como elemento de
atração do homem ao campo, sobretudo através das áreas “beneficiadas” pelos
canais do DNOS, apesar de constituir um pomposo discurso de cunho social, tinha
como principal intenção a inserção de novas relações capitalistas no campo,
beneficiando os grandes proprietários de terra, tal como, no exemplo da Agril, Ângelo
Coutinho, proprietário também de outros negócios de grande porte no Espírito Santo.
Para além de todo o contexto associado à origem da construção dos canais para a
promoção da produção de alimentos, observa-se que os mesmos foram
ulteriormente submetidos a um propósito radicalmente distinto, qual seja, o de servir
como
instrumento
de
fundamental
importância
ao
fornecimento
de
água
indispensável ao processo produtivo da Aracruz Celulose (atual Fibria), macroator
que contou com grande apoio do Estado para a apropriação dos canais do DNOS,
através da implantação do canal Caboclo Bernardo, controlado pela empresa. Esse
canal, da mesma maneira, foi objeto de discurso por parte dos governantes
125
capixabas, os quais afirmavam que a construção do mesmo iria beneficiar a
sociedade local, cabendo destacar que se tratava da reprodução do mesmo
elemento de discurso à época da construção dos canais por parte do DNOS, a
saber, a atração do homem ao campo, que foi reiteradamente utilizado como parte
das justificativas para a realização das obras do canal Caboclo Bernardo,
componente do sistema mais amplo de canais, que drena parte das águas do rio
Doce para abastecer a produção de celulose destinada, sobretudo, ao mercado
internacional.
Constata-se, assim, a força da Aracruz Celulose como ator hegemônico, sendo o
seu processo produtivo voltado para exportação, o grande beneficiado do uso dos
canais, em detrimento dos interesses da maior parte da população local,
notadamente, a população Tupiniquim de Comboios e os pescadores da barra do
Riacho. Ressalta-se, nesse sentido, o poder que a empresa exerce no tocante ao
controle do fluxo de água nos canais das várzeas do Riacho, a fim de abastecer
seus reservatórios quando necessário. Os conflitos daí derivados, por fim, deixa
evidente as contradições presentes no espaço, entendidas como a complexa teia de
relações que caracterizam a convivência, numa mesma área, entre as forças típicas
das horizontalidades e aquelas das verticalidades.
Nessa perspectiva, a presente dissertação deixa evidente que, diante dos resultados
obtidos, novas pesquisas devem ser produzidas de forma a aprofundar o
entendimento dos outros processos existentes na relação histórica do embate do
vertical com o horizontal na área problematizada, permitindo, assim, esclarecer
outras relações existentes no espaço, quais sejam relativas fazendeiros que, por
ventura, ainda existam nas várzeas do Riacho; relativas aos habitantes da Vila do
Riacho e suas relações com os canais do DNOS; relativas à modernização do arroz,
de maneira mais específica e pesquisas mais aprofundadas sobre as relações
espaciais desenvolvidas sobre os pescadores da Barra do Riacho.
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140
ANEXOS
141
ANEXO I
Figura 5: Croqui dos Canais do DNOS nas várzeas do Riacho em 1978
Adaptado de: Espírito Santo, 1978.
142
ANEXO II
Figura 6: Sistema de captação/adução de água do rio Doce pela Aracruz Celulose
Fonte: CEPEMAR (1999)
143
ANEXO III
Foto 3: Comporta/barragem móvel no rio Riacho
Foto 4: Antigos galpões da fazenda Agril
Foto 5: Antiga unidade de processamento de arroz da fazenda Agril
Nota: fotos do dia 15/01/2012
Autoria: Wanderson dos Santos Rebello.
144
ANEXO IV
Figura 7: Investimentos do DNOS no Espírito Santo
Figura 8: Notícia sobre o DNOS em A Gazeta
145
ANEXO V
Figura 9: Recuperação dos vales úmidos capixabas
Figura 10: Importação de arroz para o Espírito Santo
146
ANEXO VI
Figura 11: Representação das várzeas do Riacho no século XIX
Adaptado de: Companhia Vale do Rio Doce (2002)
147
ANEXO VII