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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
JULIANA PEREIRA CASEMIRO
CULTURA, PARTICIPAÇÃO E EDUCAÇÃO POPULAR & SAÚDE: a educação
alimentar e nutricional como lugar de encontro na escola
Rio de Janeiro
2013
Juliana Pereira Casemiro
CULTURA, PARTICIPAÇÃO E EDUCAÇÃO POPULAR & SAÚDE: a educação alimentar e
nutricional como lugar de encontro na escola
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação
em Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do
Título de Doutor em Educação em
Ciências e Saúde.
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
Rio de Janeiro
2013
Juliana Pereira Casemiro
CULTURA, PARTICIPAÇÃO E EDUCAÇÃO POPULAR & SAÚDE: a educação alimentar e
nutricional como lugar de encontro na escola
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação
em Ciências e Saúde, Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do
Título de Doutor em Educação em
Ciências e Saúde.
Aprovado em 16 de agosto de 2013.
______________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca - UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Helena Maria Scherlowski Leal David - UERJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Luciana Maria Cerqueira Castro - UERJ
______________________________________________________
Prof. Dr. Julio Alberto Wong Un - UFF
______________________________________________________
Profa. Dra. Eliane Brigida Morais Falcão - UFRJ
C337c Casemiro, Juliana Pereira.
Cultura, participação e educação popular & saúde: a educação
alimentar e nutricional como lugar de encontro na escola. / Juliana
Pereira Casemiro. – Rio de Janeiro: UFRJ/NUTES, 2013.
370 p.; 30 cm.
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo
de Tecnologia Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação
em Educação em Ciências e Saúde, Rio de Janeiro, 2013.
Referências bibliográficas: f. 279-294.
1. Educação alimentar e nutricional. 2. Tecnologia Educacional em
Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia Educacional para a
Saúde, Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.
CASEMIRO, Juliana Pereira. Cultura, participação e educação popular & saúde: a educação alimentar e
nutricional como lugar de encontro na escola. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em
Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
RESUMO
Esta tese apresenta uma pesquisa participante realizada em Duque de Caxias-RJ com
técnicos-gestores municipais, profissionais de equipes de Saúde da Família (eSF) e
professores, funcionários, estudantes de uma escola municipal. Discute os limites e
possibilidades para o desenvolvimento de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) na
escola, tendo como ponto de partida as experiências do Programa Saúde na Escola
(PSE). Esta forma de pesquisar afirma que pesquisadores e participantes podem juntos
responder com maior eficiência aos problemas complexos do cotidiano. Nutricionistas
em função de técnicos-gestores participaram da sistematização das experiências de
EAN desenvolvidas em unidades escolares nos últimos dez anos. Para captar o
contexto de implementação do PSE e do Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) foram realizadas entrevistas com seus técnicos-gestores. Em fase subsequente
foi realizada pesquisa no território sendo indicada uma escola municipal cadastrada no
PSE. Foi construído um diagnóstico de realidade com professores, funcionários da
escola e profissionais das eSF através de entrevistas, seminários e oficinas. Estes
momentos oportunizaram registro
e reflexão sobre
as práticas, dificuldades,
potencialidades e sugestões para aperfeiçoamento de ações educativas em
alimentação, nutrição e saúde. Com os professores foram selecionadas as quatro
turmas de sétimo ano do ensino fundamental para a vivência destes temas em círculos
de cultura, perspectiva na qual os educandos assumem papel ativo diante do processo
educativo. Com essas turmas foram realizadas atividades de levantamento de realidade
– incluindo a investigação sobre hábitos alimentares e de atividade física e sobre
participação na escolha e preparação da alimentação da família – de devolução
sistematizada e problematizada dos dados. Posteriormente, como atividades de
culminância, foram oferecidas oficinas programadas a partir das falas significativas
identificadas nos círculos de cultura combinadas com as experiências da equipe de
pesquisa na perspectiva de temas dobradiças: oficina culinária, vídeo-debate sobre
agricultura familiar e urbana, sarau de poesias, exposição de fotografia sobre a
alimentação no mundo. A pesquisa revelou que é pequeno o conhecimento sobre o
PNAE e PSE entre os profissionais que atuam no território e que não há um
reconhecimento das iniciativas municipais de EAN relatadas pelas nutricionistas, apesar
de estas terem demonstrado grande potencial crítico e criativo. Identificou-se a
existência de espaço para refinar a articulação entre as estratégias educativas do PSE e
PNAE na escola. O planejamento e diagnóstico coletivos foram reconhecidos como
potentes ferramentas para o aprimoramento das ações de PSE no território. Foi
oportuno introduzir a problematização como estratégia para permitir emergir questões
pouco visíveis relacionadas às escolhas e ao consumo alimentar dos estudantes. O
referencial da Educação Popular & Saúde parece representar oportunidade de ampliar a
intersetorialidade e a interdisciplinaridade na execução de políticas públicas, elementos
essenciais ao processo de promoção da alimentação saudável e ao apoderamento do
Direito Humano à Alimentação Adequada.
Palavras-chave: Educação Alimentar e Nutricional, Saúde Escolar, Educação Popular,
Direito Humano à Alimentação
CASEMIRO, Juliana Pereira. Cultura, participação e educação popular & saúde: a educação alimentar e
nutricional como lugar de encontro na escola. Rio de Janeiro, 2013. Tese (Doutorado em Educação em
Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
ABSTRACT
This dissertation presents a participatory research held in Duque de Caxias-RJ
with technical managers, professionals of Family Health team (eSF) and teachers, staff
and students of a municipal school. It discusses the limits and possibilities for the
development of Food and Nutritional Education (EAN) in school, taking as its starting
point the experiences of the School Health Programme (PSE). This way of research
affirms that together researchers and participants can respond more efficiently to the
complex problems of daily life. Nutritionists with technical managers‘ function participated
in systematization of EAN experiences developed in school units in the last ten years. To
capture the implementation context of the PSE and National School Nutrition Programme
(PNAE) interviews were conducted with their technical managers. In subsequent phase,
research was carried out in the territory being indicated a public school enrolled in PSE.
A reality diagnosis was built with teachers, school staff and eSF‘s professionals through
interviews, seminars and workshops. These moments offered the opportunity of record
and reflection on practices, difficulties, potentialities and suggestions for improvement of
educational actions on food, nutrition and health. With the teachers, four classes of the
elementary school‘s seventh grade were selected for experiencing these themes in
cultural circles, perspective in which students assume an active role on the educational
process. With these classes were held survey of reality activities - including research on
eating and physical activity habits and on participation in the food selection and
preparation for the family – of systematized and problematized data return.
Subsequently, as culminating activities, had been offered workshops programmed from
the significant speeches identified in the cultural circles combined with the experiences
of the research team from the perspective of hinges themes: culinary workshop, video
debate on family and urban agriculture, poetry soirée, photography exhibition about the
feeding in the world. The research revealed that knowledge is small about the PNAE and
PSE among professionals working in the area and there is no recognition of EAN‘s
municipal initiatives reported by nutritionists, although they have shown great critical and
creative potential. It was identified that there is room to refine the articulation between
PSE and PNAE‘s educational strategies in school. The collective planning and diagnosis
were recognized as powerful tools for the enhancement of PSE‘s actions in the territory.
It was opportune to introduce the problematization as strategy, to allow emerge barely
visible issues related to students‘ choices and food consumption. The benchmark of
Popular Education & Health seems to represent an opportunity to expand the
intersectorality and interdisciplinarityin the execution of public policies, essential parts to
the process of promoting healthy eating and the empowerment of the Human Right to
Adequate Food.
Key Word: Food and Nutritional Education, School Health, Popular Education, Human
Right to Adequate Food
Dedico esta tese ao eterno mestre Victor Vincent Valla e a todas as educadoras e
educadores populares que com coerência ousam sonhar e lutar por um mundo
mais justo e feliz.
AGRADECIMENTOS
À minha família pelo apoio, amor e confiança em todos os momentos. Agradeço
aos meus irmãos, Maria Carolina e José Antonio, os melhores amigos e companheiros
que alguém pode ter na vida. Agradeço aos meus pais, sábios conselheiros que me
ajudam a olhar a vida com mais coragem, curiosidade e alegria. Às tias Gilka e Angelina
e ao tio Janér agradeço pelo afeto verdadeiro e generoso que me ajudaram a chegar
até aqui.
A todas/os queridas/os amigas/os agradeço pela torcida e pela paciência. Às
minhas amigas-irmãs Alessandra Silva Pinto, Márcia Fornari e Ana Laura Brandão
obrigada pelo apoio e carinho de sempre.
Às companheiras/os que conheci na militância e em especial as/os amigas/os
Erika Cardoso, Marcelo Moreira, Alexsandro de Paula, Gas-PA, Kátia Bonfim e Andréa
David agradeço pela convivência fraterna e sincera e pelo (com)partilhar de sonhos e
lutas.
Com muito carinho agradeço à Regina Oliveira a quem admiro pela determinação,
perseverança e humildade numa trajetória profissional comprometido com a causa dos
oprimidos. Nestes anos foi companheira de militância, colega, chefe, exemplo na
profissão e na vida, conselheira e orientadora, mas acima de tudo amiga verdadeira.
À equipe do DESANS agradeço pela parceria. Em especial agradeço à Livea
Bilheiro pela participação na pesquisa e pela partilha de momentos de rebeldia e aposta
na agricultura familiar em todo seu potencial para gerar vida, justiça e felicidade.
Às nutricionistas de Duque de Caxias que tanto me ensinaram. Elaine, Valéria,
Iramar, Lourdes, Suzy: obrigada! À Solange Peres, co-autora deste sonho e cúmplice na
realização desta pesquisa, agradeço com um até breve, na confiança que novos sonhos
e novos questionamentos nos farão trabalhar juntas novamente.
À Coordenação de Atenção Básica e à Coordenadoria de Nutrição Escolar por
acolherem esta pesquisa e de forma especial ao Tony Ferreira e à Luciana Marçal pela
fundamental colaboração.
Às professoras/es, equipe diretiva e demais funcionárias/os da Escola Municipal
Wilson de Oliveira Simões e integrantes das equipes de Saúde da Família da Vila
Leopoldina pela generosa participação na pesquisa, partilhando rotinas, sonhos e
indignações do cotidiano desafiador de serviços públicos de saúde e educação.
Agradeço de forma muito especial aos jovens estudantes do sétimo ano que
tocaram profundamente meu coração com seus sorrisos, suas músicas, suas rebeldias,
seus silêncios, sonhos e opiniões.
Aos professores e funcionários do NUTES/UFRJ.
Aos meus colegas de turma, pessoas maravilhosas que fizeram mais bonitos e
felizes estes quatro anos no NUTES/UFRJ. Agradeço de forma muito especial à
Carolina Rangel pela amizade e cumplicidade em todos os momentos.
Aos companheiros do grupo de pesquisa, agradeço de todo coração pelos
animados debates calorosos, pelo companheirismo e por todos os saborosos momentos
de reflexões. Especialmente agradeço a Ana Gabriela Fernandes, Gabriella, Isabela,
Fábio e Juliana Dias que com tanto carinho, empenho e ousadia contribuíram com a
pesquisa.
Meus mais sinceros agradecimentos às professoras Helena David e Vera Helena
Ferraz de Siqueira pelas generosas contribuições e pela participação na qualificação.
À Daniela Frozi agradeço pelas palavras de incentivo e pela presença atenciosa
que acompanhou esta tese desde suas primeiras palavras.
De forma muito especial, agradeço ao meu orientador Alexandre Brasil Carvalho
da Fonseca pela paciência, compreensão e confiança nesta parceria para a construção
da tese e por encorajar-me a novos caminhos de pesquisa. Muito obrigada!
―A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm
humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser
companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e
saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito para caminhar,
para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há
ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens, em comunhão, buscam
saber mais.‖ (FREIRE, 2005, p. 93)
―Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que me confirma como gente e
que jamais deixou de provar que o ser humano é maior que os mecanicismos que
o minimizam.‖ (FREIRE, 1996, p. 115)
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Artigos Publicados no Brasil sobre Educação Nutricional, Educação alimentar
e Educação Alimentar e Nutricional por período – 1974 a 2011
Quadro 2: Publicações Oficiais do Governo Brasileiro sobre Escolas Promotoras da
Saúde e Programa Saúde na Escola – 2005 a 2012
Quadro 3: Legislação Brasileira pertinentes aos temas Escolas Promotoras da Saúde e
Programa Saúde na Escola – 2005 a 2012
Quadro 4: Caminho Metodológico - Cronologia das atividades de trabalho de campo
Quadro 5: Experiências de Educação Alimentar e Nutricional desenvolvidas por
Nutricionistas no contexto escolar - Duque de Caxias/RJ (2001-2011)
Quadro 6: Temas em alimentação e nutrição trabalhados e sugeridos no contexto da
escola.
Quadro 7: Atividades de levantamento de ―temas significativos‖ com alunos de Sétimo
nas aulas de Ciências e de Educação Física
Quadro 8: Comparação entre percentual de estudantes do sexo feminino e masculino
do 7º ano, por consumo de marcadores alimentares cinco vezes ou mais na semana
Quadro 9: Seleção de ―falas significativas‖, ―tema gerador‖ e ―contra-tema‖- sétimo ano
Quadro 10: Planejamento de Atividades da Semana Mundial da Alimentação –
Culminância das ações de EAN com o sétimo ano
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Número de artigos publicados sobre ―Saúde Escolar‖ na América Latina entre
os anos de 1995 a 2012
Figura 2: Distribuição segundo áreas ou temas de interesse dos artigos sobre ―Saúde
Escolar‖ na América Latina entre os anos de 1995 a 2012
Figura 3: Síntese de artigos relacionados a políticas públicas de ―Saúde Escolar‖
publicados na América Latina - 1995 a 2012
Figura 4: Percentual de estudantes do sétimo ano, por consumo semanal de
Alimentação Escolar – Setembro de 2012
Figura 5: Percentual de estudantes do sétimo ano, por consumo semanal de Café da
Manhã – Setembro de 2012
Figura 6: Percentual de estudantes do sétimo ano, por consumo alimentar semanal –
Setembro de 2012
LISTA DE SIGLAS
CCAIC – Centro e Creche de Atendimento à Criança Caxiense
CNSAN – Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
COMSEA – Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional
CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
DESANS – Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável
DHAA – Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável
EAN – Educação Alimentar e Nutricional
EP&S – Educação Popular em Saúde
EPS – Escolas Promotoras de Saúde
eSF – equipe de Saúde da Família
ESF – Estratégia Saúde da Família
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNDEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
GTI - Grupos de Trabalho Intersetorias
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MDS – Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
ME – Ministério da Educação
MS – Ministério da Saúde
OPAS – Organização Pan-americana de Saúde
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAN – Política nacional de Alimentação e Nutrição
PPP – Projeto Político Pedagógico
PSE – Programa de Saúde na Escola
PSF – Programa de Saúde da Família
SAN – Segurança Alimentar e Nutricional
SISAN – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
SME – Secretaria Municipal de Educação
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................1
1.1 MOTIVAÇÕES DO ESTUDO ................................................................................................1
1.2 OBJETIVOS ..........................................................................................................................4
1.2.1 Objetivo Geral .............................................................................................................4
1.2.2 Objetivos Específicos ................................................................................................4
1.3 A OPÇÃO POR UMA PESQUISA QUALITATIVA BASEADA NA PARTICIPAÇÃO .............5
1.4 CAMINHO PERCORRIDO ....................................................................................................8
2
SITUANDO ALIMENTAÇÃO E SAÚDE NA ESCOLA ...............................................................13
2.1 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL ..................................................13
2.1.1 Educação Alimentar e Nutricional: uma revisão dos artigos publicados no
Brasil ...................................................................................................................................13
2.1.2 A Educação Alimentar e Nutricional e sua interface com as políticas públicas
22
2.2 O PNAE, O DIREITO À ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E SEU POTENCIAL EDUCATIVO ....31
2.3 ALIMENTAÇÃO E CIÊNCIA COMO ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO E APODERAMENTO
36
2.4 SAÚDE ESCOLAR: QUE CAMINHOS NA AMÉRICA LATINA? .........................................43
2.5 SAÚDE ESCOLAR NO BRASIL: UMA SÍNTESE A PARTIR DE PUBLICAÇÕES OFICIAIS
RECENTES .................................................................................................................................60
3
EDUCAÇÃO POPULAR, CULTURA E SAÚDE .........................................................................70
3.1 EDUCAÇÃO POPULAR & SAÚDE .....................................................................................70
3.2 O LEGADO E A ATUALIDADE DE PAULO FREIRE ...........................................................76
3.3 O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA .............................................................83
4
PESQUISA PARTICIPANTE EM EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL ......................91
4.1 O REFERENCIAL METODOLÓGICO: PESQUISA PARTICIPANTE E EDUCAÇÃO
POPULAR ....................................................................................................................................91
4.2 ASPECTOS ÉTICOS: .........................................................................................................95
4.3 CAMINHO METODOLÓGICO ............................................................................................95
5
PESQUISAR-APRENDER-ENSINAR SOBRE ALIMENTAÇÃO, NUTRIÇÃO E SAÚDE .......110
5.1 PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA: A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO LOCAL E OS
APONTAMENTOS PARA O PLANEJAMENTO COLETIVO .....................................................110
5.1.1 Saúde Escolar em Duque de Caxias ....................................................................110
5.1.2 Estar na escola e viver o PSE ...............................................................................116
5.1.3 Planejamento Intersetorial como questão de pesquisa e possibilidade de ação
142
5.2 ALIMENTAÇÃO NA ESCOLA: DIÁLOGOS E DISCURSOS .............................................155
5.2.1 Educação Alimentar e Nutricional em Duque de Caxias: sistematização das
experiências .....................................................................................................................155
5.2.2 Ações de Educação Alimentar e Nutricional: que ações têm sido
desenvolvidas nesta escola e por quê? .......................................................................168
5.2.3 Programa de Alimentação Escolar em Duque de Caxias: relato sobre o
funcionamento .................................................................................................................176
5.2.4 Comer na escola: a percepção da equipe de saúde, dos professores e outros
profissionais da escola ...................................................................................................179
5.2.5 Rodas de conversa: uma experiência de atividades dialógicas de Educação
Alimentar e Nutricional ...................................................................................................186
5.2.6 Alimentação e nutrição no currículo escolar: o que pensam os professores?
229
6
CAMINHOS PARA APROFUNDAMENTO TEÓRICO .............................................................238
6.1 REFLEXÕES SOBRE PESQUISA PARTICIPANTE, DA EDUCAÇÃO POPULAR E
CULTURA PARA PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE, ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO ......238
6.1.1 O aluno bem comportado: vozes silenciadas não promovem participação ....238
6.1.2 Deficiências de políticas públicas e violação de direitos: tudo a ver com a
Educação Popular ...........................................................................................................242
6.1.3 Entre tias e professoras: desafios à formação continuada e comprometida ..247
6.1.4 Alimentação, cultura e consumo ..........................................................................251
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................256
REFERÊNCIAS
APÊNDICE
1
1
INTRODUÇÃO
[...] aquilo que era ciência, um fato isolado, transforma-se em um fenômeno, onde o sujeito
participa junto com a ciência, originando a consciência. (GAMA, 2007, p. 18)
1.1
MOTIVAÇÕES DO ESTUDO
A questão da fome e da educação alimentar e nutricional fazem parte de
minhas inquietações desde a graduação. Durante o trabalho de campo do mestrado
esta questão tornou-se mais forte por influência das falas de Líderes da Pastoral da
Criança1como a descrita abaixo sobre a violação do Direito Humano à Alimentação
Adequada (DHAA):
[...] a auto-estima precisa ser trabalhada para que elas [mães] retornem ao meio social onde
elas se sintam alguém, onde elas se sintam digamos que gente, porque elas não se sentem
gente, elas acham que elas não existem. E nós perguntamos para nós mesmos isso: ‗Ela
existe?‘ (CASEMIRO, 2006, p. 56)
Nesta oportunidade foi possível observar que o desemprego e subemprego e
a dificuldade de acesso aos serviços públicos de saúde, educação, assistência
social e saneamento foram identificados por estes Líderes como principais
obstáculos para a efetivação do DHAA. Apoio social, estabelecimento de circuitos de
ajuda mútua, dádiva e religiosidade apresentaram-se como categorias relevantes.
Das reflexões provocadas por esta experiência chama a atenção o que os
Líderes denominaram de ―papel invertido‖. Na lógica da atuação da Pastoral da
Criança os Líderes encaminham (e denunciam) demandas sociais e de saúde ao
poder público para que este dê as respostas cabíveis. Quando as demandas
apresentadas pelas famílias e pelos Líderes não são acolhidas e resolvidas pelos
serviços públicos, este ―papel invertido‖ se manifesta. O ―papel invertido‖ é
identificado quando os profissionais de saúde e de outros serviços públicos não
conseguem lidar com as demandas sociais e passam a ―encaminhar‖ famílias para a
Pastoral da Criança ou quando os Líderes precisam lançar mão de vários artifícios e
atalhos para acessar os serviços públicos, sobretudo exames e internações.
Ultrapassada a barreira do acesso aos serviços públicos de saúde o desafio torna-se
1
Criada em 1983, a Pastoral da Criança atua em áreas pobres tendo como temas a saúde da
gestante, aleitamento materno, vigilância nutricional, reidratação oral e vacinação. Sua dinâmica de
trabalho consiste em ―capacitar‖ lideranças, que residem na própria comunidade, para atuarem junto
a famílias no cuidado de crianças menores de 6 anos. Sua atuação é ecumênica apesar de constituirse em órgão de assistência social da CNBB. www.pastoraldacrianca.org.br
2
encontrar meios de seguir orientações e prescrições, dentre estas as dietoterápicas
(CASEMIRO, 2006, 2010). Uma dúvida incômoda e recorrente acompanha-me
desde então: quais questões estão escondidas por trás desta queixa de ―papel
invertido‖?
Estas questões fazem parte de alguns dos atuais desafios apresentados à
Educação Popular em Saúde, na busca da superação do ―fosso cultural‖
(VASCONCELOS, 2001a) existente entre serviços de saúde e a população. Outra
questão diz respeito à dificuldade de compreender o que os membros das classes
populares nos dizem, assumindo que a ―crise de interpretação é nossa‖ - dos
profissionais/ mediadores (VALLA, 2000, p. 13).
Além da vivência do mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP/Fiocruz), trouxe para o Doutorado como expectativa a necessidade de
encontrar um espaço que me ajudasse a compreender as experiências profundas
que vivenciei como educadora popular na Rede de Educação Cidadã. Neste
período, atuando com educadores populares formados dentro de movimentos
populares diversos e convivendo com comunidades empobrecidas, percebi que as
questões referentes à alimentação e nutrição ganhavam contornos muito diferentes
– mais fortes, visíveis e palpáveis. Surgiam num dia em que só existia um carro pipa
para abastecer uma enorme comunidade na região metropolitana ou quando numa
comunidade rural se questionava o porquê de comprar um tomate ―cheio de
agrotóxico na cidade‖ que foi plantado por um vizinho. Surgiam com a vivência e da
sobrevivência dessas localidades questões sobre direito à água, segurança do
alimento, soberania alimentar e cadeias produtivas. Não era o conhecimento
acadêmico provocando as reflexões sobre o cotidiano. Eram as questões do
cotidiano criando a necessidade de re-sistematizar e aprimorar conhecimentos que
eu já possuía, para então torná-los úteis naquele contexto.
Estudar no NUTES/ UFRJ representa um grande privilégio para quem deseja
experimentar a interdisciplinaridade. Estive inserida em um grupo de pesquisa que
reúne profissionais-estudantes de diferentes áreas que têm se desafiado a examinar
a alimentação a partir de seus desafios e contradições mais atuais. As reflexões
deste grupo têm como pressupostos a alimentação escolar como espaço
pedagógico e de sociabilidade, a integração dos saberes disciplinares, a valorização
3
dos conhecimentos não-científicos, a educação popular, o Direito Humano à
Alimentação Adequada e a reestruturação dos sistemas de produção, distribuição e
consumo de alimentos.
Existe multidisciplinaridade também nas salas de aula do NUTES.
Professores de ciências, profissionais de saúde e de outras áreas afins se debruçam
sobre as questões do campo de Educação em Ciências e Saúde. Percebo que a
vivência que tive como educadora popular e o fato de não atuar na educação formal,
por vezes me dificultaram leituras sobre o que é a escola, trazendo-me inquietações
novas. Por isso ainda antes de iniciar o trabalho de campo já sentia a necessidade
de ressaltar a existência de olhares diversos sobre a escola. Os olhares dos alunos,
dos professores, dos gestores, das mães. O meu olhar é o de educadora popular e
profissional de saúde.
Retomando as experiências anteriores ao doutorado, recordo que certa vez
em uma comunidade que tentava se organizar para reivindicar um posto de saúde,
uma liderança disse que seria impossível marcar uma reunião com as mães porque
as crianças estavam em férias. Questionada sobre o porque desta afirmação, já que
os encontros costumavam ser na igreja e não parecia que as pessoas da localidade
tinham viajado em férias, ela respondeu que o melhor momento para falar com as
mães era o horário de saída das crianças. Enquanto esperam os filhos elas falam de
alegrias e preocupações, trocam dicas e contam histórias. Não digo que este tenha
que ser um foco de intervenção, mas é só para constatar que possivelmente este
espaço não é considerado quando se pensa formalmente a escola.
As paredes e salas das escolas podem ter outros usos quando não estão
abrigando as aulas. Existem comunidades em que a escola é o local em que
ocorrem as reuniões dos agricultores. Assim como, existem localidades em que os
moradores queixam-se que o fechamento de uma escola rural prejudicou a
organização comunitária e enfraqueceu a união entre os vizinhos. Algumas vezes a
escola é o único equipamento público presente no bairro e acaba se tornando o elo
entre diversas ações públicas e aquela comunidade. Também não quero dizer que
promover organização comunitária tenha que ser mais uma função da escola, mas
este potencial não pode ser negado.
4
O fato é que o vínculo entre escola e a comunidade provavelmente representa
uma ponte capaz de dar concretude aos discursos críticos realizados dentro da
academia. A escola vista não só como parede, currículo e projeto pedagógico, mas a
escola com seus entornos, com seus cochichos e recreios, uma escola viva no
cotidiano comunitário. Acredito que exista um ―local de encontro‖ (FREIRE, 2005),
onde as ―vozes silenciadas‖ (CANEN; MOREIRA, 2001) possam ser ouvidas neste
caminho entre o portão e o refeitório, talvez passando pelo pátio e certamente em
algum momento chegando à sala de aula. Ao concluir esta tese, penso que este
―local‖ certamente é diferente em cada escola e que caminhar até lá ainda
representa um grande desafio.
Foi a necessidade de aprofundar minhas reflexões sobre as possibilidades de
convivência entre a educação popular e as políticas públicas – de alimentação,
saúde e educação – que motivou a realização desta pesquisa. Sendo coerente com
as inquietações descritas a opção metodológica assumida é da pesquisa participante
que permite a experiência, registro e ―construção compartilhada de saberes‖.
1.2
OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo Geral
Discutir os limites e possibilidades para o desenvolvimento de estratégias de
educação alimentar e nutricional na escola, pautadas pelo Direito Humano à
Alimentação Adequada, tendo como ponto de partida as experiências desenvolvidas
no âmbito do Programa Saúde na Escola (PSE) de Duque de Caxias.
1.2.2 Objetivos Específicos
a) Sistematizar as principais ações de educação alimentar e nutricional
realizadas em escolas de Duque de Caxias, registrando as reflexões dos
profissionais que vivenciaram estas práticas;
b) Acompanhar e registrar o desenvolvimento de ações de educação
alimentar e nutricional, construídas coletivamente, em uma escola inserida no
PSE em Duque de Caxias;
c) Acompanhar e registrar o processo de experimentação da construção de
espaços/momentos interdisciplinares de educação alimentar e nutricional
tendo como ponto de partida a escola e o diagnóstico local de realidade;
5
d) Refletir sobre as propostas de apoderamento da comunidade escolar
acerca do direito à alimentação escolar;
e) Sistematizar contribuições para a proposição de uma educação alimentar
e nutricional pautada no Direito Humano à Alimentação Adequada e que
dialogue com os princípios da Educação Popular em Saúde.
1.3
A
OPÇÃO
POR
UMA
PESQUISA
QUALITATIVA
BASEADA
NA
PARTICIPAÇÃO
A década de 1970 marca o início de uma mudança na atuação de alguns
profissionais de saúde que se sentiam insatisfeitos com práticas e rotinas de
serviços de saúde e, ―desejosos de uma atuação mais significativa para as classes
populares‖ (VASCONCELOS, 2001a, p. 11), iniciam os debates acerca da Educação
Popular em Saúde (EP&S). A EP&S fundamenta-se nos pressupostas da Educação
Popular de Paulo Freire (STOTZ, 1993; VASCONCELOS, 2001a).
Na importante tarefa de desenvolver atividades de educação alimentar e
nutricional coerentes, encontrar o “lugar de encontro” a que se referiu Paulo Freire
tem sido um constante desafio. Pode-se identificar como passo importante nesta
caminhada o surgimento, em meados da década de 1980, da proposta uma
educação nutricional crítica (VALENTE, 1989). Ao reconhecer a incapacidade de que
ações isoladas de educação alimentar e nutricional transformem práticas
alimentares, esta proposta questiona a visão anterior que atribuía à ignorância
alimentar as responsabilidades sobre a má-nutrição (LIMA et al, 2003; SANTOS,
2005).
A preocupação com o acesso à alimentação e o debate acerca da importância
de uma alimentação adequada e saudável para garantia de boa saúde e qualidade
de vida não representam preocupações novas. Ao longo da história, a humanidade
tem ocupado grande parte de seu tempo tentando equacionar problemas
alimentares. Contudo, os padrões de vida ditos modernos a cada dia acrescentam
novos desafios à boa alimentação. Escassez e excesso lado-a-lado no cardápio dos
centros de saúde. No discurso oficial do Ministério da Saúde esta questão está
marcada, como no trecho abaixo retirado do Guia Alimentar para a População
Brasileira (BRASIL, 2006a):
6
Em um país como o Brasil, onde as desigualdades regionais são expressivas, é importante
destacar que a promoção da alimentação saudável pressupõe a necessidade de definição de
estratégias de saúde pública capazes de dar conta de um modelo de atenção à saúde e de
cuidado nutricional, direcionados para a prevenção da desnutrição, incluindo a fome oculta e
outras doenças relacionadas à fome e a exclusão social, como também do sobrepeso, das
2
obesidades e das demais DCNT resultantes da inadequação alimentar ou outra forma de
manifestação da fome. (BRASIL, 2006a, p.16)
Ainda que pareça óbvio que, ao se tratar das questões de nutrição e saúde no
Brasil, trave-se este debate com questões referentes à desigualdade e à pobreza, há
que se destacar que em grande parte das análises elas aparecem como
considerações, fazendo parte da discussão contextual. Desta forma, após o
cumprimento da formalidade de apresentar pobreza e desigualdade como
pressupostos, passa-se ―ao que realmente interessa‖: à organização do serviço, ao
planejamento das ações de prevenção, ao desenvolvimento de materiais educativos
que envolvam (ou responsabilizem) a população na solução dos problemas, entre
outras.
Não é em outra realidade senão nesta, a das desigualdades e da escassez,
sobretudo nos bolsões de pobreza urbanos ou rurais, que estão os desafios mais
profundos de políticas públicas setoriais como de saúde, educação, assistência
social, saneamento, emprego e renda entre outras. Estudos realizados em diversas
partes do mundo apresentam evidências de que ―a estratificação da população de
acordo com seus níveis socioeconômicos define também estratos diferenciais nos
níveis de saúde‖ (BARRETO; CARMO, 2007, p. 1785).
No centro desta discussão encontra-se ainda a confirmação da ―situação
paradoxal do Brasil‖ que apresenta indicadores econômicos incompatíveis aos
indicadores sociais, inclusive os de saúde (BARRETO; CARMO, 2007). A questão
das desigualdades regionais, representadas, sobretudo pela concentração da
riqueza e dos bens, também faz parte deste contexto: ―quando se comparam as
suas zonas mais pobres das cidades com relação as zonas mais ricas, são
observadas imensos diferenciais nos indicadores de saúde.‖ (BARRETO; CARMO,
2007, p. 1787).
Ao debater o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) deve-se ter
como pressuposto que desnutrição, fome, pobreza e miséria não se distribuem ao
acaso. Ao contrário, elas são construções históricas fruto de decisões tomadas pelas
2
Doenças Crônicas Não- transmissíveis.
7
elites econômicas e políticas do país, seduzidas por promessas de lucro farto e
cúmplices de interesses internacionais. Contudo, é cada vez mais comum a
naturalização de contexto de negação de direitos. O atual estágio do capitalismo e
suas conseqüências transformam tudo e todos(as) em mercadoria, criando e
reproduzindo miséria, fome, exploração, desemprego/ subemprego e a falta de
saúde, de água, de terra, de moradia digna, de educação e outros serviços básicos.
As conseqüências são sentidas por todas as pessoas, mas quem mais sofre é a
população que vive nos grandes bolsões de miséria.
Assim, trabalhar pela desnaturalização de situações de opressão deve ser um
compromisso. A Educação Popular e Saúde, ao assumir este compromisso ético de
atuar da denúncia ao anúncio, nos impõe grandes responsabilidades, dentre estas
substituir o discurso vazio pela ―palavra verdadeira‖ (FREIRE, 2005).
Diante deste conjunto de desafios e pressupostos a opção assumida foi a de
realizar uma pesquisa qualitativa baseada na participação Este tipo de pesquisa
opõem-se à tradicional não pelas técnicas utilizadas, mas, sobretudo pelo uso dos
resultados obtidos. Desta forma esta opção ―surge da compreensão de que os
problemas sociais devem ser refletidos a partir, e dentro, da sua realidade que é
complexa e mutante‖ (RIZZINI et al, 1999).
O método de pesquisa em educação popular se constrói num deslocamento
da pesquisa tradicional para uma pesquisa participante. Propõe uma transformação
da relação do tipo sujeito-objeto e para relação sujeito-sujeito ou entre sujeitos.
Nasce de um questionamento das relações entre teoria e prática, reconhecendo que
subjacente a qualquer prática existe uma teoria – ainda que nem sempre explícita ou
assumida. Desenvolve-se numa perspectiva de ―realidade concreta‖ que segundo
Paulo Freire refere-se ao conjunto de dados, fatos e também percepções – estando
nesta definição incluída a teoria.
A etapa inicial consistiu em uma sistematização de experiências, uma das
formas de pesquisa participante. Sistematizar é atividade coletiva de aprendizagem
através da interpretação crítica das práticas em diálogos com a(s) teoria(s)
(HOLLIDAY, 2006a, 2006b). Esta abordagem considera o fato de que não se está
iniciando o debate agora, ao contrário: se valoriza as experiências já desenvolvidas
na localidade, identificando os aprendizados que contribuam com a prática, mas
também com a teoria.
8
Esta pesquisa foi realizada em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio
de Janeiro. Apesar de possuir um elevado PIB (o segundo do estado e o sexto maior
do país) o município conserva grandes bolsões de pobreza e miséria. Possui uma
população estimada em 872.762 habitantes (IBGE, Censos e Estimativas 2008) 3
distribuída em quatro Distritos e 40 bairros, totalizando uma área de 468,3 Km 2.
Com relação aos dados sobre Segurança Alimentar e Nutricional, pesquisa
realizada no segundo Distrito deste município revelou que aproximadamente 53%
das famílias entrevistadas relataram que, considerando os três meses anteriores à
pesquisa, sentiram-se preocupadas com a possibilidade da comida acabar antes de
ter condições de comprar ou receber mais alimentos. Também foi verificado que o
consumo de frutas e verduras foi reduzido, girando em torno de 50% e 65%,
respectivamente. Nas famílias que relataram ―falta de comida‖, o consumo de frutas
e verduras foi bem menor do que entre as famílias que não relataram ―falta de
comida‖ – a principal justificativa para o não consumo está associada ao custo
destes alimentos. Em relação à avaliação nutricional desta população, segundo o
índice de massa corporal (IMC), observou-se que aproximadamente 13% dos
adultos e adolescentes estão em baixo peso e cerca de 40% em sobrepeso
(SALLES-COSTA, 2007; SALLES-COSTA et al, 2008)
Por diversos motivos, ainda é um grande desafio realizar atividades de
educação em saúde e de promoção da alimentação saudável que possam ser
construídas com os usuários de serviços públicos, incorporando o contexto local,
sobretudo quando se trata de um contexto de escassez e vulnerabilidades. Esperase que este estudo apresente elementos que alimentem e provoquem estes debates,
por meio de olhares diversos presentes na escola.
1.4
CAMINHO PERCORRIDO
Tendo em vista as opções metodológicas realizadas neste estudo, cabe neste
momento localizar a caminhada até a escolha deste município e como estou inserida
neste contexto.
3
www.datasus.gov.br
9
No ano de 2002 trabalhei num programa do governo estadual chamado
CRESCER 4 construído em resposta às demandas do Mutirão de Combate à
Desnutrição Materno-infantil 5 . O CRESCER foi extinto na transição do governo
estadual em 2003 de forma abrupta e sem considerar voluntários e beneficiários.
Esta experiência marcante de impotência gerou grandes inquietações sobre a
relação entre sociedade civil, governo e população. A Pastoral da Criança era uma
das entidades que participava do CRESCER e muito me impressionou como
pessoas vivendo sob carências tão próximas às das famílias de crianças desnutridas
dedicavam-se tanto ao propósito de combate da desnutrição e fome. Intrigava-me
saber quais fatores estavam envolvidos naquela forma tão sincera de doação, mas
também questionava como poderiam voluntários assumir funções que eram do
Estado, que deveriam ser assumidas pelo setor saúde.
Estes questionamentos levei para o curso de Especialização em Saúde
Pública e, posteriormente, para o curso de mestrado na Escola Nacional de Saúde
Pública. Obviamente, muitos questionamentos ainda persistem. No decorrer de tais
vivências, a minha vida profissional e acadêmica se encontrou com uma atuação
militante – na Pastoral da Criança, no Conselho Estadual de Segurança Alimentar e
como educadora popular – e por vezes estive em Duque de Caxias em atividades
voluntárias.
Alguns meses depois de ter sido aprovada no doutorado fui convidada a
compor a equipe do Departamento de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável
(Desans) de Duque de Caxias como coordenadora de gestão de programas e
projetos. Neste momento ficou mais óbvia a escolha do local para realizar o trabalho
de campo – apesar do grande receio e o questionamento de como manter o
―afastamento‖ necessário para realizar um trabalho ―verdadeiramente científico‖.
4
Era realizado através da mobilização de voluntários da sociedade civil e representantes do governo
municipal. O objetivo era traçar o diagnóstico nutricional das crianças menores de cinco anos da
região e a sua inclusão no Sistema de Vigilância alimentar e Nutricional (SISVAN) e em programas de
complementação de renda e de combate a carências nutricionais. Foi criado um tíquete para troca por
leite e óleo em supermercados que era distribuído para as crianças desnutridas. Esta ação foi
realizada pouco mais de um ano antes da criação da Estratégia Fome Zero e Programa Bolsa
Família.
5
Criado pela articulação de entidades religiosas e movimentos populares, o Mutirão tem como
principal porta-voz Dom Mauro Morelli. Atuou de forma marcante na região da Baixada Fluminense
estando presente de forma mais marcante nos municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti e
Belford Roxo. Combinou ações de avaliação nutricional e mobilização social em torno do combate à
fome e à desnutrição.
10
Este órgão tem como missão assessorar o prefeito, secretarias municipais e o
Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional na construção do Plano,
Política e Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Duque de Caxias era
naquele momento o único município a possuir tal instância que agora passa a ser
uma exigência para adesão ao Sistema a partir da publicação de decreto
presidencial que regulamenta a Política Nacional de SAN. As principais atividades
realizadas no DESANS (de 2009 a 2012) foram a construção de diagnósticos de
SAN e de estratégias de monitoramento da Insegurança Alimentar; apoio a
implementação da compra da agricultura familiar com o recurso do PNAE; e
acompanhamento da implantação de equipamentos públicos de SAN (Cozinha
Comunitária e Feira Popular da Agricultura Familiar).
Nos últimos meses de pesquisa pedi desligamento do Desans para dedicarme exclusivamente ao trabalho de campo. Durante o período em que trabalhei no
município apenas uma vez tive contato com a equipe do PSE, mas não falei sobre a
pesquisa. Os contatos para apresentar o projeto e solicitar a autorização foram
realizados fora do contexto de trabalho no Desans. Esta interlocução inicial foi feita
com muito cuidado para desde o início estabelecer a relação de confiança
necessária para a realização de uma pesquisa baseada na participação. Apesar de
já conhecer algumas das nutricionistas que atuam de forma direta ou indireta nas
ações do PSE, o contato para apresentar a pesquisa foram os primeiros que tive
com a maior parte das equipes de nível central e local.
O momento de proposição da pesquisa encontrou consonância com uma
demanda da equipe de saúde do PSE que era o registro e organização das ações de
promoção da saúde e prevenção que estavam sendo realizados. Da mesma forma,
houve grande aceitação por parte das nutricionistas em sistematizar suas
experiências e da escola e equipes de Saúde da Família em acolher o diálogo sobre
alimentação, nutrição e saúde.
Para responder as indagações e objetivos propostos pela pesquisa foi
realizado trabalho de campo que teve duração de quatorze meses – entre setembro
de 2011 e novembro de 2012. Participaram doze servidores públicos com funções
na gestão de Secretarias Municipais, seis profissionais de saúde pertencentes a três
11
equipes de Saúde da Família, nove funcionários da escola, seis professores e
oitenta estudantes das quatro turmas de sétimo ano do ensino fundamental.
A tese está organizada em seis capítulos que seguem sequência similar ao
processo de vivência de uma pesquisa participante e converge com os objetivos
apresentados. Os capítulos II e III apresentam a base teórica e a revisão de literatura
que balizam a construção e definição do objeto central da tese. O tema alimentação,
nutrição e saúde é apresentado numa perspectiva de diálogo entre os atuais
desafios do campo e o histórico das políticas públicas relacionados à escola no
contexto de Segurança Alimentar e Nutricional e Direito Humano à Alimentação.
O capítulo IV trata do referencial e do caminho metodológico assumidos na
pesquisa, detalhando procedimentos e cronologia do trabalho de campo. No capítulo
V é realizada a descrição do processo e dos resultados da pesquisa, integrando
análise sobre experiências e práticas educativas relacionadas a alimentação no
contexto escolar e ao Programa Saúde na Escola. São descritos e analisados neste
capítulo
os
dados
coletados
através
de
entrevistas,
da
descrição
de
momentos/espaços de diálogo com os participantes da pesquisa e da observação e
registro em diário de campo.
O último capítulo trata das considerações finais e apresenta reflexões sobre
caminhos para aprofundamento das questões tratadas na tese. Reconhecendo a
complexidade e as dificuldades dos temas abordados, esta parte final apresenta
sínteses desta experiência de pesquisa como conclusões provisórias que pretendem
animar novos debates e provocar reflexões futuras.
A necessidade e potencialidade do fomento e fortalecimento de espaços de
participação
e
construção
compartilhada
de
conhecimento
sobre
o
tema
alimentação, nutrição e saúde na escola e no território, registram-se como as
grandes marcas desta tese. O referencial da Educação Popular & Saúde representa
oportunidade de ampliar a intersetorialidade e a interdisciplinaridade que são
essenciais ao processo de promoção da alimentação saudável e ao apoderamento
do Direito Humano à Alimentação Adequada. As conclusões desta tese alinham-se
com as propostas de ampliação dos espaços de formação para profissionais que
atuam em saúde escolar a partir das dimensões do cuidado e da integralidade no
sentido de reforçar capacidades e sensibilidades para uma atuação que transcenda
12
o cumprimento burocrático de metas e normas, encontrando espaços para diálogos
e aproximações generosas entre diferentes saberes.
13
2
2.1
SITUANDO ALIMENTAÇÃO E SAÚDE NA ESCOLA
EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL
O compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade, de
cujas ‗águas‘ os homens verdadeiramente comprometidos ficam ‗molhados‘, ensopados.
Somente assim o compromisso é verdadeiro. Ao experimentá-lo, num ato que
necessariamente é corajoso, decidido e consciente, os homens já não se dizem neutros. A
neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo
que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta de um ‗compromisso‘
contra os homens, contra a humanização, por parte dos que se dizem neutros. Estão
‗comprometidos‘ consigo mesmos, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos
quais pertencem. E como este não é um compromisso verdadeiro, assumem a neutralidade
impossível. (FREIRE, 1979)
2.1.1 Educação Alimentar e Nutricional: uma revisão dos artigos publicados
no Brasil
Para a construção desta revisão foi realizada busca de artigos no Scielo Brasil
a partir das palavras-chave Educação Nutricional, Educação Alimentar e Educação
Alimentar e Nutricional. A opção por utilizar os três termos deu-se porque, em muitos
momentos, eles têm sido usados como similares ou sinônimos. Pouca atenção tem
sido dada às singularidades e intencionalidades por traz de cada um dos termos.
Examinando publicações oficiais e documentos recentes do governo brasileiro,
Santos
(2005)
constatou
que
também
estes
―[...]
utilizam
as
diferentes
denominações não esclarecendo os motivos de mudanças. Tais termos demandam
um aprofundamento sobre seus reais significados e sentidos‖ (SANTOS, 2005,
p.690).
Outra advertência para a leitura é que se deve ter em conta que os artigos
produzidos podem referir-se ao tema tanto como uma disciplina básica do currículo
dos cursos de nutrição (graduação e pós-graduação), como também a práticas
(ações) com vistas a promoção de hábitos alimentares saudáveis e como uma
atividade inerente ao exercício profissional de nutricionistas. Outra possibilidade é
uma combinação: formação, práticas e exercício profissional.
O Conselho Federal de Nutricionistas, através da Resolução nº 380/ 2005,
define educação alimentar e nutricional como:
[...] procedimento realizado pelo nutricionista junto a indivíduos ou grupos populacionais,
considerando as interações e significados que compõem o fenômeno do comportamento
alimentar, para aconselhar mudanças necessárias a uma readequação dos hábitos
alimentares. (CFN, 2005)
14
Esta mesma Resolução considera hábitos alimentares aqueles que envolvem
o alimento e sua preparação de uso cotidiano sob a influência de cultura, tabus e
tradições de povos ou comunidades. Relaciona o desenvolvimento de ações de
educação nutricional dentre as atribuições do Nutricionista na Alimentação Escolar.
Em glossário do Ministério da Saúde sobre tema em nutrição encontra-se a
definição de alimentação como ―processo biológico e cultural‖ que engloba aspectos
relacionados à escolha, preparação e consumo do alimento entendido como a uma
substância ou conjunto de substâncias comestíveis, adequada ao consumo humano
que garante elementos ao organismo para formação, manutenção, desenvolvimento.
Já a nutrição é entendida como ―estado fisiológico‖ de consumo e utilização biológica
de energia e nutrientes em nível celular. Corresponde ao atendimento das
necessidades orgânicas de nutrientes – substâncias químicas com funções
metabólicas essenciais para ―crescimento,
da
saúde e
da
o desenvolvimento,
a
manutenção
vida‖, normalmente recebidos por meio de alimentos.
Ainda que sejam definições simplificadas e impregnadas de uma conotação
biológica (ou biomédica) dos termos, elas nos orientam no sentido de pensar que a
questão nutricional teria uma conotação mais técnica e de atenção a adequações às
necessidades biológicas e individuais. A questão alimentar estaria relacionada a um
contexto mais amplo relacionado ao consumo e desta forma aberto aos olhares
sobre cultura, hábitos, costumes e cotidiano. A Educação Alimentar e Nutricional, ao
unir os dois componentes representaria, portanto oportunidade de conciliar saberes
e também de complexificar a abordagem.
No contexto atual, repleto de desafios, cada vez mais se reconhece a
necessidade de integrar estes debates ao campo das Ciências Sociais e Humanas,
sobretudo apoiando-se nos debates acerca da cultura e recuperando um lugar para
a abordagem da cozinha e da comida.
Se por um lado, no campo das Ciências Naturais, o valor do ―alimento‖ está,
hegemonicamente, relacionado à sua composição química, qualidade sanitária, inocuidade,
tecnologias de produção e distribuição e possibilidades terapêuticas, por outro, no campo das
Ciências Sociais, a ―comida‖ ocupa um lugar de expressão da estrutura social de um grupo, de
sua organização.[...] Essas concepções não ocupam posições contraditórias, mas refletem
realidades diferentes; são transitórias porque fazem parte de um processo que se (re)constrói
a cada momento de modo diferente, dependendo das regras do campo científico. (CARVALHO
et al, 2011, p.157)
15
Nos artigos pesquisados não foram encontradas marcações ou delimitações
evidentes entre estes conceitos (Educação Nutricional, Educação Alimentar e
Educação
Alimentar
e
Nutricional),
tampouco
foram
percebidos
maiores
investimentos na apresentação de seus significados. Contudo, observando-se a
utilização destes termos enquanto palavras-chave de artigos no Scielo Brasil
constatam-se algumas coincidências em termos cronológicos. Para fins de
comparação analítica os artigos foram divididos em três períodos: o primeiro
iniciando em 1974 referindo-se aos artigos mais antigos disponibilizados no Scielo
Brasil; o segundo iniciando em 1999 ano de publicação da Política Nacional de
Alimentação e Nutrição (BRASIL, 1999); e o terceiro iniciando em 2006 ano em que
foram publicados o Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a
alimentação saudável (BRASIL, 2006a), a Portaria Interministerial nº 1.010 (BRASIL,
2006b) e a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2006c). A
busca bibliográfica foi realizada em setembro de 2011.
Quadro1: Artigos Publicados no Brasil sobre Educação Nutricional, Educação Alimentar e
Educação Alimentar e Nutricional por período – 1974 a 2011
Palavras-chave/ Período
1974 a 1998 1999 a 2005 2006 a 2011
Total
Educação Alimentar e Nutricional
Educação Alimentar
Educação Nutricional
Total
0
3
4
7
0
0
16
16
24
1
10
35
24
4
30
58
No período de 1999 até 2005 foram encontrados 16 artigos no Scielo Brasil e
em todos eles a palavra-chave utilizada foi Educação Nutricional. A expressão
Educação Alimentar e Nutricional só começa a ser utilizada como palavra-chave a
partir de 2006. Entre os anos de 2006 e 2011 ela aparece em 24 dos 35 artigos
registrados neste período em que apenas 01(um) artigo utilizou Educação Alimentar
e 10 (dez) utilizaram Educação Nutricional.
A leitura dos 24 resumos dos trabalhos que utilizam a nomenclatura
Educação Alimentar e Nutricional revela que o termo Educação Nutricional é
utilizado em 9 resumos e que em 11 (onze) resumos ela é substituída por ―outras
16
expressões‖ 6 . Dentre os 30 artigos que utilizam como palavra-chave Educação
Nutricional, 09 (nove) utilizam ―outras expressões‖ e 01(um) Educação Alimentar e
Nutricional.
Dentre os 58 artigos publicados a partir de 1999, 17 utilizaram metodologia
quantitativa, 13(treze) qualitativa, 02 (dois) combinavam metodologia qualitativa e
quantitativa e 18 eram textos de revisão, de análise de textos ou documentos oficiais
ou artigos reflexivos.
Quanto aos objetivos apresentados pelos artigos, boa parte destinava-se a
analisar alguma ação, programas, ou material didático. Os demais estudos
objetivavam levantar questões referentes a comportamento alimentar, hábitos
alimentares e adesão a dietas, além da formação e atuação profissional entre outros.
A escola esteve presente em 13(treze) destes estudos.
Examinando as publicações percebe-se que a EAN tem sido nos últimos dez
anos objeto de estudo com enfoques bem diferenciados. Os temas de que tratam os
artigos são muito diversos: desde aqueles que propõem avaliações do grau de
efetividade da ação educativa por escalas numéricas até os de cunho mais reflexivo.
Para reflexão proposta por esta tese, os últimos foram destacados a fim de
recuperar contribuições críticas para a análise do tema.
Em consonância com os objetivos desta tese interessaram sobretudo as
reflexões realizadas a partir de experiências desenvolvidos no ambiente escolar. A
escola tem sido apresentada como espaço privilegiado para a educação alimentar e
nutricional (por exemplo em SCHIMITZ et al, 2008; CANINE; RIBEIRO, 2007;
DAVANCO et al, 2004; COSTA et al, 2001). A constatação de um perfil
epidemiológico cuja prevenção associa-se a hábitos alimentares saudáveis é
utilizada para justificar tal debate.
O artigo de Davanco (2004) coloca o professor como ―membro central da
equipe de saúde na escola‖ (DAVANCO, 2004, p. 179). Em seu artigo avalia um
curso de 30 horas sobre nutrição, atividade física e saúde para professores e
apresenta resultados quantitativos que justificam este tipo de intervenção. Ressalta
6
Nos resumos dentre as ―outras expressões‖ utilizadas como substitutas aparecem referências a:
cuidado alimentar, promoção ou formação de hábitos alimentares saudáveis, assistência à
amamentação, intervenção nutricional, aconselhamento dietético, educação em nutrição, intervenção
nutricional educativa.
17
fortemente o discurso da prevenção associada aos fatores de risco e fundamenta
seu estudo na construção de habilidades para diferenciar ―escolhas adequadas e
inadequadas‖ (DAVANCO, 2004, p. 180).
Nos artigos de Caniné e Ribeiro (2007) e de Costa (2001) a Promoção da
Saúde é eleita como caminho para este debate. Valorizam a incorporação da
educação alimentar e nutricional nas escolas tendo como premissa uma visão
ampliada de saúde. Ambos os artigos debatem a atuação do profissional
nutricionista no contexto da promoção da saúde na escola no âmbito do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Destacam Caniné e Ribeiro (2007) que
educação apenas se realiza por meio da transformação da realidade.
[...] a educação exige conscientização dos atores envolvidos, o que se faz por meio do diálogo
democrático, que permite negociar as relações de poder. Isso configura uma relação de ensino
aprendizagem baseada em processos dialógicos. (CANINÉ; RIBEIRO, 2007, p.55)
De forma semelhante, Costa e colaboradores (2001) debatem a EAN na
escola, afirmando ser este um espaço propício para ―provocar o diálogo com a
comunidade escolar sobre fatores que influenciam suas práticas alimentares diárias,
possibilitando questioná-las e modificá-las‖ (COSTA et al, 2001, p. 298). Como
grande desafio destacam a necessidade de se superar a visão da alimentação
escolar ―apenas na sua dimensão assistencial‖ visto que isto obscurece suas
possibilidades educativas. Ressaltam que não é neutra a atividade educativa do
nutricionista na escola porque recebe influência do contexto social, político e
econômico em que atua. Sobre o papel do especialista e a atuação na escola,
Caniné e Ribeiro (2007) completam:
[...] para produzir mudanças práticas de saúde nos lugares onde essas práticas se fazem
presentes, inclusive na escola, é necessário implantar ações educativas que aproximem
especialistas e equipes de trabalho, baseadas em valores de natureza humanitária e de
solidariedade, reconhecendo a saúde como direito de todas as pessoas. (CANINÉ; RIBEIRO,
2007, p.66)
Os argumentos dos artigos afinam-se com as propostas de promoção da
alimentação saudável nas escolas, firmada na Portaria Interministerial nº 1.010, de
maio de 2006 (BRASIL, 2006b), que estabelece princípios e diretrizes para alcançar
uma alimentação saudável em ambiente escolar.
Das contribuições do setor saúde aos debates merece destaque a
incorporação da abordagem da Promoção da Saúde e, em conseqüência, da
promoção de hábitos alimentares saudáveis. Este discurso esteve presente em
18
grande parte dos artigos publicados a partir de 1999 – período histórico de interesse
a esta revisão.
A promoção da saúde como resposta às limitações do modelo biomédico e a
necessidade de ampliação do conceito de saúde é apresentado no artigo de Ferreira
e Magalhães (2007) que suscita o debate sobre este tema a partir de sua
aproximação com temas da alimentação e nutrição. As autoras apresentam a
alimentação sob a ótica do direito humano e recordam que o combate à desnutrição,
à fome e a má nutrição têm estado na pauta das conferências internacionais de
promoção da saúde. Sobre a articulação entre estes campos afirmam as
contribuições da promoção da saúde para alimentação e nutrição:
Fundamentalmente por se tratar de uma estratégia que articula diferentes setores e atores
sociais, onde passam questões como: modelo de saúde sob o enfoque da integralidade;
articulação de saberes técnicos e populares; capacitação dos indivíduos; parcerias nas ações;
intersetorialidade de órgão públicos e privados; reforço da ação comunitária; educação
popular; ética pública; entre outros. (FERREIRA; MAGALHÃES, 2007, p.1677)
As autoras refletem ainda acerca de mudanças curriculares necessárias à
formação de profissionais com base no modelo da integralidade e capazes de
articular fatores biológicos da nutrição como sua dimensão social, em busca da
superação de práticas de formação fragmentadas e de uma percepção mais
profunda dos problemas alimentares. Destacam ainda que este movimento pode ser
uma importante contribuição para as queixas de insatisfação, frustração e
impotência revelada por muitos nutricionistas. Sinalizam para a necessidade de
transcender os modelos tradicionais de educação alimentar e nutricional, por meio
da construção de espaços participativos que permitam a aproximação da realidade e
a superação da tradicional relação hierárquica entre profissionais de saúde e
usuários de serviços (FERREIRA; MAGALHÃES, 2007).
Santos (2005) em seu artigo acerca da educação alimentar e nutricional no
contexto da promoção da saúde destaca que o termo ―promoção de práticas
alimentares saudáveis‖ passa a constar com freqüência dos documentos a partir do
final da década de 1990, aliando-se ao discurso de estilo de vida saudável. Mais
adiante ressalta que a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) tem
como avanço o fato de contrapor-se ao modelo de atenção à saúde, prevalente a
partir de 1970 também no campo da alimentação e nutrição, de uma abordagem
centrada em grupos de risco, mas matem o foco na ―disseminação de informação‖,
19
ação que considera necessária, mas que não abrange aspectos mais complexos,
conflituosos e conflitantes da educação alimentar e nutricional.
A dupla carga da má nutrição no Brasil (persistência da desnutrição e de
carências nutricionais e emergência da obesidade e de doenças crônicas não
transmissíveis) é sem dúvida alguma justificativa para este diálogo entre educação
alimentar e nutricional e a promoção da saúde presente nestes e em outros artigos
produzidos neste período. Trata-se de pensar novas abordagens para temas de
grande impacto para saúde coletiva.
Aparece como consenso entre os artigos analisados o desafio de superar a
fragmentação do conhecimento e de atuação desde a formação do nutricionista até
as práticas em escolas e serviços de saúde, promovendo um debate crítico sobre o
atual papel da Educação Alimentar e Nutricional.
Santos (2005) ressalta a importância de se ―discutir abordagens teóricometodológicas
utilizadas
nas
práticas
educativas‖,
não
numa
perspectiva
instrumental apenas, mas restabelecendo ―novas relações entre o técnico e o
político‖ (SANTOS, 2005: 690).
Parece haver um preconceito em discutir a dimensão pedagógica no processo de formação,
sob o risco de ser considerado ‗tecnicista‘ ou ‗alienado‘ dos reais problemas nutricionais da
população brasileira, em especial após as severas críticas levantadas na década de 1980.
(SANTOS, 2005, p. 690)
A problematização aparece como possibilidade nos texto de Ferreira e
Magalhães (2007). Já no texto de Rodrigues e Boog (2006) é assumida como opção
metodológica por ser um processo que ―resgata aspectos particulares da história de
vida, bem como os determinantes sociais, políticos e culturais, com o objetivo e fazer
com que o sujeito desse processo descubra-se singular dentro do coletivo‖
(RODRIGUES; BOOG, 2006: 929). A problematização propiciaria a ruptura de um
padrão dicotômico de pensamento muito comum que se concretiza no ―comer certo
e comer errado‖. Comer certo como ideal inatingível que pressupõe a exclusão de
alimentos maus, representa uma visão que é reforçada pela autoridade de
profissionais de saúde que ―desconhecendo outras formas de abordar o problema,
repetem o que tradicionalmente lhes foi transmitido‖ (RODRIGUES; BOOG, 2006:
925).
A ciência tem na sociedade moderna sua ―autoridade e capacidade de
produzir um discurso legitimo, racional, baseado na incontestável verdade‖
(SANTOS, 2005: 688). Acredita-se dessa forma que a divulgação desse discurso
20
pode por si só influenciar nas escolhas dos sujeitos, contudo a experiência com
outros temas tem mostrado que o discurso científico por si só não tem provocado as
mudanças de comportamento individual da forma que se esperava (SANTOS, 2005).
A centralidade na informação e na mensagem traz questionamento ao papel
dos profissionais de saúde, que passam a ser visto como meros ―veículos de
transmissão‖, prescindindo-se assim do papel mediador numa relação dialógica. O
risco de retomada do mito da ignorância faz-se presente, uma vez que a
responsabilização dos indivíduos no seu processo saúde-doença reduz o ―seu
estado de saúde a uma questão individual e de escolhas‖ (SANTOS, 2005: 688).
Pode-se afirmar, a partir deste levantamento, que há um reconhecimento da
pertinência de um investimento acadêmico sobre educação alimentar e nutricional. A
questão das técnicas e métodos, assim como da intencionalidade e objetivos
fizeram-se presente em grande parte dos artigos. O diálogo entre o saber popular e
saber científico (ou técnico) foi uma questão apresentada como pertinente para o
aprimoramento da EAN tanto nas escolas, como em serviços públicos de saúde e
também na formação profissional.
Num discurso que se afina com as atuais reflexões acerca da Segurança
Alimentar e Nutricional, a EAN tem como desafio redefinir seu foco: o alimento passa
a ser visto enquanto direito humano e insumo essencial à vida e à promoção da
saúde. A (re)emergência da EAN no contexto atual de políticas públicas encontra-se
pautada na atuação intersetorial, crítica e articula aspectos biológicos, sociais,
ambientais e culturais.
Atualmente tem se avançado nos debates teóricos acerca da importância das
ações intersetoriais, interdisciplinares e integradas para a garantida de uma boa
qualidade de vida e de saúde. Ainda assim muitas são as dificuldades para caminhar
do discurso à prática, dentre elas a questão da formação profissional merece
destaque. A formação dos profissionais de saúde pautada no modelo biomédico traz
para o discurso sobre alimentação um tom de mecanicismo estéril e autoritário,
reproduzindo nas atividades educativas as informações como foram recebidas
durante a graduação ou pós-graduação, independente do local, momento e
população em questão.
Analisando o discurso cientifico da Nutrição, Bosi (1988) destacou que a
ciência da nutrição ao desconsiderar a historicidade e ao sugerir uma concepção dos
problemas nutricionais como disfunções a serem corrigidas, abre espaço para as
21
mais diversas intervenções ―desde os tradicionais Projetos de Educação Nutricional
e Suplementação Alimentar, passando pelos programas de controle de natalidade,
até transferência de tecnologia e know-how‖ (BOSI, 1988, p. 57). Para esta autora,
ao apresentar um discurso científico idêntico ao de outras ciências da saúde, a
Nutrição explica os problemas nutricionais esquecendo de considerar que neste
caso:
o ‗agente etiológico‘ é a falta de alimentos (que deriva de um conjunto de relações); os
‗hospedeiros‘ não são quaisquer indivíduos, mas determinadas classes sociais; e o ‗ambiente‘
também é resultado histórico.(BOSI, 1988, p.11)
Quando se fala em alimentação e nutrição o componente sabor/ paladar não
pode ser esquecido. Os aspectos sócio-culturais relacionado à comida, às refeições
e à mesa precisam não só ser levados em conta, mas entendidos como peça-chave
desta equação (RODRIGUES; BOOG, 2006; SANTOS, 2005; LIMA, 1998; FREITAS,
1997)
As classes têm um conteúdo sócio-cultural especifico concreto, no qual se configuram e se
expressam não os hábitos alimentares, mas um modo de conceber o alimento e a vida no
interior da cultura global de acordo com o momento histórico a que se referem. Isto poderá
projetar um novo campo de visibilidade sobre a questão alimentar, redefinindo o objeto da
educação nutricional em bases históricas e propriamente culturais (LIMA, 1998).
No Brasil dentre as marcas das desigualdades sociais está a configuração de
paladares desiguais ―historicamente distribuídos por modos desiguais de vida‖
(FREITAS, 1997, p.45). Neste sentido, a racionalidade, marca de uma modernidade
que pode apresentar-se como ―escassa e faminta‖ ou como ―opulenta e ostensiva‖
(FREITAS, 1997, p.45). Na realidade, o atual o debate sobre EAN precisara levar em
conta que a sociedade contemporânea pauta-se nas escolhas, no individualismo, na
racionalidade e no consumo. Esta ―sociedade de consumo é uma sociedade
obesogênica‖ (RODRIGUES; BOOG, 2006, p.924).
As mudanças de comportamento alimentar devem ser fruto de processo
reflexivo, sem esperar uma mera transmissão de informação. Com freqüência se
esquece de que proporcionar saúde é criar meios de ampliar capacidade de
autonomia e bem-estar (RODRIGUES; BOOG, 2006, p.928).
A Educação Alimentar e Nutricional deve se constituir em ―processo de
aprendizagem e não de adestramento‖ (FERREIRA; MAGALHÃES, 2007, p.1678),
desenvolvendo habilidade individuais que subsidiem ―a tomada de decisões dos
indivíduos
que
outrora
foram
culpabilizados
pela
sua
ignorância,
sendo
posteriormente vitimas da organização social capitalista, e se tornam agora providos
22
de direitos e são convocados a ampliar seu poder de escolha e decisão‖ (SANTOS,
2005, p.688). Deve proporcionar ―ao indivíduo condições para que possa tomar
decisões para a resolução de problemas mediante fatos percebidos‖ (RODRIGUES;
BOOG, 2006, p.924).
2.1.2 A Educação Alimentar e Nutricional e sua interface com as políticas
públicas
A Educação Alimentar e Nutricional (EAN) desenvolveu-se de forma
concomitante ao processo de consolidação da Nutrição como campo de
conhecimento e área de atuação profissional no Brasil. Os trabalhos de Boog (1997),
Lima (1998) e Valente (1989) têm sido citados de forma recorrente nos artigos
acerca do tema e por este motivo fazem parte deste breve histórico.
A desnutrição como problema social e de saúde pública entra em debate nas
décadas de 1930 e 1940 quando, segundo Vasconcelos (1994), verifica-se: a
―descoberta científica da fome‖ (o surgimento da Nutrição – a ―ciência da fome‖), a
criação da prática profissional em nutrição (criação dos ―trabalhadores da fome‖) e a
instituição da Política Social de Alimentação e Nutrição (a ―política da fome‖). São
desencadeadas pesquisas e publicações sobre alimentação e nutrição com a
finalidade de definir um campo de conhecimento teórico e conceitual (BEZERRA,
2009).
Iniciam-se as ações de EAN que, desde os primórdios (décadas de 1930 e
1940), foram vistas como estratégias importantes no âmbito das políticas públicas de
alimentação e nutrição (BOOG, 1997; LIMA, 1998).
[...] no período de 1934 e 1946 que se iniciaram os estudos sistemáticos sobre a ciência da
nutrição e, no seu âmbito, a educação alimentar. [...] o período de 1934 e 1939, caracterizado
por uma produção intelectual voltada para a configuração das bases cientificas da alimentação
racional, na perspectiva da caracterização inicial do objeto e dos modelos da ciência da
nutrição em formação, e, no seu âmbito, a educação alimentar, e o período de 1940 a 1946,
caracterizada por uma produção centrada no processo de reordenação do conhecimento
anteriormente produzido, na perspectiva da síntese e definição precisa dos marcos conceituais
e disciplinas deste campo [...](LIMA, 1998, p.3).
Os
estudos
sobre
Nutrição
realizados
neste
período
sistematizam
necessidades nutricionais em termos de uma ração alimentar média e desenvolvem
preceitos para ações de higiene alimentar e programas de assistência alimentar.
Nesta medida, apontam a possibilidade da construção de um discurso normativo
justificado pela ignorância alimentar da população (LIMA, 1998). Tal produção de
23
conhecimento serviu aos interesses em pauta no momento7 e a educação alimentar
foi tomada em uma dimensão utilitarista, tornando-se um dos pilares de programas
governamentais de proteção ao trabalhador (BOOG, 1997).
A utilidade da educação alimentar estava na divulgação do valor dos alimentos para
racionalizar seu consumo de acordo com as exigências fisiológicas, ensinando a selecioná-los,
conservá-los e prepará-los com base em um cardápio racional que garantisse o uso racional
do orçamento doméstico e corrigisse os erros e defeitos da alimentação (LIMA, 1998).
Neste período foram inestimáveis as contribuições de Josué de Castro para as
políticas públicas de alimentação e nutrição no Brasil. Nascido em Pernambuco,
Josué de Castro foi médico, geógrafo e deputado e influenciou inúmeras ações de
combate à fome no Brasil e no mundo. Em seu clássico livro Geografia da Fome: o
dilema do pão ou aço, publicado em 1946, apresentou as marcas e diferenças
regionais da alimentação do brasileiro, identificando a existências de localidades
onde a fome constituía-se em problema endêmico (CASTRO, 2001).
Ao longo dos anos esta obra vem sendo reafirmada como marco dos debates
de alimentação e nutrição por vários motivos entre eles por levantar de forma
corajosa o tema fome e seus determinantes socioeconômicos, políticos e culturais;
por debater e contextualizar conceitos afins; por embasar a discussão e elaboração
de políticas públicas através do primeiro mapa da fome produzido no Brasil e por
afirmar o combate à fome e às desigualdades como pauta obrigatória para o
desenvolvimento econômico e social do país (CASTRO, 2001).
Em 1952 foi elaborado o plano de Conjuntura Alimentar e Problemas de
Nutrição no Brasil que dentre outras atividades, tratava da Campanha de Merenda
Escolar, único esforço que prosperou durante este período (SILVA, 1994). Em 1954
o Brasil encaminha ao UNICEF pedido de financiamento para o Programa Nacional
de Merenda Escolar, recém oficializado (COUTINHO, 1988)8. A educação nutricional
7
Os cientistas da Nutrição, apoiados no reconhecimento da associação da fome com a pobreza
extrema e com práticas alimentares e serviços de saúde inadequados e, aproveitando o caráter
―populista‖ do Governo Vargas, sugerem ações voltadas à alimentação e nutrição dirigidas às
camadas populares, dentre estas o Serviço de Alimentação da Previdência Social – SAPS e a Lei do
Salário Mínimo foi regulamentada em 1938 e determinava um valor correspondente a uma ―ração
essencial mínima‖ para atender as necessidades nutricionais diárias de um trabalhador, excluindo por
tanto sua família (COUTINHO, 1988).
8
―Programa Alimentos pela Paz‖ (UNICEF) foi concedido a países pobres e tratava-se do
fornecimento de alimentos proveniente de ajuda internacional. As indústrias de formulados eram
consideradas como de ―segurança nacional‖, porque seus produtos eram fornecidos as Forças
Armadas, assim para garantir seu mercado passam a fornecer tais produtos para a merenda escolar
(COUTINHO, 1988). Até então tais alimentos como sopas desidratadas e alimentos a base de soja
não faziam parte dos hábitos alimentares dos brasileiros.
24
neste período tinha como propósito contribuir para a introdução de novos alimentos,
com destaque para a soja, para legitimar o recebimento de ajuda externa (BOOG,
1997, p. 6).
Durante a década de 1960 as ações destinavam-se ao aumento da produção
de alimentos e a redução do crescimento populacional (VALENTE, 1989). No Brasil
as ações propostas neste período sugerem respostas para a fome com ênfase no
alimento enquanto um produto, uma ração essencial.9
A década de 1970 marca o início dos inquéritos de base nacional, permitindo
o acompanhamento da evolução nutricional da população, e o predomínio da
abordagem de grupos e fatores de risco. Boog (1997), citando Castro e Peliano
(1985), ressalta que ―o binômio alimentação/educação foi substituído pelo binômio
alimentação/renda, e os programas de educação alimentar partem para o ‗exílio‘‖
(BOOG, 1997, p.6), marcando um período em que as ações de educação nutricional
chegam a ser rejeitadas. As estratégias de suplementação alimentar passam a ser a
tônica dos discursos e ações governamentais.
O trabalho de Valente (1989) marca algumas críticas aos modelos até então
desenvolvidos e alerta sobre os riscos da chamada ―educação nutricional tradicional‖
que, segundo o autor, tem sido eficiente ao cumprir o papel de favorecer a
perpetuação dos processos sociais de exploração, visto que ao colocar a culpa pela
desnutrição sobre o desnutrido ou sobre a mãe do desnutrido, desvia a atenção dos
reais mecanismos que a causam. Cumpre assim funções ideológicas de ―dar a
impressão de que algo está sendo feito para resolver o problema‖ e ―atribuir
tranqüilamente o eventual fracasso do programa à resistência individual a mudanças
ou falhas por parte dos educadores‖ (VALENTE, 1989).
Em estratégia educativa sob tal concepção ―não existe comunicação entre os
sujeitos e, sim, comunicados feitos pelo educador, considerado aquele que sabe‖
(CANINÉ; RIBEIRO, 2007: 54). São ações que ainda que possam ser consideradas
importantes, não são suficientes. No Brasil, país extenso com muitos contrastes e
desigualdades, o direito humano à alimentação está em constante ameaça e é
9
O Governo Militar amplia a utilização de ajuda internacional ―Programa Alimentos pela Paz‖
(UNICEF) e formulados nacionais. Estas indústrias eram consideradas como de ―segurança nacional‖,
porque seus produtos eram fornecidos as Forças Armadas, assim para garantir seu mercado passam
a fornecer produtos formulados para a merenda escolar (COUTINHO, 1988). Até então tais alimentos
não faziam parte dos hábitos alimentares dos brasileiros.
25
preciso avançar em propostas que contribuam para redução de iniqüidades
(FERREIRA; MAGALHÃES, 2007).
Deve-se, contudo reconhecer que são grandes os desafios relacionados à
defesa e conquista dos direitos humanos e que movimentos populares têm atuado
em várias frentes pela garantia de direitos sociais, econômicos e políticos. Numa
conjuntura em que uma relevante arena de debates é a da constituição de políticas
públicas
para
a
garantia
de
direitos fundamentais
é
preciso
análise
e
reconhecimento tanto de avanços como de entraves que no Brasil vem sendo
vivenciado de forma mais ativa a partir do período de redemocratização
(CARBONARI, 2003).
Para Santos (2005) a década de 1980 marca um período de contribuições
importantes para uma nova perspectiva de educação alimentar e nutricional através
da ―educação nutricional crítica‖ que influenciou o conteúdo desta disciplina básica
dos currículos para formação de nutricionistas.
Tal concepção identifica haver uma incapacidade da educação alimentar e nutricional em, de
forma isolada, promover alterações em práticas alimentares. [...] pressupunha assumir o
compromisso político de colocar nossa produção técnica e cientifica a serviço do
fortalecimento das classes populares em sua luta contra a exploração que gera a fome e a
desnutrição (SANTOS, 2005, p.682).
Boog (1999) afirma que passados 20 anos a educação nutricional sai do
―exílio‖ com ações desenvolvidas num ―palco de contradições‖ (BOOG, 1999, p.
145): de um lado a fome e do outro os excessos alimentares, mesmo entre as
classes populares; a necessidade ainda presente de políticas públicas de assistência
alimentar e de outro o reconhecimento da importância de um olhar técnico às
singularidades. No que se refere à Educação em Saúde um discurso que caminha
para a incorporação de uma visão ampla de saúde, a partir da concepção de saúde
prevista na Constituição Brasileira, e uma realidade em que a população anseia pelo
tratamento das doenças. Por fim, a contradição do profissional nutricionista entre a
exigência de aprimoramento científico e tecnológico e o grande desafio de recuperar
um recurso antigo da educação: a palavra (BOOG, 1999).
A luta contra a fome e a desnutrição ganha força no início da década de 1980,
em meio à reorganização do sindicalismo, do movimento sanitarista e da sociedade
civil no Brasil, na luta pela democratização do país após a ditadura militar. Nessa
época, de acordo com Valente (2002) ainda era proibido falar em fome, mesmo
sendo parte do cotidiano de grande parte da população.
26
Em 1991 o Instituto Cidadania elaborou proposta de ação tendo os seguintes
eixos: políticas de incentivo à produção agroalimentar (reforma agrária, política
agrícola e política agroindustrial); política de comercialização agrícola (preços
mínimos, estoque reguladores e gestão de entrepostos); distribuição e consumo de
alimentos por meio de descentralização do setor varejista, controle de preços e
margens, ampliação dos programas de distribuição de alimentos básicos; ações
emergenciais de combate à fome. Este documento era o Projeto Fome Zero, que
lançado pelo chamado ―Governo Paralelo‖, referia-se a uma Política de Segurança
Alimentar para o Brasil. (INSTITUTO CIDADANIA, 2001).
A proposta foi apresentada ao Governo Collor, contudo não encontrou eco. Em
1992, com o impeachement do presidente Collor e conseqüente início do Governo
Itamar Franco, a proposta foi reapresentada em fevereiro de 1993 e, em maio do
mesmo ano foi criado o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA),
integrado por oito ministros e 21 representantes da sociedade civil, em sua maioria
indicados pelo Movimento pela Ética na Política. Neste momento o CONSEA
começou a coordenar a elaboração e implantação do Plano Nacional de Combate à
fome e à Miséria. Segundo Valente, de forma inédita o governo federal, reconheceu
o círculo vicioso formado pela fome, a miséria e a violência e definiu seu
enfrentamento como prioridade (VALENTE, 2002).
A partir da mobilização de movimentos sociais e populares foi instituído o
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) em 1993 e
realizada em 1994 a ―I Conferencia Nacional de Segurança Alimentar‖ convocada
pela Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida e pelo CONSEA reuniu mais de
2 mil delegados de todo país, com grande participação da sociedade civil, e em seu
relatório final apresentou a concentração de renda e de terra como um dos principais
determinantes da fome (VALENTE, 2002).
Em 1994 com a eleição de Fernando Henrique Cardoso o CONSEA foi extinto
e o debate da SAN fica restrito aos espaços da sociedade civil (ABRANDH, 2010;
CONTI et al, 2008). Segundo Valente (2002) este novo governo não se viu obrigado
a respeitar compromissos assumidos no período pré e pós-eleitoral, no sentido de
dar continuidade ao trabalho de parceria no CONSEA. Parte da sociedade civil foi
excluída do processo de negociação para criar o novo Conselho do Comunidade
Solidária. Este Conselho passa a ser efetivamente um organismo governamental de
27
consulta, tendo sua presidência exercida por pessoa de escolha do presidente da
República, no caso Ruth Cardoso (VALENTE, 2002).
Assim, constata-se que a partir de meados da década de 1990 os debates
sobre alimentação no âmbito das políticas públicas no Brasil têm sido fortemente
pautados pela perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que é a
realização do direito de todas e todos a uma alimentação adequada em qualidade e
quantidade suficiente, sem que a garantia deste direito comprometa a outros direitos
essenciais (moradia, vestuário, educação, saúde, outros) com base em ações
promotoras de saúde e levando em conta a sustentabilidade ambiental, social e
econômica.
Em 2003, quando o governo Lula toma posse, o Fome Zero é apresentado
como Programa e cria-se o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar
(MESA). Ainda durante o primeiro mandato o Fome Zero passa a ser apresentado
como Estratégia e as ações mais visíveis do MESA foram incorporadas ao Ministério
de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)10.
Santos (2005) identifica que a proposta da educação alimentar e nutricional
no âmbito do Programa Fome Zero11(PFZ) alia-se aos pressupostos defendidos na
Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), aborda a importância da
educação alimentar
como ação de prevenção tanto da desnutrição como da
obesidade e reforça o papel do Estado frente a questão educacional e do
desenvolvimento de campanhas. Destacou que o Programa Bolsa Família 12(PBF)
também prevê atividades educativas de alimentação e nutrição, no entanto destaca
que não estavam claras as concepções e formatos destas ações demandando
outros estudos. Examinando o contexto atual das práticas da alimentação e nutrição
afirma que a EAN mais uma vez está sendo reflexo da conjuntura política. Completa:
[...] ao mesmo tempo em que é apontada sua importância estratégica, o seu espaço não se
apresenta claramente definido. A educação alimentar e nutricional está em todos os lugares e,
ao mesmo tempo, não está em lugar nenhum (SANTOS, 2005, p.688).
10
Em 2007 foi criada a Câmara Interministerial para Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) é
composta por 19 Ministérios e atua sob a coordenação do MDS. A Política Nacional de Segurança
Alimentar foi instituída nos últimos dias de mandato do Presidente Lula pelo Decreto n º7.272/2010 e
o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi publicado em 2011.
11
Documento elaborado em 2001 pelo Instituto Cidadania.
12
O PBF é hoje a ação de maior visibilidade do PFZ que foi incorporado como estratégia de governo
no inicio do primeiro mandato Lula e é atualmente definido como ―uma estratégia impulsionada pelo
governo federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada às pessoas com
dificuldades de acesso aos alimentos.‖ http://www.fomezero.gov.br/o-que-e
28
Em pesquisa realizada pelo Ibase com representantes de movimentos sociais
de várias partes do país questionou-se: ―Como garantir o DHAA aos brasileiros mais
vulneráveis à fome?‖ A pesquisa pretendia aprofundar que outras possibilidades,
além do PBF, estão disponíveis e em disputa. Foram realizados 06 (seis) grupos de
diálogo em que o resultado final foi similar: na atual realidade brasileira não há como
abrir mão do PBF e das ações de assistência alimentar de forma imediata, contudo o
caminho melhor para garantir o DHAA seria a geração de trabalho e renda. Houve
grande destaque para garantia de salário e carteira assinada. A grande dificuldade
dos grupos foi identificar que ações poderiam ser propostas para gerar renda,
sobretudo nos centros urbanos (IBASE, 2009). Como ressalta Castel (2009) ser
assalariado – que em outros períodos históricos foi associado à situação incerta,
indigna e miserável – hoje está associado à proteção social. Acrescenta o autor:
[...] a situação atual é marcada por uma comoção que, recentemente, afetou a condição
salarial: o desemprego em massa e a instabilidade das situações de trabalho, a inadequação
dos sistemas clássicos de proteção para dar cobertura a essas condições, a multiplicação de
indivíduos que ocupam na sociedade uma posição de supra-numerários, ‗inempregáveis‘,
inempregados ou empregados de um modo precário, intermitente. De agora em diante, para
muitos, o futuro é marcado pelo selo do aleatório.‖ (CASTEL, 2009, p.21)
Segundo Höfling (2001) as políticas públicas referem-se às ações que o
Estado desenvolve através de programas e projetos de governo destinados a
setores da sociedade. O Estado assume desta forma sua responsabilidade de
envolver órgãos públicos e organismos da sociedade na implementação destas
políticas. As políticas sociais são aquelas circunscritas nas ações de proteção social
implementadas pelo Estado, com a função de redistribuir benefícios sociais e
diminuir
―desigualdades
estruturais
produzidas
pelo
desenvolvimento
socioeconômico‖ (HÖFLING, 2001:31).
Para Faleiros (2007) as políticas sociais têm fundamental importância e
funções reconhecidas no Estado capitalista: ao mesmo tempo políticas sociais são
resultado da luta de classe e contribuem para reprodução das classes sociais.
Acrescenta Faleiros que:
Essa contradição é dissimulada por ideologias humanistas, progressistas e liberais, que
apresentam estas medidas como instrumentos de igualdade social, de melhoramento de bemestar, de igualdade de oportunidades. As intervenções do Estado neste setor são explicadas
pela relação existente entre sociedade civil e órgãos do poder que a sociedade concreta
(formação social) proporciona. [...] mediações realizadas pelo Estado se limitam e se
dinamizam pela força de dominação desta burguesia, e pelas contradições e as exigências das
diferentes frações da burguesia e pela força dos movimentos das classes subordinadas, de
sua capacidade de obter concessões e/ou construir alternativas concretas ao poder existentes.
(FALEIROS, 2007, p.46)
29
Portanto, para uma análise crítica e responsável é preciso ter em conta que é
neste contexto de contradições e desafios que vêm sendo (re)construídas as
políticas sociais brasileiras. Este é um alerta sobretudo para aquele profissional que
se engaja e assume o compromisso ético de colocar-se a serviço da difícil e
gigantesca tarefa de problematizar a realidade e contribuir para o desvelamento das
raízes de injustiças e desigualdades muitas vezes encobertas por estas mesmas
políticas sociais.
O exame atento das publicações deste período vai reconhecer propostas de
educação alimentar e nutricional no decorrer destes últimos dez anos. Propostas
muito diversas, com concepções variadas e que passam, nos últimos anos, a
assumir um posicionamento mais próximo ao debate sobre o DHAA. Poder-se-ia
então sugerir que mais uma vez a concepção de EAN esteve (está) sob influência de
um ciclo de políticas públicas.
Neste contexto, passa a ter lugar na pauta pública debates tanto sobre
escopo de atuação quanto sobre a perspectiva a ser assumida pela EAN nas ações
e discursos oficiais. Este debate passa a ocupar não só os espaços relacionados ao
setor saúde, mas também a setores como educação, assistência social e
desenvolvimento agrário. O novo cenário marca uma tentativa de superar a lógica
tradicional de ações centradas no combate à fome, embora se reconheça que as
ações de assistência alimentar ainda sejam necessárias dadas às desigualdades e
injustiças históricas.
No que se refere ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), a
partir da Resolução CD/FNDE nº 38/ 2009 (BRASIL, 2009a) fica definido como
educação alimentar e nutricional: ―o conjunto de ações formativas que objetivam
estimular a adoção voluntária de práticas e escolhas alimentares saudáveis,
que colaborem para a aprendizagem, o estado de saúde do escolar e a
qualidade de vida do indivíduo‖. Define-se ainda um conjunto de ações de EAN
pertinentes na escola a oferta de alimentação saudável, as hortas pedagógicas, a
inserção do tema alimentação saudável no currículo, oficinas culinárias, atividades
de formação para a comunidade escolar, entre outras.
No âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) foi criada a Coordenação Geral de Educação Alimentar e Nutricional
(CGEAN) que faz parte da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional. A CGEAN definiu e incorporou aos seus editais uma perspectiva de EAN
30
pautada Direito Humano à Alimentação Adequada, que articula as diversas
dimensões da Segurança Alimentar e Nutricional em seus aspectos culturais,
regionais, históricos, sociais, econômicos, biológicos e afetivos, compreendendo
todo o ciclo de vida. Esta orientação destinou-se a toda atividade em equipamentos
públicos de SAN prevendo que as atividades educativas deveriam:
[...] promover a alimentação adequada e saudável como um prazer cotidiano, de modo a
estimular a autonomia do indivíduo para escolhas alimentares saudáveis, valorizar e respeitar
as especificidades culturais e regionais dos diferentes grupos sociais e etnias, promovendo
também a mobilização social (BRASIL, 2009b).
A CGEAN orientou ainda que os projetos e ações relacionados ao MDS as
atividades de EAN fossem baseados em metodologia problematizadora:
[...] pautada na observação da realidade local de modo a identificar os problemas sociais que
atingem a população a ser atendida pelo projeto. Identificados os problemas, são propostas
análises reflexivas, em conjunto com representantes da comunidade beneficiada, acerca dos
condicionantes e determinantes sociais das causas dos problemas a serem trabalhados. [...]
inicia-se o processo de tomada de decisões que deverão ser executadas ou encaminhadas
considerando o contexto sócio-político da localidade. Uma vez aplicadas as ações planejadas,
devem ser elaborados mecanismos de avaliação[...](BRASIL, 2009b).
Houve grande reconhecimento da EAN como estratégia vinculada às políticas
públicas de garantia do DHAA e de SAN e assim as estratégias educativas
ocuparam lugar de destaque entre as deliberações das últimas Conferências
Nacionais e nas diretrizes da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
O Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional propõe metas claras para
ações de EAN em quatro objetivos, explicitando as ações orçamentárias
correspondentes. A promoção da EAN no ambiente escolar é tema de um destes
quatro objetivos (BRASIL, 2011b).
O Plano previu a publicação de um ―marco conceitual‖ de EAN nas políticas
públicas e para tanto foi constituído em maio de 2011 um Grupo de Trabalho
composto
por
representações
dos
ministérios
da
Saúde,
Educação
e
Desenvolvimento Social, de entidades profissionais e de pesquisa. Foi então
elaborado o ―Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as
Políticas Públicas‖. Esta publicação faz parte de um processo de reposicionamento
das estratégias educativas no campo da alimentação e nutrição. Através deste
documento, a educação alimentar e nutricional foi definida como:
―campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e
multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares
saudáveis. A prática da EAN deve fazer uso de abordagens e recursos educacionais
problematizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais,
31
considerando todas as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e
significados que compõem o comportamento alimentar.‖ (BRASIL, 2012b, p. 23)
Mesmo antes de tais publicações e orientações muitos municípios vêm
assumindo a realização de atividades educativas com famílias cadastradas em
programas de complementação de renda e assistência alimentar. Estas atividades
muitas vezes são vistas como mais uma tarefa formal de cumprimento de metas.
Enxergadas desta forma, deixam de ser ―lugar de encontro‖. Para as famílias há
grande chance de tornarem-se mais uma enfadonha e humilhante obrigação, uma
vez que para terem ―direito‖ a acessar uma ação pública precisam assistir a uma
palestra – geralmente descontextualizada de seu cotidiano. Para muitos dos
profissionais que corajosamente resolvem avaliar o impacto de sua ação, fica a
frustração por perceber que a presença das famílias nestas reuniões se dá apenas
para o cumprimento de uma exigência. Em grande parte das vezes, para justificar o
―insucesso‖ das iniciativas, recorre-se ao conhecido artifício de ―culpabilização da
vítima‖.
A EAN pode ganhar destaque frente às tarefas apresentadas de
aprimoramento de programas e ações de SAN. Na intenção de trazer elementos
novos a este debate o que se propõe é sobre a importância, por exemplo, da escuta
combinada ao registro e reflexão na busca de intervenções mais qualificadas de
EAN. Para isto, torna-se fundamental estimular a experimentação de uma inversão
de ordem entre discurso e escuta – provocando profissionais de saúde e da escola a
repensarem seu diálogo com as famílias e escolares.
2.2
O PNAE, O DIREITO À ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E SEU POTENCIAL
EDUCATIVO
No Brasil, a alimentação é direito garantido no artigo 6º da Constituição
Federal por meio da recente aprovação da Emenda Constitucional 64/ 2010 e está
descrito na Lei nº 11.346/2006, que em seu artigo 2º afirma o dever do poder público
de ―adotar as políticas e ações que se façam necessárias para garantir a segurança
alimentar e nutricional da população‖.
A Lei nº 11.947/2009 institui o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE), garantindo o direito à alimentação escolar, em caráter universal com vistas
à garantia da segurança alimentar e nutricional (SAN) e ao acesso igualitário ao
32
alimento. Em seu artigo 2º, define ―alimentação saudável e adequada‖ como aquela
que faz:
[...] uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura alimentar , as tradições e os
hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos
alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu
estado de saúde, inclusive dos que necessitam de ações específicas. (BRASIL, 2009e)
A centralidade da alimentação escolar enquanto política pública de garantia
do direito à alimentação é reconhecida nos debates de Segurança Alimentar e
Nutricional, aparecendo como demanda importante em deliberações das duas
últimas Conferências Nacionais, bem como dos encontros de avaliação das mesmas
(Conferência +2). No documento preparado pela Câmara Interministerial de
Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) para o ―Encontro da III Conferência
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional + 2 anos‖, consta a seguinte
avaliação para os avanços de 2003 a 2009:
[...] aumento de 370% no repasse financeiro per capita, inclusão do Programa dos alunos
matriculados em creche, no ensino médio e na educação de jovens e adultos; atendimento
diferenciado para alunos das áreas indígenas e quilombolas; repasse financeiro triplicado para
as escolas em tempo integral dos municípios de baixo Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica – IDEB, aquisição direta de gêneros da Agricultura Familiar; ampliação do
número de nutricionistas no Programa; criação e expansão dos Centros de Alimentação e
Nutrição Escolar; expansão dos países em cooperação técnica internacional; e realização de
capacitações e de pesquisas sobre o PNAE (BRASIL, 2009C).
O orçamento do PNAE para 2013 é de R$ 3,5 bilhões, para atender a 43
milhões de estudantes da educação básica e de jovens e adultos, o que representa
22% da população brasileira. Pesquisa realizada pelo Ibase afirma que a
alimentação escolar é uma das principais fontes de acesso à alimentação de famílias
pobres atendidas pelo Programa Bolsa Família – representa a segunda forma mais
importante de acesso à alimentação das famílias perdendo apenas para a compra
no mercado (IBASE, 2008).
No que tange à Promoção da Alimentação Saudável nas escolas, a Portaria
Interministerial nº 1.010 (Ministério da Saúde e Ministério da Educação), de maio de
2006, afirma que para alcançar uma alimentação saudável em ambiente escolar
deve-se ―definir estratégias, em conjunto com a comunidade, para favorecer
escolhas saudáveis‖. Destaca ainda a importância de sensibilizar e capacitar os
profissionais envolvidos com a alimentação e desenvolver estratégias para levar
informações às famílias.
33
A Portaria nº 1.010 (BRASIL, 2006b) é apresentada como uma ferramenta
importante para estabelecer relações de parceria, fundadas na intersetorialidade e
da cooperação entre setores para a garantia de uma alimentação saudável. Ela é
citada nos documentos referentes ao debate e aprimoramento tanto do PSE quanto
do PNAE.
Uma alimentação adequada e saudável deve ser culturalmente referenciada,
contemplando neste contexto diferenças e diversidade - regional, cultural e étnica. A
cultura guarda forte relação com os hábitos e escolhas alimentares que são
certamente também influenciados pelo contexto social, político, econômico e
ambiental mais amplo. O alimento tem, na sociedade humana, múltiplos papéis e
significados: cria e sustenta relações sociais, sinaliza status social e ocupacional e
papeis de gênero; marca mudanças importantes na vida, (aniversários e
festividades) e reafirma identidades – religiosas, étnicas ou regionais (HELMAN,
2003).
O debate acerca de hábitos alimentares não se restringe, portanto, ao plano
biológico ou às necessidades fisiológicas. A alimentação é uma construção cultural,
tem caráter simbólico ―cujo significado se dá na trama das relações sociais‖
(DANIEL, 2005), sendo ―referenciada pelos diferentes perfis de consumo
compartilhados em cada sociedade que criam expectativas e valores em torno do
processo‖ (BURLANDY, 2007).
Os atuais debates no campo de alimentação e cultura instigam ao exame
sobre quais os possíveis impactos causados por este quase abandono da
abordagem do mundo da comida – saboroso e rico em referências – e a migração
para um mundo da nutrição – impregnado de um discurso técnico e carregado de
proibições. Desta forma,
Uma vez que a alimentação se dá em função do consumo de alimentos e não de nutrientes,
uma alimentação saudável deve estar baseada em práticas alimentares que tem significado
social e cultural. Os alimentos têm gosto, cor, forma, aroma e textura e todos esses
componentes precisam ser considerados na abordagem nutricional (BRASIL, 2006a, p.15).
São diversos os fatores que influenciam a alimentação, logo transcendem o
olhar puramente biológico. Preferências e aversões sofrem grande influência
cultural, diferindo de uma sociedade para a outra. Da mesma forma, de acordo com
os sistemas de crenças e valores de cada grupo e local criam-se diferentes
34
categorias
e
classificações
dos
alimentos
(saudáveis
ou
não
saudáveis,
convenientes ou inconvenientes, bons ou maus, etc). É importante que se esteja
atento aos simbolismos, aos ritos e aos valores que são atribuídos aos alimentos em
cada sociedade. As preferências e as escolhas individuais são fortemente
influenciadas pelo coletivo, ou dito de outra forma, o hábito alimentar de cada
pessoa sofre forte influência do grupo social ao qual pertence.
A alimentação, sobretudo no cenário urbano modernizante, combina tradições
e novos padrões alimentares: interagem de diferentes maneiras a ―produção e
reprodução de crenças alimentares (...) com os valores do mundo moderno,
globalizado‖ (FREITAS et al, 2007).
Em um texto sob o sugestivo título ―Consumo logo existo‖ 13, Frei Betto debate
as novas relações estabelecidas entre a alimentação e os padrões de consumo
rigidamente ditados por uma “sociedade de consumo”. O alimento convertido de
direito à mercadoria. O valor simbólico da mercadoria figura acima de sua utilidade,
o ser humano se restringe ao ser consumidor e, àqueles privados do consumo, é
reservado o espaço da exclusão que ―causa frustração, depressão e infelicidade‖.
Segundo Stotz (2005), a pobreza ―diz respeito a uma situação na qual uma
pessoa (ou uma família) não tem condições de viver dentro dos padrões socialmente
estabelecidos em um certo momento histórico”. Deve-se, portanto estabelecer uma
reflexão sobre quais são e como se manifestam estes padrões no cotidiano urbano.
A mídia contribui para a rápida divulgação de novos padrões de consumo,
agregando novos desafios ao cotidiano da alimentação. Sobre isto Bauman (2004)
apresenta dados da indústria norte-americana de alimentos que chega a gastar 21
bilhões de dólares por ano ―semeando e cultivando o desejo por comidas mais
sofisticadas, exóticas e supostamente mais saborosas e excitantes‖ (BAUMAN,
2004, p. 86). Em contraste a isto ao mesmo tempo, segundo o autor:
[...] a indústria de produtos dietéticos e de emagrecimento fatura 32 bilhões,e os dispêndios
com tratamento médico, em grande parte explicados pela necessidade de enfrentar a maldição
da obesidade, devem dobrar no curso da próxima década (BAUMAN, 2004, p.86).
13
Disponível em: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=24552.
setembro de 2007.
Acesso em 12 de
35
O incremento de produtos industrializados (ricos em gordura, açúcar e sal) e
mudança negativa nos padrões alimentares e de saúde da população é uma das
grandes questões apresentadas à saúde pública. Chemin (2007) destaca que estes
―novos hábitos alimentares‖ também são incorporados pela população mais pobre
ocorrendo não apenas pelo menor custo de alguns produtos, mas também por força
da influência da publicidade sobre as camadas sociais mais pobres‖ (CHEMIN, 2007,
p.63).
Tratar do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), em sua relação
com a cultura e o DHAA, na descrição da situação problema deste projeto faz
sentido na medida em que sua atual legislação é clara ao orientar que a alimentação
escolar tenha como objetivo a formação de hábitos alimentares saudáveis. Há
grande ênfase para o envolvimento da comunidade escolar neste debate, sem,
contudo ter orientações claras de como se incorporar tal prática no cotidiano das
escolas. Um grande desafio é como envolver os estudantes nestes debates
enquanto sujeitos deste direito.
Em que pese todo este esforço feito no sentido de institucionalizar a
alimentação como direito, muitos desafios ainda precisam ser superados para sua
plena concretização. Neste caminho, há um consenso de que apoderamento da
população de informações desta natureza é estratégia fundamental à efetivação de
mecanismos de elegibilidade, de proteção e de promoção do Direito Humano à
Alimentação Adequada e Saudável.
O apoderamento14, como processo e resultado, é visto como a ação na qual
os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros
indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade (ANDRADE, 2002).
Apoderar significa dividir poder, um grande desafio para países historicamente
marcados por processos de colonização onde os poderes comumente não são
divididos, eles são concentrados (JHA, 1998).
Peregrino (2000) em um texto intitulado ―Uma questão de saúde: saber
escolar e saber popular nas entranhas da escola‖ apresenta relevantes e intrigantes
14
O termo Empowerment tem sido traduzido como empoderamento e apoderamento. O prefixo ―en‖
carrega consigo a noção de passividade, significando que ―põe algo em alguém ou alguma coisa‖ que
é passiva da ação. O prefixo ―a‖ traz a significação de ―ser para si‖, portanto quem sofre a ação não é
passivo neste processo. Neste estudo será utilizada a tradução de apoderamento.
36
reflexões chamando a atenção sobre o quão desafiador é a tarefa de integrar ao
ambiente escolar atividades educativas que não se fechem na prescrição. Alerta que
nesta tarefa,
[...] pode ser que tenhamos que acolher com dignidade, a contundência crítica daqueles que
não falam sobre os problemas mas vivem suas agruras, a partir das quais elaboram saídas
que têm diariamente, historicamente, politicamente e teimosamente, permitido sua
sobrevivência (PEREGRINO, 2000, p.84).
O documento do Ministério da Educação denominado Orientações sobre o
Programa Saúde na Escola para Elaboração de Projetos Locais 15 , afirma que a
escola ―é um equipamento social importante para construção de uma sociedade
democrática. Logo, as crianças, adolescentes e jovens devem participar das
decisões que ocorrem no cotidiano da escola […]‖. Podem ser postas algumas
questões importantes neste sentido: Como concretizar esta orientação? Quais
caminhos e ações podem ser propostos?
2.3
ALIMENTAÇÃO E CIÊNCIA COMO ESPAÇOS DE PARTICIPAÇÃO E
APODERAMENTO
A escola tem sido considerada um local privilegiado para a promoção de
hábitos alimentares saudáveis e, em termos de políticas públicas, duas ações têm
sido apontadas como estratégicas para este debate: a Política Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Saúde na Escola (PSE). Neste mesmo
sentido, poderia se acrescentar ainda as iniciativas das Escolas Promotoras de
Saúde (CARVALHO, 2004).
O arcabouço teórico e institucional gerado por estas propostas mencionam de
forma enfática a necessidade do desenvolvimento de estratégias de educação em
saúde – dentre estas as de educação alimentar e nutricional – e consideram
relevante o diagnóstico da realidade e a inclusão dos sujeitos no planejamento das
ações educativas.
Nas últimas décadas tem sido afirmada uma tendência à homogeneização
dos hábitos alimentares a partir do que se tem identificado como padrões modernos
ou globalizados da alimentação. Ainda que este fenômeno tenha sido tratado com
15
Disponível em:http://www.diaadia.pr.gov.br/cdec/arquivos/File/direitoshumanos/orientacoes_pse.pdf.
Acesso em agosto de 2010.
37
naturalidade por algum tempo, cada vez mais a questão alimentar toma a pauta na
sociedade a partir da identificação de que estas mudanças acarretaram um novo
padrão de morbi-mortalidade.
A alimentação e nutrição são temas que vêm ganhando destaque no cenário
nacional e são considerados de extrema relevância na promoção da saúde e da
qualidade de vida. Grandes preocupações vêm sendo demonstradas por parte dos
profissionais de saúde e da educação – assim como de gestores públicos e das
famílias – relacionadas a má nutrição entre crianças e adolescentes. Incluem-se
neste bojo questões que vão desde aspectos relacionados às carências nutricionais
(principalmente a anemia) até a obesidade, dislipidemias, transtornos alimentares e
outras que passam representar forte preocupação na atualidade.
A abordagem de tais questões numa perspectiva de risco, pensado do ponto
de vista da responsabilidade individual, ainda é uma realidade, dando origem a
estratégias de educação em saúde prescritivas, autoritárias e culpabilizadoras. Tais
estratégias têm se mostrado pouco eficiente diante da complexidade do tema da
saúde e da alimentação. Por isso, cada vez o foco tem se deslocado para uma
atuação mais atenta aos processos coletivos de (re)produção da boa ou da má
qualidade de vida para conjunto da população.
Desmistificar o caráter neutro e redentor da ciência, da tecnologia e da própria
educação frente aos problemas da humanidade são questões fundantes dos debates
de Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS). Por esta abordagem, identifica-se que os
conhecimentos e ensinamentos em Ciência-Tecnologia (CT) influenciam ao mesmo
tempo em que são influenciados por um contexto social, portanto não são neutros e
nem autônomos (SANTOS; SCHNETZLER, 1998; ANGOTTI; AUTH, 2001; AULER,
2007).
A abordagem CTS reconhece que discursos construídos sob noções de
desenvolvimento pautado na CT muitas vezes ressaltam os benefícios que na
realidade não chegam ao conjunto da população e que algumas vezes fatores
considerados como avanços são danosos a uma parcela da sociedade. Dito de outra
forma, geralmente os mais pobres ou ficam excluídos do progresso ou são os mais
vulneráveis às conseqüências negativas deste tipo de desenvolvimento (SANTOS;
SCHNETZLER, 1998; ANGOTTI; AUTH, 2001; AULER, 2007).
38
Desta forma, não se pode deixar de lado em tal análise o atual estágio de
desenvolvimento econômico capitalista e suas relações (ou conseqüências) no que
se refere à promoção da vida e da proteção do meio ambiente (ANGOTTI; AUTH,
2001; AULER, 2007).
Com a abordagem CTS propõe-se uma mudança curricular que substitua a
organização disciplinar pela organização dos temas a partir de situações e
problemas identificados junto com os alunos. Isto aproximaria os alunos das ciências
tanto do ponto de vista espacial quanto temporal: os temas são identificados pela
relevância local e organizados de forma que permita ao aluno aprender o que é
importante no presente e não o que talvez ele possa precisar no futuro:
[...] configurações curriculares mais sensíveis ao entorno, mais abertas a temas, a
problemas
contemporâneos marcados
pela
componente
científico-tecnológica,
enfatizando-se a necessidade de superar configurações pautadas unicamente pela
lógica interna das disciplinas, passando a serem configuradas a partir de temas/
problemas sociais relevantes, cuja complexidade não é abarcável pelo viés unicamente
disciplinar ( AULER, 2007, p.2).
Nesse exercício de repensar os currículos as contribuições de Paulo Freire
são resgatadas ou ressaltadas em diversos trabalhos (por exemplo AULER, 2007;
SANTOS, 2008). Freire traz a cultura para o centro do debate e afirma a
dialogicidade como prática essencial à educação, presente desde a definição do
conteúdo programático que não se dá por imposição ou ―depósito‖, mas como
―devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos
que este lhe entregou de forma desestruturada‖ (FREIRE, 2005, p.97).
Deve-se atentar para a relação cultura e poder presente nos debates sobre
currículos que são resultado da seleção de conteúdos pertinentes à determinada
sociedade. Canen e Moreira (2001) destacam a importância de identificar as vozes
que são silenciadas e as que se impõe, indicando que está análise seja a partir das
formas de organização da sociedade e dos mecanismos de poder (CANEN;
MOREIRA, 2001).
Outra questão marcante em relação aos temas é a priorização dos chamados
temas sociais (SANTOS; SCHNETZLER, 1998; AULER, 2007). Segundo os autores,
os temas sociais contribuiriam para a contextualização do conhecimento, para
influenciar o debate multidisciplinar e para preparar a participação e tomada de
decisão sobre CT, dentre outras formas apresentando:
39
[...] as condições sociais que a revolução tecnológica provocou em nossa sociedade,
discutindo com os alunos sobre quem são os verdadeiros beneficiários da riqueza produzida,
sobre a exploração exercida pelos grupos dominantes, sobre as conseqüências ambientais do
desenvolvimento tecnológico, sobre a exclusão da maioria da população dos benefícios
gerados (SANTOS; SCHNETZLER, 1998, p.265).
Santos (2008) adverte sobre uma preocupação de que a abordagem CTS
esteja sendo restrita a questões meramente metodológica, perdendo-se de toda a
discussão de fundo que a criou. A revisão da literatura publicada em congressos
realizada por Auler (2007) revela que tal preocupação tem procedência uma vez que
constatou, por exemplo, que a seleção de temas é realizados predominantemente
pelos professores seja pela repercussão na mídia ou porque foram considerados
adequados para trabalhar um determinado conteúdo. Acrescenta ainda que para
uma abordagem CTS, os conteúdos disciplinares devem ser articulados em função
do tema, ou seja, não há um currículo definido a priori em instâncias externas à
comunidade escolar. Percebeu, ao contrário, que permanecem os temas sendo
apresentados em função de conteúdos disciplinares. Desta forma, o tema
comparece para dinamizar e motivar os currículos, ainda lineares e externos à
escola.
Segundo Santos e Schnetzler (1998), contribuem para a formação do cidadão
as atividades que desenvolvem participação e a capacidade de tomar decisão. Para
tanto devem ser incorporadas estratégias para que o aluno seja ativo e emita sua
opinião. Com relação ao ensino de ciências demandará uma mudança radical.
Enquanto nos limitamos a uma educação científica, pura e neutra, desvinculada dos aspectos
sociais, a nossa contribuição será muito pouca para reverter o atual quadro da sociedade
moderna. Essa educação alienante e defeituosa tem até mesmo reforçado o sistema de
dominação humana (SANTOS; SCHNETZLER, 1998, p.268).
Destaca-se o potencial da abordagem CTS para contribuir na promoção da
cidadania e para ampliar a possibilidade e a capacidade de participação do conjunto
da sociedade no processo de decisões que envolvam CT.
O escritor e jornalista americano Michael Pollan, em seu livro O dilema do
onívoro: uma historia natural de quatro refeições, realiza um exercício de
reconhecimento e registro das origens de alimentos consumidos cotidianamente. Ele
chama a atenção para o tom de ―confusão e ansiedade‖ hoje estabelecido para
responder uma questão que bem poderia ser considerada simples: o que se vai
comer na próxima refeição. Destaca o autor:
40
Quando podemos comer quase qualquer coisa que a natureza tenha a oferecer, decidir o que
se deve comer irá necessariamente provocar ansiedade, sobretudo quando algumas das
comidas à nossa disposição têm capacidade de nos fazer adoecer ou nos matar (POLLAN,
16
2007, p.11).
Para POLLAN (2007), a abundância de comida e o fato de ter uma população
composta por imigrantes, com diversas tradições em relação à comida, faz com que
os americanos não tenham sua ―única, forte e estável tradição culinária‖ – o que o
autor considera um problema:
A falta de cultura alimentar estável nos deixa particularmente vulneráveis às adulações do
cientista e do marqueteiro especializados em comida, para quem o dilema do onívoro não é
tanto um dilema mas uma oportunidade. Interessa muito à indústria de alimentos que nossas
ansiedades a respeito sejam exacerbadas; assim ela pode aliviá-la com novos produtos
(POLLAN, 2007, p.13).
Assim, preparar para uma tomada de decisão consciente em termos de
escolhas alimentares é um debate que pode em muito ser articulado ao ensino de
ciências numa abordagem CTS. Da mesma forma, entender a origem dos alimentos
consumidos é outra oportunidade a ser destacada. No que diz respeito, por exemplo,
ao tema do combate à fome e à desnutrição no âmbito mundial, a crença de que a
solução do problema estaria ligada ao aumento da produção alimentar surgiu na
década de 1950, dando origem à chamada Revolução Verde 17 e hoje justifica o
desenvolvimento de culturas transgênicas18.
Quanto a Revolução Verde o tempo mostrou que esta não foi aliada do
combate à fome, muito pelo contrário, e deixou como herança um modelo produtivo
que utiliza mais agrotóxicos e que é ainda mais concentrador de terra e riqueza 19.
16
―Este é o dilema do onívoro, detectado há muito por escritores como Rousseau e Brillat-Savarin e
assim batizado há trinta anos por um psicólogo e pesquisador da Universidade da Pensilvânia
chamado Paul Rozin.‖ (POLLAN, 2007, p.11)
17
Correspondeu a um movimento de modernização da agricultura mediante o uso de máquinas,
fertilizantes químicos/ adubo, agrotóxicos e uso intensivo de água para aumentar a produção de
alimentos no mundo. Aumentou a produção de alimentos, mas não acabou com a fome porque não
se levou em conta a pobreza e as verdadeiras raízes da fome (CONTI; PERALTA, 2008; CONTI,
2009).
18
Segundo MENACHE (2003), o termo Frankefoods tem sido utilizado por antropólogos como
Fischler, pela mídia e por ativistas para classificar alimentos trangênicos. Os transgênicos
correspondem aos Organismos Geneticamente Modificados (OGM). A transgenia refere-se à
transferência para um organismo de um gene estrangeiro (ou grupo pequeno de genes) proveniente
de outra variedade, espécie, gênero ou mesmo outro reino.
19
Para a pesquisadora indiana Vandana Shiva: ―causou a redução da diversidade genética, o
aumento à vulnerabilidade às pragas, a erosão do solo, a falta d‘água, a contaminação do solo, a
redução da disponibilidade de culturas alimentícias, nutritivas para as populações locais, a expulsão
de grandes contingentes de pequenos agricultores de suas terras, o empobrecimento rural e o
crescimento das tensões e conflitos. Os beneficiários foram a indústria agroquímica, as grandes
empresas petroquímicas, as indústrias produtoras de máquinas agrícolas, as construtoras de
barragens e os grandes proprietários de terra‖. (SHIVA, 1992, p. 33)
41
Quanto aos transgênicos, não houve tempo de se avaliar plenamente, mas quanto à
saúde o mesmo discurso científico serve de argumento a favor e contra: não se
provou que causa danos à saúde e também não se provou que não causa. Cabe
neste sentido, mas uma das reflexões propostas por Pollan (2007):
[...] a maneira como comemos representa nosso compromisso mais profundo com o mundo
natural. Diariamente, ao comermos, fazemos a natureza virar cultura, transformando o corpo
do mundo nos nossos corpos e mentes. A agricultura fez mais para mudar a forma do mundo
natural do que qualquer outra coisa que os seres humanos tenham feito, tanto no que diz
respeito a suas paisagens como à composição de sua flora e fauna. Nosso ato de comer
também constitui uma relação com dezenas de outras espécies – plantas, animais e fungos –
com as quais vivemos evoluindo juntos a ponto de nossos destinos estarem intimamente
entrelaçados (POLLAN, 2007, p.18).
O documento do Ministério da Educação denominado Orientações sobre o
Programa Saúde na Escola para Elaboração de Projetos Locais 20 , afirma que a
escola ―é um equipamento social importante para construção de uma sociedade
democrática. Logo, as crianças, adolescentes e jovens devem participar das
decisões que ocorrem no cotidiano da escola […]‖. Podem ser postas algumas
questões importantes neste sentido: Como concretizar esta orientação? Quais
caminhos e ações podem ser propostos? A escola é um espaço democrático?
Esta preocupação com o exercício da participação e com a educação para a
cidadania está presente nos debates de CTS:
Uma formação que esteja voltada para ampliar as condições para o exercício da cidadania,
possibilitando, assim, enfrentar os problemas/situações que nos desafiam, ou nos são
impostos cotidianamente, seja na área de Ciências Naturais, nas relações pessoais, familiares,
profissionais e demais atividades (ANGOTTI; AUTH, 2001, p. 26).
No que tange a alimentação, em que pese todo este esforço feito no sentido
de institucionalizar a alimentação como direito, muitos desafios ainda precisam ser
superados para sua plena concretização. Neste caminho, há um consenso de que
apoderamento da população de informações desta natureza é estratégia
fundamental à efetivação de mecanismos de elegibilidade, de proteção e de
promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é uma autarquia
do Ministério da Educação e responde não apenas pelos recursos (em caráter
20
Disponível em:http://www.diaadia.pr.gov.br/cdec/arquivos/File/direitoshumanos/orientacoes_pse.pdf.
Acesso em agosto de 2010.
42
complementar), mas também pela normatização, coordenação, acompanhamento,
monitoramento, fiscalização e pela avaliação de efetividade e eficácia do PNAE. 21
Atualmente um dos principais desafios à implementação da Lei nº
11.947/2009 (BRASIL, 2009e) está justamente referido ao tema da participação.
Trata-se do artigo 14 desta Lei que coloca à prova a capacidade técnica e
operacional das três esferas de governo para garantir condições de compra da
produção da agricultura local e a aproximação da cultura alimentar. Todo o processo
é acompanhado e fiscalizado pelo Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e
depende de uma consistente organização dos agricultores locais. O referido artigo
determina que:
Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30%
(trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da
agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se
os assentamentos de reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades
quilombolas. (BRASIL, 2009e)
Por fim, deve-se resgatar que participação social e política, exercício da
cidadania, repúdio às injustiças, conhecimento crítico da realidade, valorização de
pluralidade sociocultural são expressões e sentidos presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs). A questão da alimentação aparece na descrição de
eixos temáticos do Ensino de Ciências, inclusive constituindo-se como um dos
exemplos. A abordagem exemplificada nos PCNs apresenta a possibilidade do tema
ser tratado desde as hortas escolares, passando pela cultura alimentar até questões
relacionadas à nutrição e ciclo de vida.
Interessa, portanto neste momento, aprofundar os debates sobre tais relações
que necessariamente precisam ser discutidos não apenas pelo enfoque do
pedagógico, mas acima de tudo do político-pedagógico, entendendo as implicações
práticas e teóricas de atuar no tema da alimentação sob um enfoque crítico e
coerente com o atual contexto histórico.
Recuperar conexões entre a alimentação, os conhecimentos científicos sobre
nutrição e a vida, de forma a diminuir inseguranças e ampliar as possibilidades de
promoção de saúde, são questões emergentes em nossa sociedade.
21
http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-alimentacao-escolar
43
Neste ensaio preliminar sobre o apoderamento do direito à alimentação
escolar, a intenção foi provocar breves reflexões, problematizando o papel da escola
e algumas das contribuições possíveis a partir de uma abordagem CTS.
Importante enfatizar que em termos de direitos humanos saber que se tem
direitos e saber como cobrar estes direitos é ação essencial para garantir
exigibilidade dos mesmos (ABRANDH, 2010; CONTI, 2009). Preocupação muito
semelhante é apresentada por Santos (1998) ao identificar na abordagem CTS seu
potencial para o “desenvolvimento da faculdade de julgar” (p. 259) referindo a
importância de duas condições: conhecimento das leis e o desenvolvimento da
capacidade de tomada de decisão – essencial para preparar o educando para o
debate. Este exercício, Auler (2007) ressalta, requer um repensar do tempo na
escola:
Considera-se fundamental superar a concepção de que o tempo presente é tempo de
preparação para etapas futuras, para vivências futuras, para exames futuros. A anulação do
presente, enquanto espaço-tempo de significação, a não vivência do presente, sendo a
satisfação jogada para o futuro, gera frustração, desmotivação, culminando com o abandono,
com a evasão (AULER, 2007, p.15).
O Direito Humano à Alimentação Adequada é responsabilidade de toda a
sociedade, contudo é o Estado que tem a obrigação de respeitar, proteger, promover
e prover este direito. Neste sentido, muitos debates e ações ainda precisam ser
promovidos para pensar como desde agora na escola (e até o futuro) os educandoseducadores, lembrando Paulo Freire, podem tomar seu lugar no processo de
construção de uma sociedade mais justa que coloque a vida de qualidade como
maior dos objetivos.
2.4
SAÚDE ESCOLAR: QUE CAMINHOS NA AMÉRICA LATINA?
Não é de hoje que se reconhece o vínculo entre saúde e a educação. Sob o
argumento desta íntima ligação entre as duas áreas existe ao menos um consenso:
bons níveis de educação estão relacionados a uma população mais saudável assim
como uma população saudável tem maiores possibilidades de apoderar-se de
conhecimentos da educação formal e informal. Dependendo do local de onde se fala
e de quais tintas são usadas encontram-se os mais diferentes discursos e cenários
ou, dito de outra forma, sob aquele argumento cabem as mais diversas abordagens
ao tema.
44
A escola tem representado um importante local para o encontro entre saúde e
educação abrigando amplas possibilidades de iniciativas tais como: ações de
diagnóstico clínico e/ou social estratégias de triagem e/ou encaminhamento aos
serviços de saúde especializados ou de atenção básica; atividades de educação em
saúde e promoção da saúde.
Estas iniciativas têm sido identificadas sob o termo “saúde escolar” utilizado
para designar ações que objetivam ―proporcionar condições adequadas à realização
do processo educacional que requer condições mínimas de saúde.‖ (GOMES;
HORTA, 2010, p. 487). Enquanto termo descritor em Ciências da Saúde, são
caracterizadas
como
àquelas
―voltadas para
a
comunidade
escolar
para
concretização das propostas de promoção da saúde. [...] desenvolvendo ações para
a prevenção de doenças e para o fortalecimento dos fatores de proteção.‖22
Desde os trabalhos de Johann Peter Frank (1745-1821), médico alemão
considerado o ―pai da saúde escolar‖ (FIGUEIREDO et al, 2010, p.398) e de
reconhecida relevância para a constituição do campo da Saúde Pública, até as
iniciativas mais recentes muitas coisas mudaram. Contudo, a identificação do
espaço escolar como lócus fundamental de prevenção de doenças e de promoção
da saúde permanece.
Como extremos numa linha do tempo, pode-se afirmar que o ponto de partida
seria o da identificação da escola como espaço de disseminação de regras de
civilidade e normas de higiene calcadas no ideal higienista dos séculos XIX e XX. No
outro extremo temporal, os debates mais recentes dariam conta de pautar a escola
como local de promoção da saúde.
No cenário latino-americano, marcado por desigualdades históricas e
constrangedoras, os dados oficiais demonstram melhoras dos indicadores sociais e
de saúde apesar da manutenção de grandes desafios (PNUD/CEPAL/IPEA, 2003;
IPPOLITO-SHEPHERD, 2006). Com relação especificamente às estatísticas da
educação identificam-se progressos na universalização do acesso ao ensino
fundamental persistindo, no entanto o baixo investimento dos governos. Isto resulta
em condições inadequadas de trabalho e de salário para os professores o que
impacta na possibilidade de construção de escolas de qualidade para todos
(CASTRO, 2008). Importante ainda ressaltar a existência de um debate extenso
22
http://decs.bvs.br/cgi-bin/wxis1660.exe/decsserver/. Acesso em janeiro de 2013.
45
sobre desigualdades e assimetrias na região no que se refere aos sistemas
educacionais e sobre a necessidade construção de compromisso ético-político de
recuperar o sentido social e cultural da educação na perspectiva de que esta tornese ―mais justa e igualitária, mais democrática e participativa‖ em toda a América
Latina (SALVAT et al, 2012, p. 47)
Para OPAS a constatação de que uma parcela maior de crianças latinoamericanas tem hoje acesso à educação formal reforça o argumento de promover
saúde na escola (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006). Importantes sistematizações e
direcionamentos ocorreram a partir da criação da Rede Latino-Americana de Escolas
Promotoras de Saúde durante o Congresso de Saúde Escolar no Chile, em 1995. A
partir de então tal estratégia passa a ser a opção para a institucionalização e
conformação de políticas públicas de saúde escolar incentivada pela OPAS. A
Iniciativa de Escolas Promotoras de Saúde (EPS) corresponde a:
estratégia de promoção da saúde no âmbito escolar e um mecanismo articulado de esforços e
recursos multissetoriais, orientados para o melhoramento das condições de saúde e bemestar, ampliando assim as oportunidades para um aprendizado de qualidade e o
desenvolvimento humano sustentável, para todos os integrantes das comunidades educativas
(IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p.III).
Diante do exposto, foi realizada revisão bibliográfica sobre saúde escolar na
América Latina a partir de artigos publicados entre os anos de 1995 e 2012,
refletindo o tema a partir das possibilidades de sua efetivação enquanto política
pública. Foi realizada a partir de pesquisa dos artigos produzidos entre 1995 a 2012
na América Latina disponíveis nas bases de on line Scielo e Lilacs BVS em janeiro
de 2013. As buscas foram conduzidas a partir das expressões “Escolas Promotoras
de Saúde”, “saúde escolar”, “saúde na escola”, “Programa Saúde na Escola”,
“Escuelas Promotoras de Salud”, “salud en la escuela”, “Programa de Salud
Escolar”, “Health Promoting Schools” e “School Health”.
Foram definidos como critérios de inclusão inicial os artigos referentes a
iniciativas e pesquisas realizadas no ambiente escolar ou que referiam algum vínculo
com escolas – como, por exemplo, encaminhamento escolar para serviços de saúde
ou de diagnóstico. Foram excluídos os artigos cujos resumos não foram localizados
e aqueles que se referiam apenas a crianças em ―idade escolar‖ e não
necessariamente à escola.
Os dados foram coletados a partir dos resumos e de artigos completos
disponíveis nas bases de dados. Quando necessário foi efetuada a busca dos
46
artigos diretamente nas versões on line das revistas ou através da ferramenta de
busca Google. Ainda assim, não foi possível acessar resumos de 19 trabalhos.
Foram localizados 440 artigos dos quais 54 foram excluídos, a partir dos
critérios acima descritos, totalizando 386 trabalhos analisados. Dentre estes últimos
foram por fim identificados os 45 artigos que tratavam de iniciativas de
institucionalização de ações de saúde escolar enquanto política pública para a
realização de uma síntese. Informações relevantes a revisão foram inseridas em
planilha de Excel a fim de facilitar visualização e análises.
De forma complementar, foram utilizadas publicações oficiais do mesmo
período para fomentar e contextualizar as reflexões a partir dos referidos artigos.
a) Saúde Escolar: quais experiências?
Grande parte dos artigos localizados corresponde a trabalhos desenvolvidos
no Brasil (241 artigos), seguido por Chile (32), Colômbia (20) e Argentina (18). Os
outros artigos tiveram como origem Cuba, Honduras, Venezuela, Peru, México,
Costa Rica, Equador, Uruguai, Jamaica, Barbados.
Em 274 artigos os estudantes compuseram as amostras ou foram sujeitos da
pesquisa. Professores, profissionais da escola e gestores da educação, profissionais
de saúde, responsáveis, familiares e comunidade fizeram parte de pesquisas que,
em alguns casos, combinaram estes em diferentes composições de amostras.
Observando o número de publicações por ano no período da revisão percebese um comportamento crescente que obtém seu ápice em 2010 com 41 artigos
publicados.
Figura 1: Número de artigos publicados sobre ―Saúde Escolar‖ na
América Latina entre os anos de 1995 a 2012
C
47
Considerando que parcela importante dos artigos foram trabalhos realizados
no Brasil cabe registrar que os debates brasileiros sobre EPS iniciaram
concomitantemente aos debates latino-americanos, contudo maior ênfase foi dada a
partir da publicação da Portaria Interministerial nº 749/ 2005 que constitui a Câmara
Intersetorial com a finalidade de subsidiar a Política Nacional de Educação em
Saúde na Escola. No contexto brasileiro o Programa de Saúde na Escola (PSE),
instituído pelo Decreto Presidencial nº 6.286/2007, representa a atual estratégia de
saúde escolar. Com relação à alimentação escolar, o país conta com política pública
para este fim desde a década de 1950, contudo através da Lei nº 11.947/ 2009 –
que define o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – o direito à
alimentação escolar é afirmado como universal e vinculado às estratégias de
promoção da saúde na escola.
Os artigos sobre alimentação e nutrição, atividade física e doenças
cardiovasculares foram os mais numerosos (Figura 2). Os debates sobre
alimentação e nutrição incluíram como subitens a desnutrição e as carências
nutricionais (hipovitaminose A e anemia ferropriva). Contudo, constatou-se crescente
associação da alimentação e nutrição com os temas da promoção da atividade física
e do diagnóstico da obesidade e de doenças crônicas não-transmissíveis, por isto foi
feita a opção de agrupar tais temas.
O grande número de artigos reflete a mudança de perfil epidemiológico e
nutricional observada na América Latina, com a sobreposição de padrões: das
doenças da falta versus doenças do excesso alimentar – a chamada ―dupla carga da
má nutrição‖. Além disto, os dados da OPAS informam que os refeitórios escolares
foram relatados por vários países como estratégia de saúde escolar, ressaltando-os
como oportunidade para a realização de ações relacionadas com a nutrição e
hábitos alimentares (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p.18).
Os demais artigos corresponderam a trabalhos nas áreas de saúde bucal;
doenças parasitárias, transmissíveis e respiratórias; oftalmologia; prevenção e
tratamento do uso de álcool, drogas e tabaco; e saúde sexual e reprodutiva (Figura
2).
48
Figura 2: Distribuição segundo áreas ou temas de interesse dos artigos sobre
―Saúde Escolar‖ na América Latina entre os anos de 1995 a 2012
No grupo de doenças parasitárias, transmissíveis e respiratórias houve
destaque para verminoses, dengue, asma e pediculose, temas já tradicionais em
termos de saúde escolar. No grupo ―outros temas‖ foram agrupados trabalhos com
objetos variados tais como dor recorrente, distúrbio do sono, epilepsia, ensino de
enfermagem, atuação do pediatra, entre outros.
Os diagnósticos coletivos (avaliações clínicas e/ou ações de triagem) foram
apresentadas em 169 artigos. A abrangência de tais artigos foi bastante variada:
desde diagnósticos restritos a um conjunto de alunos, uma ou mais escolas até os
mais amplos abarcando municípios inteiros ou estudos de base nacional. A grande
interrogação a partir do exame das conclusões dos artigos acerca de diagnóstico
coletivo é sobre o quanto estes trabalhos são desenvolvidos com um fim em si
mesmo, ou seja, ao final avaliam positivamente um método ou descrevem a
população e recomendam a repetição dos procedimentos utilizados.
Desta forma, desdobramentos práticos ou encaminhamentos políticos das
demandas levantadas simplesmente não fazem parte de suas pautas e não se
incorpora um elemento básico de vigilância em saúde: informação para ação. Assim,
contata-se que ainda são realizadas ações de saúde escolar em que a escola é
apenas ―cenário de pesquisa‖ e objeto de iniciativas centradas na doença. Os dados
não retornam aos sujeitos ou à realidade pesquisada.
49
Ações de diagnóstico social e/ou triagem clínica que se desenvolvem
isoladamente, ou seja, fora de um plano de intervenções apontam as precariedades
da escola ou do ambiente familiar e comunitário como obstáculos intransponíveis ou
simplesmente citam tais precariedades como as causas dos diagnósticos
desfavoráveis. Houve uma recorrência deste tipo de conclusão uma vez que grande
parcela destes estudos foi realizada em áreas pobres, com grande vulnerabilidade
social.
Importante frisar que qualquer ação de produção de conhecimento está
revestida de intencionalidade política, mesmo que não haja uma expressão clara
disto. Como bem alertou o educador Paulo Freire, todos aqueles que adentram
territórios marcados pela traição do ―direito de ser mais‖ devem compreender ―o
futuro como problema e não como inexorabilidade‖ e acrescentou:
É por isso também que não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior,
astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o
pensador da educação. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de
forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. (FREIRE,
1996, p.77).
Houve uma parcela dos artigos que abordou de forma mais ampla a saúde
escolar, incorporando os referenciais da saúde integral e da promoção da saúde.
Estes apresentaram possibilidades de se repensar tanto a pesquisa como as ações
de saúde na escola de forma mais participativa, envolvendo profissionais tanto da
saúde como da educação, corpo docente e discente, gestores e comunidades.
Por fim, é importante registrar que a maioria dos artigos referem-se a
pesquisas em instituições ou órgãos da administração – sejam secretarias de
educação, creches, institutos de ensino, e escolas municipais ou estaduais. Algumas
das experiências relatadas mencionaram trabalho concomitante e/ou comparativo
entre instituições públicas e privadas. Pequena parte dos artigos apresentou
resultados de intervenções e pesquisa em escolas particulares. Contudo, isto não
significa que os trabalhos tenham estabelecido vínculo com debates acerca de
políticas públicas.
Tendo por base esta definição de políticas públicas em Höfling (2001), foram
selecionados 45 artigos relacionados à incorporação da saúde escolar enquanto
política pública em países latino-americanos, sintetizados na Figura 3.
50
Figura 3: Síntese de artigos relacionados a políticas públicas de ―Saúde Escolar‖ publicados na
América Latina - 1995 a 2012
País
Síntese
Foram publicados 03 (três) artigos entre 2007 e 2009. A partir da
descrição e avaliação de experiências com promoção de saúde em escolas de
Argentina
Buenos Aires, apresentam debates teóricos acerca de categorias relevantes
ao tema tais como: concepções de saúde, empowerment, autonomia, noção
de sujeito e formação de professores.
Foram publicados 24 artigos entre 1995 e 2012. Os artigos apresentam
revisões da literatura e da legislação nacional acerca do tema saúde escolar,
do Programa Saúde na Escola e Programa Nacional de Alimentação Escolar e
políticas públicas de alimentação e nutrição e combate à obesidade infantil.
Descrevem e avaliam experiências municipais de promoção da saúde na
Brasil
escola e alimentação escolar. Tratam de experiências de diagnóstico clínico e
triagem em saúde bucal, oftalmologia, avaliação nutricional e uso de álcool e
drogas. Apresentam avaliação e reflexão sobre ações de educação em saúde
(diferentes concepções). Sistematizam avanços e desafios das propostas
locais e nacionais de promoção da saúde na escola.
Foram publicados 09 artigos entre 1998 e 2011. Descrevem e avaliam
experiências chilenas de atuação em saúde escolar em temas variados: saúde
sexual e reprodutiva, formação de professores, oftalmologia, saúde bucal,
programa de alimentação escolar, saúde e nutrição e combate à obesidade.
Chile
Recomendam ampliar investimentos e desenvolver ações sistemáticas em
políticas públicas de alimentação e nutrição. Apresentam estudos
epidemiológicos sobre saúde bucal e oftalmologia. Avaliam a eficácia de
estratégia educativa de combate à obesidade.
Colombia
Foram publicados 04 artigos entre 2002 e 2010. Apresentam
experiências colombianas em promoção da saúde na escola denominadas
neste país como “Estrategia Escuelas Saludables”. A partir das descrições
avaliam estratégias de implementação e discutem intersetorialidade. Em um
dos artigos descreve e avalia estratégia de educação nutricional.
Foram publicados 02 (dois) artigos em 2004 e 2007. O primeiro artigo
Cuba
descreve e avalia intervenção nacional de suplementação de vitamina A para
escolares em regime de internato. O segundo trata da descrição e reflexão
acerca da proposta cubana de promoção da saúde na escola.
O artigo publicado em 2012 descreve um programa de controle e
prevenção de dengue em que professores e estudantes passam por processo
de formação para realizarem junto com acadêmicos e profissionais de saúde
Honduras
visitas domiciliares. É uma iniciativa da universidade com organizações da
sociedade civil que buscou apoio governamental. A dificuldade de
envolvimento do governo é destacado como principal limite.
O artigo publicado em 2009 apresenta a avaliação de experiência de
promoção da saúde em duas escolas peruanas. Localiza tal experiência
Perú
dentro das estratégias de promoção da saúde desenvolvidas pelo Ministério
da Saúde desde 2002.
O artigo publicado em 2004 apresenta a avaliação de programa de
saúde bucal realizado em uma instituição pública ligada ao Ministério da
Venezuela
Educação e Cultura. Envolve nesta avaliação profissionais de saúde,
professores, escolares e mães. Identifica abordagem de saúde centrada no
risco e dificuldade em envolver as mães em oficinas.
Identifica-se assim um panorama amplo e diversificado de ações e debates
desenvolvidas em torno da saúde escolar como política pública que envolve
iniciativas municipais e nacionais. São ações promovidas exclusivamente pelos
governos ou em parceria com universidades e com instituições da sociedade civil
organizada. Reúnem intervenções e reflexões relacionadas ao processo de
51
implementação de estratégia de programas de promoção da saúde em escolas e
outros temas como: prevenção e controle de dengue, saúde bucal, alimentação
escolar, controle da obesidade, suplementação de vitamina A em escolas,
prevenção do uso de tabaco, álcool e outras drogas, saúde sexual e reprodutiva e
cuidado oftalmológico.
Chamou atenção a ocorrência de diversos relatos e recomendações
relacionados à formação em saúde escolar para profissionais de saúde e educação
articulada às ações de educação em saúde. O professor é o profissional mais citado
neste aspecto. Foram descritas também iniciativas de formação de jovens
estudantes como multiplicadores de informação.
b) Saúde escolar: o que representa a opção pela promoção da saúde?
Como afirmado anteriormente, a Iniciativa de Escolas Promotoras de Saúde foi
eleita como estratégia prioritária para o desenvolvimento de ações de saúde escolar
na América Latina. Ela reúne três componentes: educação para a saúde com
enfoque integral; criação e manutenção de entornos e ambientes saudáveis;
provisão de serviços de saúde, nutrição saudável e vida ativa (IPPOLITOSHEPHERD, 2006).
A partir de tais orientações governos e sociedade civil têm organizado suas
iniciativas e alternativas. Trata-se de uma abordagem pautada nos valores da
Promoção da Saúde: qualidade de vida, saúde, solidariedade, eqüidade,
democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria, entre outros
(BUSS, 2000). Contudo, seu processo de implementação não ocorre com a
eliminação completa e instantânea dos preceitos anteriormente vigentes, ou seja, a
construção de estratégias de promoção da saúde na escola coexiste com ações
construídas a partir dos ideais da higiene escolar. O que representa esta opção pelo
ideário da promoção da saúde?
Segundo Arouca (1975) o termo Higiene, tomado em seu sentido mais geral e
etimológico pode ser traduzido como ―arte de conservar a vida‖. Em termos de
aplicação no campo da saúde pública o autor registra que é um conceito que muda a
cada época histórica. A ―Higiene como Ciência‖ (LAROCCA; MARQUES, 2010, p.
754) ou como ―a aplicação de um conjunto das ciências na manutenção do bemestar, mito de uma unidade do conhecimento em prol do bem viver‖ (AROUCA,
52
1975, p. 71) teve grande expressão nos séculos XIX e XX e foi apresentada como a
solução para problemas não resolvidos pela medicina da época. Alinhou-se às
concepções e ideologias liberais justificando a existências de patologias pelos
comportamentos individuais e diminuindo desta forma a importância dos aspectos
sociais (AROUCA, 1975). E como isto se relaciona à escola?
Seguindo o ideário positivista do final do século XIX, a higiene e a educação adentraram ao
século XX, consolidadas em seu papel difusor do espírito científico, imprescindível à
regeneração social, mesmo que, em vários momentos, o ‗social‘ ficasse à margem das
discussões e as formas ditas higienizadas de viver propostas fossem pouco acessíveis às
populações pobres. (LAROCCA; MARQUES, 2010, p. 764)
O ideário higienista encontrava sintonia com o discurso ideológico corrente que
colocava a escola como instituição responsável por modelar certo tipo de cidadão
exigido pelos novos tempos e contribuir assim para superação do ―atraso‖ dos
países subdesenvolvidos. Pautada na hipótese de que a doença surgia e se
mantinha em decorrência da ignorância, a solução seria então a prescrição de
normas e regras.
A escola foi lócus privilegiado dessas prescrições, local onde a higiene formatou propostas de
construção de modelos educacionais, formação de professores, inspeção de alunos e de
organização de espaços e equipamentos, objetivando a formação de novos e higienizados
cidadãos. (LAROCCA; MARQUES, 2010, p. 754)
A escola foi reconhecida como espaço estratégico para a propagação da
higiene porque agrupava num mesmo espaço crianças que, sendo concebidas como
―massa modelável‖, seriam capazes de reproduzir no ambiente familiar as
prescrições repassadas pela escola. Em tal conjuntura capacitar professores para
atuarem como educadores sanitários tornou-se imprescindível e aos médicos coube
o papel de ―sensibilizar e treinar‖ o professor para ser o ―coadjuvante da missão
higienista‖ (LAROCCA; MARQUES, 2010, p. 761). Os médicos ocupam lugar nas
escolas públicas, mas também no corpo docente de Escolas Normais (ZUCOLOTO,
2007).
E a formação higienista de professores por meio de cursos específicos foi o primeiro passo
dado, já que a escola foi escolhida como ‗sede primeira‘ de formação de hábitos higiênicos,
corroborando as relações de saúde, educação e seus respectivos representantes. (LAROCCA;
MARQUES, 2010, p. 755)
Afora tudo isto, o discurso higienista apresenta forte identidade com ideais
eugênicos e serviu para fornecer hipóteses e justificavas sobre o fracasso escolar.
Ao relacionar fracasso escolar à desnutrição, aos distúrbios neurológicos e outras
53
patologias, atribui aos indivíduos e às suas famílias o pesado fardo de culpa e
fatalismo (MOYSÉS; COLLARES, 1997; ZUCOLOTO, 2007).
A patologização da educação consiste em um reducionismo biológico, que é explicar a
situação e o destino de indivíduos e grupos através de suas características individuais, desse
modo esconde os determinantes políticos e pedagógicos do fracasso escolar, isentando de
responsabilidades o sistema social vigente e a instituição escolar. Como decorrência dessa
concepção, é o indivíduo o maior responsável por sua condição de vida e destino, as
circunstâncias sociais e políticas teriam influência mínima. (ZUCOLOTO, 2007, p. 137)
A partir destas heranças, iniciativas de saúde escolar praticados nas décadas
de 1980 e 1990 em países da América Latina restringiram-se a ações para ―melhorar
condições de higiene e saneamento básico, prevenção de doenças transmissíveis,
tratamento de doenças específicas e realização periódica e indiscriminada de
exames médicos ou provas de triagem.‖ (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p.9). Tais
ações ocorriam de forma desarticulada, sem explícita identificação de possíveis
objetivos estratégicos e políticos e a partir de modelo vertical, ―medicalizado‖ e
―assistencialista‖.
[...] a saúde da população escolar continuava sendo compreendida mais em termos de
ausência de doença, do que como o resultado de um processo de transformação coletiva dos
fatores determinantes de saúde e o bem-estar, no qual os profissionais da saúde e todos os
membros da comunidade escolar podem e devem converter-se em atores ativos. (IPPOLITOSHEPHERD, 2006, p.9)
É também entre as décadas de 1980 e 1990 que a Promoção da Saúde
desponta como opção teórico-metodológica para o estabelecimento de políticas
públicas de saúde. A Carta de Ottawa (1986) é documento essencial para
compreender o contexto de desenvolvimento da Promoção de Saúde que, segundo
Buss (2000), é estratégia importante capaz de enfrentar múltiplos problemas de
saúde que afetam à população. Nesta lógica, são muitos os espaços e atores que
podem e devem ser acionados para estratégias de promoção da saúde, dentre eles
a escola tem sido fortemente destacada. Por este ponto de vista a escola deixa de
ser entendida como local de propagação de normas para ser apresentada como:
[...] cenário de caráter formal, em que é possível gerar autonomia, participação crítica e
criatividade para a promoção da saúde, que deve, no âmbito escolar, partir da visão integral,
multidisciplinar do ser humano, considerando as pessoas em seu contexto familiar, comunitário
e social. (SANTOS; BÓGUS, 2007, p.124)
Neste sentido, a opção por efetivar as estratégias de promoção da saúde nas
escolas significa eleger uma proposta de ação participativa que se desenvolve nas
escolas envolvendo a comunidade educativa em um processo de melhoria contínua,
54
visando a criação de condições para uma educação integral que se adapta às
características do meio, tornando a escola um lugar agradável para aprender e viver
(HERNÁNDEZ, 2007).
Há também mudanças na visão sobre os papéis e responsabilidades
assumidos através das parcerias e articulações em torno das estratégias de
promoção da saúde na escola (OPAS, 1997; SANTOS; BÓGUS, 2007; CARDOSO
et al, 2008). Entende-se que há necessidade de forte conexão entre escolas e
serviços de saúde para favorecer a interconexão de saberes e a participação de
ambos a partir de objetivos comuns (KORNBLIT et al, 2007).
As ações dos profissionais de saúde nas atividades intersetoriais também precisam se
distanciar das antigas relações de saúde e educação, é preciso criar vínculos e envolver os
professores de forma participativa, respeitando os diferentes saberes e necessidades.
(CARDOSO et al, 2008, p. 113)
São valorizadas as iniciativas com participação ativa dos estudantes e as
atividades de empowerment com objetivo de formar agentes multiplicadores e
valorizar o surgimento de líderes entre os próprios jovens (KORNBLIT et al, 2007;
MONTES et al, 2012). A educação em saúde passa a ser proposta a partir de
objetivos mais amplos e pautados a partir de diagnósticos locais (OPAS, 1997)
assim como as demais ações de saúde escolar.
As atividades em saúde no espaço escolar devem favorecer uma ação mais reflexiva e crítica
do conceito de saúde, com investigação de demandas e temas pertinentes à comunidade
escolar e particularmente aos escolares. (CARDOSO et al, 2008, p. 108)
Outra questão identificada nos artigos foi a apresentação de avaliação e
descrição de técnicas e metodologias utilizadas em projetos ou ações foi objetivo de
diversos artigos. Foram relatados processos de formação com professores e outros
profissionais da escola assim como palestras e oficinas realizadas com
responsáveis, estudantes e comunidade. Observa-se um leque de ações que inclui
estratégias das mais tradicionais às mais lúdicas e criativas incluindo: palestras,
distribuição de cartilhas e panfletos, círculos de cultura, teatro e contação de história
com estudantes e uma experiência de modalidade de educação à distância para
professores.
A formação de professores continua a ser tarefa valorizada, mas neste
contexto mudam-se seus sentidos e objetivos. O foco da formação inclui conteúdos
específicos sobre saúde. Contudo, são pautados, por exemplo, tópicos relacionados
55
à concepção sobre saúde-doença, sobre a importância de que os professores se
interessem e apropriem das questões de saúde que preocupam os jovens e também
reflexões sobre a evolução histórica destes problemas relacionando ao seu alcance
social atual, as diferentes áreas geográficas e ao campo social (KORNBLIT et al,
2007).
Ainda há muito que se caminhar para que a mudança de foco da saúde
escolar ocorra efetivamente, contudo há uma produção acadêmica e técnica
consistente que aponta possibilidades. Como apresentam Santos e Bógus (2007)
numa mesma escola podem coexistir, por um lado, percepções e visões higienistas
e de isolamento da instituição em relação a outros equipamentos públicos do
território e, por outro, práticas e atitudes relacionadas a uma visão ampliada de
saúde, considerando aspectos sócio-históricos.
c) Alguns desafios promoção da saúde na escola
Nos artigos que apresentam revisões e relatos de experiências pautados nos
referenciais de EPS há uma preocupação em enfatizar a participação ampla
(profissionais, pais, estudantes e comunidades) nas diversas etapas dos projetos e
ações. Há, no entanto, um debate ainda em construção que se refere à definição de
papéis e responsabilidades no planejamento e execução de programas de saúde
escolar. Este desafio remete a três conceitos que podem e devem ser aprimorados e
problematizados na perspectiva de atuação em saúde escolar, são eles:
intersetorialidade, interdisciplinaridade e participação. Esta constatação não é uma
novidade em termos de políticas de promoção da saúde.
Sobre o desafio da inteserorialidade Buss (2000) alerta para a necessidade de
cuidar para que a proposição de políticas públicas saudáveis não determine
condição de subordinação de outros setores governamentais à saúde, com risco de
gerar resistência e isolamento.
Tendo na interdisciplinaridade o seu fundamento cognitivo e na intersetorialidade a sua
ferramenta operacional, as políticas saudáveis, para não se limitarem a uma normatividade
burocrática socialmente natimorta, devem suscitar ou partir de pactos horizontais com
parceiros de outros setores governamentais e de outras comunidades epistêmicas, como os
urbanistas, os educadores etc. (BUSS, 2000, p. 174)
56
A intersetorialidade é reconhecida como uma das principais barreiras para a
efetivação da EPS na Região, sendo recomendado investir na consolidação de
mecanismos formais de coordenação intersetorial (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006).
[...] a ação intersetorial é um processo de aprendizagem e resolução dos atores envolvidos
para que a ação integrada responda aos problemas da população de um território definido
saindo do limite da necessidade para o da liberdade. (FERREIRA et al, 2012, p.3387)
Adotar a intersetorialidade é prática que ultrapassa o simples sentido de um
setor buscar apoio para seus objetivos em outro. Na realidade, refere-se a uma
mudança de cultura e de forma de organizar políticas públicas para que estas
ultrapassem as segmentações dos atuais processos decisórios. Requer integração e
coordenação de tais processos de maneira que se garanta à eleição partilhada dos
problemas a serem enfrentados, garantia de orçamento, definição de estratégias e
objetivos construídos conjuntamente (BURLANDY, 2009; INOJOSA, 1997). Trata-se
de construir mecanismos sofisticados e eficientes de planejamento que aperfeiçoem
a utilização de recursos e permita clareza no acompanhamento de metas e
resultados que só se concretizam com efetivo funcionamento de espaços e
mecanismos de concertação e diálogo.
As políticas públicas no Brasil e em várias partes do mundo têm sido
construídas fortemente setorizadas e compartimentadas. É a constatação de que na
vida concreta as necessidades da população aparecem de forma complexa e, muitas
vezes contraditória, que aponta a demanda por estas mudanças nas áreas de
planejamento e de gestão orçamentária.
Existem orientações claras da OPAS sobre a relevância de formação de
formação de Comissões Nacionais Mistas como mecanismos facilitadores da
coordenação intersetorial da estratégia de EPS. Contudo, observa-se que as
iniciativas de saúde escolar tendem a ser financiadas e por isso gerenciadas pelo
setor saúde, como demonstra-se por exemplo experiências na Argentina (MOLINERI
et al, 2009), no Peru (CHOQUE-LARRAURI; CHIRINOS-CÁCERES, 2009) e na
Colombia (HERNÁNDEZ, 2007). Para Ferreira e colaboradores (2012), mesmo a
experiência brasileira – com EPS e posteriormente com o PSE – que optou pela
constituição de grupos de trabalho/ comissão intersetorial nas três esferas de
governo, a participação dos setores de saúde e educação não ocorre de forma
57
equânime. A adesão e repasse de recurso financeiro acontece através do Ministério
da Saúde que exerce maior poder de decisão.
Em 2001, uma pesquisa com participação de 1723 países latino-americanos
identificou que 94% desenvolvia ações de promoção de saúde para população em
idade escolar e/ou programas de saúde escolar. As políticas relacionadas à
estratégia de Escolas Promotoras de Saúde foram mencionadas por 82% países.
Contudo, apenas 30% dos países informaram existência de orçamentos específicos
(IPPOLITO-SHEPHERD, 2006, p. 16).
As universidades e organizações da sociedade civil são apresentadas como
parceiras em muitas experiências, representando por vezes a única fonte de
financiamento das ações. Estas parcerias são relevantes, mas a definição de papéis
destes atores no desenvolvimento das estratégias de saúde escolar também precisa
ser amadurecida, inclusive problematizando a existência ou não de possibilidade de
diálogo entre os projetos destas instituições e as demandas locais – da escola,
comunidade e estudantes.
O reconhecimento de que o processo saúde-doença é complexo e multifatorial
implica em assumir a necessidade de abordagens interdisciplinares para garantir
maior eficiência das ações. Neste sentido a questão da formação – recomendação
recorrente nos artigos – deve ser aprofundada nos debates. Importante refletir sobre
quem seria o público-alvo e quais seriam os focos e intencionalidades propostos em
programas de formação em saúde escolar e para atuação em estratégias de
promoção da saúde na escola. Estratégias educativas desenvolvidas sob a ótica da
promoção da saúde devem (ou deveriam) ter como intenção fortalecer a autonomia
e têm como ponto de partida o diagnóstico local e a valorização das diferentes
potencialidades e saberes.
Nas experiências de EPS identifica-se que em diversos países as atividades
relacionadas à avaliação clínica, oftalmológica, odontológica, nutricional, auditiva/
fonoaudiológica estão presentes e os professores são citados como responsáveis
por parte destas atividades. Eles estão envolvidos na detecção precoce de
23
As Escolas Promotoras de Saúde na América Latina com Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa
Rica, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru,
República Dominicana e Uruguai.
58
problemas de comportamento, dificuldades de aprendizado ou doenças físicas;
avaliação de peso e altura, ou triagem visual ou auditiva; programas de prevenção
de drogas e de violência e de educação sexual (IPPOLITO-SHEPHERD, 2006). Um
reflexo disto aparece nas conclusões de parte dos artigos que recomenda a
realização de capacitação de professores nestas áreas especificas.
Não se pretende desviar as funções dos professores e dos profissionais da saúde, mas sim
incorporar no âmbito escolar atitudes e práticas que valorizem a promoção da saúde de forma
crítica. A idéia é que as questões de saúde não passem despercebidas nesse ambiente, como
se apenas os profissionais da saúde soubessem e pudessem dar conta de lidar com elas,
desconsiderando as possibilidades de práticas integradas e intersetoriais. (SANTOS; BÓGUS,
2007, p.125)
A participação da família e da comunidade nas ações de saúde escolar faz
parte do repertório de ações tanto de estratégias pautadas pela higiene escolar
quanto de promoção da saúde. No primeiro caso com ênfase na responsabilização e
muitas vezes culpabilização dos sujeitos por sua saúde e a de seus familiares e no
segundo a partir de um discurso mais democrático.
Para Valla (1998) a participação popular é termo ambíguo que na América
Latina encontra contornos autoritários em que grupos conservadores e também
muitos progressistas assumem como objetivo o controle das populações da periferia
para pôr em prática suas concepções. Neste sentido, sempre que se fala de
participação popular em projetos deve-se ter em mente a seguinte questão: de que
participação popular está se falando?
As
definições
necessárias
para
efetivar
intersetorialiadade,
interdisciplinaridade e participação não ocorrem no vazio, mas contextualizadas pela
realidade socioeconômica e política em nível micro e também macro. Isto quer dizer
que será necessário compreender em que realidade as estratégia e políticas
públicas de saúde escolar estão sendo engendradas, ou seja, o quanto é um
contexto democrático, participativo, popular ou seus contrários. Os limites e as
possibilidades de vivenciar efetivamente o conceito ampliado de saúde também
estão relacionados ao contexto.
Dentre as diferentes experiências apresentadas nos artigos chama a atenção o
número reduzido de ações de promoção de práticas contextualizadas. Identificou-se
artigos que trabalharam questões teóricas relevantes e sugestões possíveis
relacionadas ao aprimoramento das ações de saúde escolar nesta direção.
59
Experiências como as descritas, por exemplo, por Hernández (2007), Diz e
colaboradores (2007), Beserra e colaboradores (2006) e Rabello e Anderson (2011)
também apresentam possibilidades e desafios. Sobretudo os debates e relatos que
utilizaram o referencial das EPS guardam características de valorização da
contextualização, da participação e do apoderamento. Neste sentido, sinalizam
propostas viáveis e promissoras para o desenvolvimento de praticas promotoras de
saúde na escola.
Dutta-Bergman (2004) contribui com o debate ao ressaltar que nas últimas
décadas tem sido reconhecida a centralidade da cultura e a importância de
abordagens contextualizadas no que se refere às iniciativas de comunicação em
saúde, sobretudo quando se trata da atuação junto a populações marginalizadas.
Estas abordagens problematizam os significados atribuídos à saúde e desta forma
propõe caminhos alternativos àqueles centrados no discurso rigidamente técnico e
científico. Aponta também para a necessidade de incluir as vozes silenciadas das
populações marginalizadas. Para além das práticas, Dutta-Bergman sugere uma
―epistemologia das margens‖ e inversão dos fluxos tradicionais de comunicação que
ocorrem em mão única: do centro para a periferia. O autor reforça a perspectiva de
que promover saúde em áreas periféricas é ter como foco a construção de
capacidades que para o autor relaciona-se não apenas à comunicação, mas ao
acesso a recursos fundamentais à vida como alimentação, vestuário e moradia.
Conclui-se que desde a década de 1990 a promoção de saúde na escola tem
sido afirmada e apoiada por organismos internacionais como estratégia de eleição
para a saúde escolar na América Latina. Os debates e experiências reunidos nos
últimos anos demonstram dificuldades e desafios para a efetivação dos aspectos
conceituais e políticos proposto pela EPS, mas ao mesmo tempo trazem novas luzes
e possibilidades para sua realização.
O cenário latino-americano revela a persistência de iniciativas centradas na
doença e em suas formas de transmissão, de ações de triagens e de construção de
perfis epidemiológicos e de estratégias educativas relacionadas transmissão de
conhecimentos sobre prevenção, higiene e primeiros socorros. Em grande medida
tem sido atividades que, desconsiderando o contexto local e o espaço da vida,
acabam por apresentar uma lista de regras nem sempre possíveis de serem
60
vivenciadas e acabam por culpabilizar a população pelo não cumprimento destas
regras de controle de risco.
2.5
SAÚDE ESCOLAR NO BRASIL: UMA SÍNTESE A PARTIR DE PUBLICAÇÕES
OFICIAIS RECENTES
No Brasil educação e saúde são direitos sociais de caráter universal previstos
na Constituição Federal.
A existência de vínculo entre estes campos encontra
marcas expressivas na história das políticas públicas brasileiras. Em ocasião da
criação de estrutura governamental para tratar destes temas, foi criado em 1930 o
Ministério da Educação e Saúde Pública que permaneceu unido até 1953, quando
houve a separação em duas pastas: Ministério da Educação e Cultura e o Ministério
da Saúde24.
Deste total vínculo passou à fase de diferenciação. Contudo, o inegável
reconhecimento da interdependência entre a garantia dos direitos à saúde e à
educação tem sido motivo para o constante estimulo à busca por reintegração. O
momento atual, incentiva a reconstrução de pontes entre áreas de saberes e o
exercício da intersetorialidade em políticas públicas, reconhecendo a complexidade
tanto dos desafios do cenário atual quanto das respostas por este demandada.
A saúde escolar tem ocupado lugar relevante nas discussões de saúde
coletiva na América Latina, sobretudo após 1995 com o lançamento da Iniciativa
Regional de Escolas Promotoras de Saúde. Atualmente no Brasil tais ações estão
inscritas no Programa Saúde na Escola (PSE), instituído pelo Decreto Presidencial
nº 6.286/2007 no âmbito dos ministérios da Educação e da Saúde. A finalidade do
PSE segundo este documento é ―contribuir para a formação integral dos estudantes
da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e
atenção à saúde‖. No contexto do PSE a articulação entre os setores saúde e
educação é estratégia central.
24
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2&Itemid=1164. Acesso em
agosto de 2012.
61
Essa parceria deve se estruturar e solidificar levando-se em conta os limites e as inúmeras
possibilidades de atuação, de forma dinâmica e perene, não eventual, nem esporádica
(BRASIL, 2009d, p. 16).
As publicações oficiais dos ministérios da Saúde e Educação bem como a
legislação em torno do tema saúde escolar revelam questões importantes para
compreender o atual contexto de promoção da saúde na escola. Houve
representação brasileira nas principais atividades realizadas em torno da Iniciativa
de Escolas Promotoras de Saúde na América Latina e esta participação se refletiu
na estruturação de uma estratégia nacional para a saúde escolar.
A partir da influência da Iniciativa, uma série de materiais foi produzida no
âmbitos dos ministérios da Saúde e Educação. Para fins de análise foram
selecionadas àquelas relacionadas diretamente à divulgação de concepções e de
ações saúde escolar. Foram identificadas dez publicações (cadernos, cartilhas,
folders e uma matriz de ações) com estas características entre 2005 e 2012. Dentre
estas três foram publicadas pelo Ministério da Saúde e uma pelo Ministério da
Educação a outras seis, as mais recentes, foram publicações conjuntas de ambos.
Quadro 2: Publicações Oficiais do Governo Brasileiro sobre Escolas
Promotoras da Saúde e Programa Saúde na Escola – 2005 a 2012
Publicação
A educação que produz
saúde
Escolas promotoras de
saúde: experiências do Brasil
Cadernos de Atenção Básica
nº 24 - Saúde na escola
Orientações sobre o
Programa Saúde na Escola
para Elaboração de Projetos
Locais
Passo a passo PSE:
Programa Saúde na Escola:
tecendo caminhos da
intersetorialidade
Manual Saúde na Escola:
Série F - Comunicação e
Educação em Saúde
Semana Saúde na Escola:
Guia de Sugestões de
Atividades
Semana Saúde na Escola:
Plano de Ação
Origem
Ministério da Saúde (através da Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde/
Departamento de Gestão da Educação na Saúde)
Ministério da Saúde (através da Secretaria de
Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde/
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa/
Departamento de Apoio à Gestão Participativa)
Ministério da Saúde (através da Secretaria de
Atenção à Saúde/ Departamento de Atenção
Básica)
Ministério da Educação
Ministério da Saúde (através da Secretaria de
Atenção à Saúde/ Departamento de Atenção
Básica) e Ministério da Educação (através da
Secretaria de Educação Básica/ Diretoria de
Currículos e Educação Integral)
Ministério da Educação e Ministério da Saúde
(através da Secretaria de Atenção à Saúde/
Departamento de Atenção Básica/ Coordenação
Geral de Alimentação e Nutrição)
Ano
2005
2007
2009
-
2011
2012
Ministério da Saúde e Ministério da Educação
2012
Ministério da Saúde e Ministério da Educação
2012
62
PSE: Tecendo Caminhos da
Intersetorialidade (folder)
Ministério da Saúde e Ministério da Educação
2011
Matriz de Gestão do PSE
Ministério da Saúde (através da Secretaria de
Atenção à Saúde/ Departamento de Atenção
Básica) e Ministério da Educação
2012
Com relação à legislação o período de publicações foi o mesmo – 2005 a 2012
– num total de 16 publicações sendo um decreto presidencial e 15 portarias, sendo
oito interministeriais e sete do Ministério da Saúde, estas ultimas referentes ao
repasse de recursos financeiros aos municípios e estados.
Quadro 3: Legislação Brasileira pertinentes aos temas Escolas Promotoras da
Saúde e Programa Saúde na Escola – 2005 a 2012
Docume
nto
Origem
Objeto
Portaria
Interministerial nº 749,
de 13 de maio de
2005.
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Constitui a Câmara Intersetorial para
a elaboração de diretrizes com a
finalidade de
subsidiar a Política
Nacional de Educação em Saúde na
Escola.
Portaria
Interministerial nº
1.820 de 1º de agosto
de 2006.
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Altera os artigos 1º, 2º e 3º da Portaria
Interministerial nº 749, de 13 de maio de
2005.
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Constituiu Grupo de Trabalho, com a
atribuição de elaborar um Documento
Base que direcione a implementação do
Programa Educação e Saúde nas
Escolas
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Institui o Programa Saúde na Escola PSE, e dá outras providências
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Institui a Comissão Intersetorial
Educação e Saúde na Escola.
Portaria
Interministerial nº 16,
de 24 de abril de
2007.
Decreto Presidencial
nº 6.286, de 5 de
dezembro de 2007
Portaria
Interministerial nº 675,
de 04 de julho de
2008
Portaria nº 1.861, de
04 de setembro de
2008
Ministério da Saúde
Portaria
Interministerial nº
1.399, de 14 de
novembro de 2008
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Portaria nº 2.931, de
04 de dezembro de
2008
Ministério da Saúde
Portaria nº
3.146, de 17 de
dezembro de 2009
Ministério da Saúde
de
Estabelece recursos financeiros pela
adesão ao PSE para Municípios com
equipes de Saúde da Família, priorizados
a partir do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica - IDEB, que aderirem
ao Programa Saúde na Escola - PSE.
Art. 1º Designar os membros para compor
a Comissão Intersetorial de Educação e
Saúde na Escola - CIESE instituída pela
Portaria nº 675, de 4 de junho de 2008.
Altera a Portaria nº 1.861/GM, de 4 de
setembro de 2008, que estabelece
recursos financeiros pela adesão ao
Programa Saúde na Escola - PSE e
credencia Municípios para o recebimento
desses recursos.
Estabelece recursos financeiros para
Municípios com equipes de Saúde da
Família, que aderirem ao Programa
63
Portaria nº 790, de 12
de abril de 2010
Ministério da Saúde
Portaria nº 1.537, de
15 de junho de 2010
Ministério da Saúde
Portaria nº 3.696, de
25 de novembro de
2010
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Portaria
Interministerial nº
1.910, de 08 de
agosto de 2011
Ministério da Saúde e
Ministério da Educação
Portaria
Interministerial nº
1.911, de 08 de
agosto de 2011
Ministério da Saúde e
Ministério da
Educação
Portaria nº 3.014, de
20 de dezembro de
2011
Portaria nº 524, de 26
de março de 2012
Ministério da Saúde
Ministério da Saúde
Saúde na Escola - PSE.
Altera a Portaria nº 3.146/GM, de 17 de
dezembro de 2009, que estabelece
recursos financeiros pela adesão ao
Programa Saúde na Escola (PSE).
Credencia Municípios para o recebimento
de recursos financeiros pela adesão ao
Programa Saúde na Escola - PSE,
conforme a Portaria nº 3.146/GM, de 17
de dezembro de 2009.
Estabelece critérios para adesão ao
Programa Saúde na Escola (PSE) para o
ano de 2010 e divulga a lista de
Municípios aptos para Manifestação de
Interesse.
Estabelece o Termo de Compromisso
Municipal como instrumento para o
recebimento de recursos financeiros do
Programa Saúde na Escola (PSE).
Altera a Portaria Interministerial nº
3.696/MEC/MS, de 25 de novembro de
2010, que estabelece critérios para
transferência de recursos aos Municípios
credenciados ao Programa Saúde na
Escola (PSE) e define lista de Municípios
aptos a assinarem Termo de
Compromisso Municipal.
Habilita Municípios e o Distrito
Federal para o recebimento do repasse
de recursos financeiros relativos ao
Programa Saúde na Escola (PSE).
Habilita Municípios ao recebimento do
repasse de recursos financeiros relativos
ao Programa Saúde na Escola (PSE).
Examinando em conjunto os dois grupos de publicações, é possível perceber
que a história recente das iniciativas públicas de saúde escolar no Brasil pode ser
dividida em três momentos principais. No período inicial, antes da criação do
Programa Saúde na Escola (PSE), os debates foram impulsionados pela Secretaria
de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde sendo orientada fortemente pelos
princípios da Educação Popular e Saúde (EP&S). No ano de 2005 foi publicada a
Portaria Interministerial nº 749 com objetivo de constituir uma Câmara Intersetorial
responsável por subsidiar a construção de uma Política Nacional de Educação em
Saúde na Escola. Foi também publicado um caderno intitulado “A educação que
produz saúde” pelo Ministério da Saúde para o trabalho em escola com profissionais
de educação. A proposta estava pautada na Iniciativa Escolas Promotoras de
Saúde.
64
Importante registrar que o fato destas publicações ocorrerem a partir de 2005
não significa a inexistência de experiências brasileiras neste campo. De forma
dispersa, municípios e estados desenvolviam suas ações e parte destas foram
sistematizadas em 2007 pelo Ministério da Saúde na publicação “Escolas
promotoras de saúde: experiências do Brasil”.
Este movimento de registro de experiências foi estimulado e orientado pela
OPAS.
Diversas
experiências
latino-americanas
incorporam
estratégias
de
alimentação escolar em suas ações de saúde escolar, reconhecendo o vínculo
estratégico entre boa alimentação e saúde. Neste período inicial os debates sobre
saúde escolar no Brasil incluíam de forma mais explicita as experiências no âmbito
do Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Num segundo momento, a partir da publicação do Decreto Presidencial nº
6.286 que institui o PSE, inicia-se um período de refinamento de uma estratégia
nacional, com definição de instâncias de gestão intersetorial nas três esferas de
governo – Grupo de Trabalho Intersetorial – e a definição de regras de
financiamento.
O Ministério da Educação publicou o documento Orientações sobre o
Programa Saúde na Escola para Elaboração de Projetos Locais com orientações à
gestão local no qual incorpora a noção de território, reconhecido como espaço de
materialização das ações, ―de produção da vida, da saúde‖. A saúde é apresentada
como produção social exigindo por isso a construção de espaços de troca e
construção coletiva de saber. Enfatiza a participação ativa dos sujeitos na prática
cotidiana para a formação de cidadãos críticos e informados, com capacidade de
agir em defesa da vida. Registra ainda que a educação integral e integrada como
aquela que focaliza o sujeito, que busca o desenvolvimento das potencialidades
humanas, ―com equilíbrio entre os diferentes aspectos – cognitivos, afetivos e
sociais.‖
Por fim, o momento atual, é reflexo de processo de avaliação e reestruturação
do PSE ocorrido a partir de 2011. Neste ano foi publicada a Portaria Interministerial
nº 1.910 que estabelece o Termo de Compromisso Municipal como instrumento para
o recebimento de recursos financeiros do PSE. Com esta reestruturação alteram-se
as formas de pactuação das metas do Programa, da prestação de contas e cria-se a
65
obrigatoriedade de registro em sistema de informação próprio: Sistema Integrado de
Monitoramento Execução e Controle (SIMEC).
Relevante registrar que de forma geral a escola é apresentada como espaço
relevante para promover saúde e para a formação de cidadãos críticos com estimulo
à autonomia e o exercício de direitos e deveres (BRASIL, 2006d; 2009D; 2011a). É
espaço de relações privilegiado para o desenvolvimento de posicionamento crítico e
político que interfere diretamente na produção social da saúde. É local de encontro e
confronto de saberes distintos e de expressão de uma cultura escolar que:
[...] configura e é instituinte de práticas socioculturais (inclusive comportamentos) mais amplos
que ultrapassam as fronteiras da escola em si mesma. É dentro desse enfoque que se
entende e se justifica um programa de saúde na escola, inserido e integrado no cotidiano e na
cultura escolar, irradiando-se dessa forma para além dos limites da escola.‖ (BRASIL, 2009D,
p. 15)
Percebe-se
que
as
publicações
vão
ganhando
um
amadurecimento
institucional e características bem próprias ao contexto brasileiro, respaldando-se
mais na legislação nacional – de promoção da saúde e educação básica – do que no
discurso da Iniciativa de Escolas Promotoras de Saúde. Por outro lado, o
detalhamento das atividades para alcance de objetivos e metas bem específicos
remete a ideia de uniformização de ações. Cabe então problematizar: que espaço
resta para incorporar a perspectiva de diálogos com a cultura e realidade locais?
O PSE é compreendido como estratégia que incentiva a ―[...] gestão coletiva
das ações de saúde e educação a partir da participação de profissionais da saúde,
educação, dos educandos e da comunidade, no território onde convivem‖ (BRASIL,
2011a, p.17). Prevê o desenvolvimento de atividades de prevenção, promoção e
atenção à saúde com estudantes da Rede Pública de Educação através de
articulação com Sistema Único de Saúde (SUS) por meio da Estratégia de Saúde da
Família (ESF) (BRASIL, 2007).
Esta articulação tem como ―ampliar o alcance e o impacto de suas ações
relativas aos estudantes e suas famílias, otimizando a utilização dos espaços,
equipamentos e recursos disponíveis‖ (BRASIL, 2007).
A organização das ações ocorre em três componentes. Componente I Avaliação Clínica e Psicossocial corresponde aos aspectos de coleta de dados
epidemiológico e incluem ações de: avaliação antropométrica, atualização do
66
calendário vacinal, detecção precoce de hipertensão arterial sistêmica (HAS),
detecção precoce de agravos de saúde negligenciados (prevalentes na região:
hanseníase, tuberculose, malária etc.), avaliação oftalmológica, avaliação auditiva,
avaliação nutricional, avaliação da saúde bucal e avaliação psicossocial (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2011a).
O Componente II - Promoção e Prevenção à saúde deve ser desenvolvido de
maneira que sejam abordadas a partir dos temas destacados como prioritários para
a implementação da promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos no
território: ações de segurança alimentar e promoção da alimentação saudável;
promoção das práticas corporais e atividade física nas escolas; Saúde e Prevenção
nas Escolas (SPE): educação para a saúde sexual, saúde reprodutiva e prevenção
das DST/aids; Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE): prevenção ao uso de álcool e
tabaco e outras drogas; promoção da cultura de paz e prevenção das violências; e
promoção da saúde ambiental e desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2011a).
O Componente III – Formação através do qual está previsto parceria entre
educação e saúde para o desenvolvimento de estruturas de formação e materiais
didático-pedagógicos que atendem às necessidades de implantação das ações de
planejamento, monitoramento e avaliação do PSE, no qual o público-alvo são os
integrantes da saúde e educação que compõem os Grupos de Trabalhos
Intersetoriais (GTIs) e de avaliação das condições de saúde, de promoção da saúde
e prevenção a riscos e agravos à saúde, no qual o público-alvo são os profissionais
das equipes de Saúde da Família, profissionais das unidades de saúde, profissionais
das escolas e jovens educandos (BRASIL, 2011a).
O PSE é orientado por três princípios: a intersetorialidade que enquanto
modelo de gestão desafia a lógica das práticas profissionais fragmentadas propondo
modelo de cuidar orientado pela universalidade, participação, integralidade,
articulação e corresponsabilidade; a integralidade como processo de identificação
dos sujeitos em sua totalidade, percebendo o educando como sujeito histórico, social
e político, articulando ao seu contexto familiar, ao meio ambiente e à sociedade na
qual se insere; e a territorialidade como espaço coletivo da diferença e produto da
apropriação da valorização simbólica de um grupo em relação ao serviço vivido
(BRASIL, 2011a).
67
A intersetoriliadade é um desafio central na execução do PSE. Para tanto, a
principal estratégia em curso é constituição dos Grupos de Trabalho Intersetorias
nas três esferas de governo. Estes espaços constituem-se em instâncias de
pactuação de metas, construção coletiva de planos e projetos e realização do
monitoramento e avaliação das atividades realizadas no âmbito do Programa. O
fortalecimento dos GTI é visto como essencial para o avanço e consolidação do
PSE.
A proposta de coordenação do PSE por meio dos Grupos de Trabalho Intersetoriais é centrada
na gestão compartilhada, numa construção em que tanto o planejamento quanto a execução
das ações são realizados, coletivamente, de forma a atender às necessidades e demandas
locais. As decisões são compartilhadas por meio de análises e avaliações construídas
intersetorialmente. O trabalho no GTI pressupõe, dessa forma, interação com troca de
saberes, poderes e afetos entre profissionais da saúde e da educação, educandos,
comunidade e demais redes sociais. (BRASIL, 2011a, p.9)
Com o amadurecimento do Programa a questão da intersetorialidade passa a
ser vinculada não apenas ao sucesso momentâneo das ações, mas também se
articula à própria sustentabilidade das ações. A conformação de articulações entre
redes públicas locais de serviços ganha destaque neste contexto.
A articulação intersetorial das redes públicas de saúde e de educação e das demais redes
sociais para o desenvolvimento das ações do PSE implica mais do que ofertas de serviços
num mesmo território, pois deve propiciar a sustentabilidade das ações a partir da
conformação de redes de corresponsabilidade. Implica colocarmos em questão: como esses
serviços estão se relacionando? Qual o padrão comunicacional estabelecido entre as
diferentes equipes e serviços? Que modelos de atenção e de gestão estão sendo produzidos
nesses serviços? (BRASIL, 2011a, p.9)
A implantação do Programa se dá por adesão dos municípios que tenham a
ESF em funcionamento através de envio ao Ministério da Saúde de Manifestação de
Interesse de Adesão ao PSE, nomeação de Grupo de Trabalho Intersetorial (GTI) e
elaboração de Projeto (BRASIL, 2007). A partir de 2011 o repasse de verbas passa
a ser condicionado à assinatura de Termo de Compromisso e pela comprovação de
cumprimento de metas realizadas através do SIMEC.
A partir do exercício de 2011, portanto, a transferência de recurso financeiro e material do PSE
para os municípios credenciados ao Programa Saúde na Escola está condicionada à
assinatura, pelos secretários municipais de Saúde e Educação, do instrumento de
contratualização, o Termo de Compromisso. O Grupo de Trabalho Intersetorial Municipal (GTIM) deve fazer a gestão do PSE e responsabilizar-se pelo preenchimento desse Termo de
Compromisso definindo intersetorialmente as metas de cobertura das ações. [...] os gestores
se comprometem com um conjunto de metas anuais de cobertura de educandos beneficiados
pelas ações do PSE. [...] Os municípios terão 12 meses após assinatura do Termo para o
cumprimento das metas pactuadas (BRASIL, 2011a, p.7).
68
Existem recursos específicos para o PSE. Estes recursos eram transferidos
em parcela única ao município, conforme Portaria no 1.861/2008. A partir de 2011 o
município que aderiu ao PSE passou a receber inicialmente 70% do valor pactuado
no momento em que o Termo de Compromisso é firmado e os outros 30% com a
comprovação de cumprimento das metas.
As responsabilidades intersetoriais do PSE serão estabelecidas a partir de assinatura do
Termo de Compromisso entre as Secretarias Municipais de Saúde e de Educação, com metas
pactuadas de implantação/implementação das ações e a transferência dos recursos vinculada
ao alcance das metas que serão monitoradas por meio do Sistema Integrado de
Monitoramento Execução e Controle (SIMEC) (BRASIL, 2011a, p.19).
Os recursos continuam a ser transferidos através do Ministério da Saúde pelo
Piso de Atenção Básico (PAB) variável. Coube ao Ministério da Educação desde o
inicio fornecer kits com equipamentos destinados às avaliações (clínica, nutricional,
odontológica, etc).
O componente formação é descrito de forma ampla envolvendo criação de
habilidades para execução do PSE. Destacam ações destinadas ao GTI,
profissionais da escola e da saúde e estudantes sob a ótica da formação de ―jovens
protagonistas‖. Inclui-se ainda a opção por especialização em educação em saúde e
educação à distância como atividades relacionadas ao componente formação no
PSE (BRASIL, 2011).
Para a implementação das ações previstas no PSE, são essenciais os processos de formação
inicial e continuada de profissionais das duas áreas, já previstos pelas políticas de saúde e
educação. O programa prevê a responsabilidade dos ministérios em subsidiar a formulação
das propostas de educação permanente dos profissionais de saúde e da educação básica
para implementação das ações do PSE (BRASIL, 2011a, p.14).
Através da Portaria Interministerial nº 1.910/ 2011 ficam definidos os
―Parâmetros Essenciais‖ de cobertura das ações PSE. Estabelece-se que cada
equipe de Saúde da Família fica responsável por 500 escolares/ano para as ações
do Componente I (Avaliação Clínica e Psicossocial) e 1000 escolares/ano ou 100%
dos escolares em caso inferior a 1000 escolares no Município, por Equipe de Saúde
da Família, para as ações do Componente II (Promoção e Prevenção à saúde)
(BRASIL, 2011a).
Dados do Ministério da Saúde informam que para o ano de 2012 dos 2.812
Municípios aptos a assinatura do Termo de Compromisso com metas de
69
implementação de ações de promoção, prevenção, educação e avaliação das
condições de saúde no seu território, 2.495 (88.72%) assinaram o Termo.25
25
http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/area.cfm?id_area=1828. Acesso em fevereiro de
2013.
70
3
Educação Popular, cultura e saúde
Cuidar implica em agir junto. Nesse agir conjunto, a racionalidade técnica em estado bruto
perde o sentido: atuar junto exige respeito em seus desejos e projetos de vida, que é quem de
fato é capaz de colocar nossos corpos em movimento (OLIVEIRA & VALLA, 2001).
3.1
EDUCAÇÃO POPULAR & SAÚDE
Nas últimas décadas tem-se assistido um processo de modificações no perfil
de morbimotalidade a nível mundial26 que, em países de capitalismo periférico como
o Brasil, tem contornos mais complexos, sobrepondo velhos e novos males: uma
relativa redução das doenças infecciosas que coexiste com o aumento de doenças
crônicas não transmissíveis (MONTEIRO, 2000). Existe ao mesmo tempo um
reconhecimento de que o modelo de atenção vigente27 tem sido incapaz de explicar
e responder este processo e uma constatação da necessidade de controlar custos
excessivos e crescentes da assistência médica que não têm demonstrado resultados
significativos (CZERESNIA & FERREIRA, 2003). Neste contexto, têm sido
amplamente valorizadas as abordagens de promoção da saúde e educação em
saúde.
A educação em saúde pode ser definida como ―[...] uma área temática
colocada no entrelaçamento de disciplinas das ciências sociais e das ciências da
saúde‖(STOTZ, 1993: 17). Trata-se do ―[...] campo de prática e conhecimento do
setor saúde que se ocupa mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação
médica e o pensar e fazer cotidiano da população.‖ (VASCONCELOS, 2001a: 25)
Existe um debate extenso sobre as relações entre promoção da saúde e
educação em saúde, sobre seus limites e interfaces. Após ampla revisão Assis
(2004) afirma que a educação e a prevenção estão contidas na idéia de promoção
da saúde. Argumenta que, por estarem tão interligados, manter polarizações rígidas
entre os temas traria confusão enquanto o mais importante seria a atuação da
26
Refere-se ao processo de Transição Epidemiológica em que se observa a redução na morbidade e
mortalidade por doenças transmissíveis passando a um predomínio de doenças não trasmissíveis (e
causas externas); a redução na morbidade e mortalidade nos grupos mais jovens e aumentando entre
os grupos mais idosos; e a transformação de um cenário em que predomina a mortalidade para um
outro em que a morbidade ganha maior importância (Monteiro, 2000).
27
Baseado hegemonicamente no conhecimento biológico, no parque tecnológico médico, no risco e
na atenção individual.
71
promoção da saúde no sentido de garantir equidade social e novas práticas
sanitárias. Simnett (1997) apud Assis (2004), afirma que a educação em saúde visa:
[...] garantir que as pessoas estejam bem informadas sobre questões de saúde, tenham a
habilidade para fazer escolhas sobre sua saúde e estilos de vida, e tenham as habilidades
para implementar ações e comportamentos para perseguir aquelas escolhas. Também aponta
para aumentar a consciência da necessidade de mudanças políticas dentro das organizações,
incluindo governos, e para mudanças ambientais conducentes à saúde.
Em revisão acerca da educação em saúde, Machado (2008) afirma que o
exame crítico da educação e saúde no Brasil mostra a existência de diferentes
práticas e concepções ao longo da história. Sua origem foi marcada por discursos e
práticas coercivas e deterministas, sem capacidade para garantir integralidade e
atuar na promoção da saúde. Machado (2008) reflete acerca do ―modelo exógeno‖
de adoecimento abordado por Laplantine (1991), que sustenta a tese de que para
cada doença há um inimigo, agente externo a ser combatido. As práticas educativas
resultantes desta concepção isolam a doença, pressupõem a adoção de medidas
―corretivas‖ e a idéia de que a informação leva sempre a aquisição de novos
comportamentos:
A intervenção educacional, portanto, sustenta-se na idéia de educar para a saúde e na
hipótese de que os vários problemas de saúde são resultantes da desinformação e da
ignorância da população (MACHADO, 2008, p.57).
A educação e saúde, em sua forma tradicional e dominante, apresenta-se de
forma instrumental e definida pelas práticas médicas (STOTZ, 1993). Vuori (1997)
apud Stotz (1993) argumenta que, nesta perspectiva, as abordagens educativas são
definidas no contexto do método de medicina preventiva e sendo assim os
problemas são definidos do ponto de vista médico (diagnóstico), dando origem a
atividades freqüentemente fragmentadas e focalizadas em problemas específicos.
Levando em conta que muitas ações ainda hoje são realizadas a partir desta
concepção, cabe aqui reforçar a não-neutralidades das escolhas:
Refletir sobre a educação em saúde é necessariamente considerar o ponto de vista que uma
parte da sociedade tem sobre as demais. Isto porque vivemos numa sociedade desigual,
separada em diversos grupos e classes sociais, algumas das quais, pela propriedade e acesso
à riqueza socialmente produzida, dominam as demais. Neste domínio, há de considerar-se a
educação em saúde como uma estratégia historicamente destinada a manter o chamado
‗cordão sanitário‘ entre as classes sociais. (STOTZ et al, 2007, p.47)
Stotz (1993) apresenta – com base na proposta de Tones (1987) – quatro
enfoques da educação e saúde: (1) o educativo, em que as ações devem garantir
que o usuário tenha ―compreensão genuína da situação‖ para fazer escolhas
72
informadas sobre os riscos; (2) o preventivo, que representa a forma dominante nos
serviços de saúde, seus conteúdos são oriundos da clínica médica e da
epidemiologia e suas ações devem estimular ou persuadir as pessoas a mudarem
padrões e estilo de vida; (3) o radical, que parte do pressuposto que as condições e
a estrutura social são as causas básicas dos problemas de saúde, assim suas ações
são no âmbito político e do Estado de forma a tornar possível as escolhas saudáveis
e a não culpabilização dos indivíduos e (4) o desenvolvimento pessoal, que tem
como foco aumentar as potencialidades do indivíduo, desenvolvendo destreza para
a vida e aumento da capacidade de controlar sua própria vida. Nestes enfoques nem
sempre a opção por um exclui totalmente os outros (STOTZ, 1993).
Em comum estes quatro enfoques teriam as restrições ou críticas ao ―modelo
médico‖. Críticas no plano das idéias ao cientificismo e a concepção positivista de
uma ciência neutra, atemporal, universal e empírica. Críticas no campo da saúde à
incapacidade da medicina de dar conta dos novos problemas em saúde. Por fim,
crítica à prática médica que seria secundária para a melhoria da saúde e que estaria
associada à iatrogenia, à medicalização e ao corporativismo (STOTZ, 1993).
Pedrosa (2007a, p.43) afirma que a Educação Popular em Saúde (EP&S)
apresenta um posicionamento crítico frente a uma educação em saúde ―[...] cujas
práticas são consideradas impositivas, prescritivas de comportamentos ideais,
desvinculadas da realidade e distantes dos sujeitos sociais, tornados objetos
passivos das intervenções, na maioria das vezes, preconceituosas, coercitivas,
punitivas[...]‖.
Segundo Vasconcelos (2001a), até a década de 1970 as ações de educação
em saúde no Brasil se resumiam a iniciativas das elites voltadas ao estabelecimento
de normas e comportamentos considerados adequados. Esta década marca o início
das experiências de profissionais de saúde junto às classes populares, marcando
uma vivência da educação popular.
Com as experiências de profissionais de saúde atuando sob a perspectiva da
educação popular neste período foram reunidos, afirmam Stotz et al (2005), muitos
elementos que integraram o ideário da Reforma Sanitária, contudo nem todos foram
incorporados na emblemática VIII Conferencia Nacional de Saúde (ocorrida em
1986). O modelo biomédico, principal responsável pela ―separação cultural entre os
73
serviços de saúde e a população‖, continuou a ser o referencial para o modelo de
atenção. Destacam ainda, que a Reforma Sanitária brasileira não foi organizada
pelas classes populares, mas em seu nome. A opção dos articuladores foi ocupar
espaços públicos, mas separaram-se do movimento popular, num contexto de
submissão a acordos políticos e de uma democratização ―pactuada pelo alto‖
(STOTZ et al, 2005).
Mantendo-se o modelo de atenção pautado pelo modelo biomédico, matêm-se
também metas e organizações de serviços pautadas na divulgação de prescrições
de hábitos e condutas a serem assumidos pelos indivíduos para o controle de
doenças. O que está em jogo não é apenas garantir estrutura e espaços para
atividades educativas, o que já em si um desafio nos serviços, mas mais do que isto
é compreender que:
Não se trata de contrapor o desenvolvimento de ações individuais às coletivas: mesmo as
práticas de educação que ―juntam pessoas‖ acabam por reproduzir modelos prescritivos de
educar, baseado nas ―palestras‖ do doutor ou do enfermeiro para a população. (STOTZ et al,
2005, p.12)
Sobre esta questão, destaca Machado (2008) que existe uma tendência em
ampliar referenciais teóricos para profissionais de saúde/ educadores, contudo a
incorporação de novas práticas tem se mostrado ainda insuficiente. A dificuldade
pode estar na manutenção de um modelo verticalizado de atuação do profissional de
saúde, que preza as atividades coletivas e de divulgação de informação em massa.
A responsabilidade pela adoção de novos hábitos e estilo de vida é imediatamente
transmitida ao outro a partir do momento em que é informado sobre os riscos de
adoecer, desconsiderando-se o percurso para a incorporação das orientações
(MACHADO, 2008).
É comum que os profissionais escolham o tema que consideram que precisa ser aprendido
pelos moradores, independente do interesse destes e programem uma palestra, em que falam
sobre aquilo que julgam que a população deve saber. Na perspectiva da educação popular, o
tema a ser trabalhado em uma atividade educativa deveria partir justamente de uma
problematização que permitisse levantar as necessidades educativas e o conhecimento
anterior da população. (STOTZ et al, 2007, p. 58)
Para Vasconcelos (2001b) na dinâmica dos serviços de saúde que assumem
os pressupostos da EP&S, o diálogo torna-se conceito central: as trocas
interpessoais são valorizadas e há um esforço para compreender explicitar saberes.
Outro destaque do autor é a quebra do poder centralizador do médico na relação
74
com os outros profissionais da equipe de saúde, criam-se novos mecanismos: ―Tudo
é problema de todos!‖ (VASCONCELOS, 2001b, p.12)
Há neste processo uma outra forma de compreender a educação, não como
um processo de adaptação do ser humano às condições sociais, econômicas e
políticas em que vivem, mas sim possibilitar que se compreendam como autores
desta sociedade e, portanto, podendo alterá-la (MACHADO, 2004).
A reunião das experiências de EP&S ocorre a partir da década de 1990
quando ocorre a criação da Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde
(ANEPS) e da Rede de Educação Popular e Saúde (VASCONCELOS, 2001 a;
BARONE, 2006). A EP&S vem sendo afirmada como movimento social constituído a
partir de ampla mobilização de profissionais de saúde, de técnicos, professores e
pesquisadores da saúde, militantes de movimentos sociais e representantes de
ONGs (VASCONCELOS, 2001b; STOTZ et al, 2007). A partir de sistematização das
experiências de EP&S, Stotz et al (2007) afirmam que:
A unidade de propósito dos participantes do movimento consiste em trazer, para o campo da
saúde, a contribuição do pensamento freireano, expressa numa pedagogia e concepção de
mundo centrada no dialogo, na problematização e na ação comum entre profissionais e
população.‖(STOTZ et al 2007, p. 53)
Wong Un (2002) apresenta a educação popular em saúde como um ―lugar
cultural‖, que remete de forma imediata a duas ordens de ação social: (1) a ação
política imediata de trabalhar junto com as classes populares, de construção de
projetos políticos libertadores; e (2) a novidade metodológica, da utilização de
formas lúdicas e dialógicas e sobretudo a referência em Paulo Freire. Em sua tese,
Wong Un (2002) ressalta na EP&S a importância do encontro (para uma postura de
encontro), da prática cotidiana e da mudança de relação entre profissionais e
população. Constata que as ações de EP&S transcendem o espaço institucional dos
serviços de saúde e destaca como grande novidade desta abordagem o seu ponto
de partida: ―problematizar a subjetividade do educador‖(WONG UN, 2002: 16).
Uma grande parte das práticas de educação popular nos serviços de saúde estão hoje
voltadas para superar o fosso cultural existentes entre a instituição e a população, em que um
lado não compreende a lógica e as atitudes do outro. Nessas experiências, isso é feito com
base em uma perspectiva de compromisso com os interesses políticos das classes populares,
mas reconhecendo-lhe, cada vez mais, a diversidade e a heterogeneidade (VASCONCELOS,
2001a, p.29).
75
Stotz et al (2005) destacam que a abordagem da EP&S tem despertado
interesse de uma parcela de profissionais de saúde interessada na busca de novos
caminhos e abordagens. Isto é marcante sobretudo nas situações em que os
profissionais se vêem diante da grande ―contradição entre a experiência do
sofrimento e a falta de resolubilidade dos serviços de saúde‖ (STOTZ et al, 2005,
p.3).
A partir de revisão acerca da EP&S, Machado (2008) argumenta que ter em
conta as representações e os saberes do senso comum na relação dos sujeitos com
a doença, pode ser a chave para ações mais efetivas e que superem o caráter
instrumental da educação em saúde apoiada exclusivamente no conhecimento
científico (MACHADO, 2004).
O objetivo desta superação da ruptura histórica entre ciência e senso comum é a construção
de um novo senso comum em que todos os sujeitos são docentes de saberes diferentes. O
senso comum expressa o modo de vida dos grupos dominados, contendo elementos de
resistência e núcleos de bom senso. (CARVALHO et al, 2001, p.103)
Torna-se evidente a necessidade de uma atuação que seja não apenas
próxima, mas acima de tudo em conjunto com as comunidades, para assim garantir
maior eficácia. Ainda que os profissionais de saúde garantam alguma proximidade,
através do convívio e da investigação do cotidiano dos moradores, continuam a ser
esses os únicos a terem a possibilidade de realizar uma tradução fiel de seus
problemas e de suas necessidades. Esta reflexão remete a questão da ―construção
compartilhada do conhecimento‖:
A relevância do conceito de construção compartilhada do conhecimento para a EP&S reside
nas características particulares do conhecimento sobre saúde e doença. Destacamos os
seguintes aspectos: importância da experiência da enfermidade e do conhecimento comum
das pessoas; dos limites do conhecimento científico sobre as causas das doenças, bem como
de sua cura; concorrência entre os sistemas médicos e sua importância na configuração das
práticas de saúde; medicalização dos comportamentos sociais; e complexidade do adoecer
humanos.(CARVALHO et al, 2001, p.102)
Em meio a grande riqueza e diversidade das práticas de EP&S é possível
encontrar traços comuns. A referência à relevância da obra de Paulo Freire para o
desenvolvimento da EP&S é encontrada em diversos autores (por exemplo em:
STOTZ, 1993; VASCONCELOS, 2001a; WONG UN, 2002; MACHADO, 2004;
BARONE, 2006; STOTZ et al, 2007). Dentre as características assumidas pela
EP&S que demonstram esta coerência com educação freireana, destaca-se a opção
pela problematização:
76
Na educação popular e saúde, a problematização tem sido um método muito usado, por
permitir uma participação ampliada das pessoas e por ajudar a fortalecer aqueles que
geralmente estão excluídos dos processos de decisão. Também colabora no estabelecimento
de laços entre profissionais de saúde e comunidade, já que as pessoas ficam mais próximas
umas das outras e trabalham de modo solidário. Educação popular é isso – uma troca de
saberes, em que não há um que ‗sabe mais‘ e outro ‗que sabe menos‘. (STOTZ et al, 2007, p.
60)
Em rica sistematização Stotz et al (2005) demonstram que por trás da grande
diversidade de experiências da EP&S a partir da produção acadêmica deste campo
é possível sistematizar temas e aspectos comuns. Em distintos trabalhos encontrase a preocupação com a construção (compartilhada e dialógica) de novas
compreensões sobre a saúde. Registra-se também a preocupação com o refletir
sobre o ―senso comum‖ dos profissionais de saúde no sentido de contribuir para a
abertura ―à experiência e saber dos outros, pessoas comuns, ao diálogo, o respeito
e a construção de saberes, sabedorias e práticas compartilhadas‖. Por fim,
encontram-se as produções que aproximam a educação popular em saúde da
discussão sobre cuidado, integralidade e humanização, abordando questões como:
―as relação entre profissionais e trabalhadores de saúde e população, estudando
impasses, problemas e possibilidades de diálogo, [...] a escuta atenta; o respeito
pelo outro no encontro terapêutico; a espiritualidade como dimensão intrínseca do
cuidado; as relações entre cuidado e condições sociais, organizacionais e políticas;
a interação entre as equipes de Saúde da Família e a população [...]‖, entre outros.
(STOTZ et al, 2005: 17)
Quem sabe possamos pensar que o eixo comum da Educação popular e Saúde é um projeto
subjetivo (porque interiorizado e reconhecido como prioritário e próprio) e intersubjetivo
(partilhado nas iniciativas em redes), no qual conhecimento não se separa na postura diante
das ordens política, ética e estética. No aspecto político, vemos uma postura crítica à injustiça,
à desigualdade, ao neoliberalismo e ao capitalismo; no ético uma solidariedade com os
excluídos e marginalizados, um interesse em ―saber‖ com a razão e o coração e de unir
reflexão e pesquisa à prática social e militância; e finalmente, no estético, a consciência da
―boniteza‖, ao dizer de Paulo Freire, como condição fundamental para uma experiência
humana plena, transcendente e verdadeira.(STOTZ et al, 2005, p.19)
3.2
O LEGADO E A ATUALIDADE DE PAULO FREIRE
O livro Pedagogia do Oprimido publicado em 1969 por Paulo Freire é um
marco para a educação popular não apenas no Brasil, mas no mundo. Passadas
mais de quatro décadas este livro continua sendo importante referência para
todas/os
aquelas/es
que
acreditam
na
possibilidade
de
uma
educação
problematizadora que contribua para um mundo mais justos e porque não dizer um
mundo mais feliz.
77
Um dos imperativos éticos da educação popular freireana é o respeito à
autonomia do ser educando-educador que exige do educador-educando práticas
comprometidas com os princípios de uma educação crítica e dialógica.
Esse respeito implica participar com eles de um processo de compreensão da
realidade o que exige o respeito aos saberes dos educandos. A educação não se faz
para e sim com, num movimento que é ―mediatizado pelo mundo‖ (FREIRE, 2005, p.
97) que impressiona e desafia. Por isto, o ponto de partida para o desenvolvimento
de qualquer ação pedagógica libertadora é o reconhecimento dos saberes
anteriores, histórias de vida, trajetórias dos educandos.
Na perspectiva de Freire, a construção do conteúdo programático não se dá
por imposição ou ―depósito‖, mas é a ―devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada‖ (FREIRE, 2005, p.97). Exige um esforço de garantia da rigorosidade
metodológica que procura desde o início investir na problematização, no uso de
questionamentos, da pergunta investigativa e desafiadora, na busca séria, constante
e rigorosa, mas sem autoritarismo modelador.
A partir de uma perspectiva tradicional (educação bancária), muitos planos
falham por partir de uma ―visão de realidade pessoal‖, não levam em conta os
sujeitos ―em situação‖ a quem dirige seu programa a não ser como foco (ponto de
incidência) de sua ação. Atuação sobre os homens para doutrinar, adaptá-los cada
vez mais à realidade (FREIRE, 2005).
Ao contrário desta perspectiva, a educação problematizadora de Freire
pressupõe participação ativa dos sujeitos e apresenta explicitamente o seu
compromisso com a transformação e com a libertação autêntica. Desta forma ela é
práxis, implicando ação e reflexão dos seres humanos sobre o mundo para
transformá-lo. A educação problematizadora recusa o depósito de informações e,
negando os comunicados, ―existencía a comunicação‖. Ela funda-se na dialogicidade
e busca a superação da contradição educando-educador: ―o educador não é apenas
o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando
que, ao ser educado, também educa‖ (FREIRE, 2005).
Assim, o primeiro movimento pedagógico é o da pesquisa que, partindo da
realidade concreta, começa por questionar: em torno de que se irá dialogar?
78
Para mim, a realidade concreta é algo mais do que fatos ou dados tomados mais ou menos
em si mesmo. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles
esteja tendo a população neles envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação
dialética entre objetividade e subjetividade. (FREIRE, 2001a, p.34)
A identificação do ―tema gerador‖ é o ponto de partida para a construção de
conteúdos programáticos. A partir de uma situação concreta, diagnosticada pelo
grupo, se define por onde o diálogo irá começar. Não se trata de improviso ou de
espontaneismo, mas sim de construir o conteúdo programático a partir temas
significativos, advindos de uma ação que instiga a presença curiosa no mundo.
O conhecimento, pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face ao mundo.
Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante [...]
Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito,
que o homem pode realmente conhecer(FREIRE, 1977, p.27).
Na relação pedagógica, a estética anda de mãos dadas com a ética. O
―pensar-certo‖,
que
possibilita
enxergar
coisas
infinitamente
belas,
antes
inimagináveis, permite descobrir o mundo. É a boniteza de que nos fala Freire! Neste
sentido, estética e ética são integrantes de todo processo de educação popular que
é parte da vida.
Outra exigência é a vivência de uma profunda e verdadeira coerência entre o
ser- pensar- dizer que se liga diretamente ao fazer ou refazer e ou ressignificar.
Cada palavra, gesto, ação torna-se um anúncio de seu fazer crítico-ético. Trata-se
da corporeificação das palavras pelo exemplo.
A presença do educador-educando no mundo é uma presença curiosa e
alegre, que tem confiança na capacidade de homens e mulheres serem sujeitos de
transformação que torne o mundo mais justo. É uma presença que não nega e sim
defende o direito ao sonho e à utopia de um mundo melhor. Em qualquer idade ou
momento da vida deve-se ter o direito de ―ser-mais‖.
Ensinar e aprender são processos históricos: são feitos e são capazes de fazer
história. Indispensável então é a ―consciência do inacabamento‖ que predispõe a
acolher o diferente e acreditar na mudança. Ensinar exige o reconhecimento que
somos seres condicionados, mas não determinados.
Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do
inacabamento, eu que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre ser
condicionado e ser determinado (FREIRE, 1996, p.53).
79
Só podemos participar de um processo de ensino em uma perspectiva crítica
se tivermos aprendido a pensar certo que é pensar criticamente. A criticidade, a
reflexão crítica sobre a prática e bom senso para avaliação constante da prática
devem ocupar espaço importante no fazer-pensar do educador-educando. O
constante exercício da crítica e auto-crítica são essenciais ao processo de formação,
sempre lembrando que: ―Quem ensina, aprende ao ensinar e quem aprende, ensina
ao aprender.‖ (FREIRE, 1999, p. 25)
Segundo Freire (2005) a investigação temática, ponto de partida do processo
educativo, não pode limitar-se a um ato mecânico. Corresponde a processo de
busca, conhecimento e criação no qual os sujeitos vão descobrindo e interpretando
problemas no encadeamento dos temas. Este ação é ―[...] tão mais pedagógica
quanto mais crítica e tão mais crítica quanto [...] mais se fixe na compreensão da
totalidade.‖ (FREIRE, 2005, p.116)
Muitos
desafios
são
apresentados
à
educação
neste
momento
de
―esgarçamento das relações sociais‖ vivido, sobretudo nas grandes metrópoles de
países periféricos, descrito por Roberta Maria Lobo da Silva (2008). Afirma Silva
(2008) que um questionamento para o século XXI é como se enfrentará o desafio de
valorização do ser humano num país periférico, ―empobrecido culturalmente e
espoliado materialmente‖ (SILVA, R.M.L., 2008, p.30).
O comportamento de racionalidade de máquina e com extrema devoção frente
ao trabalho e ao cotidiano (fundamentos da racionalidade tecnológica) é exigido não
apenas nas fábricas, laboratórios e lojas, mas também em escola, escritórios,
poderes legislativos e até no lazer. Ajuste massivo do comportamento pelo autocontrole e autodisciplina, internalizando a coerção e a autoridade, instalando uma
individualidade submissa ao aparato técnico-industrial-burocrático. A autonomia
torna-se assunto privado, o indivíduo se retira e cai no isolamento e na concepção
os problemas e sua resolução são individuais (SILVA, R.M.L., 2008). Em termos de
cultura, Pedrosa (2007b) argumenta:
[...]a cultura é compreendida como uma produção social, que,sob o capitalismo, é organizada
por meio de agenciamentos que objetivam aprisionar os indivíduos aos sentidos dados pelas
máquinas que os produzem: a mídia, a arte em todos seus aspectos, os desejos e o modo de
consumir essa produção semiótica. O indivíduo, então, é modelado por estes fluxos.
(PEDROSA, 2007b, p.86)
80
População descartável entre duas possibilidades degradantes: subjugar-se a
informalidade que reforça o desumano, a loucura e a morte (catadores de lixo,
moradores de rua, que sobrevivem com uma alimentação precária, sofrem de
enfermidades crônicas, moram em buracos pouco iluminados e sem água); ou
sujeitam-se ―ao extermínio à luz do dia ou na frieza da noite empoeirada‖ (SILVA,
R.M.L., 2008, p.42). ―A educação como teoria crítica da sociedade não pode se furtar
destas questões se pretende de fato tornar o futuro grávido de projetos de
emancipação. É a partir da negatividade que nos aproximamos do real‖ (SILVA,
2008, R.M.L., p.43).
Foi justamente a partir de uma negatividade que Paulo Freire iniciou suas
reflexões. Ao sintetizar num texto suas idéias acerca do que aproximaria e
distanciaria a teoria crítica de Freire, Casali (2008) afirma que o caminho para a
constituição das idéias e teorizações de Freire tem como ponto de partida um
contexto de negação do direito à vida, do cotidiano da pobreza do nordeste
brasileiro.
Freire empreende um processo educativo, cultural e político para que o educando, aquele que
foi excluído e que por isso não teve condições de reconhecer o valor da própria vida, torne-se
sujeito de sua própria prática, do seu próprio reconhecimento, reconhecendo-se pelo olhar dos
outros que, na comunidade de oprimidos como ele, puseram-se a caminho de superar sua
condição de dominados, assumindo-se capazes de transformar as condições que negavam
sua humanidade. (CASALI, 2008, p. 12)
A cultura em Paulo Freire é um elemento central, assumindo um significado de
força libertadora e sinal de uma pedagogia comprometida com a transformação
social. O pensamento crítico de Freire organiza-se em dois eixos principais: o da
radicalidade e da totalidade28. Ao trabalhar sob estes princípios, estabelece a cultura
como ponto de partida e a transformação social como horizonte do processo
educativo.
Na proporção em que discutem o mundo da cultura, vão explicitando seu nível de consciência
da realidade, no qual estão implicados vários temas. Vão referindo-se a outros aspectos da
realidade, que começa a ser descoberta em sua visão crescentemente crítica. Aspectos que
envolvem também outros tantos temas. (FREIRE, 2005, p.138)
28
Radicalidade no sentido de buscar raízes e origens da opressão e do compreender os fenômenos a
partir de sua gênese. Totalidade como forma de compreender cada fenômeno e acontecimento dentro
do conjunto maior de qual faz parte, tendo clareza de que cada acontecimento é parte de um todo e
que para compreender a parte é preciso compreender a totalidade da qual ela faz parte (SILVA,
2008).
81
Freire ousa teorizar e experimentar e apresenta a dialogicidade como prática
essencial à educação, presente desde a definição do conteúdo programático. Desta
forma, o conteúdo programático é construção conjunta, fruto de um estabelecer
relação respeitosa e equilibrada entre o saber formal e a realidade local. Expressa o
esforço em estabelecer um ―local de encontro‖.
Na perspectiva de Freire, a construção do conteúdo programático não se dá
por imposição ou ―depósito‖, mas é a ―devolução organizada, sistematizada e
acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada.‖ A partir de uma perspectiva tradicional (educação bancária), muitos
planos falham por partir de uma ―visão de realidade pessoal‖, não levam em conta os
homens em situação a quem dirige seu programa a não ser como foco (ponto de
incidência) de sua ação. Atuação sobre os homens para doutrinar, adaptá-los cada
vez mais à realidade.
As elites dominadoras, na sua atuação política, são eficientes no uso da concepção
‗bancária‘(em que a conquista é um instrumento) porque, na medida em que esta desenvolve
uma ação apassivadora, coincide com o estado de ‗imersão‘ da consciência oprimida.
Aproveitando esta ‗imersão‘ da consciência oprimida, estas elites vão transformando-a naquela
‗vasilha‘ de que falamos e pondo nelas slogans que a fazem mais temerosa ainda da
realidade. (FREIRE, 2005, p.99)
Silva (2009) destaca que a teorização de Freire é pedagógica, por isso não se
limita a analisar como são a educação e a pedagogia existentes, mas também
apresenta teoria bastante elaborada de como elas devem ser. Acrescenta que o
conceito de ―educação bancária‖ como crítica ao currículo expressa uma visão
epistemológica: o conhecimento, nesta ótica, seriam informações e fatos a serem
transferidos do professor para o aluno. O conhecimento se confundiria então com
ato pedagógico, algo que se localiza fora e independente das pessoas envolvidas
neste ato.
Em sua obra, Freire apresenta críticas à escola tradicional e seu currículo, ao
seu verbalismo, à forma de conceber e selecionar conhecimentos e ao currículo
escolar em si (SILVA, I., 2008; SILVA 2009). Em resumo: um currículo elaborado por
especialistas distantes dos conhecimentos dos educandos e da realidade por eles
vivenciada; um conhecimento voltado para um determinado padrão de ―sucesso
social‖ daquilo que valorizava a elite; uma visão desse conhecimento dentro de um
sistema de doação e ênfase na memorização de informações; ―passado‖ pelo
82
professor que, se apoiando na fala como seu instrumento básico, cobra do ―bom
aluno‖ a capacidade de memorizar e verbalizar com sucesso o aprendido são suas
críticas mais enfáticas (SILVA, I., 2008).
Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do
povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política [...]
Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a
ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores.
Conteúdos que, às vezes, aumentam estes temores. Temores de consciência oprimida.
(FREIRE, 2005, p.100)
As expressões ―conteúdos‖ e ―conteúdo programático‖, destaca Silva (2009),
são utilizadas por Freire para tratar do currículo. Contudo diferem da perspectiva
tradicional na medida em que constrói de forma diferenciada o currículo, o ―conteúdo
programático‖. Destaca que, desta forma, Paulo Freire não se limitou a criticar o
currículo implícito no conceito de ―educação bancária‖, mas apresentou elementos
para
o
desenvolvimento
de
currículos
na
perspectiva
da
―educação
problematizadora‖.
Dentre os desafios da educação refere-se ao cotidiano das periferias de
grandes centros em que o extermínio tornou-se política de segurança. A barbárie
configura-se hoje como categoria importante para entender tais espaços de
banalização da existência humana e horror instaurado esgarçamento das relações
sociais, agressividade no convívio, naturalização de relações violentas com as
classes populares. A força da indústria cultural ratifica uma subjetividade submissa,
encarcerada e pacificada. Consumo através do endividamento, a formação de
valores a partir da televisão e seu conteúdo banalizador, a resignação em massa e a
bestialização do prazer. O ideal de democracia é reduzido ao consumo, num
domínio das coisas sobre pessoas – o ser humano torna-se descartável. Em
especial quem não tem poder de consumo torna-se descartável. Numa ―integração
domesticada‖, são reprimidas as necessidades de melhor qualidade de vida, de
recusa e de subversão (SILVA, R.M.L., 2008).
A transformação das relações humanas em relações entre coisas se metamorfoseia em
relações entre imagens, assim a degradação da vida social do ser para o ter se prolonga a
redução do parecer. (SILVA, R.M.L., 2008, p. 31)
A formação da visão ingênua, impregnada de senso comum, ocorre hoje de
uma forma mais extrema do que ontem. Ganha-se nova velocidade e eficiência na
internalização de valores da sociedade capitalista, dos valores das classes
83
dominantes como nunca antes imaginado – sutil, doce e amargo no mesmo tempo.
Frente aos desafios apresentados por uma conjuntura que ora supervaloriza ora
desconsidera as diferenças, é preciso que se reflita sobre quais diálogos são
necessários (e possíveis). Desta forma, retomar Paulo Freire para identificar o que é
hoje o ―ineditismo viável‖, conscientes do ―inacabamento‖ e na certeza de que o
―mundo não é, está sendo‖.
A respeito da abordagem da cultura na obra de Paulo Freire, Brandão (2010)
afirma que: ―somos humanos porque, sendo seres de natureza nós nos construímos
como sujeitos sociais criadores de cultura. Tudo que existe entre a pessoa, a
pedagogia e a educação, constitui planos, conexões, fios e tramas do tecido
complexo e sempre mutante de uma cultura. Somos humanos porque criamos
cultura e continuamente as transformamos.‖ (p.100)
3.3
O CONCEITO ANTROPOLÓGICO DE CULTURA
Freire no livro Pedagogia do Oprimido faz uma detalhada descrição sobre o
processo de investigação temática – a busca do Tema Gerador. Quando trabalha o
processo de redução temática admite a necessidade de se reconhecer o que ele
chamou de ―temas dobradiça‖, referindo-se ao fato de que: ―Se a programação
educativa é dialógica, isto significa o direito que também têm os educadoreseducanos de participar dela, incluindo temas não sugeridos‖. (FREIRE, 2005, p.134)
Além da função de acolher (ou atender) a demanda dos grupos, os temas
dobradiça teriam também função de ligação e articulação coerente para uma
seqüência de temas identificados a partir da redução temática. Identifica Freire que,
na incapacidade de realizar todo o processo de investigação temática conforme
descrito, com o mínimo conhecimento da realidade os educadores podem escolher
alguns temas básicos que funcionariam ―codificações de investigação‖.
Desta forma, começariam o plano com temas introdutórios ao mesmo tempo
em que iniciariam a investigação temática para o desdobramento do programa, a
partir destes temas. A cultura seria um deste temas dobradiça a serem utilizados de
forma introdutória.
Neste caso, o tema central e indispensável é o conceito
antropológico de cultura:
84
Com a experiência que hoje temos, podemos afirmar que, bem discutido o conceito de cultura,
em todas ou em grande parte de suas dimensões, nos pode proporcionar vários aspectos de
um programa educativo.( FREIRE, 2005, p.138)
Compreendendo esta centralidade do conceito antropológico de cultura, cabe
trabalhar aspectos relacionados a ele. Contudo, é conveniente ressaltar a existência
de conceitos de cultura.
Canen e Moreira (2001) percorreram historicamente os sentidos atribuídos à
palavra cultura citando Bocock (1995). Segundo este autor, um primeiro sentido da
palavra cultura (a partir do século XV) remete ao cultivo da terra, de plantações e
animais, estendo-se posteriormente (no século XVI) esta idéia para o cultivo da
mente humana – seria privilégio de poucos apresentarem mentes e maneiras
cultivadas. Desta forma, apenas algumas classes e nações chegariam a
determinado padrão de cultura ou civilização. A consolidação do caráter classista da
idéia de cultura (durante o século XVIII) marca a associação da cultura às artes das
elites. A noção de cultura herdada do Iluminismo firma a associação da cultura a um
processo secular geral de desenvolvimento social, que seria comum a todas às
sociedades que tenderiam todas aos rumos seguidos pelas sociedades européias. É
este o significado mais utilizado nas ciências sociais. Para finalizar, o sentido
apresentado pela visão antropológica, em que as culturas indicariam os modos de
vida, valores e significados compartilhados por diferentes grupos e períodos
históricos. A cultura como prática social, não como coisa (artes) ou estado de ser
(civilização) seria um sentido derivado da antropologia social e refere-se aos
significados compartilhados, enfatiza a dimensão simbólica (CANEN; MOREIRA,
2001).
O conceito de cultura é central à antropologia e nem por isto coloca-se como
questão definida – ao contrário ainda é capaz de suscitar debates. Clifford Geertz
afirmou sobre isto que:
O problema é que ninguém sabe muito bem o que é cultura. Não é apenas um conceito
fundamentalmente contestado, como os de democracia, religião, simplicidade e justiça social,
como é também definido de várias maneiras, empregado de formas múltiplas e
irremediavelmente impreciso. É fugidio, instável, enciclopédico e normativamente carregado.
(GEERTZ, 2001, p.22)
Roque Laraia escreveu um livro considerado fundamental e introdutório ao
tema da cultura intitulado Cultura: um conceito antropológico. Inicia o livro lembrando
a existência de um dilema de conciliação entre ―a unidade biológica e a grande
85
diversidade cultural da espécie humana‖29. Tratando da diversidade de modos de
comportamento entre de diferentes povos recorda que houve o tempo em que se
encontrava grande aceitação no meio acadêmico das explicações para diferenças
culturais relacionadas ao determinismo biológico (diferenças entre raças e sexo) e o
determinismo geográfico (diferenças do ambiente físico). Coube à ciência e ao
tempo revelar que tais argumentos além de inadequados eram perigosos, podendose refletir o mesmo sobre as análises etnocêntricas das culturas:
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a
propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. Tal
tendência, denominada etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência
de numerosos conflitos sociais. (LARAIA, 2009, p.72)
Citando Ruth Benedict, Laraia (2009) refere-se à cultura como uma lente.
Desta forma, pessoas de culturas diferentes enxergam o mundo de forma diferente.
As lentes recebidas por cada um estão relacionadas às suas heranças culturais e
representam o acúmulo de muitas gerações. Há então um condicionamento para
esta visão dos comportamentos vistos como fora ou dentro de um determinado
padrão: o dominante e comumente aceito na sociedade em que se vive. Dito de
outra forma:
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes
comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança
cultural, ou seja, resultado da operação de uma determinada cultura. (LARAIA, 2009, p.68)
Completa o autor que pessoas de culturas diferentes riem de forma diferente
e por diferentes motivos. Pessoas gesticulam, se comportam e se alimentam
também de forma diferente. Homens e mulheres agem de diferente maneira – dentro
de uma mesma cultura.
O homem tem despendido grande parte da sua história na Terra, separado em pequenos
grupos, cada um com sua própria linguagem, sua própria visão de mundo, seus costumes e
expectativa. (LARAIA, 2009, p.72)
A primeira versão do conceito de cultura, como atualmente é utilizado e que
resguarda o ponto de vista antropológico, foi apresentado por Edward Tylor (18321917) abrangendo ―em uma só palavra todas as possibilidades de realização
humana, além de uma marcar fortemente o caráter de aprendizagem da cultura em
oposição à idéia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.‖
29
Reflexão que remete ao livro de Clifford Geertz denominado A interpretação das culturas.
86
(LARAIA, 2009, p.25). Tylor apud Laraia define que: ―tomando em seu amplo sentido
etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral,
leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem
como membro da sociedade.‖
Tylor procurava demonstrar que a cultura poderia ser objeto de estudo
sistemático, tratando-a como fenômeno natural com causas e regularidade.
Impactado pela Origem das espécies de Charles Darwin, acreditava que
independentemente de raça ou linguagem os povos passariam por mudanças
sucessivas:
A diversidade é explicada por ele como o resultado de estágios existentes no processo de
evolução. Assim, uma das tarefas da antropologia seria a de ‗estabelecer, grosso modo, uma
escala de civilização‘, simplesmente colocando as nações européias em um dos extremos da
série e em outro as tribos selvagens, dispondo o resto da humanidade entre estes dois
limites‘(LARAIA, 2009, p.33)
A principal reação a tais argumentos foi apresentada por Franz Boas (18581949) que compreendia a importância de estabelecer métodos de comparações e de
investigação histórica para a compreensão de traços culturais. Para Boas era
fundamental a idéia de ―particularismo histórico‖, indicando que ―cada cultura segue
os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que
enfrentou‖ (LARAIA, 2009, p.36).
Segundo Laraia (2009) uma das principais contribuições de Alfred Kroeber
(1876-1960) foi afirmar que a cultura age sobre o homem, que é herdeiro do
conhecimento e das experiências adquiridas e acumuladas por várias gerações: ―A
manipulação adequada e a criatividade desse patrimônio cultural permite as
inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um
gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade.‖ (p.45)
Em resumo pode-se afirmar a evidente importância da comunicação oral,
associada à capacidade de observação e de intervenção, para a humanidade. Não
existiria cultura sem um processo articulado de comunicação oral. A cultura muda
seguindo trajetórias próprias à história de cada povo. Dois tipos de mudança cultural
são previstos: (1) uma interna, resultante do próprio sistema cultural que ocorre
geralmente de forma lenta e quase imperceptível; (2) outra resultante do contato de
87
um sistema cultural com outro e, dependo da forma como ocorre, pode ser mais
rápido e abrupto ou menos radical (LARAIA, 2009).
É praticamente impossível imaginar a existência de um sistema cultural que seja afetado
apenas pela mudança interna. [...] Por isso, a mudança proveniente de causas externas
mereceu sempre uma grande atenção [...]. Surge, então, o conceito de aculturação utilizado
desde o inicio do século pela antropologia alemã [...] (LARAIA, 2009, p.96)
O atual contexto acrescenta nova velocidade e dinâmica aos processos de
mudanças da(s) cultura(s). Alterações contidas em novas conformações de tempoespaço trabalhadas por autores como Bauman (2001, 2004) e Hall (2008) fazem
parte deste debate. Não há como nesta simplória revisão abarcar os infindos
desafios que o atual contexto da humanidade apresenta ao tema cultura. Contudo, a
título de aproximação dos atuais debates sobre cultura, alguns elementos são
destacados.
A queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria e as mudanças pós-1989 da
União Soviética representam um grupo de acontecimentos importantes para as
análises contemporâneas sobre cultura. A partir deste período mudam a
conformação política e a base de distribuição de poder compactada – apresentada
em dois blocos antagônicos (GEERTZ, 2001; HALL, 2008). Estes acontecimentos
têm impactos culturais e ao mesmo tempo interferem na forma de analisar estes
impactos. Por exemplo, uma das questões apresentadas por Stuart Hall:
O ano de 1989 foi seguido pela tentativa, liderada pelos Estados Unidos da América, de
construir uma ‗nova ordem mundial‘. Uma característica desse impulso foi a pressão contínua
do Ocidente, destinada a arrastar, contra sua vontade da noite para o dia, aquelas sociedades
tão distintas e relativamente subdesenvolvidas do Leste Europeu para o que se chamou de ‗o
mercado‘. Esta entidade misteriosa é propelida para dentro de culturas e constituições políticas
antigas e complexas como se fosse um principio abstrato e desnudo, sem considerar o
envolvimento cultural, político, social e institucional que os mercados sempre requerem.
Conseqüentemente, os problemas pendentes de desenvolvimento social têm se somado ao
ressurgimento de traços de antigos nacionalismos étnicos e religiosos malresolvidos, fazendo
com que as tensões nessas sociedades ressurjam sob a forma multicultural. (HALL, 2008,
p.55)
Qualquer debate que hoje se estabeleça em termos de cultura será remetido
invariavelmente às reflexões acerca da globalização. Hall (2008) ressalta que a
globalização não é um fenômeno novo, ocorreu de forma diferenciada em outros
momentos da história da humanidade.
Ressalta o autor, que a globalização
contemporânea encontra-se associada ao processo de surgimento de mercados
financeiros desregulamentados, ao capital global e a um intenso fluxo de moedas
capaz de desestabilizar economias médias, associado ―ao crescimento exponencial
88
de novas indústrias culturais impulsionado pelas tecnologias de informação, bem
como ao aparecimento da ‗economia do conhecimento‘‖ (HALL, 2008, p.56).
Entende-se que no atual contexto podem ser observadas combinações
complexas de mudanças e de resistências; de revalorização de tradições e consumo
de elementos ―descartáveis‖; do local e do global e de uma série de pares que
poderiam, em outro contexto, serem considerados dicotômicos e de impossível
combinação.
Há um paradoxo, ocasionalmente notado mas não muito profundamente meditado, acerca do
estado atual daquilo a que nos referimos, com muita displicência, como ‗o panorama mundial‘:
ele está ficando mais global e mais dividido, mais completamente interligado e mais
intricadamente compartimentalizado, ao mesmo tempo. O cosmopolitismo e o provincianismo
já não se opõem; ligam-se e se reforçam. À medida que aumenta um, aumenta o outro.
(GEERTZ, 2001, p.216)
Em suas formas atuais, desassossegadas e enfáticas, a globalização vem ativamente
desenredando e subvertendo cada vez mais seus próprios modelos culturais herdados
essencializantes e homogeneizantes, desfazendo os limites e, nesse processo, elucidando as
trevas do próprio ‗Iluminismo‘ ocidental. As identidades, concebidas como estabelecidas e
estáveis, estão naufragando nos rochedos de uma diferenciação que prolifera. Por todo o
globo, os processos das chamadas migrações livres e forçadas estão mudando a composição,
diversificando as culturas e pluralizando as identidades culturais os antigos Estados-nação
dominantes, das antigas potências imperiais, e, de fato, do próprio globo. Os fluxos não
regulares de povos e culturas são tão amplos e tão irrefreáveis quanto os fluxos patrocinados
do capital e da tecnologia. (HALL, 2008, p.43)
Para Hall (2008), neste contexto se estabelece identifica um eixo vertical de
poder cultural, econômico e tecnológico marcado e compensado por conexões
laterais o que produz uma visão de mundo compostas por diferenças locais.
Trata-se de um paradoxo da globalização contemporânea o fato de que, culturalmente, as
coisas pareçam mais ou menos semelhantes entre si (um tipo de americanização da cultura
global, por exemplo). Entretanto, concomitantemente, há proliferação das ‗diferenças‘. (HALL,
2008, p.57)
É neste contexto, de globalização contemporânea e de diáspora30, que Stuart
Hall apresenta reflexões acerca da cultura:
[...] a cultura não é apenas uma viagem de descoberta, uma viagem de retorno. Não é uma
‗arqueologia‘. A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu ‗trabalho
produtivo‘. Depende de um conhecimento da tradição enquanto ‗o mesmo em mutação‘e de
um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que esse ‗desvio através de seus passados‘faz é
30
A interpretação concepção de diáspora remete à história moderna do povo judeu ―[...] cujo destino
no Holocausto – um dos poucos episódios histórico-mundiais comparáveis em barbárie com a
escravidão moderna – é bem conhecido. Mais significativo, entretanto para os caribenhos é a versão
da história do Velho Testamento. Lá encontramos o análogo, crucial para a nossa história, do ‗povo
escolhido‘, violentamente levado à escravidão no ‗Egito‘; de seu ‗sofrimento‘ nas mãos da ‗Babilônia‘;
da liderança de Moisés, seguida pelo Grande Êxodo – ‗o movimento do Povo de Jah‘ – que os livros
do cativeiro, e do retorno à Terra Prometida. [...]‖ (HALL, 2008, p.28)
89
nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de
sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós
fazemos das nossas tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer
forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. A
31
cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar. (HALL, 2008, p.43)
Outro elemento a ser enfatizado é a questão da(s) identidade(s), que tem
gerado grandes debates neste contexto de globalização e que ganha espaço nas
reflexões de pós-modernidade.
Essencialmente, presume-se que a identidade cultural seja fixada no nascimento, seja parte da
natureza, impressa através do parentesco e da linhagem de genes, seja constitutiva de nosso
eu mais interior. É impermeável a algo tão ‗mundano‘, secular e superficial quanto uma
mudança temporária de nosso local de residência. A pobreza, o subdesenvolvimento, a falta
de oportunidades – os legados do Império em toda parte – podem forçar as pessoas a migrar,
o que causa espalhamento – a dispersão. Mas cada disseminação carrega consigo a
promessa do retorno redentor (HALL, 2008, p.28)
Hall (2006) afirma que o conceito e as afirmações realizadas em torno das
questões de ―identidade‖ são complexas e ainda geram muitos debates. Este autor
assume, segundo o próprio, posição ―simpática‖ à idéia de que as identidades
modernas estariam sendo ―descentradas‖. Isto significa dizer que as identidades
estão sendo deslocadas ou fragmentadas. Tais mudanças atingiriam as identidades
pessoais tendo como conseqüência a ―perda de um ‗sentido de si‘ estável‖. Afirma
portanto um duplo deslocamento: ―descentração dos indivíduos tanto do seu lugar no
mundo social e cultural quanto de si mesmo‖. (p.9)
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o individuo moderno, até aqui visto
como um sujeito unificado. A assim chamada ‗crise de identidade‘ é vista como parte de um
processo mais amplo de mudanças, que está deslocando as estruturas e processos centrais
das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos
uma ancoragem estável no mundo. (HALL, 2006, p.7)
No mundo moderno, afirma Hall (2006), a cultura em que nascemos constitui
uma das principais fontes de identidade cultural. A partir de uma cultura nacional se
estabelecem padrões de alfabetização, generalização de uma língua como meio
dominante de comunicação e criam-se instituições culturais e o sentido de ―nação‖.
Na modernidade tardia (ou na pós-modernidade) estes contornos encontram-se
alterados:
31
Grifo nosso.
90
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens,
pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação
globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de
tempos, lugares, histórias, tradições específicos e parecem ‗flutua livremente‘. Somos
conformados com uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou
melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma
escolha. (HALL, 2006, p.75)
Para Geertz (2008) a cultura corresponde a mecanismos simbólicos de
controle de comportamento, reúne elementos que permitem o ser humano a torna-se
individual sob a direção dos padrões culturais. Estes padrões, acrescenta Geertz,
são sistemas de significados criados historicamente em torno dos quais a vida se
organiza, se objetiva e se direciona. Da mesma forma, o pensamento humano é
conduzido
em
termos
de
materiais
objetivos
da
cultura
comum
e
só
secundariamente assunto privado. Afirma então que:
Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados
que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não
como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à
procura do significado. (GEERTZ, 2008, p.4)
Certamente os elementos apresentados pelos nossos tempos apresentam
uma teia trabalhada em trama complexa de pontos e nós sobrepostos a exigir das
atuais análises maior cautela e grande interesse pelo que é considerado desigual,
diferente e diverso.
91
4
Pesquisa participante em Educação Alimentar e Nutricional
Pesquisar e ensinar-aprender são partes do mesmo processo de conhecer, isto é, de
compreender e transformar a realidade. A produção de conhecimento situa-se em vários
lugares, cada um desses com características próprias de acordo com os papéis que cabem
aos respectivos atores. A pesquisa faz parte, assim, de um amplo ‗movimento do saber‘.
(STRECK, 2006, p.266)
4.1
O
REFERENCIAL
METODOLÓGICO:
PESQUISA
PARTICIPANTE
E
EDUCAÇÃO POPULAR
A fim de discutir os limites e possibilidades para o desenvolvimento de
estratégias de educação alimentar e nutricional na escola pautadas pelo DHAA e
tendo como ponto de partida as experiências desenvolvidas no âmbito do PSE de
Duque de Caxias, foi realizada uma pesquisa qualitativa baseada na participação.
Sob o termo pesquisa qualitativa agrega-se um conjunto diverso de conceitos,
termos e métodos, bem como repertório variado de materiais empíricos e de práticas
interpretativas na busca pela compreensão em profundidade de um fenômeno ou
questão (DENZIN; LINCOLN, 2006; HOLLANDA, E, 2005). Ela responde a questões
de pesquisa muito particulares e trabalha ―[...] com um universo dos significados, dos
motivos, das aspirações das crenças, dos valores e das atitudes.‖ (MINAYO, 2012,
p.21)
Demo (1995) destaca neste quadro um grupo de metodologias alternativas no
qual inclui as expressões da hermenêutica e da fenomenologia e as práticas de
avaliação qualitativa, pesquisa participante e pesquisa-ação.
Diante de caminhos surrados da metodologia científica, que estabelecem o primado do método
sobre a realidade, as metodologias alternativas procuram andar ao contrário, ou seja, partir da
realidade social na sua complexidade, na sua totalidade quantitativa e qualitativa, na sua
marcha histórica humana, também dotada de horizontes subjetivos, e depois construir
métodos adequados para captá-la e transformá-la (DEMO, 1995, p.229).
Brandão (2006) afirma a existência de uma tradição latino-americana de
pesquisa participante com características bem definidas. Apesar de ter sofrido
influência das tradições norte-americana e européia, sobretudo a partir dos trabalhos
de Kurt Lewin e Karl Marx em torno da ―enquete operária‖, a tradição latinoamericana adquiriu características próprias. Ela foi concebida e fortalecida nas
décadas de 1960 e 1970 tendo como pioneiros e inspiradores Orlando Fals Borda e
Paulo Freire.
92
A Pesquisa Participante deve ser compreendida como um repertório múltiplo e diferenciado de
experiências de criação coletiva de conhecimentos destinados a superar a oposição entre
sujeito/objeto no interior de processos que geram saberes e na seqüência das ações que
aspiram gerar transformações a partir também desses conhecimentos. (BRANDÃO, 2006,
p.12)
Sob o termo pesquisa participante existe um grande número de outras
denominações que, no entanto, apresentam algumas características comuns entre
si. Ao contrário da tradição européia que uniformizou-se, a latino-america
multiplicou-se32, traduzindo opções ―ora diferentes e convergentes, ora desiguais ou
mesmo divergentes.‖ (BRANDÃO, 2006, p.34)
São reconhecidos como princípios da pesquisa participante latino-americana: o
movimento de partir da realidade social em sua totalidade e dinâmica, abarcando a
vida cotidiana em suas diferentes dimensões e interações; o reconhecimento de
processos e estruturas contextualizados por sua dimensão histórica; a busca pela
unidade entre teoria e prática; o processo de investigação-educação-ação dirigido à
transformação social; o compromisso político e ideológico com os setores populares
e com as causas sociais; e o reconhecimento do caráter político e ideológico da
atividade científica e pedagógica (BRANDÃO, 2006).
As etapas da presente pesquisa foram inspiradas nas fases de pesquisa-ação,
que é uma das formas de pesquisa participante, propostas por Thiollent (1998): (1)
fase
exploratória,
que
envolve
diagnóstico,
identificação
de
problemas e
capacidades de ação; (2) fase de pesquisa aprofundada, que destina-se à coleta de
dados; (3) fase de ação, que reúne planejamento e execução de ações; e (4) fase de
avaliação, em que se realiza a sistematização de conhecimentos obtidos e possível
redirecionamento de ações. Existe simultaneidade entre as fases, mantendo-se
constante contato com problemas reais da organização e gerando-se conhecimento
em cada uma das fases. Assim a construção de descrições e teorias se dá dentro de
um contexto prático, ao mesmo tempo em que testa teorias (MACKE, 2005).
Macke (2005) alerta que no decorrer do trabalho de campo, o pesquisador
deve estar atento para identificar a existência de forças a favor, mas também de
forças contrarias às mudanças propostas no processo de pesquisa-ação. Existe a
32
São citadas por Brandão (2006) as seguintes expressões: levantamento vocabular, pesquisa
temática, pesquisa ativa, autodiagnóstico, pesquisa na ação, pesquisa-ação, pesquisa participante,
investigação-ação participativa, pesquisa popular, pesquisa militante, observação participante, autosenso, estudo ação, pesquisa confronto.
93
necessidade de relatos sobre estas dificuldades e barreiras encontradas e também
do desenvolvimento de estratégias para lidar com tais problemas. Observa que a
melhor forma de aprender com uma organização é tentar mudá-la, porque no
processo revelam-se fatores que não estão presentes em ambientes estáveis. Todas
estas questões são estudadas dentro de um contexto específico e, portanto
informações e registros sobre o contexto são fundamentais (MACKE, 2005).
Embora se esteja em processo reflexivo durante toda a pesquisa, inclusive
durante a ação, não se pode prever de início os insights que ocorrerão. As notas de
campo tornam essenciais e a proximidade entre pesquisador e pesquisado, que
parecia um ponto desfavorável desta metodologia, torna-se um grande trunfo pra a
construção de novos conhecimentos (MACKE, 2005).
Esta pesquisa surge centrada no potencial crítico e criador da pesquisa
participante, tendo como foco as atividades de EAN realizadas em escolas do
município de Duque de Caxias. Esta afirmação revela a intencionalidade de incluir
mais vozes e olhares no processo de construção e de avaliação deste tipo de
atividade. Por isso, a etapa inicial consistiu em uma sistematização de experiência.
A sistematização de experiências é uma forma de pesquisa participante que
tem sido amplamente experimentada na América Latina no contexto de movimentos
populares e sociais. No Brasil a utilização desta metodologia numa perspectiva de
interface entre as políticas públicas e a participação popular tem sido estimulada
(HOLLIDAY, 2006a; REDE DE EDUCAÇÃO CIDADÃ, 2006). Esta opção
metodológica foi assumida neste estudo como forma de registrar experiências
municipais de EAN desenvolvidas em escolas em sua interface com processos de
participação popular e apoderamento do direito à alimentação.
O termo sistematização é utilizado em diversos espaços e circunstâncias
remetendo a idéia de reunir, classificar e ordenar dados e informações. No caso
deste estudo, a opção assumida foi a de realizar uma ―sistematização de
experiência‖ tendo como base Oscar Jara Holliday. Para o autor, sistematizar é ―[...]
um exercício que se refere, necessariamente, a experiências práticas concretas33‖
33
Grifo nosso.
94
(HOLLIDAY, 2006 a: 21). Para além de colocar em ordem, sistematizar neste caso
significa incorporar elementos que permitam:
Algo assim como estranhar-se nesses processos sociais vivos e complexos, circulando entre
seus elementos, percebendo a relação entre eles, percorrendo suas diferentes etapas,
localizando suas contradições, tensões, marchas e contramarchas, chegando assim a
entender estes processos a partir de sua própria lógica, extraindo ensinamentos que possam
contribuir para o enriquecimento tanto da prática como da teoria. (HOLLIDAY, 2006a, p. 24)
Examinando estas condições necessárias a realização de sistematizações de
experiências, deve-se ter em conta que muitos pressupostos (ou preconceitos)
precisam ser abandonados. O primeiro é a visão comum de que só se aprende com
livros e cursos, desconsiderando a riqueza presente nas próprias práticas. O outro é
a separação nos esquemas educativos tradicionais que se faz entre a vida do
estudo. Desta forma se deixa de refletir sobre questões importantes presentes em
fatos e sutilezas do cotidiano e desconsidera-se a importância de ―ler‖ suas práticas
(HOLLIDAY, 2006a).
O processo de coleta e análise de dados apresenta uma série de obstáculos e
desafios (CHIZZOTTI, 1991). Dentre estes Minayo (1996) destaca três. O primeiro,
utilizando-se de uma expressão de Bourdieu, é a ―ilusão da transparência‖ que se
refere à armadilha que o pesquisador pode cair de uma ―compreensão espontânea
como se o real mostra-se nitidamente ao observador‖ (p.197). O segundo obstáculo
refere-se ao perigo de ―sucumbir à magia dos métodos e das técnicas‖ deixando de
lado parte fundamental que é a ―fidedignidade às significações presentes no material
e referida a relações sociais dinâmicas‖ (p.197). Por fim o terceiro corresponde a
―dificuldade de se juntarem teorias e conceitos muito abstratos com os dados
recolhidos no campo‖ (p. 197). Em outro trabalho, a autora adverte que:
Fazer ciência é trabalhar simultaneamente com teoria, método e técnicas, numa perspectiva
em que esse tripé se condicione mutuamente: o modo de fazer depende das perguntas, dos
instrumentos e das estratégias utilizadas na coleta de dados. A trilogia acrescento sempre que
a qualidade de uma análise depende também da arte, da experiência e da capacidade de
aprofundamento do pesquisador que dá o tom e o tempero do trabalho que elabora. (MINAYO,
2012, p.622)
O eixo condutor desta análise foi a Educação Popular, através da observação
crítica e dialética da realidade com o destaque e a problematização de suas
contradições. Para a análise dos dados coletados foi realizada inicialmente uma
―leitura flutuante‖ do conjunto de comunicações recolhidos e o contato exaustivo com
95
o material e retomada às hipóteses iniciais do trabalho e a constituição de corpus
através da organização de todo o material (MINAYO, 1996).
Procedeu-se a análise reconhecendo o ―conjunto de substantivos sentidos‖
que compõe a matéria-prima das pesquisas qualitativas – ―experiência, vivência,
senso comum‖ – e os verbos que compõem o movimento de análise –
―compreender, interpretar e dialetizar‖ (MINAYO, 2012, p.622).
4.2
ASPECTOS ÉTICOS:
Quanto aos aspectos éticos, informa-se que este estudo baseou-se nas
resoluções descritas nas ―Diretrizes e Normas Reguladoras de Pesquisa Envolvendo
Seres Humanos‖ – Decreto nº 93933 de 14 de janeiro de 1987. A relevância deste
estudo foi extensamente apresentada a todos os sujeitos de pesquisa. Importante
destacar que esta pesquisa pautou-se nos pressupostos de uma ―investigação
científica do ponto de vista popular‖ tendo como foco um tema que tem sido muito
debatido dentro das academias e institutos de pesquisa: alimentação e nutrição em
contexto de vulnerabilidade social.
A participação e o registro com fins de pesquisa foram condicionados à prévia
autorização dos sujeitos da pesquisa, bem como das entidades e setores do poder
público envolvidos. Todos os sujeitos foram esclarecidos quanto à metodologia e aos
benefícios e riscos da pesquisa. Foi garantido o anonimato dos participantes que
receberam um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE 2)que, no
caso dos estudantes menores de idade, foi encaminhado também ao responsável
legal para obtenção de autorização.
Este trabalho foi autorizado pelas Secretarias Municipais de Saúde e
Educação de Duque de Caxias e foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa
da Escola de Enfermagem Anna Nery, Hospital Escola São Francisco de Assis da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
4.3
CAMINHO METODOLÓGICO
Como descrito anteriormente, é um pressuposto metodológico de toda
pesquisa participante o envolvimento direto e participativo dos sujeitos. Da mesma
96
forma, é característica da pesquisa qualitativa que os procedimentos previstos
tenham espaços para adaptações cujas necessidades são identificadas apenas no
decorrer do trabalho de campo. Ainda que se leve em conta tais advertências
previstas pela metodologia proposta, deve-se ressaltar que os objetivos da pesquisa
foram orientadores de tais procedimentos.
Por tratar-se da utilização de técnicas que visam à coleta de dados
qualitativos, as relações de amostragem e o número de observações a serem
realizadas foram definidos pelo esgotamento dos temas e saturação das falas,
guiadas pelo objetivo do estudo e pelo método.
O trabalho de campo que teve duração de quatorze meses – entre setembro
de 2011 e novembro de 2012. Participaram doze servidores públicos com funções
na gestão de Secretarias Municipais, seis profissionais de saúde pertencentes a três
equipes de Saúde da Família, nove funcionários da escola, seis professores e quatro
turmas de sétimo ano do ensino fundamental com cem estudantes matriculados
(APÊNDICE 1).
Quadro 4: Caminho Metodológico - Cronologia das atividades de trabalho de
campo
Atividade/ Evento
Período/
Data
Descrição
Sistematização de
Experiências de EAN
Set/2011 a
jul/2012
Recolhimento, consulta e síntese do acervo;
03 encontros de sistematização; 02 entrevistas
individuais e elaboração de documento
síntese.
Entrevistas com
membros do GTI-M
Visitas inicial e
entrevistas à escola e unidade
de saúde
Greve de professores
municipais
Atividades Educativas
desenvolvidas por estudantes
de enfermagem durante a
Semana da Alimentação
Escolar
Atividades educativas
realizadas pelas eSF Programação PSE
Out/2011 a
mar/2012
04 entrevistas individuais
Dez/ 2011
a jul/2012
Entrevistas individuais e coletivas
abril/ maio
de 2012
Suspensão parcial das atividades de campo:
paralisações de professores
09/05/2012
Observação de trabalhos em pequenos
grupos: jogo sobre alimentação saudável e
construção de pirâmide alimentar.
11/05/2012
Reunião de Planejamento
PSE
11/05/2012
Atividade educativa sobre
sustentabilidade realizada
pelas eSF - Programação
10/07/2012
Observação de atividades educativas do PSE:
apresentação de Álbum Seriado (MS); palestra
sobre bullying e distribuição de escovas de
dentes
Observação da reunião de planejamneto/
preenchimento de planilha enviada pelo GTI-M
com as metas para a escola e GTI-L.
Observação de atividades educativas do PSE:
trabalhos em pequenos grupos e debate sobre
como diminuir o desperdício de energia, água
97
PSE
Férias escolares
14 a 29
jul/2012
Círculo de Cultura sobre
alimentação e Nutrição
Ago/ 2012
Preenchimento de
Questionário sobre Hábitos
alimentares e de atividade
física
Apresentação no GE de
dados preliminares da
pesquisa.
Oficina de Planejamento 1
Círculo de Cultura sobre
alimentação e Nutrição –
Devolução dos dados do
questionário
Círculo de Cultura
sobre alimentação e Nutrição Semana Mundial da
Alimentação
Eleições municipais (1º e 2º
turnos)
Atividades de Avaliação e
encerramento da pesquisa
Ago/ 2012
14/08/2012
28/09/2012
Out/ 2012
25/10/2012
07 e 28 de
out/ 2012
Nov/2012
e outros materiais em casa.
Suspensão parcial das atividades de
campo
Apresentação do grupo, da pesquisa e do
termo de consentimento. Debates em
pequenos grupos a partir de questões-chave,
dinâmicas, roda de conversa e síntese.
Aplicação de questionário adaptado com
perguntas da PeNSE preenchido pelos
estudantes
Apresentação de dados preliminares da
pesquisa abordando seus aspectos
conceituais e metodológicos.
Reflexão sobre as possibilidades de
construção de ferramentas e rotinas de
planejamento coletivo de ações de educação
em saúde na escola a partir da experiência
local e em consonância com a legislação do
PSE.
Apresentação dialogada de dados durante
aulas de Educação Física através de álbum
seriado.
Oficina Culinária Vídeo-debate Sarau de
Poesias Exposição de Fotografia
Suspensão parcial das atividades de
campo
Oficina de avaliação; entrevistas individuais e
avaliação com os estudantes
a) Sistematização das experiências de Educação Alimentar e Nutricional em
Duque de Caxias
Segundo Oscar Jara Holliday, experiências são processos individuais e
coletivos, sócio-históricos, dinâmicos e complexos, não apenas ações ou fatos
pontuais. As pessoas – com expectativas, sonhos, temores, esperanças, ilusões,
idéias e intuições – são parte das experiências. Assim sendo, sistematizar
experiência inclui a construção da capacidade protagonista. O apoio externo de um
especialista tem por finalidade acompanhar e auxiliar a condução metodológica da
sistematização, para proporcionar subsídios de reflexão sobre algum tema que
alimente a interpretação e para elaborar produto que comunique a experiência
sistematizada (HOLLIDAY, 2006).
Após uma primeira consulta sobre grau de interesse gerado pelo tema, foram
convidados profissionais que estiveram envolvidos nas ações de EAN em escola
desde o início do período estudado (2001) e também os de inserção mais recente,
98
isto para ―sistematizar o conjunto do processo, já que a história passada faz parte de
sua experiência atual‖ (HOLLIDAY, 2006, p. 74). Os primeiros identificados
indicaram outros e, a partir desta lista, foram convidados 10 (dez) nutricionistas
dentre os quais 07 (sete) participaram. Em sua maioria são nutricionistas
experientes, algumas com mais de 20 anos de atuação no município e que
ocuparam funções desde o atendimento direto à população até a gestão em
Secretarias. Utiliza-se o gênero feminino para tratar das componentes da pesquisa
porque o grupo foi composto exclusivamente por mulheres (APÊNDICE 3).
Os procedimentos da sistematização foram realizados a partir de roteiro préestabelecido e debatido com as nutricionistas (APÊNDICE 4). Foi solicitado por
empréstimo o acervo pessoal destas profissionais e de projetos das Secretarias
sobre as atividades educativas de alimentação e nutrição realizadas em escolas nos
últimos dez anos. O material foi base para construir uma planilha com a síntese de
atividades, programas e ações (APÊNDICE 5). Esta planilha – contendo dados como
período, local, objetivos e parceiros – foi devolvida às nutricionistas no primeiro
encontro e utilizada como roteiro para o diálogo. O relato sobre cada ação foi
realizado em debate, dando espaços para que houvesse complementação e para
que fossem apresentados pontos de vista diferentes sobre cada experiência. A partir
disto, foram identificados outros acontecimentos ocorridos no período, oportunizando
a captura do contexto. Houve a indicação das participantes para a realização de
duas entrevistas com componentes do grupo para aprimorar algumas das
descrições. Nestas entrevistas as nutricionistas falaram livremente sobre os projetos
e períodos sugeridos pelo grupo para aprofundamento. A partir das falas do primeiro
encontro e das entrevistas individuais foi construído um texto síntese (APÊNDICE 6)
utilizado como roteiro para o segundo encontro.
Com a autorização prévia das participantes os dois encontros e as duas
entrevistas individuais foram gravados e transcritos. Um terceiro encontro foi
promovido para o refinamento das análises e construção de um documento síntese
do qual foram extraídos os elementos para a construção de um artigo científico em
co-autoria com duas profissionais: uma nutricionista da SME e outra da SMS.
b) Entrevista com membros do GTI-M: mapeamento do Programa Saúde na
Escola em Duque de Caxias
99
No processo de adesão municipal ao Programa Saúde na Escola uma das
exigências é a constituição de um Grupo de Trabalho Intersetorial Municipal (GTI-M)
com componentes das Secretarias de Educação e Saúde, podendo incluir outras
parcerias. No caso de Duque de Caxias, os representantes da Secretaria Municipal
de Saúde (SMS) no GTI-M são a Coordenação de Atenção Básica e a de Vigilância
em Saúde e no caso da Secretaria Municipal de Educação (SME) é o Departamento
de Projetos Comunitários apoiado pela Divisão de Nutrição Escolar, responsável
pela execução do PNAE no município. Integram como colaboradores representantes
da Secretaria Estadual de Educação, da Secretaria Municipal de Assistência Social e
Direitos Humanos e de uma universidade particular com sede no município.
Para fins de levantamento do histórico de implantação e do grau de
implementação do PSE no município foram realizadas entrevistas com os
representantes da SME e SMS, totalizando quatro entrevistas. A elaboração das
questões foi realizada após consulta ao plano de trabalho do PSE elaborado e
apresentado pelo GTI-M como pré-requisito de adesão ao Programa.
As entrevistas foram realizadas individualmente e iniciadas através de pedido
para que os entrevistados falassem sobre o histórico das ações de saúde escolar no
município e sobre a atual estrutura de funcionamento do Programa. Os profissionais
contaram livremente sua experiência. Do meio para o final da entrevista os
profissionais foram questionados sobre os interesses e as necessidades
apresentados pelas equipes locais (Saúde da Família e profissionais da escola
envolvidos no PSE) acerca do tema da alimentação e nutrição e sobre os principais
desafios do Programa.
O registro desta fase foi realizado através de gravação de áudio com prévio
consentimento dos sujeitos.
c) Entrevistas e observação na escola e com GTI-local: apresentação da
pesquisa, convite à participação e levantamento de realidade
Durante as etapas anteriores foi possível ordenar, recontar e analisar as
experiências de EAN e saúde escolar no município e, ao mesmo tempo, realizar
aproximação dos contextos, dos desafios e das propostas para aprimoramento das
ações. Foi por isso também um tempo de amadurecer relações de confiança e de
100
compromisso com profissionais que seriam a ponte para esta nova e desafiante
etapa da pesquisa. Tanto a chegada à escola quanto à unidade de saúde foram
cuidadas e facilitadas por nutricionistas que participaram da sistematização de
experiências.
A escola foi indicada pelos representantes da Estratégia de Saúde da Família
no GTI-M. Esta indicação foi levada à SME que ratificou a decisão. As Secretarias
Municipais de Saúde e Educação já haviam recebido cópias do projeto de pesquisa
e estavam esclarecidas sobre os procedimentos, emitindo em seguida a
autorizações para a realização desta etapa de trabalho de campo. Todo este
processo tomou alguns meses de modo que apenas em dezembro de 2011 reuniamse todas as condições para iniciar este contato local que foi inaugurado por visita às
eSF na Unidade Básica de Saúde (UBS).
A Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões foi indicada por ser considerada
uma unidade escolar que mantêm um vínculo de boa qualidade com as eSF. No
âmbito do PSE esta escola é acompanhada por três eSF, sediadas em uma mesma
UBS localizada na rua da escola – fica há menos de dez minutos de caminhada.
Nesta fase foi realizada a apresentação da pesquisa na escola e para as
equipes de Saúde da Família (eSF). Foi feito um convite ao diálogo sobre o PSE e
sobre alimentação e nutrição. Correspondeu ao momento de ―descobrir o campo de
pesquisa, os interessados e suas expectativas e estabelecer um primeiro
levantamento (ou ‗diagnóstico‘) da situação, dos problemas prioritários e de
eventuais ações‖ (THIOLLENT, 1988, p.48). Existe um extenso repertório de
atividades possíveis para este tipo de diagnóstico que inclui entrevistas com pessoas
ou grupos envolvidos na situação investigada, a coleta de informações secundárias
e a observação de mapas e organogramas, além da pesquisa teórica (THIOLLENT,
1988).
Nesta pesquisa optou-se pela realização de entrevistas aliado ao registro
sistemático em diário de campo das visitas à escola e unidade de saúde, bem como
das observações em atividades de educação em saúde e EAN realizadas na escola
no período. Buscou-se ainda o acesso aos relatórios de diagnósticos clínicos e
nutricionais realizados pelo PSE nesta escola, bem como os registros de atividades
101
educativas. Houve consulta à equipe local e ao GTI-M, mas estes dados não
estavam analisados e nem disponíveis para consulta.
A equipe responsável pela alimentação escolar nesta unidade é composta por
uma nutricionista e uma supervisora de merenda34, que estão na escola pelo menos
uma vez por semana, e por uma equipe que trabalha diariamente na unidade: uma
responsável de merenda35 e cinco merendeiras divididas em dois turnos.
Foram entrevistados nesta fase 17 profissionais por meio de três entrevistas
coletivas (com profissionais das eSF; com diretora e equipe da alimentação escolar
e; com merendeiras) e quatro entrevistas individuais (com três professoras e com a
Orientadora Pedagógica que é responsável pelo PSE na escola), totalizando a
escuta de seis profissionais das eSF e onze da escola e SME. Foram coletados
dados gerais para a identificação dos participantes (APÊNDICE 7).
Foram agendadas e realizadas entrevistas com as duas professoras de
ciências da escola. A opção por priorizar esta disciplina justifica-se pelo interesse
deste projeto em refletir algumas relações sobre a alimentação e ciências com a
participação e o apoderamento na escola. Utilizando a margem de adaptação
prevista em pesquisa qualitativa, foi incluída uma terceira entrevista realizada com
uma professora de educação física que manifestou grande interesse em participar
desta fase.
As entrevistas foram realizadas a partir de um mesmo Roteiro de Questões
(APÊNDICE 8), que sofreu pequenos ajustes no caso das entrevistas com
professores e merendeiras a fim de incorporar aspectos mais cotidianos do trabalho
– da sala de aula e da cozinha/ refeitório, respectivamente. O Roteiro de Questões
foi proposto como estratégia de (re)conhecimento do campo e de identificação de
questões de interesse dos sujeitos desta pesquisa participante.
Neste período foram realizadas atividades educativas em ocasião da Semana
de Alimentação Escolar realizada por estudantes de enfermagem convidados pela
34
As supervisoras de merenda são servidoras da SME que são desviadas de função para
acompanhar a execução da alimentação escolar. São professoras/es , Orientadoras/es Educacionais
e Orientadoras/es Pedagógicas que recebem capacitação para acompanhar num conjunto de escolas
as atividades de controle de estoque, organização, qualidade dos gêneros entregues, entre outras.
35
São funcionárias/os de cada escola (geralmente administrativos) responsáveis pelo
acompanhamento diário da alimentação escolar: acompanhar recebimento de gêneros alimentícios,
controle de estoque, funcionamento de equipamentos, entre outras funções.
102
Divisão de Nutrição Escolar (SME) e as atividades realizadas pelas equipes de
Saúde da Família (eSF) no âmbito do PSE. A observação e registro em diário de
campo foi realizada com o consentimento da equipe diretiva da escola e em acordo
com os responsáveis pelas atividades.
Ocorreu ainda uma reunião para o planejamento das atividades de PSE
Estiveram presentes quatro profissionais da eSF e duas profissionais da escola
envolvidas com o PSE – a Orientadora Educacional (OE) e a Orientadora
Pedagógica (OP). A representante oficial da escola no GTI- Local neste momento
era a OE. A pauta da reunião foi a planilha que foi o preenchimento de uma planilha
enviada pelo GTI-M a partir de temas e as metas que já haviam sido definidos pela
pactuação do Município com a União. Houve uma proposta de uma das profissionais
das eSF de realização de reuniões mensais que foi aceita pelo grupo, mas não foi
marcada data. Estas reuniões não ocorreram no período.
O registro desta fase foi realizado através de gravação de áudio e registro
sistemático em diário de campo. Todo o registro em áudio foi realizado com
autorização prévia dos entrevistados e posteriormente foi transcrito. A partir das
falas e dos relatórios de diário de campo foi possível realizar um levantamento sobre
o contexto local e sobre a população atendida por estes dois equipamentos públicos
– unidade de saúde e unidade escolar. Foram também identificados impasses e
dificuldades encontrados para a realização das atividades de Educação em Saúde –
de forma mais específica para a EAN – e sobre o acesso à alimentação adequada e
saudável na escola.
d) Vivência dos círculos de cultura
Com a finalidade de promover momentos de escuta qualificada dos estudantes
ao final das entrevistas realizadas com as professoras na etapa anterior, foi feito o
convite para participarem de processo de investigação temática sobre alimentação e
nutrição. Foi proposta a realização de atividade em sala de aula para levantamento
de conhecimentos prévios e demandas acerca de temas em alimentação e nutrição
– círculos de cultura.
Apesar de o tema alimentação e nutrição fazer parte do conteúdo trabalhado
no oitavo ano, uma das professoras de ciências sugeriu trabalhar com o sétimo visto
103
que estando no meio do ano letivo preferia desenvolver atividades sob este tema
com turmas que ainda não haviam iniciado esta discussão.
Nesta escola existem quatro turmas de sétimo ano totalizando 101 estudantes
matriculados. A turma maior tem 27 estudantes e a menor tem 23. Todas as
atividades foram oferecidas às quatro turmas e realizadas nos meses de agosto e
setembro de 2012. Houve a impossibilidade de realização da Atividade 02 em
apenas uma das turmas. As atividades propostas foram realizadas com a presença e
participação das professoras. Em apenas dois momentos as professoras precisaram
se ausentar, mas foi mantida a participação ativa e interessada dos estudantes.
Paulo Freire propõe a realização das atividades educativas através da
organização de “círculos”, reunindo no máximo 20 pessoas de tal forma que em
determinada localidade devam ser realizados quantos círculos forem necessários
para alcançar o conjunto da população. Educandos assumem o papel de sujeitos,
ativos diante do diálogo e do processo educativo estabelecidos (FREIRE, 2005;
FREIRE, 1978).
No círculo de cultura o diálogo deixa de ser uma simples metodologia ou uma técnica de ação
grupal e passa a ser a própria diretriz de uma experiência didática centrada no suposto de que
aprender é aprender a ‗dizer a palavra‘. (BRANDÃO, 2010, p. 69)
Neste caso, os círculos de cultura ocorreram com um número maior de
participantes uma vez que contemplaram as turmas inteiras em seus horários de
aula.
Levando em conta as preocupações apresentadas em suas entrevistas, as
anotações em caderno de campo e o referencial teórico de pesquisa, foram
confeccionadas as propostas para a realização de três atividades: dois círculos de
cultura um abordando hábitos alimentares e atividade física (Atividade 1) e outro a
vivência dos estudantes na escolha e preparo do alimento no âmbito familiar
(Atividade 2) e a aplicação de um questionário abordando hábitos alimentares e de
atividade física (Atividade 3). Como o encontro com as professoras só ocorreu no
final do primeiro semestre, o envio das três propostas foi realizado por e-mail
durante o recesso escolar, conforme sugestão de uma das professoras e em acordo
com as outras duas. No retorno das aulas as atividades foram organizadas com as
duas professoras que se interessaram pela proposta durante intervalos de aula na
sala dos professores. Por sugestão da professora de educação física as atividades
104
foram realizadas com as quatro turmas. As Atividades 01 e 02 foram realizadas
durante as aulas de ciências (APÊNDICE 9) e a Atividade 03 nas aulas de educação
física (APÊNDICE 10).
As atividades foram iniciadas em duas turmas e os resultados iniciais das
atividades foram apresentados e avaliados no Grupo de Estudos (GE) de
professores da escola.
As equipes da escola e da saúde participaram do GE e desta forma tomaram
conhecimento das atividades. Ainda assim, por e-mail e, posteriormente, em visita à
unidade de saúde, as eSF foram informadas, esclarecidas e convidadas para estas
atividades em sala de aula, mas não apresentaram disponibilidade e interesse em
participar. As Orientadoras e a diretora foram sendo informadas pessoalmente sobre
o calendário e sobre os objetivos das atividades, bem como foram atualizadas sobre
execução conforme as oportunidades que surgiam durante a rotina escolar.
Neste momento da pesquisa houve a inclusão ativa e continuada de três
integrantes do Laboratório de Currículo e Ensino: duas alunas de iniciação científica
(uma da gastronomia e outra da nutrição) e de uma pesquisadora (Nutricionista,
Mestre em Educação em Ciências e Saúde). Esta equipe foi apresentada à escola e
passou a participar do desenvolvimento das atividades de coleta e de análises de
dados, bem como das demais ações propostas no ambiente escolar no âmbito desta
pesquisa – círculos de cultura, seminários, oficinas e aplicação de questionários.
Durante o desenvolver das atividades a professora de educação física
apresentou uma proposta de articulação dos temas tratados pela pesquisa e as
atividades avaliativas de sua disciplina para turmas de sétimo ano. A avaliação final
dos estudantes corresponde a construção de um projeto e de uma apresentação
criativa a partir de temas previamente estabelecidos com os estudantes. Para este
ano os temas escolhidos pelos estudantes foram: adolescência, bullying e
olimpíadas. A professora sugeriu incluir alimentação e nutrição aos três temas.
Surgiu a proposta de devolver aos estudantes, através de uma quarto círculo
de cultura, os dados dos questionários sobre hábitos alimentares e de atividade
física (Atividade 3), problematizando as relações com os temas de seus projetos de
105
educação física. Esta proposição era o elemento que faltava para permitir uma
aproximação da ―realidade concreta‖, conforme indica Paulo Freire.
Para mim, a realidade concreta é algo mais do que fatos ou dados tomados mais ou menos
em si mesmo. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção que deles
esteja tendo a população neles envolvida. Assim, a realidade concreta se dá a mim na relação
dialética entre objetividade e subjetividade (FREIRE, 2001).
Foi proposto ainda para as turmas de sétimo ano um conjunto de quatro
atividades, organizadas como círculos de cultura em comemoração à Semana
Mundial da Alimentação (APÊNDICE 11). As atividades em comemoração à Semana
Mundial da Alimentação foram compostas por experiências já desenvolvidas pelo
grupo de pesquisa, que despertaram interesse nos professores da escola e que se
mostraram adequadas aos temas identificados pelas ―falas significativas‖ recolhidas
nos círculos de cultura iniciais (Atividades 1, 2 e 3).
A fala significativa é aquela que expressa a visão de mundo do educando com
suas contradições, conflitos e seus limites explicativos. Representa a compreensão
que os educandos possuem da problemática local (FREIRE, 2005).
O registro desta fase foi realizado através de gravação de áudio e registro
sistemático em diário de campo. Todo o registro em áudio foi realizado com
autorização prévia dos estudantes e professores e posteriormente transcrito.
d) Seminários e oficinas com equipes de saúde e educação
Com as observações iniciais de campo e a realização de entrevistas
individuais e coletivas, foi possível reunir material para a conformação de um cenário
inicial sobre a escola, as ações de educação em saúde e o funcionamento do PSE.
Como alerta Freire (2005) apenas o levantamento preliminar da realidade não
habilita a realização de atividades educativas realmente críticas. A primeira etapa de
uma investigação temática ainda está fundada na visão dos pesquisadoreseducadores-educandos (FREIRE, 2005).
Esta é a razão por que o fato de os investigadores, na primeira etapa da investigação, terem
chegado à apreensão mais ou menos aproximada do conjunto de contradições, não os
autoriza a pensar na estruturação do conteúdo programático da ação educativa(FREIRE,
2005, p.125).
Ao entrar em contato com a realidade concreta, os pesquisadores ao olhar um
conjunto estão diante de uma ―codificação viva‖ que é desafiadora. Desafiados, a
106
partir de uma percepção crítica, irão realizando cisões através de observações e
entrevistas que devem ser registradas num primeiro momento de ―descodificação‖.
A realização de seminários avaliativos e críticos dos registros dos relatórios de
campo entre ―investigadores profissionais‖ e os participantes da pesquisa atuando
como ―auxiliares de pesquisa‖ é uma etapa essencial do processo de pesquisa
participante em educação popular e representa oportunidade para as atividades de
codificação e descodificação (FREIRE, 2005).
Segundo o planejamento inicial desta pesquisa, um primeiro seminário deveria
ocorrer antes das atividades em círculos de cultura com os estudantes. Contudo,
encontrar momentos/espaços para reunir profissionais da escola e da saúde naquela
localidade foi ação muito custosa, enquanto que a realização dos círculos de cultura
ocorreu de forma muito mais fluida e rápida. Optou-se então em aproximar as duas
etapas realizando-as de forma concomitante.
Desde as entrevistas e visitas iniciais (entre dezembro de 2011 e março de
2012) havia sido apresentada a proposta à equipe diretiva da escola, aos
profissionais das eSF e à responsável de merenda a realização do primeiro
seminário para a apresentação preliminar dos dados e a avaliação coletiva. Foi
esclarecido que esta atividade estaria relacionada ao direcionamento das etapas
subseqüentes da pesquisa a fim de que os resultados coletados até o momento
pudessem orientar os próximos passos.
As OE e OP sugeriram o espaço de uma tarde com os professores, durante
um Grupo de Estudo (GE) realizado em agosto de 2011. Desta forma, foram
convidados professores do segundo seguimento, os profissionais das eSF e a
responsável de merenda. A oportunidade de dialogar com os professores foi
recebida com entusiasmo pelos profissionais da eSF.
Os GEs são instituído em todas as escolas da Rede Municipal de Educação e
ocorrem de acordo com planejamento próprio. O caso deste GE foi especial porque
realizou-se no contra-turno, como forma de repor carga horária da paralisação de
professores. Participaram 07 (sete) professores (matemática, historia, geografia,
português e educação física), 03 (três) profissionais das eSF (01 enfermeira e 03
dentisas) e as Orientadoras. Houve um desencontro de informação e a responsável
de merenda acabou não participando. Neste período havia ocorrido a troca da
107
nutricionista que acompanhava a escola e que por isso não participou. A diretora da
escola também não pode participar.
Foi realizada uma apresentação dialogada sobre objetivos, justificativas e
aspectos teóricos da pesquisa. Em seguida apresentou-se os dados preliminares
das Atividades 1, 2 e 3 realizadas com as turmas de sétimo ano.
Em síntese, ao final do GE foi afirmado que o planejamento conjunto (ou
intersetorial) representava questão chave para aprimoramento das ações do PSE
nesta escola. Foi sugerido ao grupo a realização de uma vivência de planejamento
conjunto para ações da Semana Mundial da Alimentação considerando: que o
planejamento para o PSE àquela altura do ano letivo não teria o mesmo impacto do
que se fosse realizado no início do ano, mas que um exercício de planejamento
conjunto poderia contribuir para futuras experiências desta natureza; que a Semana
Mundial da Alimentação foi a iniciativa de EAN mais reconhecida nas falas dos
entrevistados; e que o tema alimentação e nutrição era o foco da pesquisa.
Foi indicada então a realização de um novo momento para dar continuidade ao
debate sobre o planejamento de ações da Semana Mundial da Alimentação com a
participação de profissionais de saúde, professores, Orientadoras, diretora e a
equipe da alimentação escolar da escola.
A realização de um segundo GE para o planejamento das atividades da
Semana Mundial da Alimentação não foi viabilizado pela equipe escolar. O
calendário de atividades da escola ficou conturbado pela necessidade de reposição
de aulas perdidas durante a greve, pelo processo de eleições municipais e,
principalmente, pela quebra do abastecimento de água na escola durante o segundo
semestre agravado após o primeiro turno eleitoral.
Com a impossibilidade de encontrar novo momento para reunião de todo o
grupo, optou-se pela construção de uma proposta viável para dar continuidade aos
encaminhamentos retirados no GE. A sugestão foi a realização de duas oficinas de
planejamento coletivo com representantes da equipe diretiva da escola e das
equipes de saúde da família.
O tema proposto para a primeira oficina foi Planejamento Coletivo de Ações de
Educação em Saúde, com o objetivo de refletir sobre as possibilidades de
108
construção de ferramentas e rotinas de planejamento coletivo de ações de educação
em saúde na escola a partir da experiência local e em consonância com a legislação
do PSE. Para a segunda oficina foi proposto o tema Exercício Prático - Planejamento
de Ações para a Semana Mundial da Alimentação com o objetivo de, a partir do
contexto escolar, das falas dos estudantes e das atividades propostas pelos
professores, desenvolver um planejamento integrado de ações para Semana
Mundial da Alimentação em articulação às orientações do PNAE e PSE. Houve boa
receptividade da proposta por parte de ambas as equipes – saúde e educação.
Contudo, por dificuldades em agendar os encontros, apenas a primeira oficina foi
realizada.
Neste momento, estava em processo a construção de vínculo com professores
não apenas de ciências e de educação física, mas com todo grupo de professore do
segundo seguimento. Como a equipe de pesquisa passou a freqüentar a sala de
professores (à convite dos mesmos) foi possível apresentar a pesquisa bem como a
proposta de realização de atividades para a Semana Mundial da Alimentação. A
utilização deste espaço informal foi comunicada à Orientadora Pedagógica que não
apenas concordou, mas incentivou.
Este espaço informal e não padronizado de diálogo não era o previsto no
planejamento deste estudo, mas transformou-se no ―local de encontro‖ no sentido
freireano, encontrado pela equipe. Professores de diversas disciplinas (ciências,
educação física, geografia, português, literatura, inglês, história e matemática)
interessaram-se pela pesquisa e individualmente ou em grupo foram sendo
apresentados à proposta de realização da Semana Mundial da Alimentação na
escola.
Através de uma lista de e-mails e de cópias afixadas ao mural da sala dos
professores, foi possível partilhar com os docentes interessados um conjunto de
quatro atividades que foram sendo enriquecidas por sugestões e pela presença dos
professores nas atividades.
Os profissionais das eSF foram informados e apresentados às atividades da
Semana Mundial da Alimentação por telefone, por e-mail, em encontro na escola e
em visita a unidade de saúde. Não foi possível a participação de nenhum membro
das três eSF.
109
O registro desta fase foi realizado principalmente em diário de campo. Durante
a oficina houve registro em de áudio autorizado pelas participantes e posteriormente
transcrito.
e) Avaliação da experiência: seminários e entrevistas
Após o segundo turno das eleições municipais agravaram-se a situação de
desabastecimento de água na escola e o não pagamento de diversos profissionais
terceirizados, dentre estes pessoal de limpeza e merendeiras. Estudantes e
professores passaram a ser liberados após o recreio. Muitos estudantes deixaram de
ir a escola. Assim passada, a Semana Mundial da Alimentação a grande
preocupação de todos na escola – professores, equipe diretiva e estudantes –
cumprir carga horária prevista e concluir o ano letivo.
Ainda assim, foi possível realizar entrevistas individuais com professores e
com funcionários da escola que participaram ativamente nas atividades da Semana
Mundial da Alimentação. (APÊNDICE 14)
Ao final de cada atividade desenvolvida com os estudantes era realizada breve
avaliação perguntando se haviam gostado da atividade e fazendo combinações para
o próximo encontro. Na etapa final da pesquisa foi aplicado questionário único de
avaliação do conjunto das atividades desenvolvidas (APÊNDICE 15). Não foi
possível avaliar em roda de conversa como havia sido planejado devido ao
calendário complicado.
Foi realizada ainda uma oficina de avaliação final que contou com a
participação de uma professora, da supervisora de merenda, das Orientadoras
Pedagógica e Educacional e de profissionais das eSF.
110
5
5.1
Pesquisar-aprender-ensinar sobre alimentação, nutrição e saúde
PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA: A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO
LOCAL E OS APONTAMENTOS PARA O PLANEJAMENTO COLETIVO
5.1.1 Saúde Escolar em Duque de Caxias
Duque de Caxias aderiu ao Programa Saúde na Escola (PSE) em 2008,
contudo desde 2004 já realizava atividades sistemáticas de saúde escolar através de
uma estratégia denominada de Programa Saúde Escolar, vinculada à Coordenadoria
de Saúde Coletiva da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). O funcionamento deste
Programa em 2004 ocorria da seguinte forma:
[...] tinha sido feito era um calendário junto com a Secretaria Municipal de Educação de visitas
às escolas, [...] como se fosse uma ação global [...] Não sei como foram escolhidas essas
escolas na época. Acho que foi um acerto entre os secretários [...] Só ia ônibus ginecológico
colher preventivo, ia ônibus odontológico e eu ia para fazer triagem fonoaudiológica [...] a
escola já fazia uma pré-seleção desses alunos [...] que os professores identificavam que
poderiam ter algum problema [...] E aí tinha a questão da psicóloga, que também fazia
atividades com os alunos. A gente tinha uma nutricionista também que aí fazia palestras [...]
levavam até a balança, faziam algum cálculo lá de IMC. [...] era aberto para a comunidade.
(GTI-M 2/SMS)
Entre os anos de 2005 e 2007 a parceria entre as secretarias municipais de
saúde e educação foi se estreitando, havendo continuidade das ações em escolas,
envolvimento das unidades básicas de saúde e realização de atividades de
formação para profissionais de saúde e educação (DUQUE DE CAXIAS, 2008).
Com a adesão ao PSE não houve extinção do Programa Saúde Escolar e suas
ações continuaram a ocorrer no município – de forma concomitante ao PSE – em
escolas que não estão em área de cobertura da ESF. Existe um Núcleo, dentro da
Divisão de Vigilância em Saúde que pertence a Coordenação de Saúde Coletiva que
além de participar do GTI-M coordena ações do Programa Saúde Escolar, Controle
do Tabagismo e Prevenção de acidentes e Violências. Este Núcleo e a Coordenação
de Atenção Básica são os dois representantes da SMS no GTI-M.
A articulação entre os setores saúde e educação é reconhecida como grande
desafio não apenas na experiência de Duque de Caxias, mas em muitas outras. Na
realidade, dentro das próprias secretarias de saúde e educação há uma diversidade
de setores que se relacionam com a saúde escolar. Desta forma, não apenas a
articulação intersetorial, mas a própria articulação intrasetorial é trabalhosa.
111
E as equipes internas da Secretaria quando pertinentes elas também são convidadas a
participar das reuniões [...] A gente faz o chamamento da Coordenação de Educação Especial,
Departamento de Educação de Jovens e adultos, é... Supervisão, Divisão de Orientação
Educacional, a Divisão de Educação Infanto-juvenil... (GTI-M 3 /SME)
E aí a gente já estava fazendo contato com uma outra equipe aqui dentro da saúde que é o
IEC – que é Informação, Educação e Comunicação [...] Que aí a gente começou a fazer
algumas oficinas com eles tentando firmar essa parceria.‖ (GTI-M 2 /SMS)
Em 2008 com a constituição do GTI-M inicia-se um período de reuniões
quinzenais para elaboração do plano de ação e projeto piloto do PSE. Sobre a
composição deste Grupo destaca-se que:
Os Secretários são membros diretos, respondendo o projeto. Enquanto na Secretaria você tem
as pessoas que estão abaixo deles fazendo essa interlocução, que eles chamam de
interlocutores do Programa. (GTI-M 3 /SME)
Esse grupo é formado por representantes da educação e representantes da saúde. E além
desses representantes da educação e da saúde nós temos nesse grupo alguns parceiros. [...]
por exemplo, representação da Secretaria de Assistência Social. [...] as universidades locais
então a gente teria essa parceria com a própria UNIGRANRIO. (GTI-M 1/SMS)
O Plano de Trabalho construído pelos técnicos para adesão ao PSE orientava
que as equipes locais deveriam ser constituídas por 01 professor e 01 especialista
de educação da unidade escolar e 02 profissionais de nível superior de cada equipe
de Saúde da Família (eSF). Estes profissionais deveriam ser escolhidos por suas
respectivas equipes e seriam responsáveis pela elaboração do plano de ação local e
pela articulação das ações em seu território, sendo assessorados pelo GTI-M
(DUQUE DE CAXIAS, 2008). Isto não tem ocorrido e mesmo nas atividades
municipais de formação relativas ao Programa este perfil não tem se efetivado. Esta
constatação desperta preocupação.
A gente sabe que o diretor da unidade escolar, ele nem sempre vai ter tempo para fazer essas
articulações micropolíticas dentro da escola. Então as articulações macro ele vai resolver [...] E
a gente precisava deste outro articulador lá dentro resolvendo que estivesse mais próximo da
comunidade escolar realmente. [...] na verdade mesmo o orientador pedagógico ou o
orientador educacional, o especialista, ele não está próximo, [...] o professor em sala de aula,
ele não está recebendo as informações [...] hoje a gente vê que o ideal seria envolver mesmo
o professor. [...] quem vem à formação, são as pessoas de conveniência. Quem está
disponível naquele momento [...]. (GTI-M 1 /SMS)
Identifica-se assim, que apesar de haver o oferecimento sistemático de
atividades de formação no município, elas não têm atingido plenamente seu objetivo.
Na intenção de fazer circular informações na unidade escolar – desde as ações do
Programa Saúde Escolar até as atuais do PSE – geralmente são oferecidas três
vagas a cada escola. Como há grande rotatividade entre os representantes da
escola e este nem sempre assume de fato este papel de ―articulador‖, as
112
informações acabam se diluindo ou se perdendo antes que consigam chegar até a
sala de aula. Existe uma tradição de que diretores e pessoas da equipe diretiva
indicadas pelos mesmos participem dessas reuniões – é a questão de conveniência
referida na fala anterior.
Durante as entrevistas foram revelando-se reflexões e avaliações acerca do
PSE no município. Para um dos entrevistados, o representante da SME no GTI-M,
as experiências que antecederam o PSE encontram semelhanças com o cenário
atual. O Programa seria neste caso uma continuidade de ações já desenvolvidas
uma vez que:
[...] as ações voltadas para a saúde elas já existem dentro do próprio projeto político
pedagógico da Secretaria e nas unidades escolares. [...] A questão de algumas campanhas de
saúde que eram acionadas via escola também, uma maneira de você mobilizar a população
para aquela questão de saúde que estava sendo articulada naquele momento. Então assim,
isso sempre existiu independe do Programa Saúde na Escola, que aqui tinha outro nome:
Programa de Saúde Escolar. (GTI-M 3 /SME)
Esta avaliação diverge da realizada pelos outros entrevistados, representantes
da SMS. Eles identificam que com o PSE este caráter pontual e de campanha tende
a modificar-se para garantir uma permanência das ações de saúde na rotina escolar.
Mas era assim muito problemático. Assim tinha aquela organização toda, era muita gente ao
mesmo tempo. E algumas coisas a gente questionava, do tipo, ir à escola e não retornar mais.
Fazia uma ação pontual e não voltava mais àquela escola. Na outra semana, no outro mês a
gente ia fazer visita, atividade, em outra escola. (GTI-M 2 /SMS)
Vale ressaltar que esta perspectiva de inserção das ações do PSE na rotina da
escola, de forma continuada e sistemática, está prevista nas orientações oficiais do
Programa e, como poderá ser percebido mais adiante nas experiências na escola,
este é sem dúvida um dos maiores desafios. Há nos documentos orientadores uma
previsão de mudanças nas relações e no trabalho de profissionais de saúde na
escola.
As temáticas a serem trabalhadas pelo PSE devem ser debatidas em sala de aula pelos
professores, assessorados/orientados pelo pessoal da saúde ou diretamente por profissionais
de saúde previamente agendados e com o apoio dos professores. Essa preparação dos
educandos no cotidiano da escola pode implicar a participação desde o agendamento e
organização das atividades e/ou durante a realização delas. (BRASIL, 2011a, p.13)
O trabalho de Ferreira e colaboradores (2012), a partir de um exame dos
―diplomas normativos‖ do PSE, revelou um predomínio do setor saúde do ponto de
vista normativo e orçamentário, consequentemente, nos processos de decisão no
âmbito da União. No contexto estudado esta mesma questão é constatada. As
113
entrevistas realizadas concordam com esta centralidade do setor saúde na esfera
Federal e indicam impactos ou correspondências no âmbito municipal.
O Ministério da Educação se incumbiu de passar os equipamentos e o Ministério da Saúde
recursos financeiros. Quando veio o recurso financeiro era necessário que tivéssemos um
gestor designado para isso, então o Secretário designou então como Coordenador do
Programa, representando a Saúde, [...] o Coordenador da Atenção Básica. (GTI-M 1 /SMS)
Ferreira e colaboradores (2012) também destacam uma preocupação com a
tendência dos setores a cheguarem para espaços de construção e planejamento
coletivos com suas agendas já prontas, ressaltando os prejuízos causados por tal
atitude para o planejamento intersetorial. Pôde-se constatar nos relatos que a saúde
reconhece e apresenta suas demandas.
Hoje o Ministério [da Saúde] está começando a tomar o Programa Saúde na Escola como um
eixo [...] já começa a discussão de se trabalhar as questões de doenças crônicas na escola,
por quê? Futuramente isso vai ter um impacto. Quer dizer, a longo tempo [...] Então o
Ministério [da Saúde] já começa a utilização do uso da caderneta do adolescente, não é? (GTIM1 /SMS)
Esta forma não equânime de tomada de decisões (FERREIRA et al, 2012)
além de influenciar as formas de decisão em nível municipal, também provoca o
questionamento acerca das margens de adequação à realidade local que, em teoria,
estão previstas na legislação do PSE.
Porque em alguns momentos a gente fica meio engessado com essas ações que vêm de
Brasília para cá. Nesse momento, a gente acabou de vivenciar isso na Semana de Saúde na
Escola nacional. Nós já temos uma Semana da Saúde instituída desde 2009 no calendário
pedagógico da Secretaria de Educação que é uma parceria [...] agora o MEC coloca que tem
que ser na primeira semana de março. [...] onde você está com início de ano letivo, de
planejamento pedagógico e uma série de ações [...] (GTI-M 3 /SME)
Voltando à questão do orçamento, convém lembrar que os recursos do PSE
são transferidos via Piso de Atenção Básica (PAB) pelo Ministério da Saúde. Estes
recursos são limitados e finitos uma vez que o incentivo financeiro relaciona-se a
implantação das ações, mas sem garantir continuidade. Em meio às dificuldades e à
divulgação do fim do incentivo – marcada para 2012/2013 – observou-se
preocupação dos profissionais.
Então, a gente está batalhando para ver se em tempo hábil a gente consegue articular, não é?
E fazer com que nós dos dois setores estejamos conversando de fato até o Programa acabar,
não é? E sejamos realmente parceiros. (GTI-M1 /SMS)
As atividades de formação e o estreitamento das relações entre equipes de
saúde e educação foram identificadas como um componente que pode contribuir
114
para sustentabilidade das ações de saúde escolar. As atividades de formação são
percebidas como oportunidade de continuidade, mesmo sem os repasses da União.
Porque aí nesses encontros a gente procura agregar a equipe que atua na escola com
profissionais da escola para que eles possam naquele momento planejar uma ação pra futuro,
através daquele movimento de formação que a gente está desenvolvendo ali. (GTI-M 3 /SME)
A existência de uma experiência concreta prévia à implantação do PSE é
analisada de forma crítica. Destaca-se como dificuldades a herança e permanência
de uma perspectiva das ações de saúde escolar nos moldes de campanha e o
grande enfoque das ações de triagem e assistência à saúde dos escolares 36. Como
aspecto positivo, destaca-se a possibilidade da construção de parcerias entre os
setores – que ainda é trabalhosa, mas a experiência prévia representou ganho
importante para a implantação do PSE.
[...] o que eu posso falar é que aqueles municípios que estão começando hoje o Programa,
eles têm que estar muito bem articulados já de outras situações muitos bem articulados, no
caso a saúde com a educação. Porque se não a coisa não vai para frente. São conflitos
imensos. Todas as dificuldades que você possa imaginar vão ocorrer. E a gente tem que estar
o tempo todo apagando incêndios. [...] quaisquer possibilidades de sensibilização, de trabalho
em conjunto mesmo antes de qualquer coisa. Antes inclusive de escrever o projeto. Se tem
pretensão de entrar nessa parceria, primeiro tem que fazer uma oficina de articulação. (GTI-M
1 /SMS)
Ainda sobre ganhos e perdas, destacam que a institucionalização das ações
de saúde escolar através do PSE representou a possibilidade de garantia de
visibilidade e de recursos, ainda que esteja sendo custoso e trabalhoso para a
equipe o acesso e utilização de recursos. Outra dificuldade está relacionada ao não
cumprimento de uma série de acordos entre os ministérios e as instâncias
municipais como a realização de formação/ capacitação e o fornecimento de
recursos e materiais suficientes à implantação do Programa.
Na verdade um primeiro projeto a idéia era já fazer esse tipo de capacitação. Só que como a
gente foi a alguns encontros do Ministério, eles falaram que essa parte também ficaria por
conta do Ministério [...] Como em 2010 isso não aconteceu, a gente resolveu planejar isso para
esse ano. (GTI-M 2 /SMS)
Essas questões da institucionalização, por um lado elas dão peso maior ao Programa, não é?
Porque você acaba tendo que envolver três esferas públicas diferentes para articular essas
ações. Por outro lado a gente percebe que a falta de articulação das esferas [...] em nível
federal as informações são muito truncadas entre os dois ministérios. [...] Então tem coisas
que a Saúde recebe e a gente não recebe, tem coisas que a gente recebe e a Saúde não
recebe. [...] A questão da verba, que é uma questão que veio, mas que muitas vezes também
não atende [...] em termos de trabalho. Fica muito aquém. Aí tem aí as questões burocráticas
também da utilização dessa própria verba, que é um outro fator. Não adianta você ter um
36
Não se pode contudo esquecer que estas questões também correlacionam a uma tendência mais
geral, vivenciada no Brasil e na América Latina como um todo como já debatido no Capítulo 2.
115
dinheiro que você não pode utilizar em tempo hábil, não é? [...] E a questão dos materiais
também que são insuficientes em relação à demanda que a gente tem de atendimento. (GTI-M
3 /SMS)
A partir da reformulação de instrumentos normativos e de gestão do PSE em
2011 (Portaria Interministerial 1.910), o peso das metas pactuadas aumentou e tem
ocorrido de cima para baixo: apresentadas pela União às secretarias e ao GTI-M que
repassam às escolas e equipes de Saúde da Família. Além disso, como tratado
anteriormente, os dados de comprovação de metas passaram a ser inseridos no
SIMEC o que ampliou as exigências sobre o município e equipes locais.
[...] a gente não pode pactuar o que a gente queria eles mandaram as coisas que tinham que
ser pactuadas, com uma meta a ser atingida. E tudo aquilo que a gente fez anteriormente foi
desconsiderado de uma certa maneira. [...] E você tem que dar devolutiva em termos de
relatório e coisas que vão para o site, para o MEC e Ministério da Saúde, essa parceria tem
que estar muito afinada, porque se não essas coisas acabam desandando. [...] a gente
percebe que não é fácil você envolver todo mundo, ter uma articulação com objetivo comum.
(GTI-M 3 /SME)
Este novo contexto teve como conseqüência a elaboração de uma planilha
para ser preenchida pelas equipes locais. Na tentativa de incentivar e sustentar a
construção do elo entre saúde e educação no nível local (escola-eSF) foi orientado
que a planilha e o relatório com consolidado das ações fossem preenchidos em
conjunto. Contudo, isto por si só não soluciona o impasse do planejamento
intersetorial.
Existe ainda a constatação de que a dificuldade de encontrar tempo para o
planejamento intersetorial é um desafio no nível central (GTI-M) como é no local. No
ano de 2012 a Semana de Saúde na Escola foi apresentada pelos ministérios da
Saúde e Educação como momento para planejamento das ações que ocorreriam
naquele ano (BRASIL, 2012), mas isto não aconteceu no município neste momento.
Você vê, até para nós sentarmos para fazer um planejamento das ações que fossem
desenvolvidas a nível central, é complicado. Imagina a equipe local, não é? Estar se juntando
com a equipe local da escola para estar fazendo um planejamento conjunto. É bastante
complicado. E aí gera um outro problema, quem vai sair do seu local para ir ao local do outro?
(GTI-M 1 /SMS)
A Rede Pública Municipal de Educação de Duque de Caxias é composta por
24 creches municipais, 07 Centros Creche de Atendimento à Infância Caxiense
(CCAIC) e 142 escolas municipais de ensino fundamental. Em 2011 estavam
cadastradas no PSE 59 equipes de Saúde da Família e 33 escolas. Em 2008 para
que uma escola fosse incluída no PSE ela precisava estar vinculada ao Programa
116
Mais Educação. Os critérios mudaram e a inclusão das escolas passou a ser feita
segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e pela presença
de eSF próxima à escola – análise do território.
Partindo do contexto descrito, uma Unidade Escolar acompanhada por três
eSF foi indicada para a observação local das experiências. As equipes locais foram
receptivas à proposta de pesquisa participante que foi iniciada pela apresentação de
justificativa, objetivos e metodologia seguida pela realização de entrevistas
(individuais e coletivas) que subsidiaram a construção de uma primeira descrição do
território devolvida em forma de texto e debatida com entrevistados e outros
profissionais na escola durante Grupo de Estudos da escola.
A opção por iniciar com esta descrição relaciona-se aos pressupostos
metodológicos da pesquisa participante e do referencial da Educação Popular, mas
também com a intenção de incorporar a noção de território – espaço de produção de
vida e saúde – que é central à dinâmica do PSE e pode ser definido como:
[...] espaço geográfico, histórico, cultural, social e econômico que é construído coletivamente e
de forma dinâmica por uma série de sujeitos e instituições que aí se localizam e circulam. [...]
É nesse território (que contempla as unidades escolares) e com os sujeitos de sua
comunidade onde as equipes de Saúde da Família podem construir e fortalecer a articulação
com a comunidade escolar. (BRASIL, 2009d, p. 9)
A etapa de entrevista com membros do GTI-M foi fundamental para preparar a
chegada à escola não apenas por legitimar o processo de autorização da pesquisa,
mas para ampliar as possibilidades de compreensão da experiência na (e da) escola
articulado a este contexto mais geral de implementação do PSE.
5.1.2 Estar na escola e viver o PSE
Entrar verdadeiramente na escola e ter acesso ao seu cotidiano é tarefa que
exige bastante paciência, respeito e humildade. Nesta experiência, o local de espera
das primeiras visitas foi o portão. O tempo voa muito rápido próximo ao portão. Não
há monotonia e nem história que se repita. Estudantes alegres ou sonolentos
passam com o mesmo uniforme, mas muito diferentes entre si. Cabelos com cortes,
cores e adornos dos mais diferentes. Brincos, pulseiras, mochilas e assessórios para
ser igual, para ser diferente, para ―causar‖. Definitivamente não existe monotonia no
portão.
117
Aparece um jovem com uma flauta e em volta seus colegas começam a bater
palmas e bater no peito produzindo um som de funk. O portão é um local musical.
Com orgulho um garoto apresenta o colega da flauta: ―Ele já tocou no Qual é o seu
talento?37‖
Só que o portão da escola é local de demonstrar respeito então: “Fale mais
baixo.” “Sem correr, sem bagunça e sem música.” E se o grupo for grande, que se
organize uma fila.
Mas o portão também é local de entrada e saída e por isso mesmo de cuidado:
“Por que você se atrasou?” “Sua irmã melhorou?” “Onde está seu uniforme?” “Sua
mãe não veio hoje?” “Com quem você vai para casa?”
Desde o portão todos sabem que há um estranho na escola e interrogam com
os olhares: “O que veio fazer aqui?” Num misto de curiosidade, desconfiança e
simpatia a autorização para adentrar o cotidiano escolar é dada aos poucos num
aceno, num sorriso ou num indicar de caminho até que, enfim, este ―estar na escola‖
se realiza.
Após alguns meses frequentando o espaço destinado à equipe diretiva foi
possível adentrar um pouco mais na intimidade da unidade escolar. Já era oportuno
e permitido conhecer a opinião de professores38 e merendeiras39 sobre as questões
relacionadas à saúde e nutrição na escola.
Por fim, o espaço da sala de aula. O contato mais direto com os estudantes foi
ciceroneado e acompanhado por professores do sétimo ano atentos e atenciosos.
Turmas com muitos olhares curiosos que acolheram de forma intensa e participativa
pesquisa e as pesquisadoras.
37
Programa em formato de show de calouros exibido no SBT.
O acesso aos professores foi prontamente autorizado. Eu considerava que seria importante ser
apresentada pela equipe diretiva, mas por alguns desencontros ou urgências do cotidiano escolar
este momento estava sendo postergado. Um dia perguntei a um funcionário da portaria se ele poderia
me indicar quem eram as professoras de ciências. Aproximei-me de uma delas e falei sobre a
pesquisa. Ela foi extremamente gentil e solicita, abrindo-me o espaço da sala de professores.
39
Conheci parte das merendeiras logo nos primeiros dias em que estive na escola por intermédio da
supervisora de merenda e sob o olhar zeloso e ainda desconfiado da diretora, mas aguardei momento
mais oportuno para realizar entrevista.
38
118
A descrição do território que será apresentada a seguir foi construída de forma
progressiva, a partir da contribuição de muitas vozes e a partir da vivência desta
experiência de estar na escola e viver o PSE.
a) Uma visão panorâmica sobre o território
O bairro onde estão localizadas a escola e a unidade de saúde fica próximo ao
centro de Duque de Caxias e em cerca de 20 minutos de carro se chega da SME à
escola. Trata-se de um dos 14 bairros do Segundo Distrito caracterizado por ser uma
área urbana, densamente povoada e que concentra 31,44% da população do
município (DUQUE DE CAXIAS, 2012a).
Suas ruas principais são asfaltadas, estreitas e em mão dupla, possuindo
calçadas padronizadas como as do centro da cidade. É um bairro pouco arborizado.
As ruas principais localizam-se em sua parte plana e são cortadas transversalmente
por ladeiras. Nestas alternam-se trechos com e sem calçada. No caminho até a
escola se passa por duas praças pequenas e acanhadas. Os nomes das ruas e do
bairro são nomes de bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Bem próximo à escola existe um valão que corta todo bairro. Para se
atravessar de um lado a outro existem pontes estreitas para pedestres e uma para
veículos. O valão demarca a área mais pobre da localidade.
[...] tem casas que tem famílias muito carentes e outras casas as pessoas têm plano de saúde,
[...] Área 6 é muito carente que é próximo ao valão que é lá no fundo da nossa área de
abrangência, desse PSF. (5 - eSF)
Nós temos uma boa clientela de alunos que tem uma situação razoável, financeiramente. E
uma parte dessa clientela também é bem pobre, não é? Que são as crianças que moram ao
redor do rio, que moram mais próximos de lá são bem pobrezinhas mesmo. (17 - ED)
A ESF trabalha a partir de uma lógica de organização de território enquanto a
organização escolar se dá por clientela. Desta forma, não existe uma coincidência
total entre os territórios cobertos pelas três eSF e os endereços dos estudantes
matriculados, ou seja, existem estudantes de famílias cadastradas pelas eSF que
não estão matriculadas nesta escola assim como existem crianças matriculadas na
escola que residem em locais que não fazem parte da área adscrita.
Existe outra Unidade de Saúde, próximo à escola e à Unidade de Saúde da
Família, para onde são encaminhados muitos dos estudantes. Outro equipamento
119
público existente na localidade é uma unidade da FUNDEC (Fundação para o
Desenvolvimento Tecnológico e de Políticas Sociais de Duque de Caxias) que
oferece cursos como informática e inglês. Não houve menção de parceria durante a
pesquisa, mesmo assim alunos da escola freqüentam cursos desta unidade.
Retornando às condições socioeconômicas dos moradores, percebe-se que
tanto profissionais de saúde quanto da escola reconhecem que o bairro não é um
espaço homogêneo. Existem famílias pobres no bairro, vivendo com dificuldades
financeiras e em casas precárias, sobretudo no entorno do valão. Nos restante do
bairro, existem famílias que moram em casas melhores e com melhores condições
de vida. Numa tentativa de generalizar identifica-se que se trata de um bairro pobre.
[...] tem poucas lojas. Supermercados eu acho que só tem dois. Um bairro bem pobre. Casas
muito simples. Têm crianças que passam certas dificuldades mesmo em questão de
alimentação, de vir pra escola, de condução, não é?(7 - ED)
[...] é um bairro pobre [...] Ainda temos famílias que além de serem pobres mesmo, bem
paupérrimas, são famílias que moram assim, todos num quartinho, não é? Um banheiro. Mãe,
pai, todo mundo dorme junto. Ainda tem muita coisa desse tipo. Apesar de estar há 15 minutos
do centro de Caxias. (17 - ED)
Quanto aos desafios relacionados à infra-estrutura do bairro que impactam
qualidade de vida foram destacados aspectos relacionados ao saneamento básico, à
falta de água e o transporte.
[...] a parte de saneamento básico. A questão da água que não tem. Eu acho que isso é um
entrave muito grande pra o desenvolvimento do bairro. (8 - AE)
Eu acho que o principal aqui para comunidade seria melhorar o transporte e realmente fazer
uma limpeza, uma canalização daquele rio ali. [...] Então às vezes as crianças ficam em casa
sozinhas porque mãe trabalha, o pai trabalha. E aí fica doente e a família não sabe nem
porque fica doente. (17 - ED)
A unidade de saúde que abriga as três eSF possui uma estrutura bem similar a
outras desta natureza: é uma casa grande adaptada para receber consultórios
clínicos e odontológicos, assim como equipamentos básicos e característicos de
uma UBS. Não há placa na fachada e muitos dos moradores do entorno não
reconheciam a Unidade de Saúde. As profissionais relataram precariedade das
condições de trabalho: salas com infiltrações, banheiro interditado, pias com defeito
e falta de material básico para trabalho. Durante o período de pesquisa houve
interdição da sede e as equipes precisaram ser deslocadas para outra unidade de
saúde.
120
Neste município quase a totalidade dos profissionais da ESF são concursados.
As três equipes vinculadas a esta UBS são em grande parte compostas de
profissionais jovens que atualmente têm cerca de 7 (sete) anos de formados e que
são proveniente do concurso municipal mais recente – realizado há quatro anos.
Parte da equipe está ou esteve inserida nos últimos anos em cursos de atualização
ou pós-graduação. Segundo os próprios profissionais, vários deles têm formação em
Saúde Pública e chegaram ao município com ―vontade de fazer diferença‖, mas
algumas questões estruturais dificultam o trabalho. Eles destacam que o
relacionamento das eSF com a população atendida é muito bom.
Do ponto de vista de perfil epidemiológico, as enfermeiras das eSF afirmam
que as maiores prevalências são de hipertensão arterial e diabetes. Além disto, as
doenças sexualmente transmissíveis, a hanseníase e a tuberculose são motivo de
preocupação. A prevalência de cárie é expressiva entre crianças e adolescentes
tanto na população adscrita às equipes quanto na escola. Quanto ao perfil
nutricional, seguindo o padrão nacional, sobrepeso e obesidade tornaram-se as
preocupações mais relatadas para crianças, adolescentes e gestantes. Contudo,
ainda existem relatos de baixo peso e desnutrição nesta população.
[...] tive três crianças desnutridas. Mas obesidade infantil é muito prevalente e eu observei não
só nas avaliações na escola como no acompanhamento do Bolsa Família.[...] no caso da
gestante poucas tem peso adequado, ou é obesa ou é baixo peso. Tenho gestante com baixo
peso que chegam até o final da gestação com baixo peso. E muita gestação na adolescência.
(5)
E a gente pode ver que ao contrário do que a gente pensava, tinha muita criança com
sobrepeso, [...] E assim, tem criança de baixo peso [...]. (2 - eSF)
A escola é a maior dentre as três escolas municipais do bairro, atendendo a
mais de mil alunos da pré-escola até o 9º ano e também turmas de Educação de
Jovens e Adultos (EJA) no turno da noite. Ao todo 160 funcionários trabalham nesta
escola que possui três andares, dois deles exclusivamente para as salas de aula. No
andar térreo funciona a parte administrativa além de uma sala de leitura, quadra de
esportes e as estruturas ligadas à educação infantil e educação especial. As salas
de aula possuem mobiliário completo com capacidade para cerca de 30 alunos por
turma.
Esta unidade escolar tem uma história peculiar. Ela foi construída como escola
particular, um Liceu, e adquirida pelo município no ano de 2006 mudando de nome e
121
obviamente de administração. A ―boa estrutura‖ relatada pelos profissionais em parte
é atribuída a este histórico. As instalações para cozinha, refeitório e educação infantil
são adaptações à estrutura original realizadas em 2010.
[...] é uma escola boa, porque é uma escola da rede particular que foi comprada pela
prefeitura. [...] Tem uma quadra poliesportiva, uma sala grande, o refeitório foi construído em
2010 [...] o anexo ali tem as salinhas do pré, tem separadinho o banheiro deles. (7 - ED)
Eu acho que a escola é um espaço legal, antigamente tinha até laboratório de ciências. Hoje
passou a ser cozinha, e agora eles estão tentando reativar. Tem um grupo muito bom de
professores, bem capacitados, qualificados. (11 - Prof)
Parte dos professores está na escola desde que a escola foi adquirida pelo
município. A equipe de professores do Segundo Seguimento é composta por jovens
profissionais concursados que, em grande maioria, são moradores de outros
municípios. Alguns destes professores possuem mestrado e doutorado e o desejo de
ingressar em cursos de pós-graduação está entre os assuntos freqüentes na sala de
professores.
Fazem parte da equipe diretiva da escola além da diretora, a vice-diretora e
equipes
distintas
coordenadores
de
para
Primeiro
turno,
e
Segundo
Orientadoras
Seguimentos
Pedagógicas
(OP)
compostas
e
por
Orientadoras
Educacionais (OE). Durante a pesquisa, o maior contato foi com as profissionais que
trabalham com o Segundo Seguimento e com a diretora. A orientadora educacional
do Segundo Seguimento era a pessoa responsável pelo PSE no momento de início
da pesquisa. Ao contrário do grupo de professores, estas funcionárias, apesar de
serem concursadas da Rede Municipal de Educação, assumem funções de
confiança em regime de contrato temporário. São moradoras do município e estão
próximas de obterem aposentadoria.
Com relação ao espaço do recreio e da alimentação escolar, localizado
também no primeiro andar, destaca-se a existência de um pátio coberto com mesas
de jogos (Totó), um refeitório amplo com mobiliário novo e adequado, uma cozinha
ampla e bem equipada. A dispensa é grande, com diversas estantes e três frízeres
muito bem organizados. No refeitório existe um balcão térmico para a distribuição de
alimentos e que não está sendo utilizado, segundo as merendeiras, por estar com
defeito.
122
Esta estrutura de refeitório, cozinha e despensa foi muito elogiada pela
supervisora de merenda e pela nutricionista. Contudo, um grande limite apresentado
é a falta de água no bairro. Como a escola herdou uma dívida com a CEDAE não há
abastecimento regular feito pela rede pública. A escola recebe água em carro pipa
três vezes por semana. Ainda assim esta questão impacta o funcionamento da
escola
e
o
próprio
cardápio.
No
decorrer
da
pesquisa
a
questão
do
desabastecimento de água tornou-se mais grave ocasionando suspensão de aulas e
atrasos no cronograma escolar.
Quando a gente está com uma carência de água a gente procura fazer uma merenda seca,
não é? Tipo biscoito, sucrilios, se tem frutas. Que não tenha necessidade de se usar a água.
Para as crianças não ficarem sem alimentação. (7 - ED)
Interfere na questão da alimentação e no pedagógico [...]. Para os alunos utilizarem os
banheiros e tal, então é complicado. (8 - AE)
Porque tem a parte da higienização, até mesmo para elas fazerem os gêneros, não é? [...] a
principal questão, o que mais dificulta para a merenda é a água [...]. (9 - AE)
As equipes reconheceram-se na primeira descrição da escola e do território
apresentado no texto síntese (APÊNDICE 13) que foi sendo completado durante o
restante do trabalho de campo. Apesar de água e saneamento aparecerem de forma
recorrente nas falas tanto dos profissionais da escola quanto dos profissionais de
saúde, até aquele momento este não tinha sido considerado tema relevante para
ações do PSE. Contudo, no relato dos professores esta temática aparece como
assunto de sala de aula.
Saneamento e abastecimento de água foram assuntos prioritários que se
―revelaram‖ às equipes com a leitura da realidade. Apesar de serem assuntos muito
presentes na fala dos profissionais, apenas no momento de leitura do texto síntese é
que este tema chamou a atenção do grupo. Posteriormente, com o agravamento do
desabastecimento de água esta se tornou a maior preocupação do cotidiano escolar,
mas no período da pesquisa o tema não ocupou o espaço nas atividades de
promoção da saúde ou educativas do PSE.
b) Programa Saúde na Escola: interesse de muitos e assunto para poucos
Todo o discurso institucional e legal do PSE pauta-se no examinar e agir crítico
a partir território. Este agir deve ser capaz de envolver profissionais de saúde e de
educação, além da comunidade escolar de forma mais ampla, incluindo
123
mães/pais/responsáveis, lideranças e organizações governamentais e da sociedade
civil que atuem na localidade. Por isto, chamou atenção um fato que foi revelando-se
com o tempo a partir do conhecimento da realidade local: o PSE é assunto para
poucos tanto na escola quanto na Unidade de Saúde.
No que se refere às eSF, durante toda a permanência em campo foi possível
identificar que algumas profissionais estiveram mais envolvidas nas ações do PSE e
por isso mais interessadas nas reflexões sobre os desafios e possibilidades
referentes ao Programa. As dentistas e enfermeiras das equipes são as que mais
atuam na escola, embora os médicos sejam acionados para algumas das atividades.
Os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) auxiliam em aspectos operacionais como
preenchimento de fichas e listas de presença, atuando assim de forma restrita.
Como salientam Stotz e colaboradores (2007), no escopo da ESF são
estimuladas e previstas as iniciativas que busquem práticas diferentes, que não se
restrinja a abordagem da doença e que incorporem os determinantes dos problemas
de saúde. Há por isto um reconhecimento da importância do ACS como membro da
equipe entendendo que este está ―mais próximo das pessoas da comunidade e dos
seus modos de viver. Ele é o que se chama de ‗elo‘ entre a comunidade e os
serviços de saúde‖ (STOTZ et al, 2007, p.50).
Fica nítida uma divisão de tarefas, mesmo que esta não seja explicitada e não
represente objeto de reflexão para as equipes. Por outro lado, como o PSE é visto
como ―mais uma atividade‖ em meio a rotinas e agendas intensas, quando um
profissional decide dedicar mais tempo de sua carga horária às ações do Programa,
o faz de maneira quase que espontânea.
As profissionais relatam que esta equação (como, quando e quem atua no
PSE) leva em conta a afinidade pessoal dos profissionais com o trabalho de
promoção da saúde e a necessidade de priorizar as consultas e atendimentos na
Unidade de Saúde – aspecto mais valorizado pela população e pelos profissionais
menos engajados nas atividades na escola. Existe ainda a constatação de que as
ações de saúde bucal na escola acontecem há bastante tempo e de alguma forma
acabaram por incorporar à rotina, justificando a constante presença das dentistas
nas ações de PSE.
124
A desvalorização das ações de promoção da saúde em relação às de
atendimento na Unidade contribuem e relacionam-se a uma visão consagrada nos
serviços de saúde.
[...] trabalhar com educação e saúde é uma dureza, que ninguém dá valor [...] Dá valor para o
cirurgião, dá valor para o anestesista [...] Dá valor para a gente que faz saúde pública?
Ninguém dá valor. [...] ―Olha, esse mundo aí que você quer [...] esquece isso menina. Cai na
real.‖ Falam para mim. (3 - eSF)
Tanto a definição de quem são os profissionais envolvidos nas ações de
educação e promoção da saúde quanto a desvalorização de tais atividades
confirmam que a organização dos serviços de saúde ainda está fortemente pautada
pelos princípios biomédicos. Esta afirmação não chega a ser uma novidade para
quem atua no campo da saúde pública, mas interessa registrar visto que aqui se
propõe reflexões acerca da ESF e do PSE que assumem em seu discurso
pressupostos como a integralidade, participação e promoção da saúde.
Neste sentido, é oportuno salientar a forte presença das perspectivas dos
trabalhos de Abraham Flexner 40 e o quanto sua incorporação na formação dos
profissionais de saúde tem sido eficiente em consolidar um ideal científico
biologicista, que valoriza a especialidade e o aparato tecnológico.
Como consequência, observa-se seu impacto tanto na organização dos
serviços quanto na construção de uma demanda de saúde que se afasta da
verdadeira noção de cuidado em detrimento da valorização dos procedimentos. Uma
conseqüência é feitichismo em torno dos pedidos de exames e da prescrição de
medicamentos (CECCIM; CARVALHO, 2005; FRANCO; MERHY, 2005; ANDRADE
et al, 2007). Estes passam a ser ―obrigatórios‖ em uma ―boa consulta‖.
A atuação com as escolas pertencentes ao território adscrito em teoria não
deve ser novidade para profissionais inseridos nas eSF porque esta é uma prática
prevista na ESF. Tampouco é novidade a proposta de mudança da lógica da
40
Realizado nos Estados Unidos no início do século XX: ―Desde o Relatório Flexner, temos na
seleção de conteúdos, metodologias e formas de avaliação da hegemonia de atenção hospitalar, das
especialidades e do modelo curativo individual no ensino da saúde uma educação dos profissionais
de saúde marcada por uma ciência das doenças; um corpo entendido como o território onde evoluem
as enfermidades e uma clínica como o método experimental de restauração de uma suposta
normalidade da saúde dos órgãos. Essa formação tem construído sobremaneira para a precoce
especialização, um desejo pela superespecialização e a utilização excessiva de tecnologias por
equipamentos de apoio diagnóstico e terapêutico‖ (Ceccim; Carvalho, 2005, p.73).
125
atenção à saúde que passa a incorporar aspectos de equidade, humanização e
integralidade do atendimento e que valoriza a promoção da saúde e prevenção de
doenças. Contudo na prática, ainda muitos profissionais resistem à incorporação
destes pressupostos mesmo quando integrados à ESF.
Com relação à escola, os profissionais da que interagem diretamente com PSE
são a diretora, a responsável pelo PSE e, esporádica e aleatoriamente, algum
membro da equipe diretiva que seja indicado para participar de alguma reunião do
GTI-M. Foram recorrentes os relatos sobre a dificuldade ou falta de “contato” entre
profissionais de saúde e professores.
A gente não tem muito contato. (1)
Só mesmo o contato de pedir com licença. (3)
Em diversos momentos tanto equipe diretiva da escola como eSF queixaramse do pouco envolvimento dos professores. Entrevistando e conversando com os
professores entende-se o porquê: a grande maioria não conhece o Programa e não
foi informada de sua existência no seu local de trabalho. O PSE é algo que em
algum momento eles conheceram em outra escola, viram na televisão ou acessaram
informação de outra maneira, mas não através desta unidade escolar.
Não sei nada sobre isso. Ninguém assim me passou oficialmente: ―Ah, existe o Programa
Saúde na Escola, então são essa pessoas, vão ser desenvolvidos esses temas‖. (11 - Prof)
Não chegou até mim. [Silêncio] Não chegou até mim. Eu sei que existe, mas nunca chegou
para ser trabalhado [...] nunca repassou informação nenhuma a respeito disso não. (13 - Prof)
Não conheço pessoalmente assim de: ―Ah, você é fulana, estava aqui bimestre passado‖. Não,
não. Mas eu vejo de vez em quando elas virem, fazerem um levantamento. Não vi ainda
palestra. Palestra se aconteceu no contra-turno, não sei o que aconteceu. Mas elas vêm. (12 Prof)
Desde 2006 alguns profissionais da ESF realizam ações de saúde nesta
escola. Com a posse dos servidores concursados em 2008 esta atuação torna-se
continua em três escolas do bairro. A vinculação das três equipes a esta escola
ocorre a partir de 2010 com a adesão municipal ao PSE. Apesar deste histórico, não
existem relatórios ou circulação de informações acerca destas ações na escola: o
registro tem por finalidade prestação de contas à SME.
É, antes de existir o PSE, [...] a gente já atuava aqui na escola. (1 - eSF)
[...] porque o PSF ele de origem ele já é obrigado [...] ir até a escola [...] Com o surgimento do
PSE [...] passou a ser vinculado, as três equipes [...] Então, de três profissionais, passamos
para nove profissionais vindo na escola, vinculados [...] (3 - eSF)
126
Ainda sobre a participação dos professores nas atividades de saúde escolar,
as profissionais da eSF contam que alguns permanecem com a turma, mas não
interagem. Outros se retiram da sala.
Mesmo tendo avisado que a gente iria fazer a atividade. O professor fica, não é? Assim de
fora, não é? Fica uma coisa bem separada. Não fica uma integração. (2 - eSF)
Tem umas [professoras] são mais abertas, participam, estimulam as crianças a participar.
Outras saem da sala e acham que você tem que tomar conta das crianças todas enquanto ela
vai tomar um café. Tem de tudo. Depende do profissional. (4 - eSF)
E eu acho que ela [professora] permanece também por causa do foco dela, o foco da
educação infantil. Os pequenininhos são muito dependentes. Tudo é: tia, tia. [...] ela ajuda a
gente a ter controle. Mas normalmente quando a gente vai nos maiores eles saem. Ou eles
ficam sentados fazendo... corrigindo alguma coisa, ou fazendo a presença, enfim. Nada
relacionado à atividade que está sendo desenvolvida naquele momento. (3 - eSF)
Outro fator que contribui para uma atitude mais distante dos professores em
relação às atividades é que geralmente são avisados na hora em que a atividade vai
ser iniciada, já na porta da sala de aula. Durante o período de pesquisa algumas
atividades de saúde escolar foram realizadas pelas eSF na escola e também por
Universidades. A definição das turmas que seriam envolvidas foi decisão tomada
com a equipe diretiva, mais especificamente com a diretora, no portão da escola,
minutos antes de ser iniciada a atividade. As ações acabavam surpreendendo tanto
alunos quanto professores que além de não terem tempo para prepararem-se, ainda
precisaram suspender sua programação de aula. O desconforto é geral: para os
profissionais das eSF, para professores e para os próprios estudantes.
É porque quando chega até para fazer as atividades, a gente interrompe a aula sempre.(2 eSF)
Eu só vi uma pessoa chegando e pedindo pra fazer uma palestra e falar sobre nutrição. Só
tomei conhecimento assim. (11- Prof)
Então, se o PSE não é conhecido na escola como garantir sensibilidade e
colaboração para seu desenvolvimento? Outros profissionais da escola também
relataram não saber sobre o PSE apesar de já terem visto os profissionais das eSF
na escola. Algumas das merendeiras moram no bairro e ficaram curiosas também
em saber em que unidade de saúde trabalhavam e que relação teriam os
profissionais das eSF com a escola.
Já vi aqui na escola. Já vi aqui na escola, mas participar não. (15 - AE)
Esse Programa de Saúde, quando eles vêm aqui – que eu também já vi já – é só mesmo com
as crianças, não é? A gente não tem participação não? (14 - AE)
127
No início da pesquisa profissionais da equipe diretiva da escola também
demonstraram desconhecimento acerca do Programa e de suas ações. Mesmo a
responsável pelo PSE na escola que havia assumido recentemente a tarefa mostrou
pouco conhecimento acerca do Programa.
[...] estou aguardando a chegada do pessoal do Posto, não é? Para sentar com eles para a
gente ver algumas ações, tentar desenvolver algumas ações aqui. Saber como é que vai ser
feito. (17 - ED)
Quando eu cheguei encontrei elas medindo, outra olhando a boca. Aí eu ainda parei para
dizer: ―Legal!‖ Que eu nunca tinha visto isso em lugar nenhum [...]. Achei legal e importante
isso. (18 - ED)
Tudo isto demonstra que a comunicação sobre o PSE é muito frágil na escola
e este é um dos fatores que contribui para a não-adesão ou pouca participação por
parte de funcionários e professores.
Em trabalho realizado acerca das práticas de comunicação na escola
Deusdará e Rocha (2012) ressaltam questões que se assemelham com a unidade
escolar em questão e ajudam em algumas problematizações. Os autores destacam
que em uma unidade escolar co-existem diferentes regimes de trabalho e diferentes
horários. Para citar alguns os funcionários de apoio (vigias, merendeiras, inspetores,
administrativos entre outros) organizam-se em turnos ou equipes e quanto aos
professores uma parte está todos os dias na escola e outros organizam sua agenda
em tempos de aula. Dentro da escola a comunicação é um desafio: ―o uso do tempo
e do espaço escolar gera efeitos como a precariedade das relações e da construção
do sentido de trabalho entre os profissionais, fortalecendo a comunicação formal e
unilateral da administração para os demais segmentos, e gera também informes
generalizantes‖ (DEUSDARÁ; ROCHA, 2012, p.377).
Ao contrário de Deusdará e Rocha (2012) que identificaram o quadro-mural da
sala dos professores como importante local para estes comunicados, nesta unidade
escolar percebe-se que o quadro-mural da sala dos professores é um objeto
utilizado pelos próprios. Para os comunicados das equipes diretiva e administrativa
são utilizados os murais do andar administrativo e, principalmente, um caderno para
informes. Mas o principal meio de comunicação continua sendo a ―formal e
unilateral‖:
128
A gente escreve o que a gente quer do professor [...] Então e o resto da semana como é que a
gente vai obter uma informação do professor? A gente... com uma redação com o que você
quer e embaixo coloca: Ciente e botam nome de todos, aí [...] precisa estar passando esse
caderno, eles tomam conhecimento e do lado eles assinam, e se tiver alguma coisa que eles
queiram colocar eles colocam do lado. Igual a história da reposição da greve, muitos já se
posicionaram dizendo: ―Falta um dia.‖ [...] E quem não cumprir, simplesmente a equipe passou
informando, a gente entrega para a diretora e ela faz um ofício e manda para a Secretaria
descontar. (18 - ED)
Outro dado interessante é que as atividades relacionadas ao Componente I
(Avaliação Clínica e Psicossocial) acabam sendo programadas com maior
antecedência. São atividades que demandam maior estrutura, já que são
necessários equipamentos ou a definição de espaço reservado para as avaliações e
no caso do Componente II (Promoção e Prevenção à Saúde) desenvolvem-se as
ações em sala de aula. A agenda também foi definida com a diretora de escola. Não
foi possível observar nenhuma das atividades referente a este Componente.
Provavelmente porque a pesquisa foi mais identificada com o Componente II não
houve muita preocupação das equipes de saúde e da escola em informar sobre as
datas de avaliação e convidar a equipe de pesquisa para acompanhamento. Como
não existe número de kits suficientes à realização do Componente I para todas as
escolas com PSE no município 41 , estas atividades foram realizadas nos últimos
meses de aula.
As informações do Componente I deveriam influenciar ou subsidiar o
planejamento
do
Componente
II.
Contudo,
percebe-se
desarticulação
e
desvinculação entre os dois Componentes, o que é um equívoco segundo as
orientações oficiais do Programa: qualquer ação do PSE, incluindo as avaliações,
deve conter cunho pedagógico e educativo com a participação dos professores e
esclarecimentos aos alunos. Referindo-se aos dados de 2010 uma das profissionais
da eSF desabafa:
[...] não teve o monitoramento ... sabe aquela coisa que você vai ... detecta a realidade,
trabalha e depois vê o resultado? Não teve isso. (3 - eSF)
Neste sentido, percebe-se que comunicação e informação representam
importantes desafios. Em decorrência das dificuldades de comunicação há um
conhecimento restrito sobre o Programa que influencia na pouca participação dos
41
Outras razões podem ter contribuído para a realização do Componente I apenas no final do ano,
mas não tivemos acesso a outros detalhes. Parte das avaliações foi realizada com a colaboração de
outras equipes da SMS – avaliação oftalmológica, audiométrica, entre outras. Foi relatada maior
participação dos médicos das equipes neste componente.
129
profissionais tanto de saúde quanto de educação e que dificulta o estabelecimento
dos componentes de um Grupo de Trabalho Intersetorial Local (GTI-L). A articulação
e interlocução iniciais entre saúde e educação têm influência na forma de
organização das atividades e, sobretudo, nas possibilidades de construir estratégias
para
interagir
com
os
principais
interessados
no
Programa:
estudantes,
mães/pais/responsáveis e a comunidade como um todo.
c) Saúde escolar: com quem e para quem?
As entrevistas iniciais incluíram um pedido para que as profissionais falassem
sobre os estudantes e moradores do bairro. Esta questão foi recebida com
estranhamento – talvez desconforto. Foram respostas precedidas por respiração
profunda, demorada. Na escola a equipe diretiva e as merendeiras falam dos alunos
de forma generalizante, afetuosa e familiar.
Ah, são crianças normais como todas, são levadas. São crianças carentes de carinho,
alimentação. Tem crianças que vêm aqui só para ganhar um abraço, ganhar um beijo, [...] Tem
criança aqui que nunca saiu aqui do bairro para ir num Jardim Zoológico, quando a gente leva
eles às vezes a algum evento dentro do Raul Cortez eles ficam assim... Porque é novidade
para eles. Mas são crianças boas, crianças normais como toda escola tem, crianças levadas,
crianças carinhosas. (7 - ED)
[...] a gente atende as crianças, não é? Então não é adulto. E criança geralmente é
bagunceiro. Quando a criança está muito quieta é porque está doente. Esse é meu ponto de
vista. O meu quando está quieto é porque está doente. Quando não está, está fazendo arte.
(15 - AE)
Durante os contatos iniciais com os profissionais de saúde a relação com os
estudantes foi apresentada com bastante entusiasmo. Ressaltaram o quanto eram
participativos, receptivos e ávidos por conhecimento.
Eles tinham muito interesse. A gente programava uma atividade de meia hora e [...] teve uma
que se estendeu uma hora e meia de muito interesse. (2 - eSF)
No decorrer da pesquisa, observando a organização das atividades foi
possível ouvir mais de uma vez sobre a preferência em trabalhar com as turmas com
alunos menores – ―os pequenininhos‖ – de Primeiro Seguimento. Isto porque as
profissionais identificaram que estas turmas são ―mais comportadas‖, prestam
atenção e ficam mais quietas durante as atividades. Também afirmam que os
conhecimentos transmitidos na infância serão levados para o resto da vida.
Nas conversas entre e com os professores surge uma visão com mais
contornos, a partir da sala de aula e de um contato mais direto com os estudantes,
130
suas rotinas e formas de pensar e agir. Comparando turmas ou relatando histórias
de alunos, eles apresentam relações entre as precariedades (da escola, do bairro,
da cidade) e o fato de muitos alunos desvalorizarem o espaço escolar. Surgem
relatos de turmas ou alunos mais indisciplinados e/ou pouco motivados. A nota
aparece como estratégia para manter os alunos em sala de aula realizando as
atividades das disciplinas. Este caminho parece não ser considerado o ideal, mas
uma possibilidade diante do contexto. Como um desabafo uma das professoras
afirma:
E é um círculo vicioso, porque se eles não respeitam, não querem nem saber o que acontece
aqui, eles não vão querer freqüentar [a escola], eles vão achar que tudo aqui é uma porcaria.
Se eles passarem ou não de ano dane-se, que eles vão fazer de novo. E quando que eles vão
se formar? Com 20 anos? Vai conseguir que emprego, de caixa de supermercado e achar que
isso é ótimo? Vai ter 3 filhos com 20 anos de idade? Hoje mesmo uma aluna minha do 7º ano
eu falei: ―Gente, cadê ela...‖ Bonitinha e tal, faltava a beça. ―Ah, professora, ela está que nem
você.‖ Grávida. 7º ano... Deve estar com 15, 16 anos. (19 - Prof)
É importante que no processo de construção de atividades na escola haja
oportunidade para a troca de experiências, mas também para explicitar os diferentes
olhares sobre o cotidiano do bairro e dos estudantes. Neste sentido, cabem aqui
destaques iniciais para contribuir nas reflexões sobre possíveis armadilhas nos
caminhos dos profissionais que atuam com educação e saúde. O primeiro é um
alerta de Valla (2011) sobre os riscos da ―imagem construída‖ acerca da população
que freqüenta os serviços públicos que geralmente aparece sob os adjetivos como
―bruto‖, ―carente‖, ―nulo‖ (VALLA, 2011, p. 68). Reduzir ou resumir as possibilidades
de enxergar os grupos com os quais se trabalha pode resultar em visões simplistas,
homogeneizadoras e/ou preconceituosas. Isto é com certeza uma grande armadilha!
O outro alerta é de Freire (1996) que nos lembra que não é no silêncio, na
obediência opressora que se constrói conhecimento, mas através de posturas de
diálogo, baseada no respeito mútuo que permita ao educador exercer sua
autoridade, mas jamais o autoritarismo (FREIRE, 1996, 2005). ―Quem tem o que
dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que quem tem
o que dizer saiba, sem sombra de dúvida, não ser o único ou a única a ter o que
dizer‖ (FREIRE, 1996, p.117). Cabe ainda um destaque de Vasconcelos (2004)
sobre a escassez de oportunidades de formação para os profissionais de saúde nos
serviços públicos que levem em conta o incentivo a ações participativas: ―o
131
tradicional modelo autoritário e normativo de educação e saúde matem-se
dominante‖ (VANCONCELOS, 2004, p. 77).
Além dos estudantes, mães/pais/responsáveis são identificados como grupo
relevante para ações de saúde escolar. Existe uma percepção geral de que os
pais/responsáveis precisam assumir seu papel diante dos problemas de saúde e
nutrição dos estudantes. São ressaltadas, no entanto, muitas dificuldades de
promover atividades com este grupo porque poucos comparecem a reuniões na
escola. Identificam que os estudantes cujas famílias são mais presentes são também
aqueles com melhores condições de saúde e melhor desempenho na escola.
São essas crianças que as mães procuram, sempre que têm uma condição melhor. As mães
que eu tenho que ir na casa atrás sempre tem uma condição pior. (3 - eSF)
E não é só a área médica que enfrenta, mas a escola também passa isso. Nós temos aqui
mães e responsáveis que a gente chama o ano inteiro e não vem, não aparece. E aí quando
dá lá reprovado aí vem. Aí aparece. Aí já era não tem mais como. Então eu acho que o maior
desafio vai ser a família. (17 - ED)
Este debate remete a interessante debate acerca da responsabilidade
imputada às mães sobre a saúde de crianças em idade escolar realizado por Olivi e
Fonseca (2007). As autoras destacam a existência de uma tradição do
desenvolvimento de ações de saúde na escola – ainda que seja apenas o
encaminhamento para os serviços de saúde – e que nestas a mãe (ou a pessoa que
a substitui) é identificada como a responsável pelo cuidado da criança. Ao
localizarem historicamente o início desta conformação, proporcionam a possibilidade
de desnaturalizar esta construção.
A mudança do valor social atribuído à criança foi reflexo do valor econômico da vida, a partir
da emergência de uma nova estrutura social e econômica nas sociedades européias – o
capitalismo. Nesse contexto, a mãe passou a ser considerada o melhor instrumento pelo qual
deveria ser operada a normalização da sociedade, passando a ter então, entre suas funções, a
responsabilidade de cuidar da casa, do marido e das crianças. Isso foi tão marcante e bem
sucedido que, até hoje, todo processo que visa socializar a criança (formação de atitudes,
comportamento e concepções) tem a mãe como sua principal protagonista. (OLIVI; FONSECA,
2007, p.214)
A questão da estrutura familiar também é destacada. Famílias que fogem aos
padrões ―tradicionais‖ e aquelas expostas a vulnerabilidades sociais estariam
relacionadas a alunos com problemas de saúde e dificuldades na escola.
É pai sozinho, aí o pai tem que trabalhar, o filho fica em casa, então vale a pena a gente
colocar essa questão da própria estrutura familiar, eles não têm. (10 - AE)
132
Em grande medida a noção de responsabilidade é extrapolada e se identifica
uma postura ainda muito comum entre profissionais de saúde e da escola que é a
―culpabilização‖ destes estudantes e suas famílias por condições inadequadas de
saúde e qualidade de vida.
Mas é aquilo, a mãe também não leva, o pai não liga. Além de serem pobres, são pessoas que
não se cuidam, que não cuidam dos filhos adequadamente. (17 - ED)
[...] o PSF detectou, foi feito, mas e aí? O caminho é o posto chegou até aqui e daqui vai para
casa, mas será que de casa em diante tem essa conscientização? Nós sabemos que a criança
está assim, mas e aí? Acaba sendo uma conscientização da parte da população, porque todo
mundo sabe o que é uma alimentação saudável [...]. (9 - AE)
Valla (2011) adverte sobre a existência de uma tendência a ações de
educação e saúde que privilegiem a divulgação de ―conselhos e normas para o
indivíduo, fazendo com que o acesso à saúde seja um esforço individual e,
consequentemente, uma responsabilidade individual‖ (VALLA, 2011, p. 61). Este
posicionamento contribui para o processo de culpabilização da vítima. No caminho
inverso, quando se aponta para análises do processo saúde-doença a partir de um
olhar para as condições de vida e trabalho das classes populares, torna-se visível
que as precárias condições de acesso a políticas públicas sociais impactam de
forma decisiva a saúde desta população (VALLA, 2011).
Interessante perceber que alguns caminhos de argumentação apesar de
conterem elementos relacionados aos determinantes e condicionantes mais gerais
de saúde, ao final voltam a fortalecer o traço cuplabilizador de responsabilizar a
família por questões maiores e estruturais.
[...] um desses que estava desnutrido [...] quando o médico pediatra veio [...] ele conversou
com a mãe, deu um aperto nela e tal. Ela saiu daqui muito danada da vida. Teve que parar de
catar latinha e papelão para vir aqui, ela tinha muito o que fazer, não tinha tempo para levar o
filho no médico. E não levou e foi cobrado, cobrado, cobrado. E ela disse que ia levar, levar,
levar, levar. Ela enrolou. Eu não me lembro de ter visto ela levar[...] os responsáveis eu acho
que eles também tem... tem que haver uma punição para eles. [...] Mas realmente se a família
precisa trabalhar e o dinheiro é curto, então vai ficar complicado eles pararem de fazer o que
fazem para estar levando. Não justifica, não é? Porque se nós temos filhos, os filhos não têm
culpa se a gente tem situação ou não [...] A gente tem que dar atenção ao nosso filho. Mas
não é bem assim que eles pensam, não é? [...] Então ele vai ficar sozinho em casa porque ele
tem que trabalhar, não é? E vai jogar com a sorte. [...] nem tudo é responsabilidade da escola.
(17 - ED)
A gente sabe que não vai ter como... Dinheiro de passagem, que ela não vai sozinha, ela vai
levar os 3 [filhos], então já onera os gastos, não é? Mas se tivesse um acompanhamento
familiar, um médico em casa seria diferencial. Não é? (7 - ED)
Ao culpar os mães/pais/responsáveis, deixa-se de fazer questionamentos
importantes e fundamentais sobre as reais condições de acesso a estes serviços,
133
desconsidera-se ainda argumentos presentes nas próprias falas destes profissionais
como a necessidade de recurso de passagem para o deslocamento a unidades de
saúde mais distantes ou o fato de terem que parar de trabalhar para levar as
crianças ao atendimento médico. Neste mesmo sentido, Soares e colaboradores
(2003) afirmam:
No entanto, para reverter tanto a culpabilização pelos problemas de saúde quanto a
responsabilização pela satisfação das necessidades dos adolescentes, atribuída aos
indivíduos e suas famílias, é fundamental que seja ampliada a discussão sobre os elementos
macroestruturais que estão em jogo na teia da causalidade do processo saúde-doença
(SOARES et al, 2003, p.1159).
De toda sorte, deixa-se de considerar também que as condições de moradia e
de acesso à alimentação que têm forte impacto nas condições de saúde destas
famílias. O papel de um atendimento médico será importante, mas pouco relevante
se não forem considerados os aspectos relacionados às condições de vida da
população.
d) Educação e saúde: qualquer ação vale a pena?
Em comemoração à Semana Municipal de Saúde na Escola as eSF
propuseram a realização de atividades. A definição de com qual turma e em qual
local se daria a atividade foi realizada no portão, pela diretora da escola. Assim,
neste dia uma das turmas de quinto ano42 assistiu palestras sobre bullying e sobre
os Dez Passos para Alimentação Saudável. Estas duas palestras contaram para
metas/temas do PSE: bullying e alimentação saudável e atividade física. Foram
registradas por fotografias e lista de presença e assinada pelos estudantes e a
professora com auxilio de ACS.
A atividade ocorreu após o recreio na sala de aula. A palestra sobre bullying
constituiu em cerca de quinze minutos de fala do médico. Ao final ele perguntou se
alguém já havia ouvido falar sobre isso antes daquela palestra. Um dos meninos
disse: ―Sim, só que foi mais resumido‖. A turma riu e ele também. Ele perguntou se
alguém queria perguntar alguma coisa e alguns disseram que não outros ficaram
calados.
42
A outra turma de quinto ano estava preparando cartão para o dia das mães e por isso não foi
incluída.
134
Passou-se então a palestra sobre Dez Passos para uma Alimentação
Saudável. Com o álbum seriado do Ministério da Saúde apoiado sobre uma cadeira
a enfermeira fez sua apresentação lendo e comentando cada passo. O material
possuía algumas informações inadequadas ao público da atividade. Por exemplo,
quanto às mensagens, um dos passos fala sobre diminuir a quantidade de consumo
de bebidas alcoólicas e refrigerantes. A enfermeira advertiu que a bebida alcoólica
era para o caso de adultos. De qualquer forma deve-se destacar como inadequada a
presença desta mensagem num material utilizado com crianças e adolescentes.
Outro exemplo foi quanto à prática de atividade física. Quando foi indicado por um
dos passos que correr no bairro seria uma opção, um menino levantou a mão e
perguntou se ele poderia correr no bairro porque a mãe dele havia falado para ele
não correr na rua porque é perigoso. A inadequação neste caso foi desconsiderar
que o bairro não conta com praças ou calçadas adequadas e seguras à prática de
atividade física.
Os estudantes permaneceram quietos durante as duas palestras. Alguns
abaixaram a cabeça e outros trocaram silenciosamente de lugar. Vários pareciam
atentos: ou ao assunto ou ao fato de haverem tantas pessoas diferentes dentro da
sala43. O tema alimentação saudável e atividade física pareceu mobilizar a turma.
Vários estudantes começaram falar ao mesmo tempo após a apresentação do
álbum, mas a atividade foi encerrada. Durante a palestra sobre alimentação
saudável um deles levantou-se e jogou uma maçã inteira na lixeira, mas os
profissionais da eSF não perceberam. Os profissionais saíram satisfeitos da
atividade.
Em termos metodológicos destaca-se que o material e as abordagens
utilizadas não pareceram adequadas à turma. Além disso, avaliando sob as lentes
da educação popular, pode-se observar grande preocupação dos profissionais em
falar, mas pouca habilidade para observar e ouvir, questão central para a construção
do diálogo.
Em outra atividade observada o tema foi sustentabilidade. Chegando à escola
as profissionais pedem à diretora para realizar a atividade em uma turma de quinto
ano e ela concorda. Três profissionais conduziram a atividade e quando a atividade
43
Duas enfermeiras, o médico, duas ACS e eu.
135
estava sendo encerrada chegaram mais duas. Desta vez nenhum ACS participou.
Esta atividade contou para uma meta de promoção da saúde do PSE nesta escola:
sustentabilidade. Foi comprovada através de lista de presença assinada pelos
estudantes e fotografias.
Na sala, escrevem a palavra sustentabilidade no quadro. Levaram uma casa
de brinquedo rosa, com vários cômodos e andares e colocaram sobre a mesa da
professora. Muitos ficaram atentos e surpresos. Outros ficaram desconfiados. As
profissionais se apresentaram e depois perguntaram o que era sustentabilidade e o
que era a Rio+20 – que havia acontecido cerca de duas semanas antes. Eles não
sabiam responder. As profissionais demonstraram surpresa e desapontamento até
que uma menina apresentou uma resposta parcial: ―Vieram pessoas de todo mundo
para falar sobre a natureza.‖ A resposta contentou as profissionais que passaram à
segunda etapa.
Apresentaram a casa como uma ilustração da atividade e dividiram a turma em
quatro grupos: sala, banheiro, cozinha e quarto. Entregam uma folha para cada
grupo e pediram para escreverem como poupar recursos em cada um dos cômodos.
Os alunos não sabiam o que responder e foram ajudados pelos profissionais através
de exemplos como: fechar a torneira enquanto escovam os dentes, economizar
água, desligar a luz e a impressora quando saíssem do quarto, entre outros. Ao final
retornaram a pergunta sobre o que seria a sustentabilidade. Insistiram muito até que
um menino levantou o braço e respondeu que é não desperdiçar água e comprar
móveis melhores ou usados para que não virasse lixo e fosse jogado no rio. Era uma
resposta semelhante ao que seu grupo havia escrito. As profissionais não ficam
satisfeitas com a resposta e continuaram:
Profissional 1: ―Mas o que é sustentabilidade?‖
Profissional 2: ―O que é algo que se sustenta?‖
Uma menina responde: ―Minha mãe me sustenta.‖
Profissional 2: ―Não, não é isso.‖
Profissional 3: ―Mas foi o que você perguntou, né?‖
Um menino levanta a mão e fala: ―Mas então fala você o que é tia!‖
Elas apresentam uma resposta rápida, não muito diferente da que foi dada
pelos estudantes, encerram a atividade e agradecem. Avaliam positivamente a
136
estratégia e comentam que pensam em repeti-la levando as respostas já escritas
porque segundo elas o problema foi que os alunos não sabiam escrever as
respostas. As queixas giraram em torno das palavras escritas de forma errada.
Durante o trabalho em grupo circularam algumas fichas plastificadas com
mensagens e figuras relacionadas ao tema: ―Seu lixo volta para você‖. Foi um
material produzido em um curso de especialização por colegas de uma das
profissionais que achou interessante levar para a sala de aula.
Conversando com a professora que estava com a turma naquele dia foi
possível descobrir que ela na verdade era professora da sala de leitura, que a
professora da turma está de licença há algum tempo e não havia sido substituída.
Como os alunos não poderiam mais ficar sem aula ela estava passando atividades
para eles. Ela considera que o assunto importante para ser tratado com os
estudantes é higiene porque alguns alunos tinham mau cheiro e não tomavam
banho. Disse também que alguns não têm abastecimento de água em casa. Sobre
uma menina que demorou a se inserir no grupo e que permaneceu calada, a
professora falou que ela mesma se isola da turma por causa de seu mau cheiro e
que na casa dela o banheiro é do lado de fora. Sobre o fato de não conseguirem
apresentar um conceito de sustentabilidade, disse que eles não tiveram acesso a
este tema e nem aos debates sobre a Rio+20.
Importante refletir que parece no mínimo constrangedor tratar do tema da
sustentabilidade pautado no combate ao desperdício em um local em que água e
mesmo a energia elétrica não chega de forma adequada a todos os estudantes.
Lançar mão de ilustrações para iniciar um debate pode ser bastante produtivo, mas
cabe destacar que a casa de bonecas em questão em nada se parece com as casas
daquele bairro. Utilizá-la e, ainda por cima, sem problematizá-la também parece
bastante constrangedor.
As dificuldades de leitura e escrita dos alunos não podem ser desconsideradas
e nem naturalizadas, mas precisam ser tomadas como condicionantes e não
determinantes no processo de viver e aprender (Freire, 2005). Mais uma vez
percebe-se aspectos relacionados ao modelo tradicional de educação e saúde que é
culpabilizador,
prescritivo,
VASCONCELOS, 2004).
normativo
e
descontextualizado
(VALLA,
2011;
137
Escutar pode ser compreendido por muitas pessoas como ato simples e
passivo, mas escutar atentamente é tarefa que exige muito de quem se propõe ao
diálogo, num exercício diário de humildade como destaca Paulo Freire a todo o
momento. Neste escutar atento, no exercício da problematização, geralmente as
respostas podem impactar e surpreender e sempre tem a sua lógica e expressam a
―visão de mundo‖ do educando. Foi justamente o que ocorreu no caso da atividade
sobre sustentabilidade. Aliás uma resposta bastante lógica. Leonardo Boff, por
exemplo, vem desenvolvendo militância relevante no tema ecologia e costuma fazer
relação parecida ao tratar das crises que incluem a ambiental: ―E somos filhos e
filhas da Terra. Somos Terra que anda e dança, que freme de emoção e pensa, que
quer e ama, que se extasia e adora a Deus. [...] Terra, grande mãe, superorganismo
vivo, complexo e dinâmico, a Gaia dos antigos e novos cosmólogos‖ (BOFF, 2002,
p.61).
Apesar de terem sido poucas oportunidades de observação houve a
possibilidade
de
identificar
algumas
características
comuns
às
atividades
observadas. Em todas elas a direção da escola estava ciente de que um grupo
chegaria para realizar uma atividade relacionada à saúde ou à nutrição, mas não
sabia informar quais os nomes dos responsáveis e nem tampouco qual o tema exato
a ser tratado. A definição de qual turma seria incluída em cada atividade foi decisão
tomada na porta da escola, momentos antes da atividade ser iniciada.
Ao que parece tanto os profissionais da escola como os da saúde guardam um
pressuposto que toda e qualquer ação ou procedimento relacionado à saúde é
benéfico e satisfatório para aqueles estudantes 44 . Não se dedicou tempo ao
entendimento de quais são as demandas ou necessidades dos estudantes a serem
respondidas por tais ações e nem se avaliou qual a opinião destes sobre as
atividades realizadas.
Ainda que esteja falhando o planejamento com a escola, cabe refletir se não
seria necessário um momento maior de reflexões e de estudo mesmo entre os
44
Isto lembra uma ocasião em que uma enfermeira chegando a um sítio para vacinar um menino que
tinha pavor de injeção. Muito esperto, antes de a enfermeira chegar à casa ele já estava em lugar
bem distante. Para não perder a viagem, mais que prontamente a mãe de outra criança fala: ―Vacina
a minha caçula!‖ Causando pavor à criança e surpresa à enfermeira.
138
próprios profissionais de saúde. Desencadear processos críticos, criativos e efetivos
de educação em saúde exige esforço tanto no sentido de garantir educação
permanente como espaços de avaliação, crítica e autocrítica com os profissionais
envolvidos ou comprometidos com tais atividades.
e) Quais os desafios do PSE nesta escola?
Alguns desafios ao PSE apareceram nas descrições anteriores, muitos dos
quais emergiram de problematizações durante o processo de pesquisa e foram
aprofundados nos encontros e atividades ao longo de todo ano. Mas quais eram os
desafios enxergados pelas equipes no momento de chegada ao campo?
Quatro
desafios
foram
levantados
pelos
profissionais
diante
de
questionamentos sobre a necessidade de aprimoramento das ações do PSE em
nível local: a participação de mães/pais/responsáveis, a dificuldade em garantir a
continuidade e o retorno do atendimento em saúde, a falta de material para
realização das atividades de promoção da saúde e a inexistência de planejamento
conjunto (eSF-escola) de ações.
Tais questões foram identificadas pelos profissionais (eSF, equipe diretiva da
escola e de alimentação escolar) durante as entrevistas individuais e coletivas.
Posteriormente retornaram ao debate, já sistematizadas, durante a apresentação
preliminar dos dados da pesquisa no Grupo de Estudos (GE) da escola com a
presença de professores do Segundo Seguimento.
A questão da participação de mães/pais/responsáveis foi exposta durante o
GE e houve concordância dos professores sobre a relevância deste tema. As
argumentações apresentadas nas entrevistas foram repetidas pelas profissionais
das eSF e equipe diretiva na mesma perspectiva de responsabilização e
culpabilização. Como o GE era momento de partilha dos dados sistematizados não
foi proposto aprofundamento desta questão, mas apenas um debate introdutório.
Quanto à continuidade e o retorno do atendimento em saúde, cabem algumas
considerações preliminares que colaboram para compreender o contexto deste
problema. O Componente I do PSE prevê a realização de avaliação clínica e
psicossocial. Esta etapa foi realizada em 2010/2011 na escola com sucesso,
segundo avaliação dos profissionais de saúde e direção da escola. Contudo, houve
139
dificuldade em acompanhar a continuidade do atendimento dos estudantes que
necessitaram de encaminhamento para unidades de saúde.
Como mencionado anteriormente, a área de abrangência das três eSF não
corresponde exatamente à localização das residências de todos os estudantes da
escola, demandando o encaminhamento para atendimento em outra UBS próxima.
Além disto, identificam-se necessidades de atendimento ou diagnósticos que não
estão disponíveis na Atenção Básica e que devem ser encaminhados a outras
unidades da Rede Municipal de Saúde. Estas são questões comuns e previstas pelo
PSE. O não atendimento destas demandas é frustrante para os profissionais além
de obviamente diminuir o sentido de realização de ações de triagem na escola.
Aí fizemos os encaminhamentos à nutrição e solicitei exames laboratoriais de algumas
crianças só que o problema é que nem todas as crianças que são da escola são cadastradas
no PSF aqui.(5 - eSF)
Isso é um impasse que a gente sofre com isso. Incomoda muito. A gente constata e não
consegue resolver. (4 - eSF)
Os procedimentos de orientação sobre os diagnósticos e de informes sobre
encaminhamento mostraram-se frágeis. A procura pelos serviços de saúde, seja por
crianças
ou
por
adolescentes,
é
naturalmente
acompanhada
pelos
pais/
responsáveis e não foi relatada nenhuma estratégia consistente no sentido de
estabelecer este momento para esclarecimentos e orientações.
Pedia para ele conversar com a mãe, explicar o que tinha sido conversado ali, mas aí perdi
essa criança, não é? Só vou saber agora quando a gente for fazer a avaliação novamente. (5 eSF)
O retorno de um perfil de saúde após a completa execução das metas do
Componente I é importante. Contudo, existe a preocupação da escola em ter
informações mais sistemáticas sobre o atendimento dos estudantes, de forma a
identificar se as demandas levantadas pela ação do PSE foram absorvidas pela
Rede de Saúde e também se mães/pais/responsáveis conduziram os filhos ao
atendimento.
Eu acho assim, essas crianças que tem um sintoma mais relevante, meu modo de pensar, foi
feito o encaminhamento [...] A gente manda todo mês o perfil dos alunos que tem o Bolsa
Família, que tem tantas faltas. Deveria ter também a mesma coisa. Tantas crianças têm esse
encaminhamento em caráter de urgência, então a escola receberia um papel, alguma coisa em
que pudesse registrar se a mãe realmente está apresentando alguma ação na escola. (7 - ED)
Percebe-se grande valorização por parte da escola das ações de assistência à
saúde, mais do que as ações de promoção da saúde. De certa forma, o
140
entendimento que se tem do Programa e as expectativas geradas sobre ele estão
diretamente relacionados à forma como será executado no âmbito local.
Quando os médicos vêm na escola eu acho muito importante. Não só verificar a dentição, mas
a condição do aluno, né? Em termos nutricional. (17 - ED)
[...] o médico estava aqui ele fez o encaminhamento em caráter de urgência para a mãe levar
ele no hospital infantil para ter um encaminhamento com o médico, com o pediatra. Então
fazem coisas até além do que está proposto pelo PSE, que é a Saúde Escolar, da Unidade
Escolar. Eu gosto. Eu fico até contente quando eles vêm e começam a marcar, atendendo as
crianças: ‗Opa, vamos conversar.‘(7 - ED)
Esta valorização das ações do médico e dos procedimentos de diagnóstico
remetem ao debate realizado por sobre o processo de ―construção social da
demanda‖ – ―pressupõe-se que a imagem que se cria do que o procedimento é
capaz, induz o usuário a demandar o procedimento e não o cuidado, ou como se
fosse todo o cuidado, o exame e não a atenção da equipe de saúde, como se aquele
o bastasse‖ (FRANCO; MERHY, 2005).
Somam-se a estes argumentos as reflexões realizadas por Santos e Bógus
(2007) que identificam a ―tendência em profissionais de educação em pensarem em
ações de saúde de forma assistencialista e higienista, reduzida ao corpo biológico‖
sem levar em conta as possibilidades de ―empoderamento de conhecimentos e
habilidades que possam ser adquiridos dentro da ótica das escolas promotoras de
saúde‖ (SANTOS; BÓGUS, 2007 p.131)
As ações do Componente I foram repetidas no final do segundo semestre de
2012, mas sem possibilidade de comparação com a etapa anterior. Fichas e
prontuários preenchidos e enviados à SMS na primeira avaliação não retornaram,
dificultando o acompanhamento da situação de saúde tanto individual quanto
coletivo. Como não ocorreu uma devolução sistematizada dos dados coletados
durante as ações de diagnóstico, não foi possível tomar proveito desta etapa do
ponto de vista de acompanhamento das demandas individuais de cada estudante.
Perdeu-se da mesma forma a riqueza de contar com dados coletivos que pudessem
ilustrar ou apoiar a decisão de temas prioritários na escola.
Quanto a falta de material para a realização das atividades de promoção da
saúde, destaca-se que foi uma preocupação relatada exclusivamente pela equipe de
saúde. No decorrer da pesquisa ficou claro o porquê: tais ações são organizadas e
realizadas exclusivamente pelos profissionais de saúde então são estes os que
141
ocupam-se em selecionar e encontrar os recursos para as atividades. Foram falas
muito enfáticas e recorrentes.
Aí vem aquele problema que a gente falou da outra vez: o material, de insumo para a gente
fazer a atividade. (4 - eSF)
Aí na escola também a gente precisou de cola e tesoura e também não tinha cola e tesoura. E
aí a gente já tinha comprado a cartolina, já tinha feito todos os recortes que era o material que
a gente trouxe pra cá pra fazer. Então tem essa dificuldade: se a gente não fizer e não
procurar não tem como fazer a atividade. Só na base da fala. (4 -eSF)
Nesta questão incluíram tanto material de papelaria quanto material educativo
– cartilhas, álbuns seriados, cartazes, jogos, folder ou outros desta natureza. Há
uma identificação de que este apoio é essencial para ―prender a atenção‖ dos
estudantes. As atividades baseadas ―na fala‖ são identificadas como menos
produtivas.
Não desperta o interesse das crianças. Só a gente falando sem mostrar nada. Não desperta
interesse. (1 - eSF)
Muitas atividades nós fizemos só na base da fala. Por exemplo, a de violência não teve
material nenhum. Foi na base da fala, deu pra fazer e foi interessante para eles, mas nem tudo
você pode fazer sem material, não é?(5 - eSF)
O tema violência foi proposto pela escola no ano de 2011. Duas enfermeiras
da equipe buscaram curso promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública
(ENSP/ Fiocruz) sobre o tema violência e cultura de paz nas escolas. A atividade
realizada na escola após o Curso foi apresentada pelas profissionais de saúde como
uma das mais bem sucedidas. Nos relatos descrevem que o processo de formação
foi teórico, mas também inclui aspectos práticos relacionados à como desenvolver o
tema de forma participativa com os estudantes.
As falas são preocupantes na medida em que o planejamento de outras ações
educativas acaba ocorrendo a partir do material disponível na Unidade. Inverte-se a
ordem: a partir do recurso pedagógico disponível o foco e a metodologia da atividade
são definidos. Desta forma, é necessário observar que nem sempre o material
visualmente mais atraente é o mais adequado.
[...] veio junto com um monte de materiais que veio pro planejamento familiar [a Pirâmide
Alimentar]. Aí veio também os bonequinhos, veio pirâmide, veio... vieram algumas coisas que
dá pra utilizar. (5 - eSF)
Qualquer material, independente de ser sofisticado ou não, será realmente útil
se adequado aos objetivos da atividade educativa. Sob as lentes da educação
popular, se considera que a palavra e o diálogo são os elementos fundamentais para
142
o desenvolvimento de uma atividade educativa. Filmes, fotos, ilustrações, músicas e
qualquer outro material ou estratégia utilizada só fazem sentido se forem úteis à
mediação do diálogo.
Reconhecendo esta como uma questão importante, as próprias profissionais
de saúde identificaram sua articulação com o processo de planejamento e da
parceria com a unidade escolar.
Eu acho que o material, os insumos, fazem parte do planejamento das atividades. Então se a
gente quer planejar um PSE que... resolutivo de verdade, vai ter que ter material. (3 - eSF)
Por fim, a questão do planejamento coletivo aparece como questão mais
abrangente – por isto mesmo central – por poder agrupar as demais
questões/problemas. Este consenso foi construído durante o GE e apareceu como
possibilidade de construir espaço para o diálogo e trocas de conhecimento entre os
profissionais da escola e das eSF.
5.1.3 Planejamento Intersetorial como questão de pesquisa e possibilidade de
ação
Percebe-se assim, que o desafio do planejamento intersetorial e da integração
entre as equipes como forma de contribuir com a qualidade das ações e
sustentabilidade ao PSE apontado pelas entrevistas com profissionais do GTI-M foi
confirmada a nível local tanto por profissionais de saúde quanto de educação. Esta
coincidência ocorre provavelmente porque a pauta apresentada pelos ministérios
conseguiu chegar ao nível local, mas de forma diferenciada na escola e na unidade
de saúde.
O consenso em torno do tema planejamento conjunto veio ao encontro dos
objetivos da pesquisa. Para assumir a designação ou orientação dada pelo PSE em
seus instrumentos normativos esta demanda foi traduzida como Planejamento
Intersetorial. Foi necessário assumir que o planejamento intersetorial das ações do
PSE era objetivo bem mais trabalhoso e complexo e que por isto este não caberia no
tempo e nas possibilidades da pesquisa proposta. Contudo, por existirem
interseções seria desejável que fossem desenvolvidas experimentações que
permitissem acumular conhecimentos e habilidades para dar continuidade ao
processo em momento posterior.
143
A identificação do planejamento intersetorial como prioridade e a descrição de
uma primeira tentativa de colocá-lo em prática
Nos contatos iniciais com as eSF a questão do planejamento pareceu como
questão forte e recorrente. As profissionais confirmaram o ótimo relacionamento
entre escola e eSF, mas o planejamento intersetorial foi sublinhado como iniciativa
que, apesar de ser considerada estratégica, representava um desafio.
[...]a relação com a escola é boa. Só que eu acho assim, que a gente deveria ter mais espaço
para debater as atividades [...] nós organizamos nossas atividades aqui, levamos na escola,
falamos que temos atividades, eles abrem um espaço que é negociado e é feito. Não existe
[...]chegar na dirigente que é responsável pelo PSE, sentar e elaborar as atividades. (3 - eSF)
Fica parecendo mais um encaixe assim. A gente foi encaixado ali naquela atividade. (1 - eSF)
Não é a saúde que não quer interagir lá nem a escola que não quer interagir. [...] a gente não
vivenciou isso, a gente não sabe como é e cada um fica na sua. (3 - eSF)
Assim, a ideia de realizar um planejamento intersetorial apareceu como muito
motivadora a partir de uma convicção de que este representaria passo importante
para o aprimoramento das ações do PSE.
É uma coisa nova, bem nova mesmo pra gente. Apesar da gente fazer muita atividade lá
dentro, [...] essa coisa de a gente meter o bedelho, entre aspas, no projeto pedagógico é uma
coisa séria, uma coisa importante. Então isso tem que ser sentado para conversar. (3 - eSF)
É, o principal é isso: fazer esse planejamento conjunto. (5 - eSF)
Esta questão não apareceu de forma espontânea na entrevista coletiva com a
equipe diretiva da escola e da equipe da alimentação escolar. Tendo sido esta
questão muito forte na entrevista coletiva das eSF, ela foi apresentada para reflexão
ao final da entrevista na escola. O retorno foram falas reticentes, como se aquela
fosse a primeira vez que refletissem sobre tal possibilidade. As profissionais
ressaltaram que o ano letivo é corrido e repleto de compromissos estabelecidos pela
SME. Contudo, a partir das próprias falas e reflexões do grupo durante a entrevista a
questão do planejamento foi incorporada ainda com ressalvas.
[...] é uma coisa muito corrida, então fazer o planejamento junto é ótimo, só que tem que se
pensar... Que, por exemplo, quem não está na dinâmica da escola às vezes acha assim: ―Ah,
tem muito tempo.‖ (8 - AE)
Como mencionado anteriormente, a demanda por planejamento intersetorial
das ações foi exigência do GTI-F que indicou a Semana Nacional de Saúde Escolar
(março de 2012) como o período indicado para tal ação, mas no município de Duque
144
de Caxias não foi possível a realização neste período45. Foi realizada reunião com
representantes das equipes locais de PSE (representantes da escola e das eSF), o
GTI-M apresentou as metas pactuadas para o ano de 2012 e entregou planilhas –
baseadas no material proposto pelos ministérios para a referida Semana – para
serem preenchidas conjuntamente. A escola havia acabado de trocar de responsável
pelo PSE, mas esta não participou porque havia uma reunião com professores na
escola. A diretora e outra funcionaria representaram a escola. A responsável pelo
PSE recebeu a planilha, mas disse que em decorrência das muitas tarefas da escola
não foi informada ou orientada sobre o conteúdo da reunião com o GTI-M.
Como havia prazo para retorno destes dados para o GTI-M foi agendada, a
pedido das eSF, uma reunião para o planejamento das atividades de PSE em 2012
que foi realizada na escola. Estiveram presentes quatro profissionais da eSF e duas
profissionais da escola, uma delas a responsável pelo PSE. A diretora confirmou
presença, mas acabou não participando.
A sala dos professores estava vazia e sentaram-se em volta da mesa de um
lado as duas funcionarias da escola e do outro duas profissionais da eSF – as outras
duas ficaram mais distantes, na outra ponta da mesa. A planilha tornou-se central
nesta reunião cuja pauta foi a própria planilha que foi preenchida quase na totalidade
pelas duas profissionais da eSF e copiada pelas representantes da escola. Os temas
e as metas já haviam sido definidos pela pactuação do Município com a União. Foi
uma reunião curta. As angústias e o entusiasmo apresentados na entrevista coletiva
com as profissionais das eSF acerca do planejamento intersetorial não foram sequer
mencionados.
Trocaram algumas informações muito breves sobre calendários da escola e as
metas. Houve uma proposta de uma das profissionais das eSF de realização de
reuniões mensais que foi aceita pelo grupo, mas não foi marcada data. A sugestão
foi aceita, mas não foi proposto um calendário ou ao menos data para a próxima
reunião. Estas reuniões não ocorreram no período.
A definição de metas é tarefa importante para a realização de planejamento e
avaliação. Contudo, recebendo metas e temas já burocraticamente pactuados,
45
Importante destacar que a entrevista coletiva na escola foi realizada após esta Semana.
145
sobrou pouco espaço para o diálogo em torno das ações e para valorização de
processos. O preenchimento de lacunas da planilha, que posteriormente seriam
usados pelo GTI-M para alimentar o SIMEC, foi considerado como resultado
satisfatório.
Cabe destacar ainda que o nível de conhecimento e experiência com o PSE
era extremamente desigual. Enquanto as profissionais da escola estavam tendo o
primeiro contato com o PSE, as da saúde conheciam a planilha, haviam participado
da reunião com o GTI-M e haviam realizado atividades de Programa nos anos
anteriores. A antiga responsável pelo PSE é funcionaria concursada e lotada na
unidade escolar, contudo não houve processo de transição ou de partilha de
experiência entre elas.
Alguns meses depois a diretora da escola em reunião na SME foi chamada
atenção porque sua escola não havia enviado esta planilha e o consolidado de
ações realizadas no período. Muito incomodada com a situação, trocou a
responsável pelo PSE solicitando que a antiga responsável retomasse suas funções.
Esta troca não foi feita de forma muito clara. Permaneceu um grande
constrangimento a partir de então e dificuldade ainda maior de identificar quem de
fato seriam as responsáveis pelo Programa na escola.
Este relato ilustra bastante sobre as dificuldades cotidianas para a efetivação
do PSE. Por muitas vezes são debatidos arranjos e discursos muito elaborados
acerca da intersetorialidade e, na experiência do dia-a-dia na relação escola-saúde,
os desafios são bem mais modestos. Houve dificuldade em efetivar fluxo mínimo de
informações acerca do Programa que deveria ocorrer ao menos entre os
profissionais que são as referências a nível local; encontrar espaço-tempo para
reuniões; e construir calendário e pautas capazes de resultar em encaminhamentos
claros.
Definir e criar o sentido de pertença destes profissionais em seu GTI-L deveria
ser a primeira iniciativa a ser tomada como ponto de partida para o PSE em qualquer
território. A chegada do Programa no território deveria ser precedida por processo de
divulgação, sensibilização e formação acerca do PSE envolvendo equipes de saúde
e da escola como um todo. O fato de não existir uma divisão de tarefas no grupo de
146
trabalho local dificulta não apenas a realização de atividades, mas também a
marcação de reuniões e a definição de pautas.
Importante registrar que houve grande aprovação dos envolvidos na
identificação dos GE como espaço-tempo privilegiado para dialogar sobre propostas,
ações e programas a serem implementados na escola – como o próprio PSE, a
alimentação escolar e as parcerias com universidades. Pode-se considerar este
como um espaço fértil e promissor para o amadurecimento de questões importantes
sobre temáticas prioritárias e estratégias de educação e saúde na escola.
O que as eleições municipais têm a ver com a saúde escolar?
A resposta à pergunta pode ser tudo ou nada. Depende do ponto de vista de
onde se observa o fenômeno. Para quem está no território, com o desafio de
caminhar da teoria prevista nos manuais e legislação para a prática concreta, as
eleições não apenas influenciam, mas podem constituir a própria conjuntura de
realização das ações. Assim, o segundo semestre de 2012 revelou grandes desafios
tanto para a escola quanto para as eSF. A proximidade do processo eleitoral
coincidiu com grandes dificuldades administrativas e sobretudo de estrutura de
trabalho das equipes.
A Unidade Básica de Saúde que abrigavas as três eSF, cujas limitações de
infraestrutura já haviam sido relatadas no início do ano, foi interditada. Semanas
antes da eleição a Unidade foi pintada e recebeu reparos na área externa. Estes
reparos não entusiasmaram muito as profissionais que identificaram que em nada
estavam sendo resolvidos os problemas reais de estrutura. Pouco depois foi
comunicado que a Unidade havia sido interditada pela defesa civil e vigilância
sanitária do município e as profissionais precisaram acompanhar a mudança para
garantir correto transporte de equipamentos. As equipes foram instaladas em UBS
próxima à antiga sede das eSF e à escola. O espaço para a realização de consultas
e outros procedimentos ficou mais restrito.
Após o primeiro turno das eleições municipais, os jornais noticiavam o caos
que se instalou no município devido ao não recolhimento de lixo. Em torno do valão
era comum desde o início do ano o acumulo de lixo, mas neste período todas as
calçadas do bairro ficaram tomadas pelo lixo. Além disso, houve atraso de salários e
147
do pagamento do décimo terceiro de concursados e a suspensão de salários das
equipes terceirizadas. O serviço de limpeza da escola ficou muito prejudicado
porque os funcionários da firma terceirizada não tinham se quer o dinheiro de
transporte para ir ao trabalho. As coordenações de programas na escola e as
próprias OP e OE também ficaram com salários atrasados.
Contudo, dentre todos os entraves o maior foi o desabastecimento de água da
escola que foi noticiado na televisão por denuncia anônima de moradores do bairro.
A água que chegava três vezes por semana, por meio de carro pipa, enviado pela
prefeitura passou a não ser entregue. Neste período intercalaram-se os dias em que
ou as aulas eram suspensas ou os estudantes eram liberados na hora do recreio.
Os estudantes, desmotivados pela situação da escola e confusos com o
calendário, passaram a faltar ainda mais. Professores e equipe diretiva ocuparam-se
em encontrar estratégias para não prejudicar muito o calendário escolar no intuito de
concluir o ano letivo. Houve preocupação em manter o fornecimento de alimentação
escolar adaptando o cardápio de acordo com o abastecimento de água de cada dia.
A situação era uma das mais graves já vivenciadas no local, contudo muitos
profissionais relataram – por suas experiências anteriores – que sempre há muita
dificuldade e tumulto nos anos de final de mandato, sobretudo quando o prefeito ou
seu partido perde como foi o caso desta eleição.
Num contexto de dificuldades em prover condições mínimas para atendimento
das demandas escolares e de assistência à saúde, foi tornando-se mais difícil
encontrar espaço para debater, avaliar e planejar ações de saúde escolar. Contudo,
por ser esta uma situação infelizmente comum em anos de eleição municipal, ainda
assim foi possível contar com a participação de funcionários da escola e professores
para a realização de atividades relacionadas a Semana Mundial da Alimentação.
A avaliação e conclusão da pesquisa foi possível através de entrevistas
individuais com quatro professores, uma profissional da eSF e três da equipe diretiva
da escola. Foi realizado um seminário final de avaliação que contou com a
participação de uma professora, da supervisora de alimentação escolar, a OE e OP
da escola e três profissionais das eSF.
Sobre dificuldade e estratégias para o planejamento intersetorial no território
148
A partir das reflexões realizadas durante o ano, três principais dificuldades
relacionadas ao planejamento intersetorial no território foram identificadas pelos
profissionais, sendo elas: mais uma vez o tempo escasso dos profissionais; a falta
de ―integração total das equipes‖ nas ações do PSE; e a influência do processo
eleitoral no funcionamento dos serviços de educação e saúde. Por parte das eSF
acrescenta-se dificuldade em cumprir as metas estabelecidas para o PSE.
Ao focar em um problema identificado como consenso – planejamento
intesetorial no território – foi possível examinar as questões relacionadas à
organização mais local do Programa. Na etapa anterior os problemas identificados
foram
exclusivamente
exteriores
ao
GTI-L:
o
pouco
envolvimento
de
mães/pais/responsáveis; o não fornecimento de material por parte do GTI-M; e o
atendimento em outras Unidades da Rede Municipal de Saúde. Estas questões
continuram a fazer parte dos relatos, contudo houve um tempo-espaço para pensar
a escola, o território e o GTI-L.
O debate acerca das dificuldades permitiu identificar algumas estratégias e
encaminhamento para superá-las, sendo as principais: a inclusão das ações de
saúde escolar e do PSE no PPP da escola, com o conseqüente incentivo a
participação da escola como um todo nas ações; o convite às eSF para participar do
planejamento escolar realizado no início do ano; e a construção coletiva de uma
memória da parceria entre Saúde da Família e escola para ser incluída no texto do
PPP. Com a mudança de foco para o local foram identificadas estratégias referentes
à esfera de governabilidade das equipes.
A fragmentação da equipe e o não envolvimento da escola como um todo nas
ações de saúde foram reconhecidos como problema, o que foi nomeado pelas
participantes como necessidade de ―integração total da equipe‖ em torno de tais
iniciativas. Isto quer dizer, envolver tanto equipe diretiva como equipe administrativa
e demais funcionários, assim como a integração entre profissionais de Primeiro e
Segundo Seguimentos.
Esta identificação foi possível a partir da observação da organização das
ações cotidianas como, por exemplo, uma das profissionais da equipe diretiva
observou que as eSF trabalharam preferencialmente com os alunos de Primeiro
Seguimento. Contudo, esta opção não foi assumida de forma explicita ou planejada.
149
A Orientadora Educacional do Segundo Seguimento é a responsável pelo PSE
nessa escola. As Orientadoras Educacionais e Pedagógicas do Primeiro e Segundo
Seguimento trabalham na mesma sala, mas não existia esta percepção de conjunto
nas ações do PSE. Identificou-se que a inclusão de tais iniciativas no PPP pode
contribuir para o envolvimento efetivo da escola como um todo no PSE.
Vocês estão fazendo com o primeiro segmento, mas é um ... um trabalho que envolve a escola
como um todo. Porque lá no primeiro segmento você pesa, mas aqui no segundo, o professor
na medido do possível pode estar falando dessas medidas de programa de saúde, então é
uma coisa que tem que fechar, não tem como, ai vai ter que ser colocado no PPP. (18 - ED)
No seminário final de avaliação a questão do planejamento intersetorial
ganhou a adesão mais convicta de membros da equipe diretiva. Na fala da equipe
diretiva, o PSE passou de desconhecido ao status ―prêmio‖ ou ―beneficio‖. Pode-se
considerar que ainda é uma visão equivoca do Programa, mas foi desta forma criada
abertura para os encaminhamentos junto à escola. Na fala de uma professora e de
uma integrante da equipe diretiva firma-se a proposta de inclusão da saúde escolar
no planejamento da escola.
[...] no inicio do ano elaborar um planejamento em conjunto realmente, porque eu acho que
não adianta cada um estar fazendo a sua parte a sua parte separada, não é? Porque quando
tem essa ação em conjunto é muito mais produtivo, muito mais significativo para o aluno. (13 Prof)
[...] incluindo isso no documento que está redirecionando o projeto político, isso vai contar,
porque pelo o que eu entendi, essas pessoas vão continuar, porque é um Programa que a
escola ganhou, não é? Um benefício, e isso tende a continuar. O que está faltando, são as
pessoas que estão a frente disso sentar, com todo o corpo do planejamento que é feito no
início do ano e ai firmar as oficinas, as coisas que podem acontecer durante o ano. (18 - ED)
Para as profissionais das eSF, mais pressionadas pelo cumprimento de metas,
a experiência de 2012 ampliou o sentimento de escassez de tempo para o PSE e a
dificuldade em atingir metas apresentadas para os Componentes I e II.
Meio surreal para que tem clínica, ginecologia, atendimento na cadeira, como hoje e etc. Mas
a gente tinha que trabalhar os seis temas, nesses seis temas surgiram temas novos, que não
tinha, tipo sustentabilidade[...] estimulo a atividade física na escola [...]por incrível que pareça,
tiraram a saúde bucal das atividades de prevenção [...]independente de estar no componente
ou não a gente manteve [...] (3 - eSF)
[...] praticamente paramos com atividade educativa porque começaram as avaliações clínica
odontológicas [...] e com aquele número muito grande de crianças para avaliar[...] era para ter
sido uma coisa parcelada ao longo do ano para ser uma coisa tranquila, ser dividida entre
equipe para ter sido feito com calma até final de novembro, e não foi assim. Então nós só
recebemos o material em setembro para poder dar conta de 700 crianças e é obvio que não
conseguimos atingir essa meta, nós conseguimos alcanças 315 crianças que já foi muita coisa
[...] nesses três meses a gente ficou realmente focados nisso, nós dividimos mesmo para os
profissionais enfermeiros e médicos (5 - eSF)
150
Com algumas limitações de tempo, foi possível a participação da supervisora
de merenda em atividades relacionadas á pesquisa. Ela destacou igualmente os
ganhos em inserir também alimentação escolar – e sobretudo as ações educativas
relacionadas – no PPP e nos debates de GE. Identificou ainda a possibilidade de
ampliar a parceria e interlocução desde o nível central, a partir da SME.
[...] se tiver a possibilidade de ser inserido nas atividades dentro do PPP ... daquele ano né,
por que? Porque a princípio, quando começou, começou muito erradamente, começou como
uma ação, assim, jogada, não é? [...] se nos grupos de estudo fosse lançada a ideia e não
assim: é Semana Mundial da Alimentação tem que fazer uma atividade ... Isso ai é um furo,
não é? (8 - AE)
Além de todas as precariedades relacionadas ao período eleitoral já relatadas,
a previsão de mudanças de gestão na SME após a posse do novo prefeito apareceu
como preocupação e motivo de insegurança acerca da continuidade dos membros
da equipe diretiva e de projetos. Há o reconhecimento que em parte a continuidade
está relacionada à postura da nova administração, mas a permanência no território
de servidores concursados46 pode também contribuir.
Não acaba não [...] a gente continua. Todo mundo aqui é concursado: eu, ela, ela. Então,
assim, não tem jeito. A gente vai ficar. (3 - eSF)
E eu estou com fé de que todas ações vão ser adoradas, não é gente?! O nosso prefeito é um
médico. (8 - AE)
O principal risco ou prejuízo da mudança da equipe diretiva é que os elos e
entendimentos comuns sobre o Programa construídos ao longo do ano sejam
perdidos. Sendo assim, o que se colocou em debate foram as formas de registrar
aprendizados e encaminhamentos do ano de 2012. Mais uma vez a estratégia de
enfrentamento a este desafio foi a inclusão do tema saúde e do PSE no PPP.
Ai a gente faz um vínculo, elas já entendem o que que eu penso, já vim aqui, já falei, já expus
o meu raciocínio, ela sabe quem é o profissional, ai vai e muda. Ai eu vou ter que falar tudo de
novo (3 - eSF)
Tudo o que está acontecendo na escola a gente tem que colocar no PPP, [...] Não só a falta de
água, a falta de cobertura, de renovar a estrutura, os consertos, os reparos, tem escrito no
documento, então como é que pode ficar um Programa de Saúde da Família fora? Não pode!
Agora, quem aqui ficar, cabe ler o documento e ai começar. Na semana de planejamentos,
chamar as pessoas. (18 - ED)
Os documentos orientadores e normativos do PSE indicam esta inclusão da
saúde escolar no PPP da escola, mas este não é um instrumento que faça parte das
46
Professores e profissionais do PSE são concursados e lotados nas Unidades de Saúde e Educação
do bairro. Contudo, o vínculo entre estas duas equipes ainda não foi efetivado.
151
discussões dos profissionais de saúde que aproveitaram para compreender mais
sobre o assunto como forma de melhorar a interlocução entre as equipes.
Ele nasce através da discussão, primeiro com os professores, um diagnóstico, analisa a
realidade, o contexto social aonde está inserida a escola, canaliza a questão dos segmentos
que a escola tem [...] deve ser feito, com o profissional da portaria até a direção, né?! [...]
Então seria importante que: aqui a gente tem uma área que tem valão, que tem a questão da
falta de saneamento básico, então a gente tem a parceria com o PSE [...]Qual é o papel do
professor de português nisso? Durante o ano, que ações ele pode, junto com o de matemática,
junto com o de educação física (8 - AE)
[...] é que nem uma certidão de nascimento. O que reza ali naquilo é todo um trabalho da
escola [...] o PPP ele tem que ser revisado se ele vai sair agora a gente vai colocar um prazo
de dois anos [...] O que pode acontecer é adequar as situações, igual a gente faz o
planejamento (18 - ED)
Mesmo com as possibilidades de amarrar encaminhamentos relacionados ao
Programa e atuação na escola através do PPP, ainda assim a transição política
ocupou grande parte do debate. Foi registrado ainda por uma das profissionais que
esta questão não é exclusividade do município.
[...] quando eu fiz pós em PSF [...] todo mundo fala a mesma coisa: o entrave político. A
política influenciando o nosso PSF, o nosso PSE, nossa escola [...] você faz ações
mirabolantes, coisas maravilhosas, ações de dengue e não sei o que a ia muda o governo,
muda tudo [...] tu fica perdida.... isso é entrave (3- eSF)
Trabalhos pautados em concepções críticas (por exemplo: VALLA, 2011;
SANTOS et al, 2007; FREIRE, 2009) defendem que ampliar a participação e o
processo de apropriação pela sociedade sobre equipamentos públicos de educação
e saúde representa uma importante estratégia diante das investidas políticopartidárias-ideologicas. Para tanto estes espaços precisam estar mais abertos e os
profissionais, convictos de que esta representa uma estratégia viável e relevante,
devem preparar-se para o diálogo. Neste horizonte, oportunizar atividades de
formação
para
os
profissionais
é
fundamental
(SANTOS
et
al,
2007;
VASCONCELOS, 2004)
As reuniões e atividades de formação do PSE têm atingido um grupo restrito
de profissionais e têm tratado de aprofundamento de temas específicos (sexualidade
e gravidez na adolescência, álcool e drogas, entre outros). É importante que seja
prevista a formação continuada que aborde metodologias adequadas ao
planejamento intesertorial no território assim como sobre metodologias participativas
de educação e saúde – que sejam, portanto, críticas, acolhedoras e culturalmente
referenciadas. Como alerta Vasconcelos:
152
Há simpatia e abertura informal dos gestores da Secretaria Municipal de Saúde e de muitos
profissionais de nível local para iniciativas de educação em saúde. Um tempo de trabalho
significativo é despendido com atividades educativas. Elas ficam, no entanto, dependentes da
variação de interesses particulares e da formação prévia trazida por cada profissional, num
contexto em que o sistema de ensino em saúde não lhes dedica atenção. Não são assumidas
como objetivo institucional importante a ponto de se organizarem supervisões, treinamentos e
reuniões de trocas de experiências. Não existem recursos para fortalecimento dessas
iniciativas ou para a efetivação de atividades sugeridas no processo de discussão com a
população (VASCONCELOS, 2001 p.75).
O GTI-L deve ser visto como espaço produtor de conhecimento, com potencial
para gerar e gerir ações inovadoras e éticas de educação e saúde. Contudo, há que
se admitir que diferentes concepções sobre educação e saúde podem coexistir e
que por isto torna-se importante existir oportunidade para explicitar e sintetizar estas
concepções na busca de consensos. É necessário investir em momentos para
integração entre profissionais das eSF, professores e equipes da escola. Há uma
inegável dimensão pedagógica relacionada ao Programa, contudo não há espaçotempo reservado a este trabalho de construção que não é só execução, mas
também é pesquisa e análise da conjuntura, do território e do próprio processo de
trabalho.
Os profissionais envolvidos nas ações educativas reconhecem a importância
de estar com os grupos populares e tendem a valorizar o discurso popular – neste
caso dos estudantes. A fala de uma profissional da eSF na avaliação das ações de
2012 demonstra isto:
[...] a gente tem muito retorno das crianças e adolescentes [...]eles têm muitas coisas para
falar, muitas experiências assim do cotidiano da escola e de casa assim da comunidade para
passar (5- eSF).
Contudo, ―mais forte ainda é a influência de uma visão de promoção da saúde
centrada nas mudanças individuais de comportamento e estilo de vida, implícita no
discurso científico contemporâneo‖ (VASCONCELOS, 2001, p.75). A reflexão
proposta intenciona desde o início problematizar as contribuições que o referencial
da Educação Popular pode trazer ao debate e à prática das atividades educativas
em saúde e nutrição no contexto escolar. Sem a pretensão de esgotar tal debate,
apenas no intuito de alimentar esta problematização, cabe aqui sugerir que a
dimensão do cuidado é pauta essencial.
O cuidado é valor fundamental a ser incorporado ao cotidiano, o que por sua
vez reivindica assumir que ―uma prática do cuidado não se pode ser reduzida a uma
série de passos ou procedimentos para serem usados pelos trabalhadores e, sim,
153
um caminho de encontros e problematizações que se efetivam nos processos de
trabalho‖ (BARROS, 2007, p.120). Ainda nesta direção, Barros adverte que:
Uma ação reflexiva, na direção que afirmamos, é um processo que envolve mais que
processos lógicos e racionais/intelectivos de solução de problemas. Reflexão que envolve
intuição e paixão, e não é algo que possa ser empacotado num embrulho de técnicas para
serem usadas. Reflexão que não pode ser reduzida a qualquer operação mental e que se
reconfigura no curso da atividade de trabalho. Portanto, fica evidenciada a importância da
atuação coletiva, propiciadora de trocas sobre as práticas, que qualifica o trabalho como em
processo continuo de constituição de sujeitos e mundos (BARROS, 2007, p.120).
Ainda que se reconheça a complexidade de tal proposta importa registrar que
esta pode ser uma das chaves necessárias para se adentrar ao ―local de encontro‖ e
possibilitar um posicionamento mais coerente diante dos atuais desafios da saúde,
nutrição e alimentação.
A limitação do planejamento ao preenchimento e organização do calendário de
execução de atividade não deixa espaço para ampliar estes debates relevantes e de
grande potencial criador que são relevantes não apenas para um planejamento
intersetorial no território, mas também para uma etapa anterior: a criação de uma
identidade e sentido de pertencimento dos membros do GTI-L.
Para Gomes e Horta (2010) é necessário que os serviços de saúde, ao
desenvolverem estratégias de promoção da saúde na escola, estejam atentos às
possibilidades de articulação com as outras redes sociais com as quais convivem
muitas vezes sem se darem conta. As experiências nesta unidade escolar indicam
que esta articulação entre redes (ou em rede) é essencial ao PSE, concordando com
o trabalho de Gomes e Horta (2010) que estruturar redes representa possibilidade
de ―fortalecimento e reorientação das práticas, dos saberes e as lutas, dinamizando
e potencializando ações de saúde (p.497). Assim, concordando com as conclusões
de Soares e colaboradores, cabe afirmar que:
A finalidade das práticas tanto educacionais quanto de saúde, então, não deveria estar
identificada somente com a satisfação das necessidades materiais do indivíduo, mas também
com as necessidades não materiais, as identificadas com a construção de um sujeito ativo,
que possa desenvolver suas potencialidades, que seja capaz de participar socialmente e
construir um projeto de transformação social, no caminho da emancipação humana. (SOARES
et al, 2004, p.1159).
A organização do PSE no território tem a ganhar com um diálogo sobre a
concepção de rede que vem sendo trabalhado no campo de organizações da
sociedade civil. Pesquisadores-militantes como Francisco Whitaker e Euclides André
Mance tem muitas contribuições neste debate.
154
Uma rede é uma quantidade de pontos interligados cujo o conjunto resultante
é como uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para
todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou
central, nem representante dos demais. Embora todos os pontos da rede sejam
pontes entre redes, há alguns nós que realizam essa função de maneira intensiva.
São pontos ―hiperconectores‖ que funcionam, dentro da dinâmica de caminhos da
rede, como atalhos entre um ponto e outro.
Assim, como um caminho possível para melhorar a comunicação, a
regularidade de encontros e o registro dos encaminhamentos e das divisões de
tarefas pode-se sugerir a identificação de ―hiperconectores‖ que se revezem nesta
tarefa em suas equipes. Embora esta proposta não tenha surgido do grupo com este
nome, ela de alguma forma foi sugerida na fala de uma das profissionais da eSF que
já se enquadra bem na atividade de hiperconectora:
[...] ai eu falei: eu me ofereço como representante entre aspas dessa coisa do PSE, em vir na
escola, uma vez por mês, numa sexta feira de manhã eu posso vir, entendeu?! É só a gente
agendar e fazer uma agenda ... uma agenda né, em comum. [...] Posso! Eu anoto e venho, da
mesma forma que eu vim aqui naquela sexta feira antes das minhas férias, e hoje [...] (3 - eSF)
Profissionais que atuam na escola e seu território não podem ser vistos como
meros executores de tarefas em Programas complexos como é o caso do PSE (e
também do PNAE) se o que verdadeiramente se almeja é incorporar os aspectos
transformadores previstos em suas legislações, que colocam a participação e a
transformação no centro de seus objetivos. Ou se entende a necessidade de criar
estrutura para o desenvolvimento de tais ações ou elas estão fadadas a
permanecerem no discurso: vazio da prática e estéril ao novo.
Esta estrutura está relacionada a garantia de tempo qualificado e remunerado
para o preparo, desenvolvimento e avaliação, mas também à existência das
condições materiais mínimas. É necessário melhor uso do tempo dedicado ao
Programa o que só se torna possível tendo clareza de objetivos, justificativas e
horizontes necessários às ações de saúde escolar em cada território.
155
5.2
ALIMENTAÇÃO NA ESCOLA: DIÁLOGOS E DISCURSOS
5.2.1 Educação Alimentar e Nutricional em Duque de Caxias: sistematização
das experiências
a) Aprendendo e ensinando: o contexto municipal de participação
O ponto de partida para esta sistematização foi o ano de 2001. É o ano de
lançamento do Projeto Fome Zero, ainda uma construção da sociedade civil no
curso do chamado ―Governo Paralelo‖. Em Duque de Caxias coincidiam o momento
de estruturação da Área Técnica de Alimentação e Nutrição (ATAN/SMS) e o de
criação do Mutirão de Combate à Desnutrição Materno-infantil. Liderado pelo bispo
Dom Mauro Morelli, este movimento pretendia identificar ―o nome, o rosto e o
endereço das crianças desnutridas‖, denunciando a gravidade deste problema e a
necessidade de efetivar a Vigilância Alimentar e Nutricional.
Em audiência pública realizada com este intuito Dom Mauro é questionado
sobre dados comprobatórios da desnutrição infantil e, confirmando a falta destes
dados, convida à coordenação da ATAN/SMS a uma parceria para a construção de
um diagnóstico nutricional coletivo. Após mobilizarem e capacitarem mais de 800
voluntários e avaliarem cerca de 23.000 crianças o diagnóstico veio a público
(DUQUE DE CAXIAS, 2012 b).
E aí ele [Dom Mauro Moreli] chegou lá na mesa da juíza e colocou [...] que aquelas crianças
tinham sido localizadas. (NUT. E)
[...] entre risco nutricional e desnutrição grave a gente tinha 21%. Foi por isso que Dom Mauro
chamou a atenção, não é? Então não adianta você vê crianças desnutridas por falta de
alimento, que era por falta de acesso, porque era geralmente nos bolsões [...]. (NUT. D)
A partir destes dados demonstraram que importante parcela das crianças
desnutridas morava em locais distantes, sem acesso às unidades de saúde. Por
outro lado, existia considerável quantidade de leite do extinto Programa de Incentivo
ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN) para ser distribuído. As nutricionistas
da ATAN/SMS propuseram então um aprofundamento da parceria com o Mutirão
para a distribuição deste leite e, posteriormente, para os cadastros do Programa
Bolsa Alimentação.
[...] a gente viu que tinham muitas crianças que não chegavam a Unidade de Saúde,
desnutridas pelos cantões de Caxias. [...] Mandá-los para as Unidades? Como? Eles não
alcançavam, não tinham acesso mesmo [...]. então tivemos a idéia de colocar numa
comunidade. [...] A gente ia até eles. (NUT.C)
156
[...] pode não ter seguido o que seria burocraticamente correto, mas você atendeu a criança na
época que ela tinha fome. [...] Depois a gente ajustou, mas vidas não se perderam. Porque
morria criança, não é? (NUT.E)
O período de 2002 a 2004 é marcado pela ampliação desta atuação em
comunidades. Além disto, o Mutirão apresenta em 2003 a demanda por uma ação
municipal dando origem a propostas das Creches e Centro de Atendimento à
Infância Caxiense (CCAIC): unidades escolares especializadas no atendimento às
crianças desnutridas captadas por estes voluntários.
A criação dos CCAIC aumentou a proximidade da ATAN/SMS com a
sociedade civil, mas também entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e
Secretaria Municipal de Educação (SME) o que possibilitou a realização de diversas
parcerias, inclusive para EAN nas escolas e creches. Neste período, grande parte
das iniciativas educativas foi realizada com voluntários e famílias acompanhadas
pelo Mutirão – nos CCAIC, nas unidades de saúde e nas comunidades.
A experiência junto ao Mutirão foi vivenciada de forma intensa, com a
construção de um sentido de pertencimento que ultrapassava a atuação
exclusivamente técnica. Sobre o processo de construção do projeto CCAIC, uma
nutricionista explica:
Nós que eu digo o Mutirão. O Mutirão era formado pelo representante da diocese, que era
Dom Mauro; as paróquias [...] e quem era responsável da Saúde era eu enquanto
representante da Secretaria de Saúde no Mutirão. Nós escrevemos o projeto: a comunidade
escreveu a parte social, eu escrevi a parte técnica. (NUT.D)
Da fala anterior extrai-se ainda a possibilidade de experimentação da
―construção compartilhada do conhecimento‖ (CARVALHO et al, 2001) dimensão
característica das experiências desenvolvidas sob os pressupostos da Educação
Popular & Saúde e que se refere ao desenvolvimento de novos saberes a partir da
troca entre os profissionais de saúde e a população num processo de ―superação da
ruptura histórica entre ciência e senso comum [...] em que todos os sujeitos são
docentes de saberes diferentes‖ (CARVALHO et al, 2001, p.103). Trata-se de uma
atitude de respeito e proximidade para que se reconheça que: ―O senso comum
expressa o modo de vida dos grupos dominados, contendo elementos de resistência
e núcleos de bom senso‖ (CARVALHO et al, 2001, p. 103).
157
Neste momento inicial, com o Mutirão em ascensão, experimenta-se uma
participação em massa, marcante, continuada e informada, com cobrança ao Estado
por desdobramentos das ações de proteção à infância e pelo direito à alimentação.
Registra-se posteriormente uma mudança de contexto com a consolidação de
uma participação mais institucionalizada e com marcada separação e antagonismo
de papéis entre sociedade civil e poder público. A partir desta constatação a escola é
apontada como um lugar de possível retorno à atuação mais próxima à população.
Estes aspectos são sintetizados na fala abaixo sobre a atuação no Conselho
Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, criado em 2005:
É complicado o conselho por isso. [...] Se vier proposta da sociedade civil o governo tem que
acatar, mas se vier do governo tem sempre um clima [...] Então eu acho que essa apropriação
da sociedade civil, daquelas pessoas, essa estratégia é que pode dar certo. A gente estar nos
lugares, não é? Não sei. Como é que a gente faz isso? A escola é o melhor público para
intervir: tem a criança, tem a família. É lá que a gente tem que estar. (NUT.D)
Valla (1998) alerta para um ―vínculo contraditório‖ encontrado na equação
distribuição de verbas públicas versus necessidades das classes populares. Diante
do impasse representado por esta equação despontam dois tipos de participação
popular. Por um lado a mobilização de cidadãos dispostos a reivindicar espaços de
negociação com os governos, comumente relacionados com a ideia de solidariedade
e apoio mútuo. Por outro, movimentos sociais que acreditam que somente a partir de
fatos consumados (ocupação de terra, por exemplo) se abrem de fato canais de
negociação (VALLA, 1998). Pode-se identificar que na experiência apresentada há
inicialmente uma combinação destas duas formas de participação. O ―fato
consumado‖ no caso de Duque de Caxias referiu-se à denúncia da desnutrição e a
pressão para a constituição dos CCAIC.
O fortalecimento da ATAN/SMS neste município ocorre em torno da denúncia
da violação de direitos humanos e de uma aliança com a sociedade civil em torno de
um diagnóstico. Para Valla (2011) este tipo de ―aliança‖ ocorre quando ―o
profissional que é ‗empregado/ cidadão‘ se torna mais ‗cidadão‘ do que ‗empregado‘‖
(VALLA, 2011, p. 87)
Houve por parte das profissionais envolvidas não apenas a sensibilidade frente
ao problema, mas um reconhecimento de que, enquanto servidoras públicas e
agentes do Estado, deveriam assumir suas responsabilidades. Esta compreensão de
158
papéis é segundo Burity (2010) uma das questões essenciais na formação e atuação
de servidores comprometidos com a realização de direitos humanos.
b) Experiências de educação alimentar e nutricional nas escolas (2001 a 2011)
O Quadro 1 sintetiza as experiências sistematizadas que englobam as ações
de EAN desenvolvidas em escolas do município no período de 2001 a 2011.
Quadro 5: Experiências de Educação Alimentar e Nutricional desenvolvidas por Nutricionistas no
contexto escolar - Duque de Caxias/RJ (2001-2011)
Setores
Estratégias
Projeto ou ação de EAN
Período
envolvidos
Campanha Educativa da troca de
um Erro Alimentar X problemas
SMS e Câmara
2001
nutricionais por uma ajuda aos
de Vereadores
Desnutridos
Ações de mobilização
Semana de Nutri-ação, Semana
2005 a
SMS, SME e
Mundial da Alimentação
2011
Desans
Capacitação de Merendeiras,
Capacitação e
2005 a
Projeto Pão Nosso e Receita
SME
valorização profissional
2011
Premiada
Parceria com os
professores e para
Projeto Alegria
2006
SMS e SME
inclusão no currículo
escolar
Sem Açúcar e com Afeto e
2007 a
SME
Alimentação Escolar Inclusiva
2011
Ações relacionadas à
Alimentação Escolar do Meu Filho:
2011
SMS e SME
Alimentação Escolar
eu acompanho!
Capacitação para Cantineiros de
2011
SME
Escola
No calor dos debates sobre o Mutirão, surge em 2001 a ―Campanha Educativa
da troca de um Erro Alimentar X problemas nutricionais por uma ajuda aos
Desnutridos‖ que foi realizada com estudantes de escolas públicas e privadas e
tratou de temas relacionados à imagem corporal e consumo alimentar a partir de
uma visão dicotômica da alimentação: errada versus correta. Foram realizados
encontros de formação com os professores para que estes se preparassem para
trabalhar os temas na sala de aula. No momento seguinte houve a participação de
nutricionistas.
Nessa época não era alimentação saudável que usava [...] Fazia uma troca: o aluno estava
cometendo um erro alimentar. Então aquilo detectado, o aluno ia identificar um alimento
saudável, correto, para doar para essa família de uma criança que era detectada como
desnutrida.( NUT.E)
[...] as que se viram gordinhas [...] pediram que a gente fizesse uma avaliação nutricional [...].
Aí a partir disso, como eles se viam, surgiu a campanha [...] Foi feita uma pesquisa de:
‗quantos doces ou quantos refrigerantes você toma por semana ou por dia? Muito, pouco?‘
159
Aquela avaliação. Aí diante disso a gente no final perguntava: ‗Quer ajudar um desnutrido?‘[...]
eles conseguiram 100 quilos de alimentos.( NUT.D)
O termo ―erro alimentar‖ carrega o grande peso da culpabilização dos
indivíduos e da supremacia da prescrição do profissional de saúde que, nestes
casos, sempre aparece como “o responsável” por mostrar “o correto”. Além disto,
culpabilizar a vítima é uma forma de agir em que ocorre a ―individualização da culpa
como explicação de uma prática coletiva‖ (VALLA, 2011, p. 83). Com sensibilidade
foi percebido pelo grupo este deslocamento de abordagem ao longo dos dez anos:
do ―erro alimentar‖ para alimentação saudável.
Apesar desta ressalva, é importante registrar que através da Campanha foi
experimentada por um lado uma forma de reflexão sobre os hábitos alimentares com
participação dos estudantes e, por outro, a incorporação de um olhar mais amplo
sobre a alimentação no município incluindo esta sensibilização dos jovens em
relação à desnutrição infantil.
Outra campanha educativa foi a Semana de Nutri-ação (2005) em
comemoração ao dia do nutricionista. Foram realizadas oficinas culinárias com
alunos das creches, palestras por nutricionistas dos centros de saúde para os pais e
responsáveis e caminhada com as crianças e professores dos CCAIC no entorno
das creches para distribuir panfletos temáticos da estratégia ―5 ao dia‖ 47 para a
comunidade.
No ano seguinte a campanha foi incorporada à Semana Mundial da
Alimentação48, que marca as atividades brasileiras do Dia Mundial da Alimentação
promovido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
(FAO). Esta Semana passou a integrar o calendário da SME e desde então, as
escolas públicas municipais são anualmente convidadas a desenvolver atividades
desta natureza com seus alunos e professores no mês de outubro.
47
É uma iniciativa incentivada pela Organização Mundial de Saúde no âmbito da Estratégia Global de
Alimentação, Atividade Física e Saúde que foi criado em 1991 nos Estados Unidos da América. Seu
objetivo é promover o consumo diário de cinco porções de frutas, verduras e legumes (―5 ao dia-Rio ,
2005a). Em 2005 o tema da Semana de Alimentação Escolar no município do Rio de Janeiro foi:
―Frutas, legumes e verduras – pelo menos 5 porções ao dia‖ (―5 ao dia-Rio, 2005b).
48
Anualmente comemora-se o Dia Mundial da Alimentação em 16 de outubro a partir de tema eleito
pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). No Brasil, esta
iniciativa é realizada através da Semana Mundial da Alimentação.
160
Esta experiência marca a incorporação da abordagem da SAN e do DHAA no
município. Em consonância com as movimentações observadas em nível nacional o
município cria em 2005 o Conselho e o Departamento de Segurança Alimentar e
Nutricional (DESANS).
A partir da inclusão das temáticas da SAN, foi proposta a comemoração do
centenário de Josué de Castro em 2008 e, no mesmo ano, a realização de seminário
sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que destacou a
importância das iniciativas de Armanda Álvaro Alberto, professora do município e
pioneira
nos
debates
sobre
alimentação
escolar.
Ambas
as
atividades
corresponderam a grandes eventos e foram identificadas como momentos de
formação em alimentação e nutrição para os profissionais da SME e de incentivo à
EAN na escola.
[...] a gente mandou lá no começo do ano para as escolas dizendo que naquele ano a Nutrição
Escolar estava dedicando todo o seu trabalho a questão da fome [...] porque era o Centenário
de Josué de Castro. [...] fizeram música, teatro [...] Aí foi de chorar, não é? (NUT.G)
Estas ações de mobilização foram apontadas como importantes para pautar o
tema da alimentação e nutrição no contexto escolar, mas foram compreendidas
como ―pontuais‖ na medida em que foram planejadas para um período curto e sob
um enfoque temático específico. O grupo aponta como desafio inserir estes temas
no cotidiano da escola. A parceria com professores é defendida como fundamental
neste sentido.
Até porque a criança confia mais naquele professor que está ali diariamente com ele na escola
do que quando chega um estranho para falar. Então se a gente conseguir [...] ter ele
[professor] como multiplicador dentro da unidade, e ele inserir a educação nutricional no
conteúdo pedagógico dele no dia a dia [...]. (NUT.A)
[...] o número de crianças com sobrepeso, obesidade está enorme. [...] Desenvolver ações
junto aos professores também, porque a gente não tem como estar na escola para fazer esse
trabalho contínuo com as crianças. (NUT.F)
Sobre esta questão foi destacada a experiência no Projeto Alegria (2006) que
promoveu encontros entre professores e nutricionistas com a proposta de inserção
da nutrição no currículo escolar. O Projeto marcou ainda a implantação da avaliação
nutricional no ensino fundamental – uma ação prevista atualmente pelo Programa
Saúde na Escola (PSE) – e convidou os responsáveis a conhecerem os dados desta
avaliação. O Projeto era desenvolvido em parceria com uma fundação sem fins
lucrativos e foi interrompido por faltar tempo dos nutricionistas para tais ações.
161
As iniciativas de adaptação do cardápio escolar às necessidades alimentares
especiais – Projeto Sem Açúcar com Afeto (2007) e Projeto Alimentação Escolar
Inclusiva (2011) – marcam o envolvimento de forma mais direta da comunidade
escolar nas ações de EAN. Nestes projetos ficam mais explicitas as formas de
participação de Orientadores Educacionais (OEs), diretoras, nutricionistas e
merendeiras das escolas na identificação e atendimento aos alunos. Além disto, as
iniciativas de inclusão dos responsáveis na discussão da alimentação na escola
ficam reforçadas a partir da realização anual de palestras e a orientação nutricional
oferecida pelos nutricionistas das unidades escolares.
Porque a criança quando ela tem um problema de saúde ela vai muitas vezes ao OE,
principalmente diabetes, que pode fazer uma hipoglicemia. (NUT.G)
E o nutricionista responsável pela unidade, fez o atendimento daquele aluno e
acompanhamento. [...] Aí a gente adequou o cardápio do dia-a-dia para a necessidade
daquele aluno. [...] para aquela criança não se sentir excluída. (NUT.A)
Com o Projeto Alimentação Escolar do Meu Filho: eu Acompanho (2011) o
processo de valorizar a participação dos responsáveis foi priorizado. Os pais e mães
que participam dos Conselhos Escolares foram convidados a conhecer e opinar
sobre a alimentação escolar.
Que eles queriam conhecer o cardápio, que eles queriam saber da onde vem a alimentação,
da onde vêm os gêneros. Aí a gente conversou sobre a questão da agricultura familiar, da
necessidade de comprar os gêneros no próprio município. Por que que tem aipim no cardápio?
[...] Ah, e outra coisa que a gente trabalhou muito e que eu achei que foi super-gratificante foi
trabalhar com os pais que alimentação escolar é um direito, não é um favor. Porque muitos
acham que alimentação escolar é um favor do município [...](NUT.A)
Numa outra frente de trabalho o Projeto de Capacitação para Cantineiros de
Escola (2011) realizou encontros com donos de cantinas escolares sobre legislação,
culinária, lanches saudáveis e com a Vigilância Sanitária. O município não possui
legislação que proíba a comercialização de alimentos nas escolas públicas. Este tipo
de capacitação é prevista e estimulada pelo Ministério da Saúde.
As
ações
de
capacitação
e
valorização
profissional
realizadas
sistematicamente desde 2005 com as merendeiras foram consideradas estratégias
de EAN justificadas a partir de uma re-significação do papel destas profissionais. Há
um reconhecimento de que a ação destas profissionais pode contribuir para o
conjunto das ações educativas.
162
Porque depois que você chega na escola, elas [merendeiras] estão fazendo aquilo que você
passou e estão transferindo para os alunos aquilo que elas aprenderam na capacitação.
(NUT.G)
Que ela [merendeira] precisa arrumar o prato, ela precisa conversar com a criança que precisa
daquele alimento porque agora ela já tem conhecimento. (NUT.A)
As experiências explicitam a disposição em reconhecer o papel de diversos
atores na criação das conexões e teias culturais que permeiam os aspectos
pedagógicos da EAN e à valorização de diferentes de saberes: do mais simples ao
mais especializado. Não se deixou, contudo de reconhecer que há uma valorização
desigual dos conhecimentos que impõe outros e novos desafios. Por exemplo,
ressaltou-se que na escola ―[...] a merendeira nunca, ou dificilmente é ouvida.‖
(NUT.G)
c) A escola e a educação alimentar e nutricional: contexto e conjuntura
A escola tem sido reconhecida como local estratégico para a promoção da
alimentação adequada e saudáveis, comprovado pelas experiências de Duque de
Caxias. Em termos de políticas públicas que estabelecem a inclusão da promoção
da alimentação adequada e saudável na escola duas estratégicas são financiadas
pela União: o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de
Saúde na Escola (PSE). As ações sistematizadas ocorreram no âmbito da
alimentação escolar (SME) e da ATAN (SMS). As reflexões mencionam o PSE mais
como possibilidade do que como espaço efetivo de atuação em EAN.
No exercício de sistematizar a descrição da conjuntura municipal e as leituras
de cenário foram constantemente utilizadas para justificar “o quanto” e “quando”
avançar ou recuar em determinada estratégia ligada a esta ou àquela Secretaria.
[...] poderia ser da saúde, poderia ser da assistência ou poderia ser da educação. Só que na
época quem comprou a idéia foi a educação [...] (NUT.D)
Em 2001 a capacidade protagonista das ações de alimentação e nutrição
estava relacionada ao setor saúde e à demanda pela implantação do SISVAN.
Contudo, a partir de 2005 o município experimentou estratégias diferenciadas no
campo da alimentação escolar e o setor educação passa a ocupar papel mais
relevante no desenvolvimento de ações de alimentação e nutrição. Dentre as
estratégias diferenciadas duas foram destacadas e relacionam-se ao PNAE: a
implantação de café da manhã na Rede Municipal em 2005 e a compra de produtos
163
da agricultura urbana municipal em 2006 antes, portanto, da obrigatoriedade de
compra da agricultura familiar prevista na Lei 11947/ 2009. Já em 2011, o cenário
volta a mudar sob a influência do processo de eleições municipais e suas incertezas.
E eu acho que você está fazendo parte tanto desse momento bom, que eu estou trazendo
essa questão do crescente, como infelizmente do momento que está meio... a gente não está
conseguindo ver o resultado do que a gente tem produzido. (NUT.G)
Mesmo levando em conta tais mudanças ao longo destes dez anos, uma
dificuldade foi comum a todas as iniciativas de EAN na escola: o improviso ou a
precariedade no fornecimento de material, estrutura e apoio. Neste sentido, contar
com melhor estrutura gerencial e operacional faz muita diferença e contribui para a
autonomia e continuidade das iniciativas. As ações educativas relacionadas à
execução municipal do PNAE demonstraram maior capacidade de continuidade e de
aprimoramento justamente por contar com melhor infraestrutura. Para tanto, a
existência de marco legal forte e de recursos próprios teve impacto positivo.
Mesmo reconhecendo a importância do marco legal, o grupo considera
estratégico desenvolver atividades que possibilitem aos gestores municipais afins ao
tema compreenderem a relevância da EAN na escola para assim apoiarem o
desenvolvimento de atividades. A cada proposta apresentada as profissionais
recordaram a necessidade de um ―convencimento‖ do gestor através de
argumentação não apenas técnica, mas, muitas vezes, humanitária para garantir
autorização para a realização das atividades. Logo, os compromissos diante destas
estratégias e projetos tornam-se frágeis diante da possibilidade de troca de gestores.
Aí eu através do convencimento do Secretário eu coloquei que era muito melhor a gente ir do
que trazer essa demanda toda para os postos de saúde. Então eu convenci que saúde a gente
fazia fora da Saúde, que era exatamente na Educação. (NUT.D)
Estas experiências, como tantas outras, apontam que o tempo da burocracia
não condiz com o tempo da vida, sobretudo quando se pensa nas atividades de EAN
articuladas ao calendário escolar. Neste contexto, a realização das atividades acaba
por exigir dos profissionais uma dedicação extrema ou “comprometimento” (termo
muito utilizado pelo grupo), com elevado estresse e desgaste físico e emocional.
Então era muita coisa para pouca gente, por isso que a gente ficava direto no município, mas é
porque a gente queria ver as coisas andarem, não é? (NUT.D)
A dificuldade maior por conta de profissional. E depois até tinha esses profissionais que
entraram [por concurso], mas infelizmente a gente não pode obrigar as pessoas a se inserirem
[...] (NUT.D)
164
Ainda que não seja objeto de discussão desta tese, cabe registrar a
importância de se refletir as relações de subjetividade-trabalho no contexto
contemporâneo em que o ―comprometer-se‖ ou ―implicar-se‖ aparecem como
importante forma de mobilizar energia dos trabalhadores, como bem descreve Lopes
(2009) ressaltando que:
Estes procedimentos resultam da mobilização de processos psíquicos pelos sujeitos, que
podem estar ligados a uma forma específica de inteligência – a inteligência astuciosa – que
tem raiz no corpo, na percepção e na intuição sensível e que, embora derive do sofrimento,
propicia, como contra-partida de seu exercício, o prazer. (LOPES, 2009, p. 106)
Há neste debate questões controversas e importantes que merecem ser
aprofundadas. O “comprometimento” aparece muito forte nas falas, revelando no
elevado grau de dedicação esta mistura de satisfação e sofrimento.
d) “O que posso aprender disso? Que ensinamentos me deixa?”
Esta reflexão proposta por Oscar Jara Holliday foi (re)apresentada ao grupo
em todos os momentos da sistematização. Foram possíveis costuras breves e
iniciais com a teoria. Iniciais porque podem e devem ser aprofundadas com o grupo,
em suas práticas e em futuros ―grupos de estudos‖ (GE) que são espaços de reunião
entre nutricionistas do município. Muitas das iniciativas de EAN descritas foram
definidas nestes momentos de GE.
As iniciativas de EAN nas escolas constituíram experiências relevantes nos
últimos dez anos, envolvendo principalmente os setores da educação e saúde. Esta
articulação foi experimentada neste município antes da Portaria 1.010 – marco para
a promoção da alimentação saudável na escola – e da criação do PSE. Em
consonância com o contexto nacional, os temas de DHAA e SAN foram inseridos na
pauta municipal de forma gradativa e consistente através de legislações, debates e
ações (DUQUE DE CAXIAS, 2012 a).
O grupo percebe a intersetorialidade como essencial, mas destaca seu
exercício como um grande desafio. A manutenção de um quadro técnico de
nutricionistas concursados possibilitou a construção de parcerias e de espaços para
a troca de saberes como o GE. Estes fatores foram relacionados à continuidade e
aprimoramento das atividades de EAN. Reconheceram este ambiente de
cooperação como favorável ao exercício da intersetorialidade, uma vez que estas
profissionais estavam alocadas em diferentes secretarias e órgãos do governo – no
165
momento da sistematização algumas atuavam em diferentes setores da SMS, outras
na SME, mas também no Desans e na Secretaria Municipal de Assistência Social.
Contudo, constatam que a experiência da intersetorialidade vivenciada no município
precisa ser aprimorada para colocar-se além da integração entre pessoas e
caminhar para a institucionalização mais efetiva das parcerias.
Tinha uma [representante] da Agricultura, mas as ações eram pensadas sempre Saúde e
Educação que era muito mais fácil a gente lidar porque eram profissionais da mesma área e
colegas também, não é?( NUT.D)
[...] é uma intersetorialidade, mas assim, das pessoas... Tipo assim, a Saúde assim: ‗Vou
comprar a idéia.‘ ‗Não, a idéia já era da Educação‘. Então tem um pouco ainda da coisa de que
é meu, ou é seu. (NUT.B)
Dito de outra forma, constituir parcerias e formas de colaboração são
iniciativas essenciais, mas intersetorialidade é algo mais complexo. Como salienta
Burlandy (2009b) a intersetorialidade refere-se a processo de articulação e
coordenação entre os setores, que ocorre de fato quando, a partir da pactuação de
projeto integrado, ―identificam determinantes-chave do problema em pauta, formulam
intervenções estratégicas que transcendem os programas setoriais e alocam
recursos em função dessas prioridades.‖
Outro ensinamento relevante foi o reconhecimento da importância de diversas
áreas de conhecimento para aprimorar a EAN na escola. A incorporação de
professores de diversas áreas de formação e de outros profissionais da escola
apresenta uma possibilidade de abordagem interdisciplinar e mais rica do tema.
Assim, é fundamental:
Você ter esse intercâmbio, esse entrelaço com o profissional [...] que está em sala de aula, ter
o trabalho conjunto. (NUT.E)
Segundo o referencial da educação popular freireana, especialista tem papel
importante na identificação de temas geradores e é fundamental ao processo de
redução temática (FREIRE, 2005). A construção de conteúdos programáticos para
alimentação e nutrição na escola serão experiências mais ricas quanto mais
participativas. Foi feito destaque a esta possibilidade de contribuição do referencial
de Paulo Freire para a EAN. Refletindo sobre sua atuação na Estratégia Saúde na
Família e PSE uma nutricionista ressalta:
[...] o tema gerador ele criado a partir desse diálogo – não é para eles, é com eles – e a partir
dali você vai problematizando e chega aquela conclusão. Então eu acho que se o profissional
166
entender isso direitinho eu acho que vai dar tudo certo [...] Daqui a pouco a gente vai estar
utilizando exatamente essa metodologia para falar sobre educação nutricional. (NUT.E)
As nutricionistas apontam a necessidade de espaços de complementaridade e
de integração dos conhecimentos na abordagem da alimentação e nutrição na
escola como possibilidade de formação dos profissionais e de favorecer a
continuidade de ações. Neste mesmo caminho, enfatizam a importância da inclusão
da EAN no Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas.
Nos últimos três anos o setor de Nutrição Escolar (SME), responsável pela
alimentação escolar, tem construído seu PPP para EAN. A elaboração é feita a partir
das orientações gerais da SME, junto com os nutricionistas da firma terceirizada e de
supervisores de merenda, que são professores concursados que acompanham a
alimentação escolar nas unidades escolares. Desta forma, vários dos projetos
citados tomam parte de um calendário municipal. Esta foi uma experiência apontada
como possibilidade para estender esta forma de planejamento às unidades
escolares.
Apesar de a interdisciplinaridade ser reconhecida como essencial à EAN na
escola, o nutricionista aparece em lugar específico. A orientação nutricional é
atribuição exclusiva do nutricionista exercida diante dos casos que exigem o
acompanhamento individual. Entre escolares os casos que têm exigido atenção
individual nas escolas têm sido as intolerâncias e alergias alimentares, as carências
nutricionais, o excesso de peso e acompanhamento a doenças crônicas com
implicações nutricionais. A experiência do município mostra que ter o nutricionista na
escola facilita diagnósticos e amplia a oportunidade de acesso ao acompanhamento
especializado. Ponderando ainda que:
[...] uma hora é empoderamento outra hora é apoderamento... É importante porque a gente
falar de educação alimentar e nutricional, hábitos alimentares, o domínio dessa prática tem
que ser do ser humano, do cidadão, não pode ser do profissional. Porque ninguém vai andar
com um profissional debaixo do braço, um nutricionista para orientar. Agora as ações
pensadas têm que ser por um técnico, que pense estratégias e ações, não é? (NUT.D)
O apoderamento da população é estratégia fundamental à efetivação de
mecanismos de exigibilidade, de proteção e de promoção do DHAA. Apoderamento
é ação na qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação
com outros indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade. Por isso,
167
no campo do DHAA a tradução é apoderamento (ABRANDH, 2010). Fugindo deste
debate conceitual e refletindo a partir das experiências, há o destaque de que:
[...] em todas essas ações você dá um pouco de empoderamento para a comunidade. Você
hoje já conversa não só com as lideranças. [...] Você vê outras pessoas, outros atores mesmo
que não era do seu convívio [...] Essa questão da comunidade estar muito mais empoderada.
Ainda não é o que a gente quer. A gente quer muito mais do que isso. (NUT.G)
O DHAA perpassou as experiências apresentadas ainda que este termo só
passe a ser utilizado nas experiências mais recentes. Há explicações conjunturais já
que o termo vem se incorporando ao discurso e legislação brasileira gradativamente.
Contudo ressaltam que nas ações de EAN o que se deve encontrar:
É olhar o ser humano, o que aquilo no final das contas traz para ele de melhor, para tornar o
ser humano melhor. (NUT.E)
A participação da comunidade, das famílias e dos responsáveis foi aspecto
valorizado. Sobre a participação dos responsáveis, destacam que por eles terem
papel relevante nas escolhas alimentares das crianças e adolescentes, precisam
tomar parte das decisões sobre alimentação adequada e saudável na escola
entendendo-a como direito.
Porque muitos acham que alimentação escolar é um favor do município, mas a gente começou
a trabalhar que é um direito do aluno, né? E é um dever do município estar oferecendo uma
alimentação escolar de qualidade. Então acho que isso assim cativou os pais, motivou. E a
partir do momento que eles [os pais] entendem que é um direito, se é direito eles podem
cobrar, eles podem participar. Não é favor, eles podem acompanhar, monitorar (NUT.A).
Por fim, sintetizando aprendizados e ensinamentos a partir das experiências,
conclui-se que a EAN realizada na escola de forma participativa e comprometida
com o direito à alimentação deve:

valorizar o ser humano e os conhecimentos comuns, por isto a escuta e a troca
de saberes são valores fundamentais inclusive para o aprimoramento do
conhecimento científico e técnico;

utilizar técnicas lúdicas, capazes de envolver os indivíduos e encorajá-los a
expressar percepções, conhecimentos e talentos;

dialogar com a cultura alimentar local, promovendo mudanças para o indivíduo,
mas também no contexto familiar;

zelar pela avaliação continuada e pela promoção do apoderamento do DHAA;
168

ter olhar prioritário para classes populares e a população em risco social e
nutricional, o que não exclui trabalhar com a população como um todo uma vez
que este direito é universal e só se realiza se for para o conjunto da sociedade;

oportunizar reflexões que dêem suporte para escolhas saudáveis, sem
imposições e abordando qualidade de vida;

ser processual e continuada, envolvendo conhecimentos práticos que começam
a fazer sentido a partir daquele momento em diante, incorporando-se
gradativamente ao cotidiano.
Em grande parte das experiências apresentadas pelas nutricionistas foi
possível identificar princípios da educação popular em especial a amorosidade, o
exercício do diálogo, a esperança de que a mudança é possível e, acima de tudo, o
compromisso com os oprimidos, com as classes populares. Num país desigual e
injusto como o Brasil, uma educação alimentar e nutricional que seja comprometida
com o direito à alimentação precisa incorporar tais princípios.
5.2.2 Ações de Educação Alimentar e Nutricional: que ações têm sido
desenvolvidas nesta escola e por quê?
A promoção da alimentação saudável e atividade física integra as ações do
Componente II do PSE. Contudo, os relatos do GTI-M são de que nenhuma escola
do município elegeu este tema como prioritário para as ações do PSE em 2012,
embora o combate à obesidade tenha sido o tema da Semana de Saúde na
Escola49.
Não foi prioridade em nenhum dos grupos, em nenhum dos territórios. [...] Frente assim a [...]
sexualidade, álcool e drogas [...] Nessa ânsia de tentar enfrentar problemas dos alunos dentro
daqueles territórios. E aí na priorização, praticamente todos deixaram a parte de alimentação e
nutrição, alimentação saudável para o final. (GTI-M 1 /SMS)
O debate no território, sob a ótica das profissionais das eSF, confirma esta
avaliação de que os temas sobre alimentação e nutrição não são os mais
demandados e valorizados pela escola. Contam que a primeira atividade das eSF no
PSE foi sobre alimentação porque haviam recebido uma pirâmide alimentar para
trabalharem com as crianças. A escola, no entanto, solicitou que trabalhassem o
49
Esta Semana é uma proposta de ―atividade inaugural das ações do PSE‖ que ocorre no início do
ano. O tema é definido pelos ministérios da Educação e Saúde que nos documentos orientadores
estimulam o envolvimento amplo da comunidade escolar. Em 2012, foram enviados pelo GTI-M
planilhas e textos produzidos pelos Ministérios da Educação e Saúde para que neste período fosse
realizado o planejamento das atividades de promoção da saúde e as demais atividades do PSE.
169
tema violência. Uma das enfermeiras estava inscrita em dois cursos de atualização
na Ensp/Fiocruz: um sobre violência e outro sobre alimentação saudável. Ela
lamentou ter abandonado o curso sobre alimentação, mas como não havia recebido
liberação de carga-horária para fazer nenhum dos dois cursos, optou pelo curso
sobre violência que correspondia ao tema que havia sido demandado pela escola.
[...] demos uma parada em alimentação saudável pra fazer violência, que era uma demanda
da escola. Assim, elas não vão levantar como prioridade [o tema alimentação e nutrição]. Mas
assim, pra nós é uma das coisas principais, não é? Com certeza. Eu acho que deveria estar
sempre presente. (5 - eSF)
Na entrevista e convívio com as eSF muitas vezes as experiência, dificuldades
e acertos relacionados a atuação sobre o tema alimentação e nutrição é comentado,
não apenas na atuação na escola, mas sobretudo na atuação em atendimento
individual e nos grupos na Unidade de Saúde. As profissionais surgerem a hipótese
de que o pouco interesse em incluir o tema da alimentação e nutrição nas demandas
do PSE deriva da existência de uma equipe para a alimentação escolar.
Eu acho que a gente tem essa percepção maior porque no nosso dia-a-dia sempre pinta o
assunto de alimentação. [...] na puericultura também, na transição da alimentação, do leite
materno para começar a alimentação artificial [...] a gente está sempre falando sobre
alimentação. [...] E deles eu não sei como é [...] Porque aí de repente fica uma coisa mais
desintegrada porque tem a nutricionista, o refeitório, as merendeiras [...] Porque aí fica uma
coisa subdividida. (2 - eSF)
Esta observação parece pertinente uma vez que foram relatadas pela escola
algumas ações com este tema, mas a descrição não foi relacionada ao PSE.
Exemplo disto foram as atividades de Semana de Saúde na Escola realizadas no
início do ano letivo. Houve pouco tempo para esta organização e o momento não foi
o mais propício, mas a meta foi cumprida nesta escola porque uma atividade foi
realizada pela nutricionista da equipe de alimentação escolar a partir de uma
demanda da SME. A atividade foi descrita pela Nutricionista.
[...] a gente acabou de fazer a pouco tempo a Semana da Saúde na Escola [...] era o ranking
alimentar, e uma palestrinha. A gente colocava o ranking mesmo, de 1 a 10. A gente trouxe
recortados os alimentos, os que representavam os mais calóricos e o menos calórico, e eles
colocavam o que achavam e depois no final a gente mostrava para eles quantas calorias têm e
o que era de fato saudável e o que não (9 - AE).
Com relação à EAN e as ações desenvolvidas na escola, a atividade mais
citada e reconhecida foi a Semana Mundial da Alimentação, presente na fala da
direção, da equipe da alimentação escolar e das professoras. Contudo, foram
apresentadas avaliações bem diversificadas desta iniciativa.
170
E tem a Semana da Alimentação que até brinquei que ficou tão bonito o quadro. [...] as
professoras trabalham com as crianças na sala. [...] a professora traz as coisas para fazer a
salada [de frutas] com eles, para eles verem como é o caminhar. (7 - ED)
Na Semana da Alimentação também tem merenda diversificada, atividades diversificadas. (17
- ED)
É a única coisa que chegou a mim, que eu sei que chegou realmente foi essa Semana de
Nutrição que acontece em outubro, mas geralmente assim, chegam as coisas na mesma
semana, na semana anterior: ‗oh, vocês têm que fazer alguma coisa pra mostrar!‘Geralmente
é assim, né? (11 - Prof)
As professoras têm uma avaliação mais crítica e afirmam que muitas vezes a
realização de atividades desta Semana corresponde a mais uma tarefa para prestar
contas à direção e à SME, questionando o quanto estas não acabam sendo
realizadas apenas para cumprir obrigações ou metas.
Tinha a Semana da Alimentação [...] E sempre me pediam para fazer algum trabalho com eles.
Então no primeiro bimestre eu já trabalhava isso, guardava os trabalhos e na Semana da
Alimentação, que era geralmente no segundo bimestre, botava os trabalhos pra expor. (12 Prof)
A impressão que eu tenho é que sempre tem que mostrar alguma coisa, um trabalho, então
eles inventam e jogam para a escola. Mas não sei se é com aquele objetivo mesmo de
realmente de trabalhar aquilo, desenvolver, melhorar aquele aspecto com os nossos alunos.
(11 - Prof)
Quanto ao tipo de atividade já realizada na Semana Mundial da Alimentação,
foram apresentadas pelas professoras de ciências atividades variadas abordando
temas em alimentação e nutrição.
[...] pesquisar quais eram as necessidades diárias de cada grupo alimentar, uma família, por
exemplo, de 4 pessoas tinha que consumir de carboidrato, o que era saudável. E baseado
naquilo, o que que ela tinha que... quais seriam essas compras? O que teria que comprar por
mês? Tipos de alimentos eles teriam que comprar. E aí eles faziam uma pesquisa também
sobre os preços desses alimentos, quanto custaria uma cesta básica. Quanto custaria
alimentar uma família de quatro pessoas da maneira correta? E aí, um pouco relacionar isso
com a nossa realidade. A questão do salário mínimo. Será que é suficiente? Então essa coisa
mais crítica também. (11 - Prof)
Sempre assim, de composição química dos alimentos, não é? Aquela divisão carboidrato,
lipídio, proteína[...] (12 - Prof)
O fato de ter sido a ação mais reconhecida na escola e a única que encontrou
relação e coincidência com a sistematização de ações de EAN em escolas do
município, chamou a atenção para a Semana Mundial da Alimentação e influenciou
na proposta de utilizá-la como mobilizadora para o diálogo acerca de planejamento
intersetorial de ações de saúde escolar no território.
Outra ação relatada foi o projeto ―Família na Escola‖ que ocorre de dois em
dois meses. Em uma oportunidade foi realizada palestras e oficinas culinárias de
171
utilização integral de alimentos com mães de alunos do Primeiro Seguimento. É
iniciativa proposta e incentivada pela SME e nesta escola é organizada pela diretora
tendo como público prioritário as mães de alunos do Primeiro Seguimento.
Na Família na Escola tem palestras. [...] sobre reaproveitamento alimentar, aí teve um ano que
nós fizemos sobre [...] suco de cenoura com água com gás que faz o tipo a Fanta. [...] E tudo
isso incentiva a criança, que é coisa que eles têm no dia a dia na casa que é banana, é batata.
Até fiz na minha casa mesmo a casca de batata fininha, aí deixa ela ficar, depois frita fica
igualzinho aquela Batata Ruffles e fica gostoso. (7 - ED)
A descrição das oficinas destaca a capacidade de imitação de produtos
industrializados, valorizando as marcas destes produtos. Esta foi a única atividade
de EAN reconhecida pelas merendeiras da escola.
Ela [Nutricionista] deu um folheto explicativo para todo mundo e foi explicando a necessidade
de cada alimento. Ela deu uma palestra no geral do que tava naquele papel. Sobre legumes,
verduras, frutas. Foi isso que ela falou. Algumas coisas assim. [...] eu participei ouvindo só. Eu
não participei falando não. Eu participei porque eu estava fazendo a oficina para os pais. (15 AE)
O tema sobre alimentação e nutrição é tratado pelas professoras de ciências e
educação física em suas aulas articulando ao currículo. A fala das professoras
demonstra uma preocupação de que os temas de saúde e de nutrição sejam
trabalhados com os estudantes de forma crítica e que incorpore temas e estratégias
que realizem aproximação do cotidiano.
[...] eu queria que eles tivessem um trabalho mais próximo. [...] um trabalho de
reaproveitamento de alimentos. [...] Porque muita coisa eles jogam fora, mas que é nutritivo. E
ele vê a coisa sendo feita, pegar, comer... entendeu? Não é cartaz. Cartaz não adianta de
nada. Enfim, só pra mostrar pra comunidade: ―oh, fizemos um cartaz‖, mas de pedagógico
mesmo, acho que não ajuda. (12 - Prof)
Há também por parte dos professores uma identificação dos hábitos e
comportamento que eles consideram ―típicos da adolescência‖, mas que são
apresentados com preocupação e atenção.
[...] como estão na adolescência a questão dos distúrbios alimentação, da imagem corporal
[...] A gente trabalha essa questão mesmo da visão da sociedade à respeito do corpo, não é?
Dos padrões de beleza, que os adolescentes sofrem muito com esses padrões, querem se
enquadrar e aí vem a questão dos distúrbios, não é? Da anorexia, bulimia e a questão da
obesidade, não é? Que aí entra essa questão da qualidade da alimentação. (13 - Prof)
Típico da adolescência: começam a se virar sozinhos, não é? [...] buscar o que eles querem
comer, muitas vezes a mãe não toma conta bem e eles começam a fazer um monte de
porcaria, não é? E a outra questão é a questão da imagem deles. Que na adolescência eles
têm aquele problema com a imagem – se acham horrorosos. (11 - Prof)
A estes hábitos articulam a capacidade e a necessidade de que a escola trate
do tema alimentação saudável. As professoras identificam que muitos alunos tomam
172
decisões sobre a alimentação e que isto muitas vezes tem a ver com o fato de os
pais estarem trabalhando no período em que eles estão em casa. Neste sentido
reforçam que a alimentação escolar pode ter um papel para o estímulo ao consumo
de uma alimentação mais saudável.
A gente estava discutindo aqui na escola que muitos deles chegam em casa, como os pais
trabalham, o almoço é miojo.[...] A gente discutir a coisa da alimentação saudável na escola e
eles não terem a contrapartida, as vezes em casa que é a prática, dificulta muito a implantação
na vida deles. O único recurso que a gente tem mesmo é a merenda da escola. (12 - Prof)
A questão do bulliyng, muito em voga atualmente, aparece como forte
preocupação nesta escola, inclusive quando se trata das questões relacionadas a
obesidade e imagem corporal como apresentado anteriormente.
[...] os próprio alunos ficam com medo de a gente abordar o assunto [...] para não constranger
o aluno obeso. Mas a gente tem que falar. O aluno obeso ele tem que ouvir. Tem que
pesquisar qual é a causa da obesidade dele e tem uns que já sabem. Tem uns que resolve
com dieta e não faz dieta, não ajudam, né? Aí é um trabalho meio que de enxugar gelo, né?
(12 - Prof)
Apesar de tratarem destes temas em sala de aula, quando questionadas sobre
a possibilidade e necessidade de complementação através da inclusão de temas em
estratégias desenvolvidas no âmbito do PSE ou outras iniciativas extraclasse
destacaram alguns intens.
A questão também dos reflexos [...] das taxas elevadas de colesterol, de pressão, não é? Que
a gente já está vendo nas crianças problemas de obesidade, de hipertensão e diabetes. [...]
tinha que ser enfatizado mesmo (11 - Prof).
Deles terem mais consciência do que eles estão comendo. Deles observarem a quantidade, a
qualidade do alimento (12 - Prof).
Através das entrevistas, podem ser identificados quais os temas trabalhados
por cada um dos grupos entrevistados, bem como as demandas por aprofundamento
de alguns temas. O Quadro 6 sintetiza os temas trabalhados e sugeridos pelos
grupos.
173
Quadro 6: Temas em alimentação e nutrição trabalhados e sugeridos no contexto da escola.
Aula de Educação
PNAE e
Temas
PSE
Aula de Ciências
Física
Outros
Incentivo
Necessidades diárias;
Alimentação e sua
FLV;
Grupos alimentares e
influência na
Alimentos
composição química
atividade física;
calóricos x
dos alimentos;
Distúrbios
saudáveis;
Cardápio familiar
alimentares:
Prato
Dez Passos
Custo da alimentação
anorexia, bulimia e
saudável;
para uma
e Salário mínimo;
obesidade;
Alimentação
Alimentação
Trabalhados
Imagem corporal;
Imagem corporal e
alternativa/
Saudável
Digestão e nutrição;
padrões de beleza
oficinas de
Produção de lixo e
(a visão da
utilização
resíduos sólidos;
sociedade à
integral de
Consumo exagerado;
respeito do corpo);
alimentos
Consumo consciente.
Conceito de saúde.
com os
responsáveis.
Pirâmide alimentar
Reflexos da má
alimentação,
colesterol, obesidade,
hipertensão e
diabetes;
Consciência do que
Drogas e
Alimentação
eles estão comendo:
esteróides
saudável e
quantidade e a
anabolizantes;
alimentação
qualidade do alimento;
Sugeridos
Conceito ampliado
na escola
Utilização integral de
de Saúde
alimentos com os
estudantes;
Ambiente e Saúde;
Imagem corporal;
Saneamento, água e
lixo.
Biscoito tipo snacks e guaraná natural
Dentre os temas trabalhados, destaca-se que a Pirâmide Alimentar foi citada
por todos. Com relação aos sugeridos a preocupação com o consumo de biscoitos
tipo snacks e guaraná natural foi um consenso.
A
comparação
demonstra
maior
riqueza
e
consistência
nos
temas
apresentados pelas professoras que pelos demais grupos. Destaca-se ainda que a
Pirâmide Alimentar continua a manter sua supremacia como instrumento de EAN
apesar das críticas que têm sido feitas, sobretudo a esta exclusividade como
estratégia educativa em nutrição.
A identificação deste ―retrato‖ de temas trabalhados e sugeridos no contexto
escolar constituiu a base para as reflexões necessárias à construção da proposta
174
das Rodas de Conversa iniciais que intencionaram aproximar-se da proposta
freireana dos Círculos de Investigação Temática.
Além deste ―retrato‖, contribuíram para a construção da proposta a observação
das atividades realizadas pelo PSE – descritas no item 5.1.2. – e as atividades
desenvolvidas na escola em ocasião da Semana de Alimentação Escolar (SAE) que
será brevemente descrita a seguir.
Educação Alimentar e Nutricional na Semana de Alimentação Escolar
A oportunidade de observar atividades de EAN na escola ocorreu por ocasião
da Semana de Alimentação Escolar. As atividades foram realizadas por estudantes
de enfermagem integrantes de um projeto de extensão que foram acionadas pela
SME. A escola sabia que naquele dia receberia um grupo para realizar uma
atividade sobre nutrição, mas não sabia ao certo quem seriam os responsáveis. O
grupo chegou à escola, a professora responsável pelo grupo descreveu brevemente
as atividades programadas à diretora e à coordenadora de turno no portão e estas
indicaram o sexto ano para participar da atividade.
Segundo algumas das acadêmicas responsáveis pela atividade, houve a
orientação da SME para que elas não preparassem explicações sobre o tema, mas
sim desenvolvessem atividades com os estudantes que permitissem primeiro ouvir e
depois completar as informações sobre nutrição. Assim, foram propostos um jogo e
atividades de colagem. Quase uma hora foi gasta para organizarem-se naquele
espaço novo já que elas não conheciam a escola e nem os alunos.
O grupo que trabalhou com um jogo de perguntas e respostas sobre nutrição
preparou um grande tabuleiro com dados e piões. Os estudantes foram divididos em
dois grupos - ―times‖ - e cada um sorteava sua pergunta e se acertasse tinha o
direito de jogar o dado e avançar casas. Eles demonstraram muita dificuldade para
ler e compreender as perguntas, então as acadêmicas resolveram ler as perguntas
e, algumas vezes, adaptar ou explicar as questões sem, contudo demonstrar
qualquer atitude que pudesse constranger ou desqualificar a participação dos
alunos.
As respostas revelaram conhecimentos que os estudantes já possuíam sobre
nutrição e sua relação com a saúde/ doença, como por exemplo: consumo de sódio
175
versus hipertensão arterial, consumo de ferro versus anemia, sedentarismo versus
obesidade, consumo de gordura versus obesidade, consumo de legumes/salada
versus saúde, além de identificarem alimentos fonte de cálcio e de ferro. Foram
respostas simples, algumas incompletas e outras um pouco confusas. Contudo,
destaca-se a disponibilidade dos estudantes em participar bem como o interesse
demonstrado às respostas e complementações realizadas pelas acadêmicas. Em
termos metodológicos foi possível observar que a estratégia e a postura das
acadêmicas foram capazes de criar ambiente dialógico, apesar de ter sido o primeiro
contato entre eles.
A estratégia proposta por outro grupo de acadêmicas foi a construção de uma
pirâmide alimentar a partir de recorte e colagem. Para a atividade os estudantes
foram divididos em grupo e receberam o desenho de uma pirâmide com traços
horizontais e encartes de supermercado. Os estudantes ficaram confusos com a
proposta da pirâmide, mais agitados e com menor concentração na atividade.
A classificação de alimentos foi bastante marcada e orientada pelas marcas
dos produtos. As falas apresentadas a seguir exemplificam esta questão:
―Cola o energético. O Tobi não coloca não. Coloca Coca-cola, Addes...‖
―Só bebe Doli e quer botar energético.‖
―Energético não é bebida alcoólica não.‖
―Cerveja é importante. Me deixa doidão.‖
―Já abri a geladeira da sua casa e só tinha água. Não tinha suco.‖
―E você? Não bebe nada, só água e está falando aí.‖
Esta atividade revelou de forma interessante a influência da mídia no consumo
e a construção de uma forma pejorativa de classificar alguns alimentos. Algumas
marcas e os tipos de produto consumidos conferem status enquanto outras não são
assumidas em público porque são consideradas inferiores. Então, mais do que um
produto alimentício, estava em jogo o consumo das marcas.
Chama atenção a inclusão da bebida alcoólica e de bebidas enérgicas entre o
repertório de uma turma de sexto ano. Ainda que não façam verdadeiramente parte
dos produtos consumidos, demonstra-se tanto a força do apelo de marketing destes
produtos quanto sugere uma pré-disposição destes adolescentes para experimentá-
176
las. Enquanto apontavam o encarte alguns deles cantaram funks que também
faziam referência a tais bebidas.
Em termos metodológicos cabe uma reflexão sobre o quanto deve ser
criteriosa a escolha por determinadas estratégias ou materiais. A utilização de
encartes de supermercado, por exemplo, parece ser uma opção adequada nos
casos em que haja a previsão ou a opção por uma análise que leve em conta as
questões de consumo e mídia.
5.2.3 Programa de Alimentação Escolar em Duque de Caxias: relato sobre o
funcionamento
Para compreender o contexto da alimentação na escola é importante realizar
uma descrição do Programa de Alimentação Escolar no município. Em 2010, o
repasse do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ao município
foi de R$ 7.295.997,60 para 111.183 alunos. No ano referido o número de refeições
oferecidas foi de 29.547.996 para o ensino fundamental e de 1.760.784 para
creches. Além deste recurso existe a contrapartida municipal. Em 2011 a
Alimentação Escolar do município foi terceirizada. Pelo contrato, a empresa
responsabiliza-se pela logística e contratação de funcionários (merendeiras e
nutricionistas).
Diversas iniciativas deste município revelam pioneirismo na implementação do
PNAE, dentre estas se pode destacar o desenvolvimento de estratégia de
identificação de alunos com necessidades alimentares especiais e a implementação
de café da manhã nas escolas. A experiência de introdução de alimentos da
agricultura familiar (urbana) na alimentação escolar rendeu ao município o premio de
Gestor Eficiente da Alimentação Escolar.
Em Duque de Caxias o Coordenadoria de Nutrição Educacional da SME é o
setor responsável pela implementação do PNAE. É coordenada por uma professora
e possui uma Nutricionista como Responsável Técnica, ambas lotadas como Cargo
Comissionado. A Nutricionista é a responsável pela confecção dos cardápios,
capacitação de funcionários e trabalha de forma muito próxima a coordenadora.
Deste trabalho conjunto surgiu a idéia de anualmente construir o Projeto Político
Pedagógico para a Alimentação Escolar no município. Os nutricionistas contratados
177
e o Conselho Escolar são apontados pela coordenadora como elo entre a escola e
as ações e projetos previsto no PPP.
Eu resolvi fazer a aliança da minha experiência pedagógica, do que eu vivia na escola como
professora – desse atendimento da alimentação dentro do pedagógico mesmo, do currículo
escolar – e aliar isso a questão técnica da nutricionista. Nós fazemos um trabalho de parceria
que é um trabalho que eu avalio hoje que está dando muito certo [...] até em atendimento a lei,
não é? Que prevê a alimentação escolar no currículo escolar, não só meramente colocar
comida no prato e encher barriga (GTI-M 4).
Existe uma equipe de Supervisores de Nutrição Escolar composta por 27
professores concursados em ―desvio de função‖. Cada um responsabiliza-se por
visitar semanalmente um conjunto de seis a sete escolas e/ou creches da Rede
Municipal. Estes Supervisores atuam há algum tempo junto ao Coordenadoria e são
responsáveis por encaminhar os pedidos de gênero e recolher notas ficais das
escolas, por supervisionar recebimento de mercadorias, cumprimento de cardápio e
as condições de funcionamento das cozinhas e estoques.
Esse cardápio há alguns anos ele era feito com uma assessoria só de nutrição. Agora não,
agora de uns anos para cá já conta com uma nutricionista mesmo direto ali, está caminhando
todo dia na coordenadoria [...] e com as nutricionistas em campo junto com as supervisoras (8)
Em 2011 a Alimentação Escolar do município foi terceirizada. Esta decisão foi
tomada de forma brusca e sem consulta ao Conselho de Alimentação Escolar (CAE)
do município. Na época, tanto o CAE quanto o COMSEA posicionaram-se
publicamente contra a decisão, afirmando que esta seria uma ameaça à garantia da
alimentação como direito e ao seu papel pedagógico.
Este posicionamento alinha-se aos debates realizados em âmbito nacional
através do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
(FBSSAN, 2009) e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(CONSEA, 2009). A terceirização da alimentação escolar é assunto polêmico e que
gera grandes controvérsias. Durante o processo de construção foi grande a pressão
de organizações da sociedade civil e de especialistas a favor de que o texto da Lei
nº 11.947/2009 contemplasse a proibição da terceirização, mas isto não foi
garantido. Muitos municípios têm optado pelo mecanismo de terceirização que
obedece a formatos bastante diferenciados de uma localidade para outra. Pelo
contrato de Duque de Caxias, a empresa responsabiliza-se pela logística e
contratação de funcionários.
178
Este tema não foi aprofundado nas entrevistas, contudo percebe-se que um
dos aspectos negativos relatados foi a precariedade dos contratos e os atrasos de
pagamento. Existe grande rotatividade de funcionários, incluindo merendeiras e
nutricionistas, o que prejudica a continuidade de processos formativos.
Como aspecto positivo da terceirização destaca-se a possibilidade de
contratação 27 nutricionistas realizam a supervisão da produção das refeições nas
unidades escolares e são orientadas a desenvolver atividades educativas com
mães/pais/responsáveis, estudantes e merendeiras.
Nas escolas as equipes de merenda são formadas por Merendeiras, Auxiliares
de Cozinha e Responsável de Merenda que é encarregado de tarefas como receber
mercadoria e organizar estoque e cuidar do mapa de controle de genro e de
refeições produzidas e servidas. Nem todas as escolas possuem um Responsável
de Merenda, depende do número de turmas.
Uma pessoa que vai conferir as notas, vai conferir a mercadoria que está chegando [...] Então
assim tem que ser uma pessoa que você sabe que vai conferir tudinho. Igual hoje chegou as
frutas estavam muito maduras eu falei: ―Não tem como.‖ Então assim, eu fico despreocupada
porque eu sei que ela vai receber, vai conferir, vai passar tudo certinho. (7)
O Município tem um Conselho de Alimentação Escolar (CAE) atuante que se
reúne sistematicamente e possui espaço físico e administrativo para desempenho de
suas funções no prédio da SME. O CAE é identificado como parceiro pela
Coordenadoria de Nutrição Educacional.
E é um conselho muito atuante. [...] Então muitas das vezes o conselho quando vai visitar as
escolas identifica alguma coisa que está caminhando fora da proposta, ele traz para a gente, a
gente e faz essa mediação e consegue estar melhorando o atendimento na qualidade. E eu
gosto dessa parceria (GTI-M 4).
Em portfólios da SME são descritas as várias experiências de EAN em escolas
públicas do município que foram incluídas na sistematização de experiências. Sobre
tais experiências a coordenadora avalia:
Nós temos assim um número muito grande de escolas que desenvolvem projetos voltados
para a educação alimentar. [...] com relatos das famílias dizendo que mudou o contexto no dia
a dia da criança, que é o nosso principal objetivo. Porque eu penso que não adianta só você
oferecer uma alimentação de qualidade ali naquele horário [...] quando ele vai para casa ele
volta a comer errado, ou os pais mandam biscoitinhos, salgados, e refrigerantes, e frituras para
a escola. [...] É difícil porque culturalmente a má alimentação está muito enraizada, não é?
Além também da questão da falta de tempo dos familiares, principalmente de crianças de
creche, existe um discurso muito grande de falta de tempo, porque eles trabalham fora então
eles priorizam a alimentação mais rápida de preparação, normalmente os produtos
179
industrializados. Então o que a gente tenta mesmo é dar continuidade, tentar fazer com que
essa mudança alimentar de hábitos saudáveis vá também para a família (GTI-M 4).
A Coordenadoria de Nutrição Educacional desenvolve parcerias com o PSE e
integra grande parte das reuniões do GTI-M onde se faz representar pela
Responsável Técnica da Alimentação Escolar. A parceria entre PNAE e PSE é
reconhecida como importante, mas ainda difícil e insipiente. Na prática, as atividades
ocorrem de forma paralela, apesar das tentativas de articulação.
É um projeto importante na escola, porque a Secretaria de Saúde entra como parceira nesse
atendimento. E, por exemplo, quando a gente identifica, quando a gente faz a nossa avaliação
nutricional nas escolas e identifica alunos de baixo peso, ou de sobrepeso que a gente
encaminha para o posto de saúde, tem esse atendimento, eles também vão a escola e fazem
palestras com os país sobre essa questão de alimentação saudável para evitar esses tipos de
patologias, essa é uma parceria muita legal (GTI-M 4).
Bom, com relação as escolas do PSE a maioria delas são atendidas pelas equipes do PSE. O
que que a gente tenta fazer? Expandir o trabalho para as outras escolas. Então a semana em
maio. O PSE fez a semana da alimentação foi o titulo que eles deram. Então o PSE apoiou a
escolas do PSE e nós apoiamos as escolas que não eram do PSE para que essas escolas
também tivessem alguma atividade (a).
Não existe orientação seja institucional ou normativa nem do PNAE e nem do
PSE que explicitem a necessidade de articulação. Contudo, algumas concordâncias
e coincidências entre os Programas provocam esta necessidade de problematizar a
possibilidade desta articulação. Ambos, PNAE e PSE, atendem a grupo semelhante
e trabalham num lócus comum que é a escola. Existem temáticas e pressupostos
comuns como a intersetorialidade das ações, a abordagem de direitos dos
estudantes, a promoção da saúde e da qualidade de vida, o envolvimento da família
e comunidade escolar, entre outros.
5.2.4 Comer na escola: a percepção da equipe de saúde, dos professores e
outros profissionais da escola
Um dos pressupostos desta pesquisa é que não é possível na atual conjuntura
brasileira discutir Educação Alimentar e Nutricional em escolas públicas sem
estabelecer nexos com a alimentação servida através do PNAE. Há alguns anos
vem se construindo argumentos em torno do potencial pedagógico da alimentação
escolar e do processo de implementação da Lei 11.947/2009 em diferentes espaços:
na academia, entre gestores públicos e autoridades do poder legislativo e judiciário,
em conselhos de políticas públicas e entre representantes de movimentos populares
e sociais. Vem sendo possível a construção e a difusão de uma visão ampliada da
180
alimentação escolar como direito fundamental e elemento promotor de saúde que
como tal deve estabelecer relações com as dimensões culturais, de sustentabilidade
e de prazer.
Neste grande desafio de fazer acontecer no cotidiano a efetivação de tais
premissas, entende-se que o desafio agora é identificar formas de incentivar esse
potencial pedagógico da alimentação nas unidades escolares de todo o Brasil. Neste
sentido, compreender a percepção dos sujeitos implicados neste processo é
fundamental.
Nesta escola identificou-se que a percepção da equipe de saúde, dos
professores e outros profissionais da escola sobre a alimentação servida variou
bastante. São apresentadas visões diferentes de acordo com quem informa: a
alimentação é muito elogiada pelos que estão diretamente ligados a esta atividade e
é criticada ou pouco conhecida pelos que estão mais distantes. Na avaliação das
profissionais da equipe diretiva e da equipe de alimentação escolar o grau de
aceitação e satisfação dos alunos é grande.
[...] eu acho que a aceitação dos alunos é muito boa, eles gostam bastante. Varia muito,
devido a falta d‘água às vezes sobra alguns alimentos aí a gente faz pavê, como já fizemos até
broa de milho [...] (10 - AE)
Ótima. As crianças gostam. A comida chega direitinho. Algumas crianças comem melhor aqui
do que em casa [rindo]. (16 - AE)
As crianças gostam, bastante. Muitos até repetem. Agora tem aquele também que às vezes
quer jogar fora, não quer comer, não é? Por um motivo ou outro. E tem aqueles da bagunça
também, que querem fazer guerrinha de comida. [...] A comida vem de boa qualidade. (17 ED)
Os professores não têm o hábito de comer na escola e por isto alguns são
cautelosos nas avaliações. Outros foram mais enfáticos na afirmação de que a
merenda da escola precisa ser melhorada. A questão da falta de variedade do
cardápio faz parte dos relatos.
O que eu escuto os alunos comentarem é que não são todos que merendam, alguns
merendam, mas não é muita gente. [...] As vezes reclamando não tem isso, não tem aquilo e
tal. Mas assim, eu não sei. Porque dificilmente eu vou lá no refeitório. É corrido, eu não almoço
aqui porque é cedo a merenda e daqui eu vou pra casa. Então eu não sei muito bem.
Entendeu? Eu já escutei aluno reclamar, mas as vezes. (11 - Prof)
A gente enxerga precariedade [...] na alimentação das crianças, nós não comemos na escola,
tem uma precariedade em vários sentidos aí, então uma atenção maior a isso seria
completamente importante. (21 - Prof)
181
[...] mas eu acho que poderia ter introduzido mais salada, mais legumes. Eu acho que fica
muito no carboidrato e na proteína só, não é? Não é variado, não tem muita variedade (13 Prof)
Segundo a Coordenadoria de Nutrição Educacional, os professores estão
autorizados a almoçar na escola porque isto está previsto na contrapartida municipal
ao PNAE. Contudo, nesta unidade escolar eles não o fazem e reconhecem que seria
importante inclusive para incentivar os alunos. Importante frisar na fala abaixo que a
noção de prazer ligada a alimentação aparece nesta relação estabelecida pelo
professor, num olhar mais amplo sobre o ato de alimentar-se na escola.
O fato dos professores não aproveitarem é um sintoma, porque ninguém tem prazer de comer
na escola e os alunos acabam também sendo contagiados por isso e não aproveitam [...] o
espaço da alimentação na escola. (21 - Prof)
Segundo Ceccin (1995) o hábito de professores e alunos partilharem as
refeições à mesma mesa tem grande potencial pedagógico propiciando escuta e
construindo uma ―relação horizontal de autoridade‖. Ressalta uma questão que
concorda com as opiniões dos professores que participaram da pesquisa e justifica a
ausência destes no refeitório: ―a refeição oferecida não se destina aos hábitos dos
professores, nem no modo de servir, nem na qualidade nutricional, tampouco há
abertura sensível às estéticas que se anunciam nas frestas do plano exterior dos
comportamentos‖ (CECCIM, 1995, p.66).
A infra-estrutura física relacionada à alimentação nesta escola é adequada em
termos de tamanho, equipamentos, utensílios e demais aspectos técnicos. Contudo
uma contundente crítica a utilização deste espaço foi apresentada e percebe-se
visão mais ampla do professor da alimentação e da refeição.
[...] foi reformado o refeitório e a gente ainda não utiliza ele com melhor potência ali, estamos
bem longe disso [...] apesar do espaço reformado o cardápio eu acho que tem limitações. (21 Prof)
Como em qualquer município atendido pelo PNAE, o cardápio das escolas é
padronizado e assinado pelo Responsável Técnico, um Nutricionista. Pequenas
adaptações são permitidas à escola e são acompanhadas pela Nutricionista ou
supervisora de merenda. Existem dois cardápios padronizados – um utilizado para a
primeira e terceira semanas e outro para a segunda e a quarta. A nutricionista
explica:
A gente vai intercalando para nunca ter a mesma merenda bater na mesma semana (9 - AE).
182
Boas ―condições de distribuição‖ contribuem para maior adesão a alimentação
escolar (MUNIZ; CARVALHO, 2007). Em parte tais condições estão garantidas na
boa estrutura do refeitório e cozinha, mas outros aspectos merecem maior atenção.
Por exemplo, a ausência de mensagens educativas no refeitório e as queixas dos
alunos sobre a exposição de cardápios que nem sempre estão atualizados; a
utilização de um balde para acondicionar e servir o refresco, sublinhando que ainda
que este nunca tenha sido usado com outra finalidade sua imagem está relacionada
a utensílio de limpeza; e a existência de um balcão térmico novo e desativado no
refeitório. A justificativa é que o balcão está com defeito, mas alguns funcionários
falam sobre a dificuldade que seria colocar a carne para ser servida pelos próprios
alunos que acabariam consumido porções maiores do que as previstas. O ―sistema
de autosserviço‖ é outro fator relacionado à maior adesão.
Nesta escola, assim como em outras, existe a preocupação da equipe
responsável pela alimentação escolar em incentivar o consumo de legumes,
verduras e outros alimentos importantes de serem incluídos no cardápio, mas muitas
vezes rejeitados pelos estudantes. Esta preocupação com o incentivo que é
comumente vivenciada pelas pessoas mais diretamente ligadas à alimentação
escolar e representa preocupação para a diretora.
Eu tenho o hábito de almoçar junto com eles, que eu como de tudo. Dê tudo, beterraba eu
como, eu adoro beterraba, para eles passarem pela minha comida e me vê comer. ‗Ah, não
quero feijão.‘ ‗O que tem contra o pretinho, o que eles te fez?‘ Aí bota feijão no prato deles
para incentivar também as crianças... Apesar que aqui não precisa de incentivo não, eles
comem bastante. (7 - ED)
As merendeiras são orientadas a servir todas as preparações e relatam que
algumas vezes os estudantes provam após a insistência e outras vezes jogam no
lixo.
Legume em geral. Se elas pudessem elas cortavam do cardápio. (15 - AE)
E as merendeiras são muito carinhosas [...] sempre incentivando: ‗Come.‘ [...] as crianças hoje
não gostam de verdura nem de legumes, mas aqui eles comem muito é arroz com brócolis,
arroz com espinafre, o que tiver eles estão comendo. (10 - AE)
Independente da criança gostar ou não [...] as merendeiras colocam: ‗Ah, não tem que comer.‘
Aí coloca: ‗Prova.‘ Aí quando eu venho para cá aí fico falando: ‗Você já provou para saber se é
bom ou não, se gosta?‘ Mas a gente coloca. Que tem criança que às vezes olha nunca comeu,
mas também não gosta. Aí a gente sempre fica falando e eles acabam... A aceitabilidade é
grande. (9 - AE)
183
Cavalcante e colaboradores (2012) acreditam que a retirada de um alimento
não aceito do cardápio pode não ser a opção se este for considerado ―importante no
desenvolvimento das crianças e/ou adolescentes‖ e que seu consumo pode ser
incentivado através da educação nutricional considerando que esta representa ―a
principal ferramenta para otimizar a aceitação da alimentação escolar e promover
hábitos alimentares saudáveis‖ (CAVALCANTE et al, 2012, p. 9). Contudo, é de
extrema relevância destacar que a insistência em ofertar determinadas preparações
e alimentos a todos os alunos deve ser analisada com a devida atenção,
principalmente se não existem espaços para diálogos sobre a alimentação escolar.
O diálogo com os escolares, portanto, é fundamental para que os alimentos oferecidos não
sejam vistos como uma imposição e que o não oferecimento de alguns alimentos que fazem
parte do hábito alimentar infantil, mas que não trazem benefícios à saúde, não seja visto pelas
crianças como algo proibitivo. (MUNIZ; CARVALHO, 2007, p. 294)
Assim como em outras experiências de pesquisa, aparece de maneira explícita
um olhar para alimentação escolar como alimentação para quem precisa. Um
impacto comum a esta percepção é a criação de preconceitos em torno da
freqüência ao refeitório e do consumo da alimentação escolar.
[...] pela comunidade, essa carência da comunidade a gente percebe que eles se alimentam
bem, que existem algumas escolas que a gente já acompanhou que o adolescente ele quando
está numa fase assim, geralmente 7º ano, 8º ano, 9º ano, ele quase não come [...] mas aqui a
escola tem a característica, eles comem bem (8 - AE).
Não tem muito aluno que merenda. Eu acho até que a gente, essa escola aqui, o público não é
de uma renda extremamente baixa. É baixa renda, mas não é extremamente baixa. Mas
assim, alguns merendam (11 - Prof).
Esta visão da alimentação escolar como benefício ao aluno ―carente‖ e que
não tem o que comer em casa – que aprece principalmente nos discursos da equipe
diretiva e da equipe de alimentação escolar, incluindo as merendeiras – contraria a
noção de alimentação como direito, como experiência de cidadania (BEZERRA,
2009; CECCIM, 1995). Não se trata apenas de opiniões isoladas, mas de aspectos
ideológicos que influenciam na forma de colocar em prática a alimentação na escola
e que afetam diretamente aos estudantes, como relata Bezerra (2009) e como mais
adiante será debatido a partir da experiência nesta escola.
Todo esse processo tende a desencadear a interiorização, pelos alunos, de valores negativos
e da ideologia da carência, gerando novas disposições, novos habitus e representações que
tendem a naturalizar (Bourdieu, 1994) a situação de vida precária em que se encontra grande
parte dos alunos da escola pública. Ademais, reforça a sensação de acesso desigual ao único
bem público existente na comunidade (a escola) e à política social (merenda escolar) mais
184
abrangente que aí se desenvolve; enfim, a sensação de injustiça social, que afeta as pessoas
mais pobres da comunidade (BEZERRA, 2009, p.111).
As profissionais das eSF reconhecem uma das conseqüências desta postura
que, infelizmente, é aspecto bastante comum ao debate da alimentação escolar que
é a vergonha de freqüentar o refeitório e ser identificado como um aluno que passa
fome e por isso precisa da alimentação da escola. Percebem esta resistência,
sobretudo entre os alunos mais velhos, de Segundo Seguimento.
E eles são resistentes a usar o refeitório da escola. Eles preferem levar o biscoito deles de
casa[...] Parece que é meio vergonhoso comer o lanche da escola. Como se fosse: os
coleguinhas vão te zoar. (1 - eSF)
É. Como se fosse coisa de pobre mesmo, não é? Comer na escola.[...] Refeitório tem o
estigmazinho de quem só precisa. (2 - eSF)
Na fala das professoras é possível identificar uma avaliação de que após a
retirada da cantina uma parte dos estudantes passou a comer a alimentação servida
pela escola. A compra através da grade foi relatada como prática combatida. No
portão desta escola sempre estão ao menos dois funcionários tomando conta da
entrada e saída. Internamente há portão separando a área de recreio do acesso às
salas e à saída da escola com a presença de uma funcionária chamada de
coordenadora de turno.
Olha, como agora não tem mais cantina, a maioria merenda, não é? Eu acredito que sim.
Quando tinha cantina aí tinha essa opção da besteira, não é? (13 - Prof)
Quando a gente descuidava um pouco tinha até uns que comprava aqui na grade, pediam
para alguém que estava passando na rua comprar. Era um inferno. Mas agora isso parou, eles
só ficam daqui pra dentro, ninguém mais tem acesso justamente para prevenir essa coisa. (12
- Prof)
Apesar de não haver cantina dentro da escola, do lado de fora existem duas
pequenas lanchonetes – uma em frente e outra ao lado da escola – que vendem
salgadinhos, biscoitos, refrigerantes e doces. As crianças saem da escola e param
nestes estabelecimentos que também tem mesas de jogos (de Totó). É comum a
compra e partilha de refrigerante de dois litros entre estudantes de uma mesma
turma na hora da saída.
[...] no início da nossa trajetória aqui, que essa escola foi uma escola ousada, a gente fechou a
cantina que vendia salgados, mas nada também foi colocado para melhorar esse espaço, foi
simplesmente fechada a cantina e os alunos agora com agora compram biscoito na vendinha
do lado [...] (21 - Prof)
185
Destaca-se ainda que a principal preocupação relacionada à alimentação na
escola apresentada por todos os grupos entrevistados foi o grande consumo de
biscoitos tipo snacks e de guaraná natural.
[...] tem um grupo que se alimenta muito mal. Eu vejo eles chegando na escola com pacote de
biscoito, refrigerante que é o café da manha deles. Quando eu sai eu vejo comendo
salgadinho da barraca[...]. (11 - Prof)
Que a gente observou na entrevista que a gente fazia com as crianças, que a alimentação
deles era basicamente biscoito e Guaravita. (1 - eSF)
Biscoito e Guaravita. Eu falei: nesse lugar só vende Guaravita para beber? Aí eles riam. (3 eSF)
No caso do biscoito e o Guaravita... Não sei, eu acharia... é também uma coisa que eu acho
que é quase impossível, mas eu acho que seria interessante também fazer uma palestra com
os pais. (4 - eSF)
[...] principalmente nos primeiros tempos, eu tenho cuidado de ver quem está comendo
biscoito. Aquele maldito biscoito fofura, aquele maldito Guaravita dos infernos. Entendeu? E
chamar atenção. Repito toda aquela ladainha sobre alimentação saudável etc e tal. (12 - Prof)
Foi possível identificar, que em geral o conhecimento acerca do PNAE ainda é
pequeno.
Aspectos
relacionados
ao
direito
à
alimentação
escolar
e
à
responsabilidade técnica são questões desconhecidas para a grande parte dos
entrevistados.
Se puder continuar com a merenda... Ou esse governo ou outro governo, que a merenda
continue. Merenda de boa qualidade. Isso aí ajudou muito, né? Para as mães carentes, as
vezes não tem nada para dar para os filhos e aí eles já saem daqui alimentados. Com tudo,
fruta... Não tem faltado nada. Nada.(14 - AE)
Mas eu acho que aqui poderia ser introduzido pelo menos mais legumes. Salada é difícil
mesmo, não é? Verdura, não é? Mas os legumes eu acho que podia ser. (13 - Prof)
Apesar de não mencionarem o PNAE, os professores desta escola falam da
alimentação escolar na sua intenção e potencialidade de servir alimentos saudáveis
e refeições saborosas. Ainda que não mencionem a legislação, tratam a alimentação
na escola numa perspectiva de serviço e de direito. Este posicionamento difere do
registrado por Bezerra (2009) que observou em seu contexto de pesquisa
semelhanças entre a opinião de professores e profissionais de equipe diretiva, ou
seja, alimentação escolar para aqueles que precisam.
Quanto à presença do Nutricionista50 na escola e como responsável técnico da
alimentação escolar, percebe-se dúvidas, curiosidades e expectativas.
50
Durante o período de pesquisa houve apenas um contato com a nutricionista responsável por esta
escola. Ela participou da entrevista coletiva e algum tempo depois foi substituída. Através da
186
Eu acho que é a nutricionista que faz o cardápio, até veio aqui uma vez a responsável lá da
Secretaria é... sobre a merenda e tal. Que tem lá um cardápio assim balanceado, mas não é
uma coisa muito variada, né? Acaba sendo pobre de qualquer jeito. (12 - Prof)
Eu acho importante o nutricionista entrar na escola não só para planejar a alimentação que vai
ter no refeitório, mas pra fazer atividade educativa pra mostrar a importância do aluno usar
aquela alimentação. Porque não adianta a escola está toda certinha com alimentação
saudável e o aluno não ir até o refeitório, né? Levar de casa o biscoito e o Guaravita, não é? (1
- eSF)
A inserção do nutricionista no contexto escolar, seja no PNAE ou nas ações de
educação alimentar e nutricional, ainda é um processo em construção não só nesta,
mas em outras localidade. Contudo, tem sido apontada como relevante no sentido
de contribuir para a promoção da saúde na escola (CAVALCANTE et al, 2012;
BIZZO; LEDER, 2005; COSTA et al, 2001). Importante advertir que:
Na escola, para que o trabalho do nutricionista seja, de fato, educativo, é necessário que se
estabeleça uma relação de diálogo entre o saber popular e o saber técnico, rompendo com o
tradicional modelo tecnicista de intervenção, aquele que tem por objetivo a mudança de
comportamento da clientela atendida por meio da transmissão de normas (COSTA et al, 2001,
p.226).
Neste tópico a alimentação escolar foi debatida a partir da visão dos adultos –
da perspectivas dos profissionais de saúde e educação. As avaliações dos
professores são as que mais se aproximam das opiniões apresentadas pelos
estudantes em termos de reivindicações por melhorias. Contudo, as falas dos
estudantes – que serão apresentadas no próximo tópico – também registram
profundas marcas do discurso da carência e da fome presentes na fala dos outros
profissionais.
5.2.5 Rodas de conversa: uma experiência de atividades dialógicas de
Educação Alimentar e Nutricional
Ao contrário, educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que sabem que
pouco sabem – por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais – em
diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes,
transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente
saber mais.(FREIRE, 1977, p.25)
Um dos imperativos éticos da educação popular freireana é o respeito à
autonomia do ser educando-educador que exige do educador-educando práticas
comprometidas com os princípios de uma educação crítica e dialógica. Esse respeito
implica participar com eles de um processo de compreensão da realidade o que
exige o respeito aos saberes dos educandos. A educação não se faz para e sim
Supervisora de Nutrição Escolar foram encaminhados convites e informes relacionados à pesquisa,
mas o contato não ocorreu.
187
com, num movimento que é ―mediatizado pelo mundo‖ (FREIRE, 2005: 97) que
impressiona e desafia. Por isto, o ponto de partida para o desenvolvimento de
qualquer ação pedagógica libertadora é o reconhecimento dos saberes anteriores,
histórias de vida, trajetórias dos educandos.
O convite feito neste momento foi para vivenciar e registrar momentos de
Educação Alimentar e Nutricional à luz das reflexões da educação popular freireana
e portanto, primou pelo respeito princípios como o da dialogicidade e do respeito aos
educando-educadores e da construção compartilhada de saberes, partindo da
realidade concreta e contemplando aspectos culturais. As contribuições de Silva
(2005) iluminaram os caminhos para vivência da Metodologia Dialógica de Freire
sobretudo no processo de organização das atividades e para tornar esta forma de
organizar comunicável aos outros integrantes da pesquisa.
Na Metodologia Dialógica de Freire a primeira etapa corresponde ao
“levantamento preliminar da realidade local”, com a coleta de dados estatísticos,
socioculturais, econômicos, políticos e lingüísticos da comunidade. Em seguida, os
dados devem ser examinados e debatidos de forma a contribuir para a “escolha da
situação significativa” que são selecionadas para: evidenciar diferentes visões e
percepções dos diversos segmentos da comunidade; inter-relacionar dados e
informações que
configuram
realidade estudada;
analisar coletivamente e
contextualizar na sociedade fenômenos locais; explicitar contradições que podem à
princípio estar ocultas; possibilitar análise a partir de conhecimentos sistematizados,
indicando conteúdos para superação da visão anterior pela crítica (FREIRE, 2005;
SILVA, 2005).
Na seqüência, realiza-se a ―caracterização de temas geradores e sua rede de
relações temáticas‖. As ―falas significativas‖ são aquelas que expressam a visão de
mundo do educando com suas contradições, conflitos e seus limites explicativos.
Elas representam a compreensão que os educandos possuem da problemática local.
O “tema gerador” emerge destas falas significativas e expressam uma situação
concreta, diagnosticada pelo grupo. Através de contradições básicas permite propor
a situação existencial presente como problema que desafia e exige resposta – no
nível intelectual e também da ação (FREIRE, 2005; SILVA, 2005). ―Os temas
188
geradores podem ser localizados em círculos concêntricos, que partem do mais
geral ao mais particular.‖ (FREIRE, 2005, p.109).
O “conteúdo programático” representa o conjunto de temas significativos e
expressam a “visão de mundo” e a realidade mediatizadora. Ele emerge deste
processo de investigação do universo temático. A “rede temática” corresponde a
organização de uma abordagem interdisciplinar do conteúdo programático. Análise e
relações que educadores estabelecem com áreas de conhecimento (FREIRE, 2005;
SILVA, 2005). Prossegue-se então com a “elaboração de questões geradoras” que
devem nortear os conhecimentos a serem abordados na formação. Elas orientam e
dinamizam o diálogo constante. Importante salientar que a ―rede temática‖:
[...] assume o papel pedagógico de sistematizar a denúncia das relações de poder e de
interesse hegemônico escamoteados pela ideologia arraigada nas práticas socioculturais
tradicionais (SILVA, 2005, p. 15).
Finalmente é possível realizar o ―planejamento para intervenção na realidade‖
e a ―preparação de atividades‖. Na preparação e realização das atividades
educativas, deve-se sempre considerar a importância de se construir um ambiente
propício ao diálogo. Paulo Freire alerta para as condições necessárias ao diálogo
que é amoroso ao comprometer-se com a transformação; que é humilde e procura o
―lugar de encontro‖ com os educandos; que é pautado na fé nos homens e nas
mulheres, na confiança e na esperança de mudança do mundo.
Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta
ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de
encontro, não há ignorantes absolutos e nem sábios absolutos: há homens que, em
comunhão, buscam saber mais (FREIRE, 2005, p.93).
Outra advertência essencial de Freire (2005) é que sendo este um momento
de diálogo, educadores-educandos não devem preparar-se apenas para a oratória,
para dissertar acerca de um tema por mais conhecedores que sejam dele.
Importante cuidar do que Rubem Alves chama de ―escutatória‖.
Se na verdade, o sonho que nos anima é democrático e solidário, não é falando aos outros, de
cima para baixo, sobretudo, como se fossemos os portadores da verdade a ser transmitida aos
demais, que aprendem a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles.
Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas
condições, precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar
com é falar impositivamente. Até quando, necessariamente, fala contra posições ou
concepções do outro, fala com ele como sujeito da escuta de sua fala critica e não como
objeto de seu discurso. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar seu
discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele (FREIRE, 1996, p.113).
189
Silva (2005) sintetiza a partir de trabalho de Delizoicov, três momentos
orientadores para práticas dialógicas. O primeiro, denominado de ―Estudo de
Realidade ou Problematização inicial‖ refere-se ao momento em que se analisa com
os
educandos-educadores
uma
situação
significativa
da
realidade
local,
problematizando-a e questionando modelos explicativos propostos pela comunidade
(codificação/ descodificação de contradições). O segundo é o momento de
―Organização
conhecimentos
do
Conhecimento
sistematizados
ou
Aprofundamento
selecionados
são
Teórico‖,
quando
confrontados
com
os
a
problematização inicial. Representa a busca de nova concepção das situações
analisadas. Por último a ―Aplicação do Conhecimento ou Plano de Ação‖ que se
refere ao momento em que o conhecimento anterior construído e apreendido é
utilizado para ―reler‖ e reinterpretar a própria realidade, bem como para extrapolar
para novas situações, retroalimentando o processo.
Cabe salientar que mesmo o momento de aprofundamento teórico é momento
de diálogo e que os conteúdos não são temas que os especialistas pretendam
desenvolver, mas resultados de um processo dialógico e crítico realizado com os
educandos-educadores. Sendo assim, o desafio do educador-educando é:
Nunca apenas dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a
ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores.
Conteúdos que, às vezes, aumentam estes temores. Temores de consciência oprimida
(FREIRE, 2005, p.100).
Os momentos não são estanques ou rigidamente separados, são apenas
orientadores do processo. As atividades de EAN propostas nesta pesquisa utilizaram
estes três momentos como eixo orientador interno.
a) Conhecendo hábitos alimentares e de atividade física dos alunos de sétimo
ano
Levando em conta as preocupações apresentadas pelas professoras de
ciências e educação física nas entrevistas, as anotações em diário de campo e o
referencial teórico de pesquisa, foram propostas três atividades no intuito de realizar
problematizações iniciais e levantar ―temas significativos‖ e ―falas significativas‖. As
três atividades foram apresentadas às professoras que avaliaram a coerência e
pertinência das propostas, contribuindo para a organização das atividades com as
turmas.
190
Quadro 7: Atividades de levantamento de ―temas significativos‖ com alunos de Sétimo nas aulas de
Ciências e de Educação Física
Elementos
Tema
Objetivo
envolvidos
Registrar falas dos estudantes
que estejam relacionadas à
Hábitos alimentares e
Conhecendo
alimentação e atividade física
de atividade física;
Atividade 1
os hábitos
para posterior identificação de
consumo e preferência
Círculo de
falas significativas e temas
alimentares
alimentar;
Cultura
geradores para a construção de conhecimentos prévios
dos
estudantes
conteúdo programático de
sobre saúde e
ações de Educação e Saúde na
nutrição.
Escola.
Registrar falas dos estudantes
Participação na
sobre suas experiências e
escolha e preparação
Seleção e
rotinas relacionados à seleção e
Atividade 2
da alimentação;
preparo do
preparo da alimentação para
Círculo de
acesso domiciliar e
identificação de falas
alimento no
Cultura
escolha alimentar;
significativas e temas geradores
âmbito
conhecimentos sobre
familiar
para a construção de conteúdo
técnicas de preparo e
programático de ações de
higiene de alimentos
Educação e Saúde na Escola.
Realizar registro sistematizado e
auto-declarado de dados sobre
Hábitos
Atividade 3
consumo alimentar e atividade
Freqüência
alimentares e
Preenchimento
física para ajudar a subsidiar
alimentares e de
de atividade
de Questionário
escolhas de temas a serem
atividade física
física
priorizados em atividades
educativas.
Iniciar o contato com os estudantes a partir de uma abordagem da alimentação
– com o enfoque na comida, na refeição e no cotidiano – e não da nutrição foi uma
opção assumida para garantir a coerência com o referencial teórico-metodológico da
pesquisa.
Hábitos alimentares implicam o conhecimento da comida e das atitudes em relação a ela e não
a classe de alimentos consumidos por uma população. E comida significa o que, o como, o
quando, o com quem, o onde e de que maneira os alimentos selecionados por um
determinado grupo humano são ingeridos. Assim, considera-se comida todo o processo de
transformação do alimento – conjunto de nutrientes necessários à reprodução física da vida
humana – naquilo que se come sob uma forma específica; aquilo de que se gosta ou se
detesta e que é um elemento básico da reprodução social de qualquer grupo humano, como
bem nos lembra Lévi-Strauss (BARBOSA, 2007, p.92)
A primeira atividade, realizada durante a aula de ciências, foi proposta como
um momento de escuta, mas também de integração da equipe de pesquisa com as
turmas. Teve início com breve apresentação da pesquisa e seus objetivos, seguida
de uma dinâmica de apresentação dos estudantes e da equipe de pesquisa
perguntando sobre a comida preferida de cada um. Ainda na apresentação,
receberam crachás coloridos que serviram para o sorteio de grupos.
191
Em seguida, divididos em três grupos, foram convidados a descrever suas
rotinas em dias de semana (ou seja, em dias de frequencia à escola), sendo
animados por um roteiro de questões apresentadas pela equipe de pesquisa
utilizado de forma flexível51, de acordo com a maior ou menor participação do grupo.
Em algumas turmas, as falas eram mais fáceis e em outros era necessário maior
estímulo, com ênfase no roteiro de questões. Para mediar o diálogo e facilitar a
síntese, os grupos foram convidados a construir cartazes. Eram entregues
inicialmente cartolina, canetinhas e giz de cera. O grupo era convidado a escolher os
responsáveis pela confecção dos cartazes e pela apresentação à turma. De forma
complementar foram entregues gravuras impressas (iguais para todos os grupos)
para serem utilizadas de acordo com a vontade e necessidade de cada grupo. Os
debates foram gravados e para isto as pesquisadoras explicaram que suas falas não
seriam identificadas e que o material seria utilizado para a confecção dos relatórios
de pesquisa.
Ao final, os grupos foram convidados a apresentarem seus cartazes. Foi
estimulado que os grupos ficassem atentos a todas as apresentações para
identificarem os aspectos comuns e para refletirem sobre o quanto consideravam
aqueles hábitos como saudáveis e sobre as mudanças que poderiam ser sugeridas.
Esta atividade durou em média uma hora e vinte minutos. A última etapa da
atividade (apresentação dos grupos e debate) foi a que contou com menor
concentração dos estudantes e durou em média dez minutos. A avaliação da
atividade foi feita de forma muito simples e breve perguntando se haviam gostado e
se gostariam de participar de uma nova etapa, próximo encontro.
A segunda atividade foi mais uma vez realizada durante a aula de ciências e
foi iniciada por uma dinâmica de adivinhação. Reunidos em grupos pequenos, foram
convidados a descrever o ―passo a passo‖ da preparação de um prato. A equipe de
pesquisa sugeriu pratos com preparos de complexidade diversificada (de simples
aos mais elaborados), que incluíam pratos citados durante a Atividade 01 como as
―comidas preferidas‖. Foi também estimulada a sugestão de outros pratos pelos
51
Os estudantes eram encorajados a dialogar livremente sobre as suas experiências e o roteiro
utilizado pelas pesquisadoras para retomar os debates nos momentos de silêncio ou de dispersão.
Era utilizado ainda como forma de conferência para garantir a abordagem dos temas sugeridos para
àquele momento (APÊNDICE 8).
192
estudantes de acordo com os costumes de casa. Após a apresentação de cada
grupo o restante da turma tentava adivinhar qual preparação havia sido descrita. Foi
uma atividade muito animada e com grande adesão dos grupos.
Mediado por esta dinâmica, o diálogo transcorreu com a turma organizada em
um grande círculo. A partir de um roteiro de questões 52 os estudantes foram
convidados a falar sobre suas experiências, habilidades e tarefas familiares
relacionadas ao preparo e compra dos alimentos. Ao final, incluíram-se questões
sobre a presença de hortas e árvores frutíferas em casa ou na casa de parentes e
vizinhos, refletindo sobre a relação dos estudantes com seus quintais e de seus
quintais com a alimentação. Para concluir, questionou-se sobre que relações eles
enxergavam entre a forma de preparar os alimentos e a saúde. Mais uma vez foi
realizada uma avaliação simples, questionando se haviam gostado da atividade e se
gostariam da continuidade das atividades.
A terceira atividade foi realizada durante a aula de educação física, na quadra
ou em sala de aula – de acordo com a disponibilidade das turmas em cada dia. A
atividade foi apresentada pela professora como parte integrante da avaliação da
disciplina. Como atividade física e hábitos alimentares foram aspectos tratados na
Atividade 01, não houve estranhamento aos temas. Assim, foram distribuídos
questionários (APÊNDICE 9) aos estudantes que preencheram individualmente após
breve apresentação do mesmo. Quando encontravam dúvidas ou dificuldades eram
auxiliados por algum membro da equipe de pesquisa.
Os questionários utilizados nesta pesquisa foram inspirados em questões da
Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE (IBGE, 2009), com formato
adaptado e resumido apenas aos aspectos alimentares e de atividade física. A
PeNSE é uma iniciativa do Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), desenvolvido a partir de demanda apresentada
pelo Decreto 6.286/2007 que institui o Programa Saúde na Escola (PSE). Foi
realizada pela primeira vez no ano de 2009 em escolas particulares e públicas de 26
capitais de estados e no Distrito Federal com estudantes do 9º ano através de
questionários auto-aplacáveis (IBGE, 2009). Em 2012 o IBGE repetiu esta pesquisa,
52
Utilizado a mesma perspectiva que o da atividade anterior (APÊNDICE 8).
193
mas até o momento de realização desta pesquisa os resultados ainda não estavam
disponíveis.
Dos 101 estudantes matriculados nas turmas de 7º ano, 80 responderam aos
questionários. Não houve recusa em responder aos questionários. Os 21 estudantes
que não responderam foram os que não estavam em aula no momento do
preenchimento. Os dados coletados foram analisados no programa estatístico
Statistical Package of Social Sciences (SPSS).
Os estudantes foram muito participativos nas três atividades propostas. Esta
atenção dos estudantes às atividades deve-se em grande medida à postura
respeitosa e ativa das professoras. A principal dificuldade para o grupo de
pesquisadoras foi administrar as falas dos estudantes que, em muitos momentos,
falam ao mesmo tempo ou tornam-se dispersos por brincadeiras e anedotas. Este
aspecto pode ser considerado bastante típico da idade e, de certa forma, previsto
pela equipe de pesquisa. Outra dificuldade foi lidar com algumas formas de
tratamento e brincadeiras agressivas entre os alunos e entre grupos. Nestes
momentos as atividades sofriam uma pausa53. Contudo, a postura dos estudantes
com o grupo de pesquisa foi em todos os momentos extremamente respeitosa e
receptiva.
No decorrer das atividades os estudantes foram incorporando o fato de que
aquelas atividades faziam parte de um processo de pesquisa e tornaram-se mais
curiosos e críticos com relação às formas de divulgação do resultado e a própria
atuação das pesquisadoras. Sentiam-se cada vez mais estimulados a falar por
compreender que os diálogos dariam origem aos relatórios.
b)
Interseção com a disciplina de educação física: diálogo sobre os dados da
pesquisa com os estudantes
Durante o desenvolvimento das atividades a professora de educação física
apresentou uma proposta de articulação dos temas tratados pela pesquisa e as
atividades de avaliação de sua disciplina (projetos com os temas adolescência,
bullying e olimpíadas), dando origem a uma quarta atividade em aula.
53
Nossa equipe procurou manter uma atitude respeitosa e paciente, mas ao mesmo tempo firme –
com autoridade, mas sem autoritarismo. As professoras intervinham quando achavam necessário.
194
Como os questionários sobre hábitos alimentares e de atividade física trariam
dados propícios a estes debates, ficou definido que a ―devolução‖ aos estudantes
dos dados coletados nos questionários seria feita durante a aula de educação física,
problematizando as relações com os temas dos trabalhos das turmas. Houve ainda o
convite para participação de outros dois momentos: a aula preparatória dos
trabalhos e o dia de culminância, quando os trabalhos seriam apresentados à
escola.
Esta proposição era o elemento que faltava para permitir uma aproximação da
―realidade concreta‖, conforme indica Paulo Freire (2001a).
Já era tempo de abandonar o lugar confortável do pesquisador que apenas
escuta. A escuta até este momento foi uma escuta atenta e ativa na medida em que
sempre problematizadora. Contudo, organizar os dados coletados para a devolução
às turmas foi uma experiência extremante desafiadora e relevante de codificação.
Junto com a professora de educação física, optou-se pela devolução e debate
dos dados através de organização de círculos de cultura durante uma aula de
educação física destinada ao debate dos projetos das turmas. Durante a preparação
deste momento houve possibilidade de dialogar e concluir
54
que seria mais
adequado e produtivo apresentar os dados e deixar que estes provocassem as
reflexões das turmas acerca dos temas por elas escolhidos – bullying, adolescência
e olimpíadas. Desta forma, a relação dos temas do trabalho com os de alimentação
e nutrição não seriam apresentadas de forma pronta ou óbvia, mas construída com
as turmas através de problematizações.
Além de trabalhar no banco de dados e em suas análises, a equipe de
pesquisa preparou um texto resumindo os dados da PeNSE (IBGE, 2009). As
bolsistas de extensão realizaram pesquisa sobre temas pertinentes tais como
conceitos básicos de nutrição; nutrição na adolescência e na prática de atividade
física; imagem corporal e bullying; e as escolhas alimentares (cultura, sabor e suas
relações com a praticidade). Foi preparado ainda, um roteiro para o círculo de
cultura e um álbum seriado. Não houve possibilidade de preparar o material junto
com a professora de educação física, contudo todo material foi apresentado e posto
54
Equipe de pesquisa com professora.
195
sob sua avaliação antes da atividade com a primeira turma. Desta forma, foi possível
a participação mais ativa da professora nesta atividade, intervindo tanto na
explicação dos dados quanto na problematização das falas dos estudantes.
O álbum seriado foi objeto de discussão entre a equipe de pesquisa que optou
pela utilização desta técnica como uma forma de ―codificação‖ (FREIRE, 2005) dos
dados recolhidos. Tanto a adequação da técnica, quanto quantidade de páginas e
temas a serem inseridos foram extensamente debatidos. Definiu-se trabalhar em
torno de quatro grupos de dados: (1) marcadores de alimentação saudável, (2)
marcadores de alimentação não saudável, (3) costume de café da manhã e
consumo da alimentação escolar; e (4) prática de atividade física. Estes quatro
grupos temáticos estiveram muito presentes nas falas dos estudantes nas atividades
anteriores (01 e 02).
Foram problematizadas as diferenças entre gênero. Já a análise comparativa
entre as turmas não foi realizada para contribuir com o anonimato das respostas e
evitar comparações que pudessem ser pejorativas ou preconceituosas entre turmas
diferentes. A relação com os dados nacionais (sobretudo os marcadores de
alimentação saudável e não saudável) e mesmo com aspectos internacionais (como
por exemplo, alimentação escolar e prática de atividade física em outros países)
foram utilizados para fazer a relação entre o micro (local) e o macro (global).
Para Freire (2005), a codificação deve funcionar como ―leque temático‖ para
que na medida em que os sujeitos participem de sua descodificação, abram novos
temas. O desenvolvimento de um novo conhecimento se dá pela descodificação na
medida em que exista a ―percepção da percepção anterior‖ e o ―conhecimento do
conhecimento anterior‖ (FREIRE, 2005, p.127). No processo de descodificação cabe
ao investigador ―[...] não apenas ouvir os indivíduos, mas desafiá-los cada vez mais,
problematizando, de um lado, a situação existencial codificada e, de outro, as
próprias respostas que vão dando aqueles no decorrer do diálogo.‖ (FREIRE, 2005,
p.131)
Esta quarta atividade foi realizada na quadra da escola. Sentados em círculo,
em torno do álbum, foram sendo apresentadas as páginas uma a uma. Partiu-se de
uma problematização inicial sobre o que seria uma alimentação saudável e como
avaliavam a alimentação dos alunos do sétimo ano. Em seguida passou-se aos
196
conceitos básicos e ao debate dos dados, finalizando-se o círculo com o convite aos
alunos interessados em atuar como pesquisadores na escola, aprofundando o
debate sobre alimentação escolar. Isto porque, os dados das Atividades 01, 02 e 03
já apontavam para falas significativas importantes sobre este tema e devido ao
próprio objeto desta pesquisa.
A atividade foi gravada para auxiliar a confecção de relatório. Por esta
atividade ser realizada na aula de educação física, muito apreciada pelos
estudantes, em alguns momentos houve dificuldade em manter as turmas
concentradas: uma parte estava bastante interessada no diálogo enquanto outra
(principalmente os meninos) estava insatisfeita por não estar jogando. A opção por
manter toda a turma na atividade deu-se pelo fato de estar relacionada a um
trabalho escolar. Além disto, a professora fez questão de enfatizar que educação
física não é apenas atividade recreativa, que é uma disciplina como as outras e que
portanto tem conteúdo teórico.
A condução da atividade deu-se com coordenação compartilhada: professora
e pesquisadoras revezaram-se na tarefa de problematizar os dados e apresentar
novos conceitos e conhecimentos dialogando com os trazidos pela turma.
c) Mas afinal, o que dizem e pensam os estudantes?
A partir dos questionários foi possível identificar que 53,8% dos estudantes de
sétimo ano são do sexo feminino e que mais da metade (52,5%) declarou-se como
preto ou pardo. A pergunta relacionada à cor/raça despertou dúvida na hora do
preenchimento e muitos repetiram frases conhecidas quando se trata deste assunto,
tais como: ―Eu sou marrom.‖ ―Eu sou moreninho.‖ ―Que cor eu marco?‖ Apesar de
este não ser o foco da pesquisa, ficou bastante nítido que o tema poderia render
discussões importantes com as turmas de sétimo ano.
A diferença de idade entre os estudantes do sétimo ano é grande: a aluna
mais nova tem 11 anos e a mais velha tem 19 anos – 26,3% têm entre 11 e 12 anos;
61,4% têm entre 13 a 15; e 12,6 têm mais que 16 anos. Lidar com níveis de
maturidade muito diferentes representou um desafio porque observações, piadas e
interesses são, da mesma forma, diversos. Contudo, na maior parte do tempo o
clima foi propício à participação de todos. Foi possível identificar que muitos
197
estudantes já possuem tarefas bastante relevantes no âmbito familiar relacionados
ao preparo de refeições e cuidado com a casa e os irmãos mais novos. Algumas
alunas 55 já trabalham e outras fazem cursos principalmente de informática e de
inglês.
A grande ênfase a partir das reflexões sobre as rotinas diárias e sobre hábitos
alimentares e de atividade física apareceram em torno da alimentação escolar e da
demanda por mais esportes na escola. As quatro turmas manifestaram igual
necessidade de opinar sobre a escola. Isto pode, em parte, ser atribuída a certa
recusa em apresentar fatos mais particulares e familiares, remetendo o debate ao
que é público e comum a todos. Tal atitude é compreensível não apenas por tratarse de um público adolescente em sala de aula, mas pela própria circunstância de
pesquisa. Mesmo com esta ressalva, mais uma vez fica explícito o papel estratégico
da escola para o estímulo ao exercício do diálogo e participação. As rotinas de casa
e o contexto familiar foram ao longo das atividades sendo incorporados ao diálogo.
Alimentação na escola
Com relação às refeições na escola, um importante eixo do diálogo foi
consumir ou não a alimentação escolar e porque. A maioria das falas repete-se em
torno de algumas respostas: ―Depende da comida. Tem comida que é boa.‖ ―Tem dia
que a comida está boa.‖ ―Eu gosto só às vezes.‖ Alguns dos estudantes são
enfáticos na afirmação de que nunca comem porque a comida da escola deveria ser
melhor: ―Eu acho que é horrível. Podia mudar.‖ Os estudantes confirmaram na
resposta ao questionário o que haviam falado em sala de aula: 73,8% responderam
que nunca (45,7%) ou raramente (26,3%) comem a comida servida pela escola.
55
Utilizamos o gênero feminino nestas descrições porque não houve relato por parte dos alunos do
sexo masculino sobre trabalho ou cursos.
198
Figura 4: Percentual de estudantes do 7º ano, por consumo semanal de Alimentação Escolar
– Setembro de 2012
47,5
50
45
40
35
30
26,3
25
20
15
11,3
10
10
5
5
0
Não
respondeu
Nunca
Raramente
3 a 4 dias da
semana
5 dias ou
mais
Explicações sobre preferências e aversões fizeram parte das rodas de
conversa, contudo parece haver na negação da alimentação escolar um sentido de
adequar-se à resposta da maioria. Muitos não foram capazes de expressar o motivo
de não comerem a merenda ou explicitar o que não gostam: ―Eu não como. Mas
falam que tem dia que está gostosinho.‖ ―Só comi só na quarta serie. Parei. Não sei.‖
Algumas falas demonstram raiva ao tratar da alimentação escolar porque esta
é identificada com a proibição da cantina na escola. Reclamam por não terem o
direito à escolha e fazem questão de ressaltar que teriam dinheiro para consumir na
cantina.
Deixa eu falar. Porque tem vezes que a gente traz o dinheiro, a gente quer ir lá fora comprar
um lanche, a coordenadora não deixa a gente comer. Então o que? A gente é obrigado a
comer na escola? [...] Porque às vezes a gente fica com fome, toda hora. Aí eu quero comer.
Aí fui lá comprar, quando eu volto ela fala que se ver de novo vai mandar a gente para fora.
Por quê? Eu quero saber por quê.
E a colega ao lado completou:
Ela [coordenadora] viu o salgado da barraquinha passar por baixo. Falou que a gente tinha
que comer a comida da escola, não comer salgado. E tem gente que não é obrigatório comer a
comida da escola.
A jovem que fez a primeira fala mais adiante no debate expressa novamente
sua revolta com a alimentação na escola: ―Eles dizem que dão comida na escola só
para quem não tem comida em casa não ficar com fome.‖ Quando questionada
199
sobre quem seriam ―eles‖, fica em silêncio parecendo confusa. Não responde esta
questão, mas continua sua argumentação novamente falando sobre ―eles‖:
Eles dão comida dez horas. Tipo assim, se eu como dez horas onze horas eu já vou estar com
fome. Então meio dia. Minha filha, tem que dar comida meio dia porque meio dia que é a hora
do almoço. E comida boa, normal. Porque se fosse para eles não iam fazer de qualquer jeito.
Porque no [nome de outra escola] já me falaram que a comida é muito boa, porque aqui não
pode ser? Até lanchonete lá tem. [...] Eles dão estrogonofe de carne.
Esta aluna consegue explicitar questões de extrema relevância para o debate
sobre promoção da alimentação saudável nesta escola. Não apenas a necessidade
de qualificar o diálogo a cerca do PNAE – quem são ―eles‖, a noção de direito versus
a de obrigação, as orientações para a composição do cardápio. A noção de ―comida
boa, normal‖ pode trazer elementos interessantes para um diálogo acerca de cultura
e hábitos alimentares.
Em todas as atividades a questão do preconceito em torno de quem consome
a alimentação na escola esteve presente – ora de forma implícita e ora de formas
mais explícitas. Na quarta atividade as falas foram tão enfáticas que a professora de
educação física problematizou sobre a relação com o debate sobre bullying. Uma
aluna afirmou: ―Porque as meninas têm vergonha de comer na frente dos meninos?
[...] Porque se você come eles ficam falando várias coisas perto.‖ Segunda a aluna,
elas ficam muito constrangidas e dentre estas ―várias coisas‖ estão incluídas
principalmente falas sobre comer na escola e não ter o que comer em casa ou estar
passando fome.
Houve um professor que chamou a atenção em sua entrevista sobre à
extinção da cantina, avaliando esta como iniciativa positiva, mas questionando o fato
de não ter sido realizado nenhum trabalho complementar. Nesta idade os estudantes
são mais contestadores e começam a criticar as incoerências do discurso dos
adultos. Do ponto de vista da educação popular esta característica dos jovens e
adolescentes não deve ser tolhida, ao contrário deve ser estimulada para fomentar a
participação nas decisões importantes tanto local quanto globalmente.
Esta vontade de expressarem-se apareceu em diversos momentos. Durante os
debates em grupo um aluno falou: ―Queria falar outras coisas sobre a escola, mas
estamos falando de alimentação, não é?‖ Na mesma turma, quando questionados
sobre o que poderia ser feito para garantir uma alimentação mais saudável as
200
primeiras respostas foram: ―Abaixo assinado‖; ―Não jogar comida fora‖; e ―Protesto‖.
Apenas depois sugiram respostas mais previsíveis relacionadas a comer mais
verduras e aumentar o número de refeições durante o dia.
Neste sentido, a experiência nesta escola aponta para a necessidade de mais
escuta. É fundamental a proposição de espaços e mecanismos que permitam o
diálogo sobre estas e outras decisões relacionadas à escola. A grande questão que
está sempre implícita é o quanto este diálogo é desejado e factível dentro do atual
modelo de educação escolar e, sobretudo a partir das condições reais das escolas
públicas.
Importante que a retirada de cantinas das escolas seja apresentada como
opção de cuidado e não de punição e que a alimentação escolar seja apresentada
como um direito e não como um favor ou imposição. Neste mesmo caminho, Sturion
e colaboradores (2005) recomendaram a realização de pesquisas que tratem das
preferências dos alunos (por alimentos e de formas de preparação), da estrutura de
distribuição e dos horários das refeições para ampliar o potencial de adesão à
alimentação na escola.
É fundamental compreender mais sobre o quanto este discurso da alimentação
escolar como uma alimentação mais saudável consegue penetrar no núcleo de
sentidos destes estudantes. Num dos diálogos encontra-se boa ilustração sobre o
desafio quando, falando sobre a alimentação diária, um aluno afirma: ―Não como
nada na escola... não tenho fome.‖ E o outro continua: ―Comeria ‗x-tudo‘ todo dia...
pra que saúde?‖
Este pequeno trecho é bastante incômodo à noção que defende as atividades
transmissão de informação sobre saúde e nutrição aos alunos como algo que teria
uma utilidade implícita e inegável. Os discursos sobre promoção da alimentação
saudável estão impregnados por justificativas com o olhar no futuro – no que os
hábitos alimentares atuais podem interferir na saúde e qualidade de vida no futuro.
Tal discurso faz pouco sentido na adolescência e juventude, sobretudo nas classes
populares que, como salienta Valla, vivem em famílias mais preocupadas com a
provisão do que com a previsão. Existe ainda a constatação de que enquanto os
adolescentes tendem a ter uma atitude mais positiva da saúde, menos focada no
risco, os serviços enxergam a própria adolescência como fator de risco e
201
vulnerabilidade (TORAL et al, 2009) – visões que de tão antagônicas tornam difícil
encontrar os canais de diálogo e tornando a opção de realizar comunicados bem
mais atrativa, porque menos trabalhosa, para muito profissionais de saúde.
Nesta fase de muitas novidades e tantas coisas a descobrir e pensar, as
escolhas alimentares não ocupam muito tempo, como expressam os alunos em
diferentes momentos. A alimentação é ato que não é refletido e as opções mais
fáceis, que estão à mão, são as preferidas.
Biscoito, guaraná, refrigerante. O que tiver na geladeira eu como. O importante é que eu como.
Exemplo de fala similar em outra turma:
Qualquer coisa. Biscoito, pão, mate. Tanto faz.
Os estudantes têm preferência por alguns alimentos e preparações servidos
na escola. Nas quatro turmas foram muito citados o doce de leite, o frango, a carne
assada e a farofa. As mais rejeitadas ou menos apreciadas são as sopas 56 e o
macarrão, principalmente o ―macarrão sem molho‖.
Estudos em outras realidades apontam a baixa aceitação das sopas no
cardápio escolar (por exemplo, em BEZERRA, 2009; MUNIZ; CARVALHO, 2007).
Para Bezerra (2009) existe a influência do olhar dos gestores que enxergam esta
população como ―criança carente, faminta, necessitada de um prato de comida e que
come qualquer coisa. Então, os alimentos encorpados passam a predominar nos
cardápios, sobretudo a sopa‖ (BEZERRA, 2009, p.107).
A sopa muitas vezes acaba sendo uma opção no cardápio por ser uma
preparação mais barata, o que permite ajustar os custos para fechar as contas do
mês dentro dos per capitas destinados à execução do PNAE. Aprofundar o debate
sobre os significados da sopa no cardápio escolar pode representar uma
interessante discussão.
A questão do preparo tanto no que diz respeito à higiene quanto ao sabor
estiveram presentes nos debates e justificaram as preferências e, sobretudo, a
rejeição. A expressão ―às vezes‖ foi muito utilizada pelos estudantes para tratar da
56
Após a primeira atividade realizada na escola, no dia em que foi servida sopa de legumes nossa
equipe de pesquisa foi parada por vários alunos para falar que a sopa esta feia e ―aguada‖. Disseram
que naquele dia poucos merendaram. Fomos ao refeitório e confirmamos que estava mais vazio do
que o de costume.
202
alimentação escolar. Parece haver uma dificuldade em manter uma rotina tanto no
que se refere à produzir refeições saborosas e saudáveis quanto à freqüência dos
estudantes no refeitório.
Algumas pessoas não comem na escola porque têm nojo e outras não gostam da comida da
escola. A maioria come na escola às vezes.
Às vezes está boa, às vezes está gelada. Às vezes também está sem sal.
Os debates expressam uma concordância com os relatos de professores sobre
a monotonia do cardápio. Por outro lado, estas observações coincidem com a
afirmação de Bezerra (2009) de que os alunos buscam na merenda da escola a
novidade, o que é diferente do que tem em casa. Surgiram muitas falas sugerindo a
inclusão do diferente: ―Tinha que ter uma coisa diferente, sempre a mesma coisa.‖
―Sei lá. Alguma coisa diferente, mudar.‖ Da mesma forma percebe-se a valorização
do cardápio dos dias de festa: ―O dia que todo mundo come mesmo e faz fila até a
porta é o dia do natal.‖ O bolo de chocolate servido no dia das crianças apareceu em
diversos relatos.
A questão dos utensílios e, principalmente dos talheres, é uma forte
reivindicação. Na circulação no recreio, chamou atenção a forma de apresentação
da alimentação. A expressão ―comer com os olhos‖ diz bastante sobre o quanto a
aparência e da forma de servir os alimentos interfere no consumo e aceitabilidade.
Um dos alunos, avaliando os utensílios do refeitório, afirma: ―Tem que chegar
rápido para pegar o garfo...se não tem que comer de colher e o prato é de plástico.‖
E ele completa falando sobre a aparência da comida: ―Para melhorar a merenda só
colocando minha mãe para cozinhar. Mas às vezes a comida está feia e quando
você come está uma delicia.‖ A questão do garfo aparece muitas vezes, inclusive
quando é feito o questionamento sobre o que pode ser melhorado na alimentação na
escola, eles respondem: ―Dar garfo quando tem macarrão, porque só tem colher.
Não dá para comer.‖
Alguns alunos reclamam sobre a forma como a comida é servida. Uma aluna
fala: ―Vai colocar a comida no prato, parece que é lavagem. Aí ela pega a comida
assim e ‗vrum’, aí joga. Parece até que a gente é cachorro.‖ E sua colega ao lado
completa: ―Parece até que a gente está no presídio.‖ Da mesma forma, é importante
refletir sobre a forma de incentivar o consumo de alimentos e preparações para os
203
adolescentes. Crianças podem não questionar a insistência do oferecimento de
alimentos não consumidos, mas entre os adolescentes isto é percebido como
autoritário. Então, questionada sobre o que poderia mudar na alimentação na escola
uma adolescente responde: ―Quando eles obrigam a gente a comer feijão. Eles
obrigam a gente a comer tudo.‖
A baixa aceitabilidade e adesão de estudantes ao PNAE têm sido
demonstrada em diversos estudos (por exemplo, TEO et al, 2009; MUNIZ;
CARVALHO, 2007; STURION, et al, 2005). Múltiplos fatores interferem no consumo
da alimentação escolar dentre eles variáveis socioeconômicas, idade e estado
nutricional dos alunos (STURION, et al, 2005). Influenciam na menor adesão a
inadequação dos cardápios ao hábito alimentar e a não aprovação do sabor,
quantidade, a variedade e temperatura dos alimentos servidos (MUNIZ e
CARVALHO, 2007) e contribuem para maior adesão as
boas ―condições de
distribuição‖ que podem incluir:
[...] presença de refeitórios, sistema de autosserviço, tipo de utensílios utilizados, escalas de
turmas e monitoramento das refeições, menor presença de cantinas escolares,
desenvolvimento de ações de educação nutricional por profissionais nutricionistas, exposição
de materiais educativos (cartazes) e informativos (cardápios), variedade de cardápios com
maior incorporação de frutas, verduras e legumes (TEO et al, 2009, p.183).
Nas observações durante o recreio foi possível confirmar outro aspecto
relatado nos debates: a preferência pelas frutas. Muitas vezes não comem as outras
preparações servidas, mas passam pelo refeitório e pegam uma fruta. Os meninos
gostam muito de jogar bola durante o recreio e as meninas de conversar. Uma das
justificativas para não merendar ―É para não perder tempo no recreio.‖ Consideram
que o tempo é curto, como a fruta ―é só pegar‖, dá para aproveitar mais o tempo.
Além disso, consideram que comer apenas a fruta não é comer a merenda.
Sintetizando o debate sobre adequação da alimentação escolar duas falas
expressam bem as opiniões mais repetidas nas rodas de conversa:
Porque a comida da escola [...] Deveria ter mais higiene e não tem higiene. Deveria ter mais
gosto e não tem gosto.
[...] fizemos uma pesquisa na sala, que para a melhoria da escola deveria mudar os
cozinheiros e os cardápios. Fizemos uma pesquisa que todos comem na lanchonete [...]
Comemos na lanchonete salgados e doces.
204
Ao afirmarem que comem na lanchonete isto não tem uma relação direta com
o consumo diário de todos os alunos, mas que havendo oportunidade a preferência
é por consumir os salgados e doces das lanchonetes em frente à escola.
A alimentação em casa
Grande parte dos estudantes já havia mencionado que não fazia o desjejum
porque costumam estar atrasados para aula ou com preguiça para preparar. Alguns
dizem não sentir fome pela manhã ou sentir-se mal ao comer nesse horário. Os
dados do questionário confirmam o que já havia sido relatado nas atividades: mais
da metade dos estudantes do sétimo ano (55,1%) nunca (43,8%) ou raramente
(11,3%) tomam café da manhã. A irregularidade ou omissão do desjejum é um
hábito freqüente entre adolescentes e jovens (RABELLO e ANDERSON, 2011;
ARAKI et al, 2011; TRICHES e GIUGLIANI, 2005, FEIJÓ et al, 1997). Este hábito
tem sido relacionado com o excesso de peso e a obesidade nesta faixa etária e
impacta na disponibilidade de atenção, concentração e energia para a execução de
atividades comuns a esta etapa do dia: assistir aula e praticar atividade física.
Figura 5: Percentual de estudantes do sétimo ano, por consumo semanal de
Café da Manhã – Setembro de 2012
50
43,8
45
41,3
40
35
30
25
20
15
11,3
10
5
2,5
1,3
0
Não
respondeu
Nunca
Raramente
3 a 4 dias da
semana
5 dias ou
mais
Dentre os que tomam café da manhã os alimentos mais citados foram: leite
com achocolatado ou com café, suco ou refresco, biscoito ou pão. A escola oferece
café da manhã e os alimentos citados pelos alunos estão incluídos no cardápio.
Contudo, a grande maioria mais uma vez relata que não consumir ou porque
chegam atrasados ou porque não gostam: ―Eu não tomo café aqui. [...] Não gosto
205
[...] Só como quando eu trago merenda [...] Biscoito, Guravita ou Coca.‖ Esta foi uma
preocupação unânime dos professores que relataram que os estudantes chegam
para a primeira aula com biscoitos tipo snack e refrigerante ou guaraná.
Em resumo, muitos dos estudantes não realizam o desjejum nem em casa e
nem na escola, não comem na hora do recreio e só vão realizar a primeira refeição
quando retornam às suas casas para almoçar. Quando questionado sobre o que
havia comido até o horário da atividade que estava sendo realizada, um aluno
respondeu com naturalidade: ―Até agora nada. Só bebi água só.‖ É comum o relato
de dores de cabeça, sonolência e cansaço entre os estudantes, além disto o
consumo de guloseimas (balas, bombons, pirulitos, etc) é comum. Foi possível
dialogar um pouco sobre as conseqüências do jejum e houve por parte dos
estudantes a percepção de o quanto isto os afetava no dia-a-dia: ―Eu fico com uma
fome, eu fico com uma dor e começo a ver tudo rodando.‖ E relataram ainda: ―falta
de ar‖; ―moleza‖; ―irritado‖; ―quando eu vou comer eu passo mal.‖; ―gastrite‖.
Sobre este longo período sem comer questionou-se sobre chegarem em casa
com muita fome e um aluno respondeu: ―Não eu chego em casa e como só dois
pratos só! As vezes quando eu chego em casa eu durmo.‖ O colega completa sua
resposta em tom brincadeira: ―Ele dorme porque não tem comida. Aí para passar a
fome...‖ O aluno disfarça certo desconforto com a brincadeira e mudam de assunto.
Quem consome a alimentação escolar em muitos casos também almoça em
casa e isto está relacionado com o horário da merenda. Existe nestes casos a
repetição do almoço, que é uma grande refeição, podendo ter conseqüências, por
exemplo, no ganho de peso e/ou contribuindo para tornar mais confusa a distribuição
de horários das refeições diárias. Uma aluna que freqüenta diariamente o refeitório
explica:
Eu acordo e não tomo café. Chego na escola e as 10:00 eu lancho na escola, como a comida.
Quando eu chego em casa eu almoço de novo. Só que bem depois, três horas da tarde. Aí as
vezes eu como um salgado. De noite eu janto.
Como salienta Barbosa (2007) apesar de o ―sistema de refeições brasileiro‖
considerado como o ―tradicional‖ ser composto por seis refeições – sendo este
ratificado pelas recomendações médicas e nutricionais – nos centros urbanos ele
tem sido constituído por três, ou no máximo quatro, refeições. Isto não quer dizer
que as pessoas não comam entre as refeições, mas ao que se come entre uma e
206
outra não é atribuído o status de refeição e sim ―beliscar‖, ―comer porcarias‖,
―lanchinho‖, ―bobaginha‖ (BARBOSA, 2007)
Como pais e mães estão trabalhando na hora do almoço uma parte dos
estudantes é responsável por esquentar o almoço já preparado e outra parte precisa
preparar ou providenciar (comprar pronto). Isto garante diferentes graus de
autonomia na escolha da composição desta refeição. Apesar destes relatos sobre
rotinas em que pais e mães estão fora de casa no horário do almoço, 66,3% dos
estudantes almoçam ou jantam com mães/pais/responsáveis cinco vezes ou mais na
semana. Segundo Levy et al (2010) pesquisas relacionadas à hábitos alimentares de
adolescentes demonstram que realizar as refeições em família tem efeito positivo no
consumo de alimentos saudáveis e associação inversa com excesso de peso.
Apesar de preferirem os lanches em substituição ao jantar, a maioria relata
que estes são mais comuns nos finais de semana: ―É difícil. É comida mesmo. Só
sexta, sábado e domingo é lanche. Durante a semana é arroz com feijão.‖ No
entanto, alguns afirmam lanchar também durante alguns dias da semana: ―Eu não
sou de jantar. Sou de comer três pães. Eu lancho. [...] Porque eu não sou gordo?
Porque eu fico vidrado no computador.‖
Barbosa (2007) destaca a existência de três subsistemas que relacionam-se à
escolha do cardápio e ao tipo e grau de elaboração da comida servida: das refeições
semanais (que vigora de segunda a sexta-feira na hora do almoço), de fim de
semana (de sexta-feira até domingo à noite) e o ritual (relacionado a festividades e
datas comemorativas). Estes subsistemas coincidem com as descrições realizadas
pelos estudantes.
Em estudo cujos resultados são similares aos encontrados ―o jantar era
refeição na qual era mais frequente a presença dos pais e, mesmo assim, essa
refeição foi a mais substituída por lanches‖ (ARAKI et al, 2011, p.169). A família tem
grande
importância
na
formação
de
hábitos
alimentares,
mas
cabem
aprofundamentos e novos debates acerca desta influência ser sempre positiva em
termos de consumo de alimentos mais saudáveis.
A substituição de refeições por lanches tem sido constatada como freqüente
neste faixa etária e relatada com preocupação porque a preferência por lanches está
207
relacionada ao aumento de consumo de açúcares simples e alimentos com maior ter
de sal e de gordura (ARAKI et al, 2011; TRICHES; GIUGLIANI, 2005, FEIJÓ et al,
1997).
O hábito de comer estudando ou assistindo televisão é freqüente, sendo
relatado por 60,0% dos estudantes. Comer assistindo televisão é um hábito que tem
sido associado à excesso de peso e consumo de alimentos menos saudáveis.
Para a parte da tarde os relatos foram bastante variados. Muitos falam que
―beliscam‖ enquanto estão no computador ou em frente à televisão. Alguns referem
o consumo de pequenos lanches: ―Todo dia, de tarde, a noite, eu como biscoito com
guaravita.‖ Outros tomam café da tarde – com pão e leite.
Para a avaliação de freqüência alimentar foi utilizada a proposta da PeNSE
que trabalha com marcadores de alimentação saudável e não saudável,
identificando o consumo semanal destes em cinco ou mais dias na semana. Feijão,
legumes e verduras, frutas e leite foram selecionados como marcadores de
alimentação saudável. Frituras, embutidos, biscoitos e bolachas, guloseimas e
refrigerante foram identificados como marcadores de alimentação não saudável.
Figura 6: Percentual de estudantes do sétimo ano, por consumo alimentar semanal –
Setembro de 2012
Guaraná natural ou bebidas doces
Refrigerante
Leite
Frutas frescas
Guloseimas
Salgadinho de pacote
Biscoitos doces
Biscoitos salgados
Legumes ou verduras cozidos
Salada crua
Legume ou verdura cru ou cozido
Embutidos
Salgado frito
Feijão
1,3
31,3
11,3
11,3
6,3
6,3
8,8
7,5
25
7,5
15
26,3
Nenhum dia
48,8
23,8
18,8
25
23,8
37,5
28,8
50
40
16,3
46,3
15
15
40
20
7,5
28,8
22,5
7,5
5
46,3
30
13,8
8,8
1,3 5 1,3
10
12,5
16,3
16,3
33,8
48,8
16,3
1,3
6,3
20
28,8
18,8
13
0
Não respondeu
13,8
7,5 3,8
10
23,8
26,3
31,3
20
1 ou 2 dias
13,8
21,3
37,5
23,8
17,5
17,5
16,3
10
27,5
10
75
40
60
3 ou 4 dias
80
5 dias ou mais
100
208
Os dados revelam que 75% dos estudantes desta escola consomem feijão
cinco vezes ou mais na semana, número superior ao identificado pela PeNSE (2009)
que foi de 62,5%. Durante outras atividades, quando questionados sobre o que não
poderia faltar no prato foi comum incluírem o feijão: ―Tem que ter feijão.‖ ―Feijão é o
principal.‖
Por outro lado, o consumo de leite cinco vezes ou mais na semana foi menor
na escola (46,3%) do que na PeNSE (53,6%) e o consumo de refrigerante revelouse maior nesta escola (48,8%) do que os dados nacionais (37,2%). O baixo consumo
de leite é relatado com preocupação em outros estudos sobre consumo alimentar de
adolescentes e jovens (RABELLO; ANDERSON, 2011; TRICHES; GIUGLIANI,
2005). Considerando os relatos, é possível que o consumo de refrigerante esteja
concorrendo com o de leite tanto no café da manha quanto nos lanches da tarde.
Este fato é preocupante uma vez que este o consumo deste grupo alimentar é fonte
de cálcio e proteínas, essenciais sobretudo durante a fase de crescimento.
Sobre o refrigerante as falas foram variadas. Alguns relataram consumo ―Só
final de semana.‖ Enquanto outros afirmam: ―Tomo quase todo dia.‖ ―Guaraná é que
nem água pra mim.‖ Consumo é realizado em parte nas lanchonetes próximas à
escola que vendem refrigerante de dois litros que costumam ser partilhados na saída
da escola. Estas lanchonetes vendem as marcas conhecidas e as opções mais
baratas de refrigerante. Falando sobre o colega de turma um aluno afirma: ―Na
sobremesa, no café, no almoço no lanche. É coca-cola só. Ele é viciado.‖
A categoria ―guaraná natural e outras bebidas doces‖ foi incluída às outras
previstas na PeNSE (2009) devido a grande preocupação manifestadas pelos
profissionais de saúde e educação acerca do consumo destes produtos pelos
estudantes. Os dados confirmaram que 33,8% dos estudantes consomem estas
bebidas cinco dias ou mais na semana e somando aos dados de consumo de
refrigerante demonstra o grande volume de consumo de açúcares simples apenas
nestes componentes da dieta. Os debates sobre a contribuição deste grupo de
209
alimentos no aumento da obesidade infantil têm sido alarmante no Brasil e no
mundo57.
Desde a atividade 1 as falas dos estudantes ao avaliarem os hábitos
alimentares de suas turmas registram que a alimentação: ―Está descontrolada.
Come muita besteira na hora errada. Almoça na hora errada. Tudo isso. Janta na
hora errada.‖ Antes da apresentação de dados na quarta atividade as turmas foram
questionadas sobre como elas avaliavam a alimentação do sétimo ano e a resposta
foi de que a alimentação não era saudável porque consumiam muitas ―besteiras‖ ou
―porcarias‖ – termos usados para referir o consumo de biscoitos, refrigerantes e
guloseimas. O fato de as meninas consumirem mais guloseimas não foi surpresa.
Antes da apresentação dos dados algumas turmas afirmavam: ―Meninas. De manhã
já tão com pirulito.‖ ―As meninas comem mais doce.‖
A PeNSE identificou diferenças e semelhanças nos padrões alimentares de
meninos e meninas. O consumo de feijão e leite é maior entre escolares do sexo
masculino e o de guloseimas e biscoitos doces e salgados é maior entre escolares
do sexo feminino. Não houve diferença entre os sexos no que se refere ao consumo
hortaliças e frutas, de batata frita e salgado frito (IBGE, 2009). Quadro similar pode
ser observado nesta escola como descrito no Quadro 8.
Quadro 8: Comparação entre percentual de estudantes do sexo feminino e masculino
do sétimo ano, por consumo de marcadores alimentares cinco vezes ou mais na
semana
Marcadores
Alimento
Sexo Masculino
Sexo Feminino
Refrigerante
37,8%
58,1%
Marcadores de alimentação
não-saudável
Guloseimas
29,7%
65,1%
Leite
56,8%
37,2%
Marcadores de alimentação
saudável
Feijão
81,1%
69,8%
Analisando os dados da PeNSE a partir dos marcadores de alimentação
saudável e não saudável Levy et al (2010) identificaram que o consumo de
marcadores de alimentação não saudável foram freqüentes enquanto os marcadores
de alimentação saudável estiveram abaixo do recomendado. Analisando os
marcadores por gênero, as meninas estão mais expostas a situações consideradas
não desejáveis em termos de práticas alimentares. Curioso é observar que
57
Em congressos internacionais, como por exemplo no ano passado o World Nutrition e o Congreso
internacional comer en la escuela, este assunto tomou espaço expressivo nos debates e
demonstrando que esta é uma preocupação de especialistas da Europa e dos Estados Unidos.
210
geralmente preocupações e interesses quanto aos ―assuntos alimentares, imagens
corporal, saúde e dieta‖ são mais comuns às adolescentes o que por muitas vezes
incluem entre os repertórios a eliminação de alimentos identificados com ganho de
peso (FEIJÓ et al, 1997).
Assim como o trabalho de Levy et al (2010), a experiência nesta escola
recomenda fortemente a intensificação de ações de promoção da alimentação
saudável na escola como estratégia fundamental de ações de promoção da saúde
dirigidas aos jovens.
Participação nas compras, escolhas e preparo dos alimentares da família
Foram muitos os relatos de estudantes que sabem cozinhar e aprenderam ao
observar os adultos: mães, pais, as avós e outros parentes próximos. Cozinham
principalmente nos dias de semana e relatam desde preparações simples como
macarrão instantâneo até mais elaboradas como feijão, carne assada e outros
―pratos de final de semana‖. Estes aspectos não se referem apenas às meninas,
mas a um grupo considerável de meninos.
A presença dos pais como referências para os meninos que declaram saber
cozinhar chamou atenção. Assim como foi marcada a posição de algumas meninas
que fizeram questão de declarar que não sabem e não gostam de cozinhar. Isto
pode estar relacionada a atribuição social ao cozinhar que é tarefa da ―dona-decasa‖ e por outro lado. Para os homens cozinhar é um prazer porque não o fazem
por obrigação ou todos os dias (BARBOSA, 2007).
Os programas de televisão aparecem como fonte de receitas e alguns
apresentadores e programas são citados no momento de referir quem cozinha bem
ou com quem aprendeu a cozinhar. Alguns estudantes cozinham diariamente: tanto
meninos – ―Praticamente eu moro sozinho. [...] Porque a minha mãe trabalha todo
dia e só volta de noite.‖ – quanto meninas – ―Um monte de coisas. Mas não gosto
de fazer. Mas sei. Faço obrigada.‖
Contudo para alguns dos estudantes, principalmente os mais novos, cozinhar
ainda é difícil e as preparações mais relatadas são macarrão instantâneo e
brigadeiro: ―Geral sabe fazer miojo.‖ ―Brigadeiro é a única coisa que eu sei fazer.‖
Em outra turma os alunos falaram: ―Eu só sei fazer refrigerante.‖ ―Eu só sei fazer
211
suco de Ki-suco.‖ Num diálogo uma aluna afirma: ―Eu acho que todo mundo sabe
cozinhar, só basta querer.‖ O colega responde: ―Sabe não.‖
Uma fala chamou à atenção por adjetivar a alimentação de uma forma
bastante peculiar: ―Eu almoço comida de microondas porque a minha mãe trabalha.‖
Interessante identificar que esta categoria, ―comida de microondas‖, pode estar
concorrendo com outras já tradicionais como a ―comida da mãe‖ ou ―comida da
vovó‖. Tratando da ―modernidade a domicílio‖, Fischler (1998) reflete sobre os
impactos da dupla ―forno de microondas e os congelados‖ na alimentação de
famílias francesas e suas relações com economia de tempo e comodidade. Nos
debates realizados na escola embora exista mesma relação com a necessidade de
poupar tempo diante de uma realidade de mães que trabalham fora, continua a
ocorrer o preparo em casa das refeições, mas aquecer no microondas parece retirar
em parte a possibilidade de enxergar as origens desta comida que nem sempre
surge pronta no forno ou na geladeira como os congelados.
Ir ao mercado é uma tarefa relatada pela maioria dos estudantes que vão
sozinhos para pequenas compras ou acompanhados por mães/pais/responsáveis
para compras maiores ou ―compras de mês‖. Eles interferem, ainda que pouco, nas
escolhas e na lista de compra familiar.
A preferência pela compra e consumo de produtos ultraprocessados e das
chamadas ―besteiras‖, bem como a ênfase no consumo de marcas são aspectos
relevantes. Contudo, este consumo está condicionado a ter (receber de
mães/pais/responsáveis) dinheiro
para
comprar.
Para uma parcela destes
estudantes que já trabalha, existe autonomia maior para a escolha. Nestes casos a
preferência pelos salgados e pelos refrigerantes e outras bebidas adoçadas é bem
relevante.
Em alguns casos, este consumo de ultraprocessados é hábito da família como
um todo: ―Lá em casa só tem Tangue. [...] meu padrasto é viciado em Tangue. Aí,
laranja, maracujá e morango. De vez em quando a gente mistura.‖
Foram menos comuns os relatos que estabeleceram relação entre renda
familiar e as compras. Apesar da sabida relevância do tema, ele não foi objeto de
problematização visto que necessitaria de tempo e estratégia especifica para ser
212
tratado. Na descrição a seguir representa uma ―fala significativa‖ que poderia
desdobrar em sequência de atividade relacionando o tema alimentação às de
questões de gênero, de trabalho e renda, de desigualdades, de preço versus valor
da alimentação.
Minha avó teve duas filhas [...] Minha tia teve uma sorte de conhecer um homem que teve
muito dinheiro. Minha mãe não teve essa sorte. Aí minha tia faz assim, ela tem dois filhos. Aí
vai os quatro, cada um pega um carrinho e compra o que quiser. Lá em casa não, é minha
avó.
Quando questionados sobre o que comprariam se ficassem responsáveis
pelas compras de casa, a princípio as respostas relacionavam-se à categoria das
―besteiras‖ – ―Eu só ia comprar besteira.‖ ―Eu só iria comprar biscoito.‖ ―Ia comprar
muito [...] leite condensado para fazer brigadeiro.‖ Depois surgiam frases que
encontravam identificação com os hábitos da família: ―A mesma coisa. Porque tudo
que eu como, tudo que eu peço é a minha mãe compra.‖
As grandes redes de fast food aparecem com entusiasmo nos diálogos: ―Qual
é a criança que fica feliz em comer um pão com hambúrguer no Mclanche?‖. E outra
turma, numa conversa animada entre três alunos percebe-se a importância de
relatar experiências nestes estabelecimentos: ―Milk-shake do Bobs é gostosão.‖ ―Sou
mais no Mcdonald’s.‖ ―Já fui no Bobs e Rabibs.‖ ―Bota na foto deste tamanho e
chega lá é pequenininho.‖ ―Big Mc é seis reais.‖
Os lanches são condicionados a receber dinheiro dos pais e com freqüência
menor do que gostariam: ―De vez em quando não. Quando tenho dinheiro eu como
todo dia.‖ ―Final de semana às vezes é lanche.‖ ―Dia de semana não. Só açaí.‖ As
lanchonetes de bairro são mais freqüentadas que as de rede de fast food: ―Cachorro
quente do Gramacho.‖ ou ―x-total. [...] São três carnes, três ovos, três queijos, três
presuntos. Molho especial do Bobs.‖
Essencial retomar as contribuições de Fischler (1998) e seus questionamentos
acerca da chamada ―mcdonaldização‖ dos costumes e/ou do ―imperialismo
alimentar‖ norte-americano. O autor nos alerta para o crescente ―valor agregado‖
tanto aos fast foods quanto aos ―produtos de marca‖ e ressalta a influência dos
grandes investimentos publicitários não apenas relacionados ao produto em si, mas
a própria massificação em torno de produtos destinados a economizar ―o precioso
tempo doméstico‖. A alimentação neste contexto traz em si relações complexas de
213
escolha que incluem ―relações estreitas entre dois pólos aparentemente opostos na
alimentação moderna: a funcionalidade e o prazer‖ (FISCHLER, 1998, p.845)
Hábitos de atividade física
As mudanças de hábitos relacionadas à vida moderna têm estimulado o gasto
maior de tempo com atividades sedentárias. O desenvolvimento de sobrepeso e de
obesidade tem sido relacionado ao excesso de ingestão calórica e diminuição da
atividade física. Televisão, internet e videogame estão entre as atividades preferidas
de crianças e adolescentes, sobretudo em áreas urbanas e metropolitanas. Estes
hábitos estão freqüentemente associados ao consumo de alimentos calóricos. Esta
relação tem sido relatada com preocupação em diversos estudos (RABELLO;
ANDERSON, 2011; HALLAL et al, 2010; NUNES et al, 2007)
Assim como em outras realidades, nesta escola os estudantes revelaram que
passam muitas horas assistindo televisão ou no computador. Alguns citam a
programação inteira da televisão no período tarde e noite. No computador o
passatempo preferido são as redes sociais e os jogos.
Nós somos todos viciados [em computador]. [...] Estamos competindo quem fica mais tempo.
Minha vida é computador.
Em tempos em que a vida de casa está cada vez mais exposta nas redes
sociais, estas também se tornam espaço para falar sobre que se come: ―Está cheio
de gente botando no Facebook quase todo dia: ‗ah, estou comendo brigadeiro de
colher.‘‖
Grande parte dos estudantes revelou que não tem hábito de estudar à tarde –
―Só às vezes.‖ A internet em casa aparece como um status. Em uma das ocasiões
onde esta relação transparece, uma aluna fala: ―De tarde eu estudo pra entrar na
Internet. Sem estudar eu não posso entrar na Internet.‖ Outra aluna fala que só tem
Internet na casa da mãe então nem sempre usa. A aluna então responde: ―O que?
Lá não tem Internet?‖
A OMS, recomenda que as crianças não devem estar mais que duas horas por
dia assistindo televisão e jogando videogame. Nesta escola 88,8% dos estudantes
ficam mais de duas horas por dia em frente à televisão, dado superior ao da PeNSE
(79,5%).
214
Analisando os dados da PeNSE, Hallal et al (2010) identificam como
alarmantes os dados acerca do tempo utilizado pelos escolares em frente a
televisão. Defendem que o espaço escolar é importante estimulador da prática de
atividade física, mas não deve ser o único, destacando a importância da família e de
outros integrantes do círculo social como fundamentais ao estímulo de estilo de vida
mais saudável. ―Para promover a atividade física e a saúde no meio escolar, será
preciso atribuir aos comportamentos saudáveis significados e interesse dos jovens‖
(HALLAL et al, 2010: 3041).
É reconhecida a íntima relação entre a prática de atividade física e saúde. Os
dados da PeNSE trabalham o tempo de atividade física acumulada combinando
tempos e freqüências de atividade como ir a pé ou de bicicleta para a escola, aula de
educação física e as atividades extraescolares. Os escolares são classificados como
―ativos‖ quando acumularam 300 ou mais minutos de atividade física por semana.
A forma como os dados foram coletados nesta escola não permite comparação
direta com os dados nacionais. Contudo, destaca-se que 73,8% dos estudantes vão
para escola a pé ou de bicicleta todos os dias e que 66,4% relataram praticar
atividade física duas vezes ou mais por semana. Uma gama de atividade física foi
relatada pelos alunos: futebol e dança foram os mais freqüentes, mas também
natação, musculação, andar, correr, andar de bicicleta e jogar queimada. Estar
acima do peso foi considerado motivo para procurar academia.
Tanto a PeNSE como outros estudos internacionais apontam que escolares do
sexo masculino praticam mais atividade física (IBGE, 2009). Nesta escola este
mesmo padrão foi observado: enquanto 81% dos meninos relataram prática de
atividade física duas vezes ou mais por semana, apenas das 53%meninas relataram
a mesma rotina.
Em diversos momentos os alunos avaliaram que praticam bastante atividade
física, contudo gostariam que a escola proporcionasse mais opções inclusive no
contra-turno: ―Eles tinham que colocar atividade tipo dança, hip hop, aula de teatro,
essas coisas.‖
Importante registrar que o bairro apresenta espaço muito restrito para a prática
de atividade física e neste contexto a quadra da escola e as ruas são muito relatadas
215
como espaço de lazer pelos adolescentes e jovens. Duas atividades presenciadas
na escola reforçam tanto a carência dos alunos por espaços de lazer e prática de
atividade física quanto a sensibilidade dos professores de segundo seguimento
desta escola às demandas de seus alunos. A primeira foi a realização de um
campeonato de futebol que reuniu na quadra, assistindo aos jogos profissionais de
diversas disciplinas e ―apitando‖ os jogos os dois professores de geografia. A
segunda foi um festival de dança idealizado pela professora de educação física
também com a presença dos professores das demais disciplinas. Em ambas as
atividades a impressão foi de que a iniciativa e a execução foram exclusivamente
dos professores, contando com pouco apoio da equipe diretiva e sendo
desconhecida das equipes de Saúde da Família.
Relação com os quintais
Apesar de ser um bairro com características urbanas, houve relato da
presença de árvores frutíferas em casa ou na casa de parentes e do consumo
destas frutas. Aparece nos relatos algo bem comum à realidade da Baixada
Fluminense: os quintais vêm sendo reduzidos ou porque acabam sendo cimentados
ou porque há a construção de casas para parentes. É comum que o quinta seja
partilhado por diversas famílias. ―No meu quintal não tem nada. Meu tio é tão chato,
não deixa plantar nada.‖
A experiência com hortas caseiras é pequena e está relacionada à presença
das avós e dos avôs. Apenas uma aluna relatou a existência de horta em casa como
experiência atual. Já a presença de árvores frutíferas é comum nos quintais de pés
de manga, goiaba, cajá, banana, abacate, carambola, acerola, jabuticaba, fruta pão
entre outras.
Saúde, alimentação e nutrição como ―temas significantes‖
Foi apresentada pelos estudantes uma visão vaga sobre alimentação saudável
identificando-a principalmente com o consumo de frutas e verduras e de ―coisas
saudáveis‖, incluindo posteriormente nesta equação a importância de consumir
arroz, feijão e carne.
No exercício de problematizar os dados sobre hábitos alimentares das turmas
de sétimo ano e a relação com a adolescência, os estudantes foram capazes de
216
identificar peculiaridades, como por exemplo, o aumento de apetite – a vontade de
―Comer tudo que vem pela frente‖ e perceber que ―Sinto muita fome.‖ O tema que
despertou muito interesse entre os alunos foi o que tratou das especificidades da
alimentação para o adolescente que prática de atividade física. Muitos dos alunos
jogam futebol quase todos os dias e vêem neste esporte possibilidade de atuação
profissional.
A principal articulação entre os temas de alimentação e nutrição com a saúde
foi sob a perspectiva da higiene de alimentos. Isto pode estar relacionado às
atividades iniciais que se focaram mais alimentação do que na nutrição e pode estar
relacionado a um discurso de higiene que permeia as escolas de forma geral e a
esta de forma específica relacionando-se a condições geradas pela a falta de água.
Eu acho assim, se alguma coisa está estragada vai fazer mal com certeza.‖ ―Higiene. Os
alimentos deveriam ser mais lavados?
Esta faltando higiene na hora de fazer a comida. [...] Eles lavam o prato, eles botam a comida
no prato e prato está cheio de água.
Outras relações entre saúde e nutrição surgem de explicações relacionadas a
equilíbrio e regularidade das refeições:
Se você comer muito faz mal e se você não comer você não vive. Tem que comer para ficar
bem.
Comer nas horas certas de se alimentar.
Os
estudantes
demonstraram
dificuldades
em
sugerir
temas
para
aprofundamento relacionados à saúde, alimentação e nutrição quando questionados
diretamente sobre o que gostariam que fosse abordado em atividades seguintes.
Além de sugerirem mais debates sobre a alimentação na escola destacaram os
temas da obesidade e da alimentação saudável, relacionada ao preparo da
alimentação e a hábitos alimentares.
Obesidade, porque eu tenho uma tia [obesa]
[...] alimentação saudável. [...] o pessoal come muito lanche
Seria melhor a gente aprender sobre nutrição, por quê? Apesar de nós cozinharmos, tem
algumas dúvidas que ficam em nossa mente.
Além deste temas, pôde-se identificar que engordar é uma preocupação,
principalmente entre as adolescentes. Em uma das turmas houve grande interesse
por dietas da moda e compulsão. Em outra turma surgiu uma pergunta sobre alergia
217
e intolerância alimentar. Diabetes, hipertensão e colesterol alto são temas que
aparecem entre muitas dúvidas nos relatos sobre a saúde de familiares.
Conforme havia sido alertado por uma das professoras de ciências, foi comum
nas atividades identificar constrangimentos e piadas com relação aos alunos
considerados acima do peso. O caso que chamou mais atenção foi de um aluno
muito participativo que se calava ao menor sinal de brincadeiras em torno de seu
peso ou aparência.
Quando questionados sobre a existência da relação entre os temas tratados e
o bullying, uma das turmas reflete: ―Se a pessoa come mais, ou se ela come menos,
de qualquer jeito ela sofre bullying.‖ A colega ao lado concorda: ―Pior que é.‖ E em
seguida uma terceira aluna completa: ―Até se ela come errado ela sofre bullying.‖
E na seqüência, relacionando este tema aos padrões de beleza e as pressões
que sentem os adolescentes, respondem a provocação da professora de educação
física sobre o que fazem os adolescentes para se encaixarem nos padrões: ―Toma
bomba.‖ ―Vai pra academia.‖ ―Fica sem comer.‖
Na quarta atividade houve oportunidade para problematizar a questão da
alimentação escolar, incorporando ao debate o fato de ser um direito e de ser uma
prática não apenas naquela escola, mas em todo o país e também em outros países.
Ao serem questionados se a alimentação escolar era de graça ou se alguém pagava
em todas as turmas um ou mais alunos responderam que a alimentação era paga
com o dinheiros dos pais, através de seus impostos. Foi possível perceber que
enxergada desta forma, a alimentação escolar é capaz de direcionar a energia dos
alunos em torno desta discussão mobilizá-los para outros debates relacionados à
qualidade de serviços públicos.
d) Selecionando falas significativas
A investigação temática, ponto de partida do processo educativo, não pode
limitar-se a um ato mecânico. Corresponde a processo de busca, conhecimento e
criação no qual os sujeitos vão descobrindo e interpretando problemas no
encadeamento dos temas. Esta ação é ―tão mais pedagógica quanto mais crítica e
tão mais crítica quanto [...] mais se fixe na compreensão da totalidade‖ (FREIRE,
2005: 116).
218
Apenas o levantamento preliminar da realidade não habilita a realização de
atividades educativas realmente críticas.A primeira etapa de uma investigação
temática ainda está fundada na visão dos pesquisadores-educadores-educandos e
ainda não representa ainda a visão da realidade dos eduncados.
Esta é a razão por que o fato de os investigadores, na primeira etapa da investigação, terem
chegado à apreensão mais ou menos aproximada do conjunto de contradições, não os
autoriza a pensar na estruturação do conteúdo programático da ação educativa (FREIRE,
2005, p.125).
O conjunto das ações descritas nesta fase permitiu reunir material suficiente
para a identificação preliminar de falas significativas. Preliminar porque foi realizada
enquanto exercício teórico-prático no interior da equipe de pesquisa. O quadro a
seguir, apesar de ter sido partilhado com profissionais de saúde e educação, não foi
construído de forma participativa. A tentativa desta construção conjunta foi prevista
para pauta do segundo GE que devido às mudanças de calendário escolar –
relacionadas principalmente à falta de água– não foi realizado. Posteriormente foi
prevista para a oficina de planejamento do PSE. Contudo a falta de sintonia e de
organização interna das equipes tomou o espaço que seria destinado a esta
construção
compartilhada
durante
a
oficina
de
planejamento
do
PSE
impossibilitando mais uma vez a construção conjunta.
Uma fala significativa é aquela que expressa a visão de mundo do educando
com suas contradições, conflitos e seus limites explicativos. Representa a
compreensão que os educadores possuem da problemática local. O tema gerador
emerge
destas
falas
significativas
e
expressam
uma
situação
concreta,
diagnosticada pelo grupo (FREIRE, 2005; SILVA, 2005).
A partir do tema gerador é possível a descrição do conteúdo programático que
representa o conjunto de temas significativos. A rede temática é a organização de
uma abordagem interdisciplinar do conteúdo programático, incorpora a análise e as
relações que educadores estabelecem com áreas de conhecimento: ―[...] assume o
papel pedagógico de sistematizar a denúncia das relações de poder e de interesse
hegemônico escamoteados pela ideologia arraigada nas práticas socioculturais
tradicionais‖ (SILVA, 2005, p.15).
O quadro a seguir, apresenta uma das possibilidades de construção de um
conteúdo programático a partir do levantamento de realidade e de falas significativas
219
nesta escola. De acordo com o envolvimento mais ou menos efetivo dos sujeitos
implicados – professores, equipe diretiva, equipes de Saúde da Família, profissional
da alimentação escolar, estudantes, familiares, lideranças – influenciariam na
construção de outro quadro que poderia ser similar ou completamente diferente do
apresentado. Mesmo com estas ressalvas, as falas significativas identificadas
constituíram a base da composição das atividades de culminância.
220
Quadro 9: Seleção de ―falas significativas‖, ―tema gerador‖ e ―contra-tema‖- sétimo ano
Limites
Fala
Visão dos
Tema Gerador
Visões de mundo
explicativos/
Significativa
educadores
contradições
Expressa a visão de
mundo do educando com
suas
contradições,
conflitos e seus limites
explicativos (Silva, 005;
Freire, 2005)
Expressa os vários níveis de
percepção de si mesmo e do
mundo em que e com que
estão e se manifesta por
ações, reflete sua situação no
mundo (Freire, 2005)
Até agora nada.
Só bebi água
[...] a gente fica
com fome [...]
trás dinheiro.
Mas falam que
tem dia que está
gostosinho.
[...] se fosse para
eles não iam
fazer de qualquer
jeito.
Comer a comida da
escola é vergonhoso
e quem come são
aqueles estudantes
mais pobres ou que
não tem comida em
casa e por isso a
alimentação é ruim e
preparada sem
cuidado. Por isso, é
preferível ficar com
fome a comer a
alimentação escolar.
Ter saúde é abdicar
do prazer. Alimentos
pouco saudáveis são
associados ao lazer
e as atividades
sociais. A
preocupação é
exclusivamente com
a satisfação
momentânea
dificultando refletir
acerca da saúde ao
longo da vida
(provisão X previsão/
prevenção - Valla).
O repertório de
receitas e consumo
de alimentos é
fortemente marcado
pelos
ultraprocessados.
Reconhecer a
origem do alimento,
sua relação com a
saúde e afetividade
não têm importância.
O que tiver na
geladeira eu
como. O
importante é que
eu como.
Comeria x-tudo
todo dia... pra
que saúde?
Eu almoço
comida de
microondas
porque a minha
mãe trabalha.
Eu só sei fazer
refrigerante. Eu
só sei fazer suco
de Ki-suco.
Eu sei fazer
miojo.
Contra-tema
(expressão da visão dos
educadores que desafia
à realidade vivida)
Expressam grau de
imersão e fatalismo,
em
relação
as
contradições (Freire,
2005)
Análise coletiva. Identifica
contradições
sócias
e
diferentes
formas
de
preconceitos e de opressão
(Silva, 2005; Freire, 2005)
Os estudantes
não podem
opinar sobre a
qualidade da
alimentação
porque ela é
uma doação
ou favor do
governo para
os alunos que
precisam.
Alimentação escolar
é um direito de todo
o estudante e só é
considerada
adequada quando
atinge as dimensões
da saúde, do prazer,
da sustentabilidade,
da cultura e da
segurança. É um
direito precisa ser
apoderado por seus
sujeitos.
O que é gostoso e
prático pode também
ser saudável. As
escolhas alimentares
que fazemos têm
impacto na nossa
saúde e qualidade
de vida desde o
presente até futuro.
O que é
saudável não
é gostoso.
Comer é o
suficiente, não
importam as
relações deste
ato com a
saúde e com o
mundo.
O que é
prático, fácil e
moderno é o
industrializado.
Situação
existencial
presente
como
problema que desafia
e exige resposta no
nível
intelectual
e
também
da
ação
(Freire, 2005)
[...] se fosse
para eles não
iam fazer de
qualquer jeito.
Não acesso a
direitos
essenciais e
serviços
públicos de
qualidade como
fatalidade
Problematizaçã
o:
Quem são os
seres humanos
que têm direito
à alimentação,
saúde,
educação, água
e serviços
básicos de
qualidade?
Porque estes
bens não
chegam a todas
as pessoas de
maneira igual?
Como os jovens
podem
contribuir para
garantir estes
direitos a partir
de hoje e para
as futuras
gerações?
O consumo
exagerado de
alimentos
ultraprocessados
não ocorre de forma
espontânea ou
apenas por
praticidade. É
influenciado pela
publicidade e
indústria. Eles
prejudicam a saúde
e devem ser
consumidos com
moderação.
A alimentação escolar deve ser garantida a todos de forma adequada e saudável.
Isto é um direito amparado pela lei, portanto é um dever do Estado e
responsabilidade compartilhada pelos técnicos e funcionários do programa, pelos
estudantes e toda a comunidade escolar.
221
e) A proposta de culminância – oficinas de Educação Alimentar e Nutricional
No ambiente escolar é comum que projetos propostos na escola – por
professores, funcionários ou mesmo equipes externas – tenham uma atividade final,
com visibilidade que recebe o nome de ―atividade de culminância‖. A Semana
Mundial da Alimentação foi identificada junto à equipe diretiva da escola como
momento de culminância da pesquisa englobando não apenas as atividades
educativas com as turmas de sétimo ano, mas também a posterior avaliação de todo
o processo de pesquisa com todos os sujeitos envolvidos.
Na falta de um espaço-tempo adequado para organização das atividades, esta
foi realizada a partir de conversas em momentos separados com membros da
equipe diretiva e com profissionais da eSF e do contato constante com os
professores na sala dos professores. As eSF não se integraram às atividades e
comprometeram-se a realizar atividades com outras turmas no mesmo dia, mas
acabaram não comparecendo.
Na medida do possível os professores apresentaram suas contribuições à
construção das oficinas. O material que seria utilizado foi disponibilizado com
antecedência e a comunicação foi feita por e-mail (por sugestão dos professores) e
através de cópias impressas das propostas afixadas no mural da sala dos
professores.
A organização de horários, liberação dos espaços, das turmas e de
professores foi negociada com a equipe diretiva. A supervisão de alimentação
escolar ficou responsável por liberar alguns gêneros que seriam utilizados na
preparação das receitas além de fazer combinações com as merendeiras. A SME
confirmou a liberação dos gêneros alimentícios e forneceu transporte para a equipe
de pesquisa.
A equipe de pesquisa que já estava atuando na escola recebeu neste dia o
reforço de mais quatro integrantes
58
que contribuíram de forma ativa no
desenvolvimento das oficinas. O Quadro 10 foi utilizado como principal comunicador
das atividades e entre os responsáveis ou envolvidos com cada uma das atividades.
58
Uma bióloga, mestranda em educação em ciências e saúde no LCE/NUTES/UFRJ, um bolsista de
graduação em ciências sociais e uma da graduação em gastronomia do LCE/NUTES/UFRJ e uma
estudante de agronomia da UFRRJ que trabalhava no Desans/Duque de Caxias.
222
De forma simplificada, ele contém um roteiro sucinto da atividade e propõe uma
divisão de tarefas. O detalhamento foi realizado em fichas por cada atividade
(APÊNDICE 11).
Os estudantes fizeram inscrição prévia em uma oficina e no dia alguns
puderam participar de duas oficinas, conforme a liberação dos professores. As
quatro atividades foram realizadas duas vezes – antes e após o recreio – a fim de
oportunizar a participação de todos os estudantes em ao menos uma atividade. A
questão mais difícil para a realização das oficinas foi a organização e liberação dos
espaços, dos estudantes e professores mesmo tendo havido exaustivo processo de
negociação e conferência dos combinados na semana de realização da atividade.
Foi produzido um caderno (APÊNDICE 12) contendo material com referência
ao conjunto das atividades realizadas na escola, receitas, poesias e grafites
selecionados que foi distribuído a todos os estudantes de sétimo ano que
participaram das atividades. Este processo de devolução organizada e sistematizada
dos dados de pesquisa e a confecção de material são atividades previstas pela
metodologia freireana. A idéia de um caderno pareceu a mais viável dentro do curto
espaço de tempo disponível. Foi distribuído em cópias em preto e brando, mas
tomado o cuidado de acréscimo de ilustrações e formatação que pudessem ser
atrativas para o grupo. Não foi possível coletar a avaliação do material junto aos
estudantes, mas a foram ouvidos relatos de profissionais da escola e de professores
sobre o interesse dos estudantes pelo material, sobretudo no tocante às receitas.59
59
O trabalho de Toral et al (2009) traz contribuições interessante que poderiam ter ajudado nesta
avaliação do material.
223
Quadro 10: Planejamento de Atividades da Semana Mundial da Alimentação – Culminância das
ações de EAN com o sétimo ano
Falas -> Organização Metodológica
Áreas de
Tema
Conhecimento
(1)F Comeria x-tudo todo dia... pra que saúde? (2) Eu só sei
F
fazer refrigerante. Eu só sei fazer suco de Ki-suco.
A partir de um cartaz com figuras de industrializados,
perguntar:
Com que freqüência e em quais refeições estes
P
PI
alimentos fazem parte da alimentação de vocês? Porque
Gastronomia,
muitas pessoas preferem estes alimentos?
Nutrição,
Oficina
Apresentação e preparação de pratos e suco.
Ciências e
Culinária
Roda
de conversa: Precificação e valor nutricional das
A
Educação Física
AT
preparações; Sabor dos alimentos industrializados X naturais;
Idéias de ―economia de tempo‖ e de insumos.
Degustação problematizando: Quem gostou das preparações?
A
É possível elas fazerem parte do seu dia-a-dia? O que tem de
AP
positivo em inserir novas preparações em nossos hábitos?
(1)F [...] se fosse para eles não iam fazer de qualquer jeito. (2)
F
Eu almoço comida de microondas
DeP onde vem a comida da escola? Quem paga a alimentação
PI
escolar? A alimentação escolar deve ser boa para quem?
Apresentação do vídeo: ―Da Roça ao Prato: Agricultura
Familiar e Alimentação Escolar em Duque de Caxias‖
Agronomia,
VídeoGeografia e
debate
Roda de conversa: Aproximação da produção de alimento e
A
História
consumo; Sustentabilidade alimentar e saúde; Noções de
AT
agricultura urbana (fotos de Duque de Caxias); Direito à
alimentação escolar e a inclusão de produtos da agricultura
familiar no cardápio.
Apresentação
de exemplos de como plantar em pequenos
A
AP
espaços. Vivencia de plantar.
(1)Eu
almoço comida de microondas porque a minha mãe
F
F
trabalha. (2) Mas falam que tem dia que está gostosinho.
De onde (qual a origem) vem a sua família? Vocês costumam
P
comer alguma comida típica da região de onde veio a sua
PI
família? Qual você mais gosta?
Gastronomia,
Sarau de
Roda de conversa e leitura de poesias: Relação sobre
Português e
Poesias
gastronomia
e arte; Nossas origens e nossas preferências
A
Artes
AT
alimentares; Comida e gosto – como formamos nossas
preferências e fazemos nossa escolha?
Tema: Qual comida e qual gosto?
A
Convite para que os estudantes expressem através de uma
AP
frase, poesia, rap, desenho ou grafite.
(1)Biscoito,
guaraná, refrigerante. O que tiver na geladeira eu
F
F
como. O importante é que eu como.
Exposição comentada das fotografias e suas origens. Qual das
fotografias
representa a alimentação mais saudável? Por quê?
P
PI
Qual fotografia se parece mais com a alimentação daqui? Por
Exposiçã
quê?
Ciências, artes,
o de
Geografia e
Diálogo a partir das falas: relação dos hábitos alimentares com
Fotografi
História
a Acultura e a saúde; Sabor dos alimentos industrializados X
a
AT
naturais; o direito à alimentação escolar; Nossas origens e
nossas preferências alimentares
Tema: Como seria a fotografia da alimentação de sua família?
A
Convite para que os estudantes expressem através de
AP
desenho (ou grafite).
F: Fala Significativa; PI: Problematização Inicial; AT: Aprofundamento Teórico; AP: Aplicação do
Conhecimento
224
Na oficina culinária os estudantes foram convidados a produzir pão de queijo e
sequilhos. O critério de escolha das receitas relacionou-se ao fato de serem à base
de polvilho e amido de milho fazendo ligação com a origem destas farinhas
(mandioca e milho) e a questão da cultura alimentar. Além disto, as receitas
procuraram mais nos aspectos do lúdico e nas reflexões sobre o prazer de cozinhar
do que nos aspectos nutricionais que, no entanto, não foram esquecidos. Foram
debatidos os ingredientes, a composição nutricional, o porcionamento, o preço e a
relação entre produto artesanal versus industrializado. A professora de educação
física participou desta oficina, incluindo-se nas atividades práticas e no debate.
As oficinas culinárias têm sido experimentadas em ações de EAN (CASTRO et
al, 2007) e são incentivadas no Marco de Referência de Educação Alimentar
Nutricional para Políticas Públicas (BRASIL, 2012b). Importante salientar que a
abordagem acerca dos produtos industrializados nesta prática procurou colocar o
tema no centro da problematização sem, contudo desenvolver discurso autoritário ou
prescritivo. Monteiro e Castro (2009) enfatizam o equivoco em tratar os alimentos
industrializados como um grupo homogêneo no que se refere à saúde humana e
destacam que neste grupo são os ―ultraprocessados‖ é o principal foco de
preocupação. Estes são alimentos são:
disponibilizados prontos (ou quase prontos) para o consumo. [...] produzidos majoritariamente
por empresas transnacionais, pertencem produtos panificados, biscoitos, bolos, sorvetes,
gelatinas, ―barras de cereal‖, doces em geral, embutidos, molhos, ―macarrão instantâneo‖,
sopas desidratadas, batata chips e similares, refrigerantes e bebidas adoçadas em geral [...].A
matéria-prima [...] são ingredientes já processados e de baixo valor nutricional — como óleos,
gorduras, farinhas, amido, açúcar e sal — acrescidos de conservantes, estabilizantes,
flavorizantes e corantes. (MONTEIRO; CASTRO, 2009, p.57)
Para a exposição de fotografia foi utilizada a obra de D'Aluisio e Menzel (2008)
e como aspecto complementar fotografias de grafite produzidas pelo Coletivo
Tocaio. Estes grafites também foram utilizados de forma complementar no Sarau
que reuniu textos de artistas famosos e também de estudantes de outra escola de
Duque de Caxias (CORDEIRO, 2013). Em ambas as atividades os estudantes foram
convidados a expressarem-se artisticamente. Destaca-se destas atividades o
potencial de comunicação que o grafite demonstrou para o trabalho com estudantes
desta faixa etária. O professor de artes contribuiu nestas atividades, ainda que tenha
mantido mais uma postura de observador e colaborador.
225
O vídeo-debate sobre agricultura familiar utilizou um vídeo produzido no
município (DUQUE DE CAXIAS, 2012c) e contou com a participação da Supervisora
de Merenda, de uma técnica do Desans que participou da produção deste
documentário, uma pesquisadora com experiência neste tema e o professor de
geografia que participou ativamente dos debates. Foram ainda fotografias
relacionadas à experiências de agricultura urbana no município e ao final os
estudantes foram convidados a plantar uma muda de árvore frutífera.
Os estudantes participaram com entusiasmos das atividades. Alguns tiraram
fotos e ali mesmo postaram nas redes sócias como observou um dos pesquisadores.
A oficina culinária foi a atividade que mais chamou a atenção dos estudantes, dos
funcionários e professores da escola e das outras turmas.
Foi solicitado aos membros da pesquisa que gravassem ―relatórios quentes‖60
sobre as atividades logo após a realização. Este tipo de relatório envolve o registro
de impressões e sentimentos despertados no momento da vivencia do trabalho de
campo. Sobre estes relatos, o que se pode registrar é que as atividades foram
realizadas de forma satisfatória e atingiram seus objetivos, apesar de imprevistos de
organização e infra-estrutura. Um exame mais atento destes áudios poderá ser útil
na intenção de qualificar estas propostas para serem adaptadas ou reproduzidas em
outras realidades.
Quanto à proposição do conteúdo programático exposto no Quadro 10 cabem
três destaques teóricos. O primeiro é que sua construção levou em conta não
apenas o processo nesta escola, mas também o acúmulo de experiências do grupo
de pesquisa que inspiraram algumas das atividades como a possibilidade referida
por Paulo Freire dos ―temas-dobradiça‖.
Se a programação educativa é dialógica, isto significa o direito que também têm os
educadores-educandos de participar dela, incluindo temas não sugeridos. A estes, por sua
função, chamamos ‗temas dobradiças‘[...] ora facilitam a compreensão entre dois temas no
conjunto da unidade programática [...] ora contêm, em si, as relações a serem percebidas
entre o conteúdo geral da programação e a visão do mundo que esteja tendo o povo (FREIRE,
2005, p.134).
E é neste horizonte que se salienta o segundo destaque a estas atividades.
Fora de um contexto de pesquisa pressionado por um calendário acadêmico, deveria
60
Este tipo de registro foi identificada a partir das aulas e trabalhos do Professor Michel Jean-Marie
Thiollent sobre Metodologia de Pesquisa, Pesquisa Participante e Pesquisa-ação.
226
seguir uma proposição na qual todas as turmas passassem por todas as atividades
numa sequência lógica – do micro ao macro e novamente ao micro – onde as
atividades iniciais e finais conteriam elementos relacionados à realidade mais local,
cotidiana.
Identifica-se então que o vídeo-debate sobre agricultura familiar e a exposição
de fotografia tratam de questões macro, capazes de articular o debate local ao
global.
São
impregnadas
da
intenção
de
acrescentar
―temas-dobradiça‖
relacionando, por exemplo, cultura alimentar, soberania alimentar e globalização.
São diálogos que incluem relações complexas, mas acessíveis aos estudantes
dentro da perspectiva de educação popular. Elas correspondem a atividades que
deveriam ser incluídas no meio do cronograma – nem no início e nem no final.
Por fim, o terceiro é o caráter interdisciplinar das atividades proposta. Como
mais uma vez alerta Freire (2005) ―A tarefa do educador dialógico é, trabalhando em
equipe interdisciplinar este universo temático recolhido na investigação, devolvê-lo,
como problema, não como dissertação, aos homens de quem recebeu‖ (FREIRE,
2005, p.119). As experiências confirmam e reforçam a interdisciplinaridade como
inseparável à prática da educação popular e possível de ser concretizada num
ambiente de colaboração de engajamento.
f) Avaliando as experiências
A avaliação da equipe diretiva e dos professores acerca das atividades foi
muito positiva, relatando adequação dos temas e das abordagens.
Por meio desse projeto, veio somar, somar e tornar a aprendizagem mais significativa [...] eles
puderam ver nos resultados como é importante essa consciência deles terem uma alimentação
equilibrada, dos efeitos que isso provocam para o desenvolvimento deles, para o crescimento
(13 - Prof).
Aspecto negativo destacado foi à falta de coordenação e articulação de forças
das equipes dentro da escola em tono das atividades para garantir infra-estrutura e
organização necessária ao desenvolvimento das atividades.
Eu acho que o ponto fraco foi justamente não ter havido essa interação antes (22 - ED).
Para a avaliação com os estudantes foi utilizado um questionário (APÊNDICE
14). Havia a intenção de ter mais um momento de roda de conversa com parte dos
estudantes – alguns já haviam se voluntariado – para a construção de uma síntese
227
de sugestões sobre a alimentação escolar e para uma rodada de avaliação das
atividades. Foi inviável efetivar esta proposta em meio às dificuldades ocasionadas
pela falta de água e outros serviços na escola que ocasionaram suspensão de aulas
e aumento das faltas.
Os questionários foram preenchidos por 47 estudantes das quatro turmas. Não
houve recusa em responder os questionários que foram entregues e autopreenchidos em sala de aula. Como mencionado anteriormente, houve um aumento
considerável de faltas o que explica o número reduzido de questionários.
Foi utilizada uma escala hedônica de 01 a 06, em que 01 correspondia à maior
nota ou satisfação. As respostas demonstram aprovação dos estudantes uma vez
que 93,6% gostaram muito das atividades (72,3% marcaram 01 e 21,3% marcaram
2). Sobre terem aprendido coisas novas 74,5% marcaram 02. Quanto a participação
individual nas atividades 44,7% deram nota 02 e 42,6% deram nota 03. Sobre a
disponibilidade e possibilidade de aplicação na vida 53,3% deram nota 02. As
perguntas abertas revelaram descontentamento dos estudantes por não poderem
participar de mais de uma atividade. Houve a necessidade de limitar o número de
participantes e a procura pela oficina culinária foi muito grande. O fato de o suco
estar quente e sem açúcar foi muito citado61 e muitos comentaram as preparações
na oficina culinária. As outras três atividades foram também elogiadas. Percebe-se
em comum que os temas chamaram atenção, mas sobretudo o que marcou as
avaliações foram as técnicas utilizadas. Na parte do ―deixe o seu recado‖ elogios,
agradecimentos e pedidos para que a equipe retorne à escola.
A professora de história, por iniciativa própria pediu que os estudantes
fizessem relatório sobre a participação nas atividades da Semana Mundial da
Alimentação. Estes relatórios foram consultados e seus resultados sistematizados
em uma planilha. Foram 16 relatórios que manifestaram satisfação com as
atividades e chamaram atenção como aprendizado principalmente das preparações
da oficina culinária. Todos responderam que participaram novamente: porque
gostaram, porque aprenderam coisas novas, porque acharam interessante, porque
foi legal. Sobre a exposição de fotografias escreveram: ―Porque eu aprendi que não
61
As merendeiras foram muito receptivas, mas apesar do combinado com a equipe diretiva e a
supervisão de alimentação escolar, elas não estavam preparadas para as atividades.
228
é todo mundo que come a mesma comida que nós come. Eles comem comida
diferente do que da nossa. E descobri o que [é] a comida saudável e não a
saudável.‖ Sobre a oficina culinária: ―Porque eu gostei e aprendi o [que] pode come
e o que não pode comer.‖ ―Porque assim nós aprendemos a fazer alimentos que
fazem bem pro nosso corpo.‖ Sobre o Sarau de poesias: ―Eu poderia aprender mais
sobre poesia.‖ E no vídeo-debate: ―Aprendi que a gente tem que dar mais valor para
a agricultura familiar. Que mostrou a agricultura familiar em Duque de Caxias.‖
Foi uma opção metodológica estar junto com os estudantes na sala de aula e
atividade extraclasse. Aos pouco os estudantes incorporaram a equipe de pesquisa
como parte da rotina da escola. A entrada em sala de aula para um aviso provocava
respostas inesperadas do tipo: ―Hoje vocês não vão ficar?‖ ―Que dia vocês voltam?‖
―Queria falar com você sobre a merenda de hoje‖.
Aos poucos foi possível identificar que de forma tímida e desajeitada ali
estavam adolescentes e jovens corajosos, construindo explicações para seus
sentimentos diante de temas muitas vezes doloridos ou pouco claros – como, por
exemplo, relacionar o bulliyng ao consumo da merenda ou identificar o quanto suas
escolhas têm a ver com o cotidiano, com a família e com colegas.
Este espaço de liberdade fora do currículo formal, mas integrado a ele é um
interessante e fértil território para a criação do novo. Caso a nutrição fosse uma
disciplina escolar haveria espaço para estas interseções com a educação física, a
geografia e artes? Mas que espaço é este então? Cabem muitas horas de diálogo
dentro destas questões.
Através do contar suas rotinas alimentares foram descritos cotidianos: famílias
mais ou menos estruturadas e mais ou menos tradicionais, jovens que já ocupam
lugar importante na constituição familiar dando suporte para a criação dos irmãos ou
tomando conta de suas casas, jovens que já trabalham, que fazem cursos fora da
escola ou que apenas estudam.
Encontra-se aqui oportunidade para destacar Pierre Bourdieu62 que afirma a
existência em todas as sociedades um processo de disputa na definição de ―fronteira
62
Entrevista a Anne-Marie Métailié, publicada em Les Jeunes et le premier emploi, Paris, Association des
Ages, 1978.
229
entre a juventude e a velhice‖ e que ao falar do tema é importante levar em conta a
necessidade de ―analisar as diferenças entre as juventudes‖, isto porque ―a idade é
um dado biológico socialmente manipulado e manipulável‖. Continua afirmando
sobre a inadequação de identificar os jovens como ―um grupo constituído, dotado de
interesses
comuns,
e
relacionar
estes
interesses
a
uma
idade
definida
biologicamente já constitui uma manipulação evidente‖.
Para Bourdieu o recorte etário de juventude proporciona uma classificação
comparável às classificações por sexo e por classe social que servem para
determinar o papel e a localização de cada um na sociedade – exercendo um poder
de tal forma que ―acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde cada
um deve se manter‖.
Em termos de estratégias de educação em saúde Monteiro (2002) apresentou
importantes reflexões a partir de sua vivência em trabalhos sobre Aids, sexualidade
e gênero com jovens de favelas do Rio de Janeiro.
Opiniões do senso comum definem a adolescência/juventude como período de conflito,
necessidade de afirmação, mudanças físicas e psicológicas, associadas à impaciência e à
irresponsabilidade. Trata-se de um ponto de vista universalizante e naturalizador do
desenvolvimento humano, característico de abordagens médicas e psicológicas, em que essa
fase da vida é analisada como um fenômeno estruturalmente psicobiológico e não como uma
construção cultural (MONTEIRO, 2002, p.33).
É com esta experiência que a autora destaca a necessidade de que as
estratégias e programas de educação e saúde tenham em conta que o ―momento
histórico e o contexto cultural e socioeconômico influenciam a modelação das
representações e práticas dos jovens‖ (MONTEIRO, 2002, p.35). Esta tomada de
consciência deve ser expressa tanto na formulação quanto para o desenvolvimento
das ações de educação e saúde.
5.2.6 Alimentação e nutrição no currículo escolar: o que pensam os
professores?
Paulo Freire (2009) enxerga a sala de aula como espaço em que o professora
e o professor – e não a tia – pode estabelecer com os conteúdos curriculares uma
relação de autonomia, criticidade e criatividade em favor de uma relação não
bancária e não dominadora.
Por que não estabelecer uma ‗intimidade‘ entre os saberes curriculares fundamentais aos
alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as
230
implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da
cidade? A ética da classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador
reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido.
Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si
mesmos (FREIRE, 1996, p.30).
Alimentação e nutrição, ao integrarem os temas de saúde, estão incluídas
dentre os temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os
referidos temas podem ser trabalhados em diferentes disciplinas, mas ―a maioria dos
projetos são realizados nas aulas de Ciências ou Biologia‖ (ZANCUL; DUTRA de
OLIVEIRA, 2007, p.225). O currículo, esse espaço de seleções nunca neutras e de
exercício de poder, constitui em um dos temas escolares pouco conhecidos por
nutricionista e outros profissionais de saúde.
Ainda assim, na ânsia de colocar pautas importantes de saúde, alimentação e
nutrição para a escola muitos profissionais de saúde caem na tentadora armadilha
de tentar fornecer aos professores os temas e as abordagens relevantes,
desconsiderando desta forma os diferentes contextos e a experiências destes
profissionais que têm acesso privilegiado à visão de mundo e ao modo de viver de
seus alunos. Por isto, a oportunidade de dialogar com professores desta escola
sobre a inclusão de temas de saúde, alimentação e nutrição no cotidiano da sala de
aula foi um dos aspectos mais ricos da pesquisa.
O diálogo teve como grande mediador as experiências desenvolvidas com os
estudantes do sétimo ano – inicialmente com as professoras de ciências e educação
física e, posteriormente, com o envolvimento de professores de outras disciplinas. A
avaliação dos professores acerca das experiências de EAN foi motivadora em
muitos aspectos.
As entrevistas iniciais com três professores (duas de ciências e uma de
educação física) constituíram-se em material fundamental para a proposição das
atividades as turmas de sétimo ano. Conforme descrição realizada no item 4.3.2.,
estas profissionais identificaram que suas principais preocupações em torno do tema
saúde e nutrição eram o grande consumo de produtos industrializados e não
saudáveis, os distúrbios de imagem corporal na sua relação com bulliyng e a
necessidade de debater hábitos alimentares saudáveis. Enfatizaram a importância
de tratar os temas de forma contextualizada (a partir da realidade de seus alunos) e
utilizando estratégias lúdicas, fugindo da rotina escolar.
231
Estas professoras descreveram, a partir de suas experiências, a relação dos
temas com o currículo escolar. Nas aulas de ciências foram destacadas abordagens
sobre saúde e nutrição diferenciadas para sexto, sétimo, oitavo e nono ano.
[...] qualquer tema que eu trabalhe eu procuro tratar sempre relacionando a alguma coisa que
possa melhorar da vida deles [...]o sexto ano que a gente trabalha ambiente, a gente procura
relacionar isso. Como é o ambiente dele? O que ele pode melhorar. Como que ele pode
melhorar aquele ambiente? Se é o oitavo ano que já é corpo humano, como eu posso fazer
com o corpo para melhorar minha saúde? Essa questão da alimentação é mais trabalhada no
oitavo ano mesmo. Que a gente começa a trabalhar digestão, nutrição, tudo isso... (11)
A gente fala da produção de lixo, resíduos sólidos, né? [no sexto ano] Que a gente chama
atenção para a coisa do consumo exagerado. Que a gente come mais do que deveria, que um
biscoito que você coma vai gerar uma embalagem que vai ficar não sei quantos anos. Falava
do consumo consciente (12)
Destaca-se que a descrição realizada pelas professoras abarca temas e
abordagens relevantes e atuais. Motta e Teixeira (2012) defendem a necessidade de
pensar a abordagem de saúde e nutrição nas aulas de ciências através de
estratégias dialogadas que ofereçam este espaço como ―arena para a livre
expressão e negociação de significados‖, acrescentando que ―custo financeiro e
ambiental da produção dos alimentos e as diferenças dos hábitos alimentares de
diversos grupos, por exemplo, seriam tópicos a serem dimensionados‖ (MOTTA;
TEIXEIRA, 2012, p.376).
Na disciplina de educação física existe a preocupação em adequar os temas
de saúde e nutrição à faixa etária dos alunos, orientando a seleção de temas a
serem trabalhados. A professora de educação física foi a única entre todas as
pessoas entrevistadas a fazer destaque ao conceito ampliado de saúde e o fez de
forma explicita e articulada.
[...] trabalho muito também nas minhas aulas o conceito de saúde, não é? Conceito global,
saúde social, que não é ausência de doença [...] Tem que pensar mais no [...] cotidiano do
adolescente (13)
[...]a importância da alimentação, a influência na atividade física, não é? Em relação a
qualidade de vida [...] Falar sobre os alimentos que dão energia também tanto para a atividade
física quanto para o funcionamento do organismo. O que que a gente tem que evitar[...] (13)
As três professoras destacaram a relevância da inclusão de temas
relacionados a imagem corporal. Portroniere e Fonseca (2012) reafirmam a
importância da abordagem deste tema na escola refletindo sua relação com a
construção de identidade. A partir de um olhar da escola como espaço de promoção
da saúde revelam a importância dos professores nesta discussão de identidade e
232
diferença e afirmam que a alimentação como um dos ―espaços privilegiados para se
pensar a educação alimentar e a discussão sobre a imagem corporal‖
(PORTRONIERE; FONSECA, 2012, p.53)
Como descrito no item 4.3.5, com base neste diálogo com as professoras e
todo o processo de descrição do território foram desenvolvidas as ações iniciais de
rodas de conversa (círculos de cultura) e, como culminância, atividades em
comemoração à Semana Mundial da Alimentação. Posteriormente os professores
envolvidos foram entrevistados e convidados a apresentar suas avaliações acerca
das temáticas e o desenvolvimento das atividades.
A possibilidade de trabalhar temas de saúde e nutrição nas disciplinas foi
identificado como viável e interessante pelos professores de artes, história e
geografia que participaram das atividades de culminância.
A minha disciplina é artes e tem uma aproximação estética, visual no que a gente come, e a
gente come o que a gente vê também, e tem artistas que trabalham com alimento, com
metáforas visuais dos alimentos. E, enfim, a exposição de fotos também foi uma manifestação
disso, a estética da comida, achar o relevante, e pode ser trabalhado em conjunto. (21 - Prof)
[...] você pode usar as formas de alimentação como uma maneira de conhecer as formas da
antiguidade, sexto ano. Sétimo ano, você começa a ver história do Brasil, aí você vê o
encontro do português com o índio, então são culturas diferentes evidentemente formas de
alimentação diferente que vão ser incorporadas a nossa alimentação de hoje em dia. Farofa,
farinha de mandioca, sei lá. No oitavo ano, aí já vem revolução francesa, ai você já pode tentar
conhecer o que era a Europa do século XVIII a partir da alimentação. [...] isso não é nada
impossível, isso eu acho legal. (19 - Prof)
[...] na área de geografia o ideal é o sétimo ano mesmo, porque no sétimo ano a gente fala
sobre geografia do Brasil. Agora nas outras turmas a gente poderia falar também [...] Por
exemplo, nono ano você poderia falar sobre globalização [...] que veio do que a gente fala dos
Estados Unidos. Aí oitavo ano você poderia falar sobre hábitos alimentares na América Latina,
principalmente nos países andinos que tem hábito alimentar mais saudável, não é? (20 - Prof)
Defenderam a possibilidade de articulação entre sala de aula e atividades
extracurriculares de forma a tornarem-se complementares e potencializarem-se. O
professor de geografia exemplifica através de sua experiência:
Em sala de aula eu até usava um termo diferente, a gente fala sobre agricultura de
subsistência, mas eu fiz um link com eles, expliquei que era a mesma coisa. Eu acho que tinha
tudo a ver com a matéria, e aproveitei bastante porque dentro da minha matéria falo sobre
agricultura no Brasil, as regiões e praticamente não falei nada aqui sobre agricultura aqui na
cidade mesmo de Caxias, porque falta de conhecimento mesmo, informação. [...] mas a
questão da agricultura urbana mesmo não tinha comentado nada com eles e eles ficaram
interessados, eu acho que tinha tudo a ver. (20 - Prof)
Assim como a avaliação realizada pelas profissionais da equipe diretiva, para
os professores a experiência foi positiva. Destacaram a oportunidade para que os
233
alunos colocassem a ―mão na massa‖. Este destaque é dado considerando o
aspecto do lúdico e do sair da rotina, mas, sobretudo a oportunidade de que os
alunos tenham papel ativo – como agentes, como protagonistas.
[...] eu acho que a proposta foi ótima deles fazerem principalmente a oficina de culinária, que
eles colocarem a mão na massa, isso para eles é ótimo, eles sentem falta dessas coisas
diferente, não ficar só lá sentados na sala de aula ouvindo o professor falar, né? (13 - Prof)
[...] envolvimento dos alunos nas oficinas, eles têm vontade de fazer coisas diferentes no
cotidiano, eles se inserem nisso, pelas atuações, discussão e, enfim, colocar a mão na massa
para fazer as coisas isso envolveu verdadeira os alunos, dava para se ver que eles estavam
realmente participando. Então achei a proposta interessante dos alunos construírem esse... Se
colocar no papel de agente [...] (21 - Prof)
[...] a questão de colocá-los para agir [...] sempre falo para eles serem protagonista, eles são
muito personagens secundários em tudo na vida deles, eles estão aqui a passeio [...] Então
colocá-los como pessoas que são capazes de cozinhar, eles capazes de misturar ingrediente...
Pode parecer bobo, mas para mim isso é uma coisa muito legal, e tirá-los de sala de aula, não
estou desmerecendo porque eu acho que o conhecimento se constrói aqui, mas também em
outros lugares [...] (19 - Prof)
[...] aquela coisa prática deles observarem as fotos [...] A oficina que eu participei no final eles
puderam plantar uma muda de acerola, não foi? (20 - Prof)
Por todo o processo de construção das atividades e pelo perfil dos professores
desta escola não foi surpresa ouvir que estes identificaram como aspecto negativo
das ações o fato de não terem tido tempo para colaborarem com a construção do
projeto e de não terem tido oportunidade de preparar a interlocução com os temas
tratados em sala de aula. O espaço do Grupo de Estudos na escola foi reafirmado
por pelo menos dois professores como espaço oportuno para a realização desta
integração entre saúde e educação no local.
Porque a ideia é ótima, [...] mas a gente não teve tempo, nem cabeça assim , para você
pensar. Porque não basta pensar no projeto, você tem que pensar no projeto vinculado a
realidade que eles vivem. (19 - Prof)
[...] mas tem que contar com a participação realmente dos professores, da comunicação via
Grupo de Estudo, e que o professor consiga realmente trabalhar esses assuntos de alguma
maneira na sala de aula. A intenção tem que ser por aí, trazer o projeto só de fora para ser
executado é muito limitado. E sabendo também envolver o professor é importante, que nem
todosparticipem, mas você vai contar com a participação de algum número de professores e
isso é legal que aconteça dessa forma. (21 - Prof)
Como de alguma forma este tipo de dificuldade está presente em outras
propostas desenvolvidas na escola, percebe-se esta como uma crítica mais geral
aos projetos que chegam à escola e não exclusivamente às atividades
desenvolvidas. Por este motivo, há uma preocupação em destacar que esta é uma
dificuldade daquela escola naquele momento e não das atividades desenvolvidas em
si.
234
Eu achei a questão do horário, do dia, da logística da coisa, que eu achei muito complicada [...]
Mas eu senti que vocês tiveram um cuidado muito grande de já vir entrando em contato com a
gente muito antes da proposta ser colocada em prática. (19 - Prof)
O envolvimento da escola em geral, porque há uma precariedade do nosso modo de trabalhar
aqui [...] A gente viu funcionar quando praticamente já estava na culminância do evento. [...] a
comunicação pode ser ainda melhor por mais que vocês tenham tentado fazer. (21 - Prof)
Duas das professoras (ciências e educação física) participaram por mais
tempo da pesquisa e por isso tem avaliação um pouco diferente sobre esta questão
do planejamento e interlocução com a equipe de pesquisadoras.
Outra crítica contundente foi o não envolvimento da escola como um todo,
tanto no que se refere aos funcionários, mas, sobretudo, a totalidades das turmas.
Como consideraram as atividades como relevantes para seus alunos, identificaram
que deveriam ter sido oferecidas às demais turmas. Por outro lado, como
entenderam a complexidade da tarefa e que uma atuação mais efetiva do corpo
docente envolveria maior trabalho e carga horária dedicada ao desenvolvimento das
ações. Identificaram a necessidade de envolvimento e disponibilidade de toda a
escola que deveria ter ―parado‖ para desenvolver as atividades.
Acho que para ser melhor só se fosse a escola toda para poder participar. [rindo] (13 - Prof)
[...] envolveu só as turmas de sétimo ano, não é? Eu acho que envolvendo toda a escola eu
acho que seria melhor. (20 - Prof)
E, sem dúvida nenhuma, uma coisa que fica muito prejudicada é que a escola não parou para
isso. E os problemas da falta d‘água. Se você olhar no meu diário, eu não tenho tido aulas, eu
venho para cá a toa. Então mesmo que eu estivesse cheia de ideias e tal não consigo nem
encontrar meus colegas do 7º ano (19 - Prof)
Existiu uma avaliação que ao mesmo tempo elogia, crítica e cobra o papel das
universidades na atuação junto com a escola para a implementação de ações que
acima de tudo permitam intercâmbio, ou seja, que dialoguem com a realidade e ao
mesmo tempo atualizem os debates em curso na escola.
Espero que vocês voltem o ano que vem com outros projetos, porque a escola precisa
disso,de projetos, principalmente o pessoal que na universidade, coisas novas aparecem o
tempo todo e não chega aqui para a gente, não é? (20 - Prof)
[...] eu agradeço e peço que essas atividades continuem, até porque e importante colocar essa
escolas, essa realidade no mapa (19 - Prof)
As atividades demonstraram potencial problematizador não apenas para o
trabalho com os alunos, mas também com os professores visto que ao final estes
apresentaram sua avaliação acerca da interlocução do tema com as suas
disciplinas. Ao contrário do discurso corrente, os docentes que participaram das
235
atividades demonstraram grande interesse e disponibilidade para o trabalho conjunto
com profissionais de outras áreas.
Gostei bastante, queria ter participado mais, participei pouco, praticamente só no último dia.
(20 - Prof)
Além de problematizadoras, as atividades demonstraram capacidade de
sensibilizar e motivar a equipe para temas em saúde e nutrição. O debate na escola
tem grande potencial de continuidade a partir destes profissionais.
[...] mas ficou a vontade de desenvolver um pouco mais a proposta, juntar arte e o tema
alimentação, algo bem viável e interessante. (21 - Prof)
Já até tinha pensado em fazer, mas fica só no projeto mesmo. Aí vocês vieram [...] Acho que
no próximo ano vou fazer uma exposição daquela. (20 - Prof)
Interessante a fala a seguir em que o professor de geografia estabelece nexos
e sugestões extremamente relevantes e atuais entre a sua disciplina e os debates
sobre saúde e nutrição.
Até assim queria fazer a sugestão também da gente fazer uma atividade assim, mas trazendo
assim o Brasil mesmo, entendeu? Cada região, o hábito alimentar de cada região, tentar
estudar a questão da obesidade dentro das regiões. A gente vai ver que as regiões mais
industrializadas têm o maior número de obesos, justamente pelo hábito alimentar, não é o
ideal. E aquela exposição de fotos eu gostei, queria fazer, mas relacionado ao Brasil, o prato
de cada região, eu acho que seria legal. (20 - Prof)
Tanto o ambiente da sala dos professores quanto as respostas às entrevistas
e conversas informais revelam a existência de união e admiração mutua entre os
docentes que a todo o momento destacam a qualidade, disposição e disponibilidade
do grupo, ressaltando uma visão de coletivo.
Agora a equipe é muito boa aqui, os professores são muito abertos e são muito interessados,
são poucos os que são. Sabe? ―Ah, trabalho em escola pública...‖ Não, a gente aqui tem um
carinho especial porque a gente ajudou a construir essa escola há 6 anos atrás. (19 - Prof)
A equipe aqui ela é muito boa, te abraça, entendeu? (20 - Prof)
[...] esse grupo aqui participa de projetos, se a gente for colocado a pensar a gente participa
(21 - Prof)
O grupo demonstrou-se ainda crítico às iniciativas que chegam de cima para
baixo, mas, ainda mais importante que isto, apresentou de forma criativa e
propositiva formas mais adequadas para o desenvolvimento e atuação conjunta em
ações de saúde escolar.
Interagir é fundamental. A gente vê essas crianças pelo menos duas vezes por semana. Esses
agentes de saúde as vezes não tem nem essa oportunidade. Por isso que às vezes também
rola problema entre professora e orientadora quando ela quer falar um monte de coisa, a
236
professora fica na ponta da língua assim: ―Você dá aula para eles? Você sabe como eles
são?‖ Não sabem. Então o professor nessa cadeia talvez seja um dos elos mais importante.
(19 - Prof)
Quanto ao atual panorama das propostas de saúde escolar, existe por um lado
uma tradição de semanas de mobilização – por exemplo, semana de saúde escolar,
semana mundial da alimentação, semana da alimentação escolar – e por outro uma
tentativa de trazer para a rotina e cotidiano da escola tais ações através do PSE. Os
professores identificam que a combinação de ambas as estratégias, desde que
desenvolvidas junto com o corpo docente representa a forma mais adequada.
Eu acho que tem que acontecer durante o ano todo, sempre o professor estar falando sobre o
assunto, pessoa de fora também. A semana é importante, mas só aquela semana e acabou
também eu não funciona muito bem, entendeu? (20) - Prof
Principalmente essa questão da saúde eu acho que tinha que ser rotina mesmo, mesmo.
Sempre tentando associar esse tipo de prática, ao lugar que a gente está. Você vê que tem um
valão aqui atrás, quando chove alaga e várias meninas falam que amigos deles, ou eles
mesmo, só que escondem, vão nadar no valão. Vários alunos já me falaram que tem cachorro
morto, cadáver, eles já viram. Entendeu? Então eles banalizam coisas que são muito graves.
(19 - Prof)
Porque eu acho que é o momento que a escola pára para refletir conjuntamente sobre um
assunto que tem a ver com todos nós independente de qualquer disciplina que a gente dê, dá
uma quebra na rotina, uma quebra positiva [...] é você parar para refletir, e mais, para mim isso
é muito importante, é tornar a escola um espaço interessante (19 - Prof)
A percepção dos professores acerca das atividades extraclasse de saúde
escolar e a disposição para encontrar pontes dentro do currículo escolar
demonstram a disposição e capacidade para a construção de estratégias
interdisciplinares dentro e fora dos muros escolares. Interdisciplinaridade que é
objeto de difícil construção, mas que é valorizada tanto nas políticas de saúde
quanto nas de educação.
Neste caminho, Auler (2007) ao debater Ciência, Tecnologia e Sociedade a
partir do referencial freireano, defende a busca por estratégias que promovam a
superação da excessiva fragmentação disciplinar.
[...] a complexidade dos temas requer a análise sob vários olhares disciplinares articulados em
torno de um tema constituído de um problema aberto [...]. Supera-se, assim, uma
compreensão de interdisciplinaridade, bastante problemática, que se limita a buscar interfaces
entre a disciplinas constituintes dos currículos tradicionais das escolas (AULER, 2007, p.7).
Estas são reflexões que extrapolam o campo do ensino de ciências. Santos e
Schnetzler (1998) contribuem para este debate ressaltando que o ―problema escolar‖
tem caráter objetivo, questões previamente formuladas, com solução/resposta já
esperada, com foco na disciplina e que se avalia em certo e errado. A tomada de
237
decisão se insere na vida do cidadão e é subjetiva, resultados de alternativas
múltiplas, que envolve a articulação de saberes.
Diante da complexidade das escolhas alimentares e da persistência de acesso
injusto tanto ao alimento e às informações sobre os mesmos, a inserção de temas
de alimentação e nutrição em sala de aula não poderá ser realizado de forma
ingênua, descontextualizada e apolítica se o que se pretende é uma abordagem de
direitos que faça diferença na vida dos estudantes e de suas famílias. A síntese é o
desejo de uma escola como ―espaço interessante‖, de prazer e que instiga o
protagonismo e o colocar a ―mão na massa‖, que agrega saberes e articula
iniciativas.
238
6
CAMINHOS PARA APROFUNDAMENTO TEÓRICO
O trabalho de campo é uma experiência educativa completa. O difícil é decidir o que foi
aprendido (GEERTZ, 2001, p.43).
Aqui é retomada a noção proposta por Silva (2005) para ―aprofundamento
teórico‖ que corresponde ao exercício de confrontar conhecimentos sistematizados
selecionados com a problematização inicial.
6.1
REFLEXÕES
SOBRE
PESQUISA
PARTICIPANTE,
DA
EDUCAÇÃO
POPULAR E CULTURA PARA PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE,
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO
6.1.1 O aluno bem comportado: vozes silenciadas não promovem participação
Nos primeiros contatos com os estudantes saltaram aos olhos e ouvidos suas
muitas vozes simultâneas e ansiosas. Poder-se-ia observar que são características
comuns aos adolescentes e jovens. No entanto, citando mais uma vez Bourdieu,
seria uma atitude equivocada na tentativa de arbitrariamente atribuir rótulos a esta
faixa etária, resumindo as ―juventudes‖. Este destaque é retomado a esta altura do
texto com o propósito de reafirmar que aqui se encontra uma definição central sobre
que tipo de educação está em jogo: as vozes podem ser potencializadas como
importante insumo para a construção de cidadão com mais participativos ou podem
ser reprimidas. Obviamente a primeira opção é a de quem assume a educação
popular e as metodologias participativas.
Questão de profunda relevância antes de discutir a escuta é refletir sobre os
silêncios – nem sempre tão silenciosos. Foram registrados neste trabalho pelo
menos dois atos silenciosos de profundo significado. O primeiro o de um aluno que
joga uma maçã no lixo bem no momento em que está sendo desenvolvida uma
atividade educativa relacionada à alimentação e nutrição. O segundo o da menina
que durante uma atividade sobre sustentabilidade que enfatizava a economia de
recursos naturais (dentre este de água) manteve-se isolada dos demais alunos,
envergonhada porque não tendo água em casa e tem dificuldades de manter hábitos
adequados de higiene.
O terceiro caso a ser acrescentado ocorreu durante a exposição de fotografia
no refeitório. Enquanto alunos do oitavo e nono ano almoçavam de repente um
239
barulho muito alto e a identificação de que um prato havia sido arremessado contra a
parede. Os colegas riam enquanto limpavam-se e os profissionais da escola, como
se aquela atitude fosse corriqueira, não esboçaram nenhuma (re)ação diante
daquele incidente.
O que há em comum nos três casos? Estes eventos não foram percebidos ou
destacados, não se tornaram objeto de reflexão ou ação. Mais do que pequenos
atos de ―mau criação‖ destes alunos (no caso da maçã e do prato) e mais do que a
―timidez‖ (no caso da menina), estamos tratando de cenas silenciosas que se
relacionam com o não-falado e com a naturalização do desrespeito a direitos destes
estudantes.
Existem ainda casos em que há o silenciamento. Um aluno (de quinto ou sexto
ano) aparece no corredor com um garfo na mão. Imediatamente ele é duramente
repreendido por uma servidora da escola que, exaltada, diz que não é permitido usar
garfo na escola e manda o garoto procurá-la ao final do turno para conversar e pegar
de volta o talher. Muito chateado o aluno tenta argumentar que prefere comer de
garfo e no refeitório só encontra colher. A reivindicação não é ouvida ou
considerada.
A realidade urbana metropolitana, ao contrário de cenários rurais ou de
comunidades tradicionais, apresenta relações diferentes entre falar e silenciar. A
ansiedade encontrada na fala dos estudantes é a mesma que provavelmente seria
identificada nos adultos desta região: é uma ansiedade de quem parece falar sem a
menor certeza de que existe um interlocutor realmente atento. Fala-se muito e muito
alto, com muitos gestos, palavras e expressões próprias e com frases que parecem
interrompidas. De tanto gritarem e não serem ouvidos alguns preferem silenciar.
Parece oportuno trazer reflexões preciosas de uma experiência conduzida por
Martins (1993). Mesmo tratando de uma realidade rural, elas contribuem com o
debate ao advertir sobre uma tradição de silêncio das classes populares:
Isto acontece com quem passa por um amplo e profundo processo de repressão, que é
caracteristicamente o que tem acontecido com as nossas populações camponesas e, também,
indígenas[...] A linguagem do silêncio, do gesto, do olhar, fala muito mais, e muito mais
profundamente sobre o outro e eu, do que aquilo que o outro diz usando, na fala, a minha
língua, não a língua dele. A língua dele foi capturada, dominada e silenciada (MARTINS, 1993
p. 35).
240
Para Santos e Schnetzler (1998) a educação e a escola têm papel na
formação para a cidadania embora esta faça parte de um contexto mais amplo de
vivência entre outros espaços – família, clubes, associações, sindicatos, partidos
políticos, etc. As experiências aqui tratadas abordam um contexto de restritas
oportunidades e a escola, sendo o espaço mais acessível, é ainda mais relevante.
[...] participação é um processo de conquista, que é desenvolvido pelo próprio sujeito; ou seja,
é, em realidade, um processo de autopromoção. Portanto, participação não pode ser
entendida como dádiva, como concessão, como algo já preexistente. Isso significa que a
participação precisa ser desenvolvida na escola, pois não será a concessão simples de um
diploma de conclusão de algum nível de escolarização que vai garantir a efetiva participação
na sociedade (SANTOS; SCHNETZLER 1998, p.258).
Não se cria ou desenvolve oportunidade de participação no silêncio. Assim, é
desejável que exemplos como os citados, não se percam. Ao contrário, devem ser
registrados para tornarem-se ponto de partida para atividades desenvolvidas com os
profissionais da escola e das eSF a fim de proporcionar um tempo qualificado para o
entendimento de tais questões e apontar novas formas de relacionamento com a
realidade. Isto está longe de ser tarefa fácil. Lembrando o alerta de Valla (2000) ―a
crise de interpretação é nossa‖ e portanto profissionais de saúde e educação
precisam estar mais atentos e dispostos para compreender o que dizem as classes
populares.
Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas
condições, precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar
com é falar impositivamente. Até quando, necessariamente, fala contra posições ou
concepções do outro, fala com ele como sujeito da escuta de sua fala crítica e não como
objeto de seu discurso. O educador que escuta aprende a difícil lição de transformar seu
discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele (FREIRE, 1996, p. 113).
Como adverte Laraia (2009), pessoas de culturas diferentes riem de forma
diferente e por diferentes motivos. Gesticulam, se comportam, se alimentam também
de forma diferente. Homens e mulheres agem de maneira diferente dentro de uma
mesma cultura: ―A nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras
gerações, sempre nos condiciona a reagir depreciativamente em relação ao
comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da
comunidade‖ (LARAIA, 2009, p.67).
Trazendo novamente as contribuições de Martins (1993), destaca-se uma
passagem de seu texto que se assemelha ao julgamento realizado por alguns
profissionais nesta experiência, mas que certamente são muito comuns em outros
contextos. Ele conta:
241
Aliás, lembro da professorinha de um povoado do Vale do Pindaré que me perguntou o que eu
estava fazendo por lá. Expliquei-lhe que fazia pesquisa, boa parte da qual consistia em
observar, perguntar, ouvir respostas. Ela então comentou: ―Ah! Você está perdendo o seu
tempo.‖ ―Por que estou perdendo o meu tempo?‖ – perguntei-lhe. ―Essa gente não fala nada
com nada‖, foi a resposta. ―Como assim?‖ ―Ah! Eles falam tudo errado.‖ Ela era mulher culta –
lia Capricho sempre que podia. Eles [caipiras de São Paulo], no entanto, falavam o português
antigo – português de dicionário e português de literatura [...] Claro que é necessário trabalhar
com a linguagem falada, com a informação que pode ser verbalizada. Mas é necessário estar
atento a essas outras formas de expressão e a essas variações de linguagem (MARTINS,
1993, p. 36).
É preciso que sejam criadas oportunidades de que no ato reflexivo sobre as
próprias práticas os profissionais tenham oportunidade de escapar da tentadora
opção de, diante do fracasso ou das dificuldades em desenvolver ações educativas
em saúde, alimentação e nutrição, transferir a culpa para o comportamento dos
estudantes ou para a falta de domínio da linguagem formal – escrita ou falada.
Acrescenta-se a necessidade de reconhecer a existência das ―muralhas da
linguagem‖ a que nos apresenta Vito Giannotti. Barreira de linguagem que continua
dividir Casa Grande de Senzala63 num país de ―injustiça social institucionalizada e
aceita como normal‖ (GIANNOTTI, 2004, p. 15). Giannotti adverte:
A pouca escolaridade é a grande muralha. A grande barreira. [...] Ao se escutar o discurso,
faz-se o esforço para entender. Mesmo às vezes com certa dificuldade. [...] Mas se a
linguagem ao invés de facilitar, complica, aí fica impossível qualquer comunicação
(GIANNOTTI, 2004, p. 97).
Retomando a vivência na escola, não é um bom sinal quando uma turma com
adolescentes e jovens recebe e permanece em total silêncio diante de uma equipe
que acabaram de conhecer. Provavelmente é sinal de que um canal de
escuta/comunicação precisa ser estabelecido. Assim, ―a turma bem comportada‖
pode não representar sucesso da prática educativa, a não ser que se considere que
discursar sobre um assunto seja o suficiente.
Em uma das atividades de devolutiva dos dados dos questionários, diante de
muita agitação, uma fala não planejada causou um misto de estranhamento e de
ampliação do espaço de confiança. A fala foi algo como: ―Estamos aqui porque
achamos que vocês são pessoas inteligentes e que tem muito a nos dizer sobre
estes assuntos.‖ Naquele momento o grupo voltou a participar de forma mais atenta
porque percebeu o interesse de quem os estava ouvindo.
63
Em referência a obra de Gilberto Freyre – Casa Grande & Senzala.
242
Falar e escutar são ações que nunca deveriam separar-se porque uma só faz
sentido com a outra, num processo de efetiva comunicação. Aprende-se a escutar
como se aprende a falar. Não é apenas como processo biológico ou mecânico, mas
exercício de, compreendendo o outro e compreendendo-se no contexto do diálogo,
identificar o que está em jogo e que caminhos estão disponíveis em cada situação
comunicativa. Aprender a escutar e a falar são tarefas que cabem a todos que
desejam construir o diálogo na escola: estudantes, profissionais da escola, das
equipes de saúde e da alimentação escolar, entre outros.
6.1.2 Deficiências de políticas públicas e violação de direitos: tudo a ver com
a Educação Popular
A vivência no território demonstrou que são grandes as precariedades de
serviços considerados básicos, tais como educação, saúde, coleta de lixo,
saneamento básico e fornecimento de água. Este cenário é muito adverso para o
desenvolvimento de ações de educação e saúde e torna o trabalho nos
equipamentos públicos exaustivo. Ignorar a existências destes problemas não é
opção plausível visto que afetam não apenas a população assistida, mas também as
condições de trabalho das equipes.Esta não é uma exclusividade deste território,
mas realidade partilhada por regiões periféricas dos grandes centros urbanos. O
essencial, no entanto, é registrar que cada vez que se identifica uma política pública
social implantada e/ou implementada de forma deficiente se está diante da violação
de direitos fundamentais da população que ali vive. É neste sentido que se afirma
que não existe espaço para neutralidade em atividades de educação e saúde
desenvolvidas em realidades marcadas pela negação de direitos básicos.
Na prática, o desabastecimento de água no território estudado, que se constitui
em dificultador da conclusão do ano letivo e da realização de ações educativas em
saúde, alimentação e nutrição, é ao mesmo tempo uma ―temática significativa‖ que
revela condições de desigualdades que abrangem o território como um todo. Com
isto não se pretende responsabilizar o servidor que atua neste território pela
resolução do problema, ainda que ele esteja implicado na solução. O que se
pretende é lembrar que existe necessidade de aprofundar alguns temas dentre os
quais sugere Valla (2011) o debate sobre a possibilidade de aliança entre
profissionais e a população e sobre a ampliação dos diálogos em todo dos ―porquês‖
da culpabilização:
243
Se, a primeira vista, o processo de ―culpabilização da vítima‖ pode representar um desabafo
dos funcionários públicos, desesperados com uma demanda muito maior do que a oferta de
serviços, a discussão de educação e saúde remete aos gastos públicos necessários, mas não
realizados, para mais e melhores recursos humanos e materiais (VALLA, 2011, p. 70).
Diante de uma análise de conjuntura que envolva condicionantes e
determinantes do adoecimento e da negação de boa qualidade de vida à população
assistida, Valla (2011) adverte que a insuficiência ou falta de eficiência dos serviços
públicos acabam por representar a ponta de iceberg já que grande parcela da
população vive em constante ―estado de emergência‖ e assim:
[...] é possível fazer um confronto entre duas concepções: se a falta de eficiência e eficácia dos
serviços do Estado é uma carência suscetível à correção, ou se o Estado, como se apresenta
hoje, é estruturalmente incapaz de resolver os agravos que hoje ameaçam a saúde da
população (VALLA, 2011, p. 71).
Ao contrário dos países desenvolvidos onde todos têm acesso de fato a
consumo coletivo de qualidade, realidades como a brasileira são marcadas pela
desigualdade no acesso, o que dificulta exercer uma atitude de vigilância da
qualidade de serviços prestados.
Nem todos têm acesso igual ao dinheiro público, embora todos sejam obrigados a contribuir
com seus impostos para que este exista. A democracia liberal apresenta a proposta de que os
direitos ―individuais‖ de cada cidadão sejam respeitados. Mas essa proposta somente teria
sentido se todos os cidadãos num país como o Brasil, por exemplo, tivessem acesso pleno aos
serviços básicos (VALLA, 2011, p. 80).
O pano de fundo deste debate é o destino da verba pública que
tradicionalmente segue dois caminhos: o do consumo coletivo ou o da infraestrutura
industrial, ligada às ―grandes obras‖ (VALLA, 2011; FREIRE, 2009). Ainda que se
reconheça a necessidade e legitimidade de ambos, cabe marcar que: ―a primeira é
absoltamente essencial para a sobrevivência da população e, em particular, da
população trabalhadora‖ (VALLA, 2011, p. 77).
Alertando para o fato de que esta discussão não é um desvio do debate da
educação popular e sim parte integrante, Freire (2009) destaca que a avaliação que
as classes populares fazem acerca das ―grandes obras‖ geralmente coincide com a
das elites porque é marcada pela ideologia dominante 64 . Argumenta que não
64
Às vésperas dos grandes eventos que ocorrerão no Rio de Janeiro e com as faraônicas obras em
execução, impossível não sentir a marca opressora que exercem as elites sobre as decisões de
gastos públicos. Saber que esta escola está há menos de uma hora do Maracanã e não tem um
recurso básico para o seu funcionamento – água – é no mínimo constrangedor. Registrar que este é
um problema de outras escolas e outros equipamentos públicos neste município e na região
metropolitana do Rio de Janeiro como um todo, piora a situação. Tudo isto com a aprovação de
grande parte da população fluminense.
244
deveriam existir dúvidas em priorizar a pavimentação em áreas renegadas, cuidar de
córregos, construir escolas e creches, tornar a assistência à saúde quantitativamente
suficiente, cuidar da expressão cultural do povo ou embelezar partes da cidade que
já são bonitas e/ou onde moram as classes abastadas.
Não é sem propósito que Freire destaca que curiosidade e criticidade são
características fundamentais e inseparáveis de um educador comprometido com a
transformação: ―Não haveria criatividade sem curiosidade que nos move e que nos
põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a
ele algo que fazemos‖ (FREIRE, 1996, p.32).
É justamente por exigir curiosidade, criticidade, escuta, ética, corpoirificação
da palavra pelo exemplo e todas as características tão extensamente registradas por
Paulo Freire em suas obras, que as atividades realizadas na perspectiva da
educação popular não podem ser realizadas por improviso. O diálogo precisa ser
preparado com antecedência e o preparo inclui a pesquisa sobre a realidade local
capaz de revelar ―situações significativas‖.
Numa perspectiva bancária haveria preocupação de que a emergência de
temas durante o diagnóstico de realidade levantasse questões fora do interesse ou
expertise do educador-educando. Nesta afirmação tem muito da forma de pensar do
profissional de saúde de enxergar o mundo – escolarizada e geralmente de classe
média, como alertaria Victor Valla. Para as classes populares a realidade é menos
compartimentada.
[...]o modo de as pessoas das classes populares perceberem e explicarem os problemas de
saúde é extremamente complexo, entremeado por concepções de mundo, de vida e de morte,
de justiça social, de ambiente saudável, de felicidade e bem-estar e transcendência. É preciso
considerar que, quando as pessoas não cumprem determinações médicas, ou quando buscam
alternativas de tratamentos caseiros, isto pode acontecer por razões diversas, todas juntas ou
não: econômicas, culturais, familiares, entre outras. Mas geralmente os profissionais de saúde
só têm uma palavra para explicar isso: ignorância (STOTZ et al, 2007, p.43).
Acrescenta-se que no caso específico do tema alimentação e nutrição que
este faz referência ao cotidiano das famílias e assim comumente emergem de falas
populares interagindo com outros assuntos como: a qualidade dos serviços de
saúde, a falta de renda e de emprego, oportunidade de consumo, o acesso a
equipamentos públicos de assistência social, saneamento básico e água, entre
muitos outros.
245
O diagnóstico de realidade é importante ainda para evitar constrangimentos de
focar as ações educativas em normas que dificilmente poderão ser seguidas pela
população simplesmente por falta de condições. Um exemplo clássico vinculado ao
discurso da higiene é o de lavar a mão após ir ao banheiro e antes das refeições –
este é um hábito que provavelmente não é cotidiano para uma criança de uma
família cuja água chega às torneiras duas vezes por semana durante a madrugada e
que a estratégia para ter água durante a semana é reservá-la em latões ou
tambores. Nesta escola mesmo não apenas esta mensagem (ou norma), mas
também as de saúde bucal têm grande probabilidade de não serem cumpridas.
Entendendo que estão em jogo processo coletivos que só se efetuam com a
participação efetiva da população, Valla defende um processo de ―capacitação
técnica, envolvendo pesquisadores, profissionais e organizações populares‖ (VALLA,
2011, p. 69):
O diagnóstico participativo seria a própria capacitação técnica, pois permitiria que técnicos e
usuários se juntassem nas tarefas de discutir categorias, levantar, sistematizar e socializar
dados através de um ―aprender fazendo‖. A proposta parece crescer em relevância quando se
constata que hoje não há espaço reservado para este tipo de atividade (VALLA, 2011, p. 72).
Apesar dos percalços e dificuldades, o diagnóstico coletivo e o planejamento
intersetorial afirmam-se como potentes ferramentas para o desenvolvimento de
atividades educativas em saúde, alimentação e nutrição no PSE e em outros
contextos. O contexto escolar, espaço estratégico de educação em saúde, carece e
merece investimentos que proporcionem fortalecimento do poder local de avaliação
e de planejamento que parta da realidade concreta. O pesquisador-educador crítico
e ciente dos desafios atuais não deve surpreender-se com a constatação de que as
transformações necessárias exigem tempo, dedicação e preparo muito maiores do
que o que cabe dentro de uma pesquisa por mais bem intencionada que esta seja.
Esta pesquisa percorreu todo o itinerário hierárquico das secretarias
municipais de Educação e Saúde com cuidado, pretendendo obter autorização, mas
também a empatia dos atores com o projeto. De forma geral, organizam-se as
políticas públicas mais em torno da burocracia do que em consonância com as
demandas da população e a capacidade técnica operacional local. Assim, num
contexto em que há alguma forma de resistência a esta burocratização por parte dos
246
profissionais ―na ponta‖, seguir esta hierarquia pode acarretar desconfiança. É
preciso tempo qualificado para uma pesquisa participante.
A vivência aponta potenciais para utilização da Pesquisa Participante na
efetivação de processos coerente no âmbito de projetos educativos de saúde,
alimentação e nutrição, contudo pode-se recomendar fortemente que seu
desenvolvimento se realize no âmbito de projetos de extensão. Isto contribui para
questionar o papel da universidade junto aos serviços públicos, permite maior tempo
no território e proporciona a possibilidade ampliada e qualificada de trabalho em
equipe inrterdisciplinar.65
Neste estar em campo saber o momento de falar, de perguntar, de posicionarse diante de um dado preliminar e ao mesmo tempo como ouvinte atento em
situação de pesquisa recuar, calar e deixar espaços para o silêncio que também é
problematizador. Este movimento de idas e vindas, de aproximações e
distanciamentos, muitas vezes é decisão tomada em segundos durante um
encontro, entrevista ou reunião. Revisar o registro de campo e refletir sobre dúvidas
fazem parte deste exercício composto por horas de retorno ao referencial
metodológico e teórico. Residem nestes segundos decisivos e nas horas reflexivas
os maiores dos desafios.
Como o pensamento é conduta, as conseqüências do pensamento refletem, inevitavelmente, a
qualidade do tipo de situação humana em que foram produzidas. Os métodos e teorias da
ciência social não estão sendo produzidos por computadores, mas por homens e mulheres, e
sobretudo por homens e mulheres que trabalham não em laboratórios, mas no meio social a
que se aplicam os métodos e se transformam as teorias[...] A maior parte das pesquisas em
ciências sociais envolve contatos diretos, íntimos e mais ou menos perturbadores com os
detalhes imediatos da vida contemporânea, contatos de um tipo que dificilmente pode deixar
de afetar a sensibilidade das pessoas que o realizam‖(GEERTZ , 2001, p.31).
Ainda segundo Geertz (2001), o distanciamento atributo tão exaltado nos
pesquisadores neste campo, na verdade ―não é um dom natural nem um talento
fabricado, mas uma conquista parcial laboriosamente alcançada e precariamente
mantida‖ (GEERTZ , 2001, p.43).
65
As reflexões realizadas por Greenwood e Levin (2006) e por Thiollent (2006) acerca da Pesquisaação, uma das formas de Pesquisa Participante, trabalham de forma extensa e detalhada estas
relações que não puderam ser tratadas com a devida atenção e qualidade neste trabalho.
247
6.1.3 Entre tias e
comprometida
professoras:
desafios
à
formação
continuada
e
Nas circunstancias acima descritas, foi possível durante o percurso da
pesquisa (dez meses no território, dos quais sete na escola) a realização de alguns
momentos de problematização com os profissionais. A viabilização de tais encontros
constitui-se em grande desafio. Para Deusdará e Rocha (2012):
[...] abertura de um espaço-tempo, convocando permanentemente os envolvidos no processo
de ensinar e aprender a interferir na produção do cotidiano. Tal interferência se dá na
constituição de alianças intensificadoras das forças que possam sustentar um campo de
problematização entre o que acontece e o que faz acontecer e uma prática reflexiva que (re)
conceitualize a formação. Partimos do pressuposto de que a organização do trabalho não é só
um meio para consecução de tarefas, mas um âmbito importante de interferência coletiva para
a construção da atividade constituída entre alunos e professores, profissionais e instituições,
famílias e escola (DEUSDARÁ; ROCHA, 2012, p.374).
Em diversos momentos chamou possível identificar que havia algo além da
rotina assoberbada e de trabalho intenso que dificultava encontrar este espaçotempo para o diálogo naquela realidade. Um destes fatores era um certo mal-estar
entre membros da equipes da escola. Este sentimento transparecia inicialmente de
forma velada e discreta, mas no decorrer da pesquisa foram sendo verbalizados de
forma muito sincera e contundente.
Costuma-se num olhar rápido identificar escola e unidade de saúde como
espaços homogêneos. De alguma forma se naturaliza e rotula todos sob a mesma
expressão ―profissionais de saúde‖ ou ―profissionais de educação‖. No interior destes
serviços convivem equipes e grupos diferentes, compostos por um universo de
indivíduos também muito diferentes. Diferenças de origens, geracionais, culturais, de
gênero, de formas de contrato, de inserção profissional e inclusive de origem social e
escolaridade.
Convivem nestes espaços concepções variadas sobre educação, escola,
saúde, alimentação e nutrição, direitos, infâncias/adolescências/juventudes, entre
outros. Não se descarta então a possibilidade de que na imensa maioria dos
equipamentos públicos de educação e de saúde existam divergências políticoideológicas e processos de disputa. Importante registrar que não é que tais questões
atrapalhem o processo de planejamento. Numa perspectiva de planejamento
participativo elas constituem-se em elementos importantes e que deve ser levado em
248
conta no processo. Precisam ser debatidas com o intuito de encontrar os consensos
possíveis. Mas o que tem este debate a ver com a relação tias vesus professores?
Esta comparação entre tias e professoras foi utilizada por Paulo Freire (2009)
para enfatizar a relevância de ser professor, com as especificidades e a importância
da profissão. Registra com isto que é uma relação diferente da relação de
parentesco evocada pela denominação de tia. A sua intenção foi registrar seu
entendimento de que:
a tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo prazerosa é igualmente exigente.
Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo físico, emocional e afetivo. É uma
tarefa que requer de quem com ela se compromete um gosto especial pelo querer bem não só
aos outros, mas ao próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem
de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. É
impossível ensinar sem a capacidade forjada, inventada, bem cuidada de amar (FREIRE,
2009, p.11)
Ele manifesta seu descontentamento com a naturalização da utilização do
termo tia reforçando que não se trata de questão de gostar ou preferir o termo
professora, o que é necessário é compreender que por trás desta escolha existem
intencionalidades e direcionamentos político-ideológicos.
Recusar a identificação da figura da professora com a da tia não significa, de modo algum,
diminuir ou menosprezar a figura da tia, da mesma forma como aceitar a identificação não
traduz nenhuma valoração da tia. Significa, pelo contrário, retirar algo fundamental à
professora: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua
formação permanente(FREIRE, 2009, p.13).
Nas realidades em que o investimento governamental é insuficiente, o diretor
da escola ou o administrador da unidade de saúde (neste município cargos de
confiança dos secretários) têm como tarefa esticar ao máximo o ―cobertor pequeno‖
que lhes foi dado, prometendo a quem ficou ―de fora‖ que em breve será coberto. Na
realidade, promessa que não podem cumprir. Para esta tarefa não existe nada
melhor do que encontrar tias e tios gratos pela posição concedida pelo prefeito ou
secretário. Afinal, ―[...] boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não
devem fazer greve. Quem já viu dez mil tias fazendo greve, sacrificando seus
sobrinhos, prejudicando-os no se aprendizado?‖ (FREIRE, 2009, p.14).
Diretores e administradores por sua vez também compõem sua equipe de
confiança. Fora o possível glamour de alguns eventos, na maior parte do tempo
estas são funções pouco confortáveis. Quando ocorre um problema na escola e
249
mães/pais/responsáveis vêm fazer uma reclamação ou uma emissora de televisão
procura registrar uma denúncia, são estas pessoas responsáveis por dar
explicações, justificar o que muitas vezes não tem justificativa, sem em nenhum
momento comprometer os governantes que lhes concederam esta ocupação. De tão
comum, este posicionamento é tido como comum, como inerente à ocupação.
Uma das manhas de certos autoritários cujo discurso bem podia defender que professora é tia
e, quanto mais bem comportada, melhor para a formação de seus sobrinhos, é a que fala
claramente que escola é um espaço exclusivo do puro ensinar e puro aprender. De um ensinar
e de um aprender tão tecnicamente tratados, tão bem cuidados e seriamente definidos da
natureza política do ensinar e do aprender que torna a escola o sonho de quem pretende a
preservação do status quo. (FREIRE, 2009, p. 20)
Aqueles que se posicionam diante das falhas dos serviços em que estão
inseridos, que participam de greve e que estão inseridos nos sindicatos, se
destacam e não são visto com bons olhos. Diante da questão do desabastecimento
de água na escola e no bairro os professores organizaram-se para construir um
documento para ser entregue ao Ministério Público. Também afixaram cartazes do
sindicato convocando os professores para atos contra a suspensão da coleta de lixo
na cidade. As lideranças de alguns professores foi reconhecida pelos colegas e por
outras equipes da escola. Então sobre isto, alerta Freire aos professores que:
jamais transformarem ou entenderem esta como uma luta singular, individual, por mais que
possa haver, em muitos casos, perseguições mesquinhas contra esta ou aquela professora
por motivos pessoais; por isso mesmo, estar sempre ao lado de suas companheiras
desafiando também os órgãos de sua categoria para que dêem o bom combate; tão importante
quanto as outras e que já encerra em si o exercício de um direito, exigirem, brigando por sua
efetivação, sua formação permanente autêntica – a que se funda na experiência de viver a
tensão dialética entre teoria e prática. (FREIRE, 2009, p.16).
Em determinado momento da pesquisa emergiu dos debates as concepções
de educação das profissionais da equipe diretiva e das eSF. Ao recordarem e
refletirem sobre suas experiências anteriores como alunas e docentes trouxeram
―para a roda‖ suas percepções acerca das necessidades de uma educação mais
crítica na realidade partilhada por elas. Em tom descontraído as profissionais se
surpreenderam e disseram que a pesquisa ―incomodou‖ e que assim acreditavam
que o objetivo estava sendo alcançado. Trocando o termo incomodar por
problematizar pode-se sugerir que a referida oficina alcançou mesmo um de seus
objetivos. O referencial de Paulo Freire foi reconhecido por estas profissionais como
coerente aos seus anseios em termos teóricos e principalmente práticos. Identificase neste referencial a possibilidade de criar pontes entre as equipes.
250
Ao retornar este tema em nova rodada de debates, um caminho interessante
para tal aprofundamento é refinar os sentidos da educação. Reconhecer a
possibilidade de compreender a educação, não como um processo de adaptação do
ser humano às condições sociais, econômicas e políticas em que vivem, mas sim
possibilitar que se compreendam como autores desta sociedade e, portanto,
podendo alterá-la (MACHADO, 2004).
Sendo coerente aos princípios da Educação Popular, deve-se registrar que é
preciso que seu referencial e seus princípios sejam vivenciados e não
propagandeados em termos de atividades formativas e de planejamento. O processo
de formação crítica é continuado e precisa estar conectados aos processos
avaliativos
Pensar a prática enquanto melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através
de que se vai reconhecendo a teoria nela embutida. A avaliação prática como caminho de
formação teórica e não como instrumento de mera recriminação da professora.‖ (FREIRE,
2009, p.16)
Uma confusão comum sobre a qual já alertava Paulo Freire é compreender
que estabelecer um processo de diálogo mediatizado pelo mundo e partindo da
realidade, não significa parar em torno dos conhecimentos apresentados por aquela
realidade. O ser humano é capaz de discernir e de perceber as dimensões temporais
e históricas do contexto ao qual participa, de compreender-se como ser histórico e
criador de cultura. Existe, contudo, uma exigência de recuperar a esperança na
possibilidade de transformação da realidade e da fé no ser humano para colocar-se
a caminho.
Um profissional pode iniciar sua jornada como servidor público de forma
engajada, mas no percurso revestir-se de mecanismos de defesa diante das
dificuldades extremas do cotidiano dos equipamentos públicos relacionados às
políticas sociais. Por isto muitas vezes podem parecer indiferentes ao sofrimento da
população assistida ou adoecerem diante de circunstâncias de estresse e
decepções.
A imparcialidade de servidores públicos diante de tantos desafios dos
territórios em que sistematicamente são negados de direitos fundamentais
representa uma posição quase sempre infeliz, mas segura. É seguro para o
251
profissional acreditar que ele fez a sua parte, mas que sem a ajuda do governo ou
com aqueles estudantes – ―que não sabem nem escrever direito‖, ―desinteressados‖
e ―bagunceiros‖ – seus esforços não adiantam. É seguro porque é um lugar
conhecido. Não é um lugar feliz, porque traz frustrações às expectativas de muitos
que iniciam suas vidas profissionais imbuídos por sentimentos de necessidade de
mudança.
É urgente que engrossemos as fileiras da luta pela escola pública nesse país, Escola pública
popular, eficaz, democrática e alegre com suas professoras e professores bem pagos, bem
formados e permanentemente formando-se (FREIRE, 2009, p.53)
Este desejo ou conselho de Paulo Freire à escola e professores é o que
também se almeja para profissionais e unidades de saúde.
A realidade vivida nos locais de trabalho coloca problemas que forçam a pensar e construir
jeitos de operar. É no mergulho na complexidade dos processos produzidos no dia-a-dia das
práticas em saúde, no que se passa em situação, que se efetivam reflexões/ análises das
práticas do cuidado. [...] É no curso da atividade que as ―práticas transgressoras‖ proliferam.
[...] O trabalho reorganiza localmente seu fazer, o que significa convivência, recriação dos
espaços de vida, construindo histórias, fazendo história (BARROS, 2007, p.121).
A oportunidade de formação é fundamental para que sejam efetivadas práticas
participativas. Neste sentido, preparar uma atitude mais cuidadora e cuidadosa
requer mais tempo e exige a existência de disposição e coragem dos profissionais
para transgredindo criar o novo.
6.1.4 Alimentação, cultura e consumo
Já o homem é onívoro, tudo o que é comestível submete-se a seu vasto apetite; o que implica,
como conseqüência imediata, poderes de degustação proporcionais ao extenso uso que fará
desses poderes. De fato, o aparelho do gosto é de uma rara perfeição no homem, e, para nos
convencermos claramente disso, vejamo-lo em ação. (BRILLAT-SAVARIAN, 1995, p. 51)
As escolhas alimentares relacionam-se a uma teia complexa, dinâmica e
variada de determinantes que podem ser observados a partir de muitas
perspectivas. O refinamento e a compartimentalização dos conhecimentos em saúde
e nutrição promoveu em grande medida um afastamento entre os conhecimentos da
ciência da nutrição e o cotidiano alimentar – espaço reservado à comida.
Um processo de reconciliação entre as perspectivas comer, alimentar e nutrir
tem motivado estudos acadêmicos e provocado revisão de práticas no campo da
alimentação e nutrição nos últimos anos. Neste movimento são inegáveis às
contribuições das ciências sociais, em especial da antropologia.
252
Nos extremos da cadeia alimentar tradições inovadoras: o processo de
(re)conhecimento da agricultura familiar e de questionamento dos sistema
alimentares ―modernos‖/ ―mundializados‖ (MORIN, 2013) e o (re)encantamento com
a gastronomia. Interações frutíferas que colocam em debate o que é tradição e
novidade, o que é local e global – tudo isto num mesmo caldeirão de onde se espera
retirar sabor, prazer e saúde.
Difícil imaginar que em práticas educativas tradicionais – baseadas em normas
e riscos – caibam tantos e tão diversos conhecimentos. Renovam-se então as
grandes questões da Educação Alimentar e Nutricional: como, com quem, em que
oportunidades e com qual intencionalidade?
A vivência aqui apresentada confirma a escola como espaço importante para o
desenvolvimento de ações de EAN – demanda de estudantes e de profissionais da
escola. As abordagens educativas a partir do PNAE e do PSE mostraram-se muito
frágeis, escassas e desarticuladas da realidade local. Percebe-se grande disposição
da escola em acolher tais atividades, mas a incorporação do trema ao cotidiano
escolar ainda está longe de se concretizar.
Os adolescentes e jovens que participaram da pesquisa revelaram um
contexto de desafios comuns a outras escolas. Os estudantes demonstraram
conhecimentos ainda vagos sobre alimentação adequada e saudável e o que mais
chama a atenção é que grande parte dos desafios está ligada ao tema consumo.
Não se consome a comida da escola porque este ato está envolto de diversos
preconceitos, mas a fruta da sobremesa escapa a estas classificações; se consome
em casa o que mães/pais/responsáveis determinam; o consumo das ―besteiras‖ é
condicionado a receber ou não dinheiro dos pais, mas quem já trabalha pode
consumir ―besteiras‖ à vontade; as redes famosas de fast food são muito cobiçadas,
mas na prática os lanches são consumidos nas lanchonetes e barraquinhas de
bairro. Outros exemplos relacionados a forma de consumir poderiam ser aqui
citados.
Para Barbosa (2006, 2010) consumir é atividade existente em qualquer
sociedade. Sejam ―necessidades básicas‖ ou ―supérfluas‖ são satisfeitas através do
consumo e correspondem a forma destas sociedades humanas reproduzirem-se. Ela
ressalta que:
253
[...] independentemente da carência material de determinados segmentos sociais e sociedades
p fato é que consumir e utilizar elementos da cultura material como elementos de construção e
afirmação de identidades, diferenciação e exclusão social são universais. (BARBOSA, 2010,
p.12)
A autora destaca ainda que ao final o que está em jogo não é a mercadoria ou
objeto, o que na verdade se consome são signos culturais. Trata da ―cultura do
consumidor‖, que é segundo a autora a cultura das sociedades capitalistas: é
impessoal porque se relaciona ao consumo de mercadorias para as massas e não
para um indivíduo específico; identifica liberdade com as escolhas e a vida intima
(privada); e é uma forma para negociar status em uma sociedade pos-tradicional.
Relaciona-se a exercício de poder:
O poder de escolha do indivíduo na esfera do consumo nas sociedades pós-tradicionais tem
sido campo de debate sobre a real liberdade de escolha ou submissão a interesses
econômicos maiores que se escondem por trás do marketing e da propaganda. Será o
consumo uma arena de liberdade e escolha ou de manipulação e indução? Terá o consumidor
efetivamente escolha? Ele é súdito ou soberano, ativo ou passivo criativo ou determinado?
(BARBOSA, 2010, p.35)
A questão das escolhas alimentares estão embutidas neste contexto maior
relacionado aos padrões de consumo das sociedades capitalistas. A publicidade tem
o poder de incorporar um ―valor agregado cada vez maior‖ ao produtos
industrializados (FISCHLER,1998). Para Fischler (1998) a alimentação torna-se um
―mercado de consumo de massa:
[...]processa-se como produto altamente transformado por procedimentos industriais de
vanguarda. Concebidos e comercializados com o apoio das mais modernas técnicas de
marketing [...] Trata-se de uma freqüência cada vez maior de produtos de marca [...] que têm
necessidade de consideráveis investimentos publicitários (FISCHLER,1998 , p.486).
Edgar Morin (2012) manifesta suas preocupações com a mundialização da
alimentação que tem incorporado o consumo do exótico e o grande dispêndio
representado pelos transportes de longas distâncias. Considera importante favorecer
a produção no local, num processo que ele chamou de ―desmundialização‖.
Preocupa-se ainda com o fato da alimentação estar cada vez mais ―anexada à
indústria agroalimentar‖ que, apoiada em estratégias publicitárias, tem-se apropriado
do tema saúde e assim introduzindo aos seus produtos minerais e vitaminas.
Cada um de nós é encorajado a adotar e difundir um novo modo de alimentação baseado no
sabor e no aroma dos alimentos, reconhecidos graças sentidos educados e bem-treinados; o
ambiente, que deve ser respeitado, concedendo uma grande importância aos métodos de
cultura, de pecuária, de transformação, de marketing e de comércio equitativo; a justiça social,
que deve ser estabelecida por condições de trabalho que respeitem os direitos dos
trabalhadores e concedam remunerações justas; a simpatia e solidariedade, o respeito às
254
diversidades culturais e às tradições que deveriam contribuir para um comércio de alimentação
mundial fundado na equidade (MORIN, 2013, p.295)
Para compor estas questões sobre alimentação e consumo cabe aqui inserir o
outro da antropologia. Neste sentido o que, como, quando e com quem se come
obedecem a singularidades muito particulares em cada sociedade, determinando a
existência de uma grande diversidade de práticas alimentares (MACIEL, 2001).
O alimentar-se é um ato vital, sem o qual não há vida possível, mas, ao se alimentar, o homem
cria práticas e atribui significados àquilo que está incorporando a si mesmo, o que vai além da
utilização dos alimentos pelo organismo. (MACIEL, 2001, p.134).
No campo da ciência da nutrição os investimentos em conhecimento deram-se
em torno das definições de recomendações. Este conhecimento em sendo
acumulado desde a Antiguidade quando médicos e cientistas identificavam
circunstâncias de falta de alimentos (guerras, longas viagens, não disponibilidade) e
sua relação com doenças. Desde a primeira recomendação – suco de limão na
ração da Marinha inglesa em 1785 – até os dias atuais os conhecimentos em torno
das recomendações66 tem se ampliado (FISBERG et al, 2005).
As recomendações nutricionais e as propriedades dos alimentos são as
informações mais mencionadas e acionadas em diversos contextos, isto por seu
reconhecimento como científicismo. Contudo, é essencial salinetar que:
O desafio que se apresenta hoje à Educação Nutricional é o de promover a saúde e a
qualidade de vida por intermédio
da
ampliação
da
compreensão
sobre
a
multidimensionalidade da alimentação humana, cujo estudo encontra espaço nas ciências
biológicas, humanas, econômicas, tecnológicas, nas artes e na literatura (ZANCUL; DUTRA
DE OLIVEIRA, 2007, p.226).
A alimentação vem tornando-se assunto atraente para pessoas com perfis
diversos de idade, gênero, grau de instrução e profissão, como ressalta Boog (2013).
Este interesse está associado a um debate sobre qualidade de vida, mas também
inclui a preocupação com doenças cujas causas têm incluído a má-alimentação. Em
meio a esta complexidade de fatores, importante acrescer a este tópico citação de
Maria Cristina Boog que vem trabalhando por tanto tempo com este tema. Ela afirma
que:
66
Em 1940, por solicitação do governo federal dos Estados Unidos, foi formado um comitê em
alimentação e nutrição [...] com o propósito de ser um órgão consultor para problemas relacionados
com a segurança nacional. A iniciativa de estabelecer padrões de referencia dietéticos partiu desse
comitê. [...] O comitê iniciou o trabalho para o estabelecimento das RDAs [Recommended Dietary
Allowances] revisando a literatura científica disponível, considerando ‗escassa e conflituosa‘, e, em
uma segunda etapa, consultando especialistas no assunto (FISBERG et al, 2005, p. 191).
255
A alimentação de boa qualidade não pode ser obrigação atrelada à disciplina rígida, proibições
e imposições. Alimentação é um dos grandes prazeres da vida e a tão falada alimentação
―balanceada‖ sempre coexiste com a transgressap da norma. A arte da educação alimentar e
nutricional reside justamente em das condições às pessoas para cuidarem bem da própria
alimentação, com responsabilidade sobre a própria saúde física e menta (BOOG, 2013, p.33)
Nestas reflexões apenas iniciais para aprofundamento teórico procurou-se
contribuir para continuidade do estudo. O gosto pelo estudo e pela leitura é um
atributo a ser cultivado pelos educadores-educandos como alerta Paulo Freire.
Neste sentido, não foram estas descrições exaustivas, foram apenas breves
provocações – com consciência do inacabamento – na intenção de ―recolocar na
roda‖ alguns debates que continuam.
256
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O reconhecimento da escola como um espaço privilegiado para a promoção
da saúde e para o fortalecimento da noção de cidadania tem representado fonte de
importantes debates que apontam tanto possibilidades como desafios ao cenário
atual das políticas públicas de garantia de direitos. A saúde escolar tem ocupado
lugar relevante nas discussões de saúde coletiva na América Latina, sobretudo após
1995 com o lançamento da Iniciativa Regional de Escolas Promotoras de Saúde.
Diversas
experiências
latino-americanas
incorporam
estratégias
de
alimentação escolar em suas ações de saúde escolar, reconhecendo o vínculo
estratégico entre boa alimentação e saúde. No caso brasileiro, duas políticas
públicas despontam como responsáveis por ações de Educação Alimentar e
Nutricional (EAN) e de promoção da alimentação saudável na escola: o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Saúde na Escola (PSE).
Na realidade estudada a articulação entre estes Programas aparece como possível
e necessária, mas ao mesmo tempo frágil no âmbito municipal e inexistentes no
território.
Comer na escola é um direito ainda em construção e seu reconhecimento por
parte de profissionais e de estudantes ainda é muito frágil. A falta de uma cultura de
direito dificulta o reconhecimento de que o que é público tem valor e tem custo e,
portanto deve ter qualidade e precisa ser avaliado e controlado pela população. No
caso da alimentação e das ações de saúde realizadas na escola pode-se identificar
que são frágeis ou insuficientes os mecanismos para a participação tanto dos
estudantes quanto dos pais/mães/responsáveis. A inexistência de canais efetivos de
avaliação da pertinência e da qualidade de tais serviços no nível local condiciona e é
condicionada pela naturalização da precariedade de atendimento dos serviços
essenciais.
As ações de promoção da alimentação saudável na escola devem incluir a
EAN, mas não devem restringir-se aos aspectos burocráticos de realização de
práticas educativas isoladas. Repensar a relação com o refeitório, com as
merendeiras, com o cardápio e com o tempo-espaço do recreio apresenta-se como
desafio essencial.
257
Numa sociedade em que autonomia e escolha são aspectos extremamente
valorizados é importante que os estudantes tenham oportunidade de participar de
forma mais ativa de todas as etapas que incluem a alimentação na escola. Soma-se
a tudo isto a necessidade de se problematizar padrões e normas relacionadas ao
corpo, à alimentação e à saúde, reconhecendo os impactos atuais da divulgação e
prescrição midiática de padrões e normas de consumo e de comportamento que
influenciam crianças, jovens e adultos em todas as partes e de todas as classes.
Não é de hoje que existem críticas ao processo de construção de estratégias
de governo pautadas em visão programática da saúde. Ações de saúde fechadas
em suas ―caixas‖, certezas e orçamentos impõem seus ritmos e metas para o
contexto local. No município e no território tais programas precisam ser
―desencaixotados‖ e implementados de forma contextualizada, por profissionais
muitas vezes pouco motivados diante dos desafios gigantescos de um cotidiano
sobrecarregado por ―impasses‖. Em tempos de reconhecimento da complexidade de
tais desafios e de recomendação de articulações intersetorias, interdisciplinares e
multiprofissionais para atuação mais coerente, racional e efetiva das políticas
públicas, a desarticulação entre PNAE e PSE é não apenas irracional, mas também
constrangedora. Estes Programas compartilham um lócus de atuação (a escola) e
envolvem os mesmo sujeitos (estudantes e comunidade escolar ampliada), além de
registrarem atividades e objetivos comuns de promoção da saúde com destaque ao
desenvolvimento de práticas de EAN, promoção da alimentação saudável e ações
de vigilância alimentar e nutricional. A desarticulação entre PSE e PNAE cria,
portanto situações de retrabalho, sobreposição e desperdício de tempo e de
recursos – humanos, financeiros e materiais.
Existe consenso que a execução de programas desenhados no nível federal
encontra em cada município contextos diferenciados para implantação e
implementação, reunindo aspectos facilitadores e dificultadores nesse processo. No
caso do campo das ações de saúde escolar no Brasil um exame mais atento às
publicações oficiais demonstra que ele tem sofrido modificações e adaptações
importantes nos últimos anos. Mesmo tendo em conta tais ressalvas pode-se sugerir
que muitos dos limites e possibilidades identificados por esta pesquisa foram e ainda
são vivenciados também em outras escolas, territórios e municípios brasileiros.
258
A utilização de uma metodologia de pesquisa participante mostrou-se
adequada a análise proposta por possibilitar o mapeamento, junto aos sujeitos de
pesquisa, de alguns caminhos entre estes limites e possibilidades para efetivação da
EAN no âmbito desta escola e também nas ações do PSE e o PNAE em outros
contextos.
Quanto à gestão municipal, identificou-se que as experiências junto com
movimentos populares pela efetivação do direito à saúde e alimentação deixaram
importantes marcas e ensinamentos para nutricionistas e para outros técnicos que
atuaram junto ao Mutirão de Combate à Desnutrição Infantil. Contudo, existe a
necessidade de que o histórico e os aprendizados de tais experiências sejam
(com)partilhados e integrados aos processos de formação de outros trabalhadores
da saúde e educação neste município. Quanto aos técnicos-gestores do PSE,
percebe-se que eles reconhecem os limites da atuação intersetorial em todas as
esferas
de
execução
do
Programa,
mas
precisam
iniciar
processos
de
sistematização dos trabalhos realizados e de aproximação entre nível central e
território. Tais movimentos (de registro, avaliação e ação) em conjunto podem
contribuir com reflexões para aprimoramento desta gestão intersetorial.
Quanto ao território, ressalta-se que a escola é ótima anfitriã e recebe muito
bem as ações de saúde escolar, mas precisa reconhecer a necessidade de ocupar
um lugar mais ativo e propositivo no debate sobre o PSE e PNAE. A equipe de
saúde está ciente de suas responsabilidades, mas ainda necessita aprimorar suas
formas de compreender e assumir os sentidos de um trabalho centrado no cuidado e
na integralidade da atenção à saúde.
Por fim, registra-se a percepção de que
professores, estudantes e funcionários da escola querem tomar parte das decisões e
atividades, mas para isto precisarão apoderar-se dos significados e conceitos
relacionados ao PSE, ao PNAE e outros programas a partir da perspectiva da
relação que estes estabelecem com direitos fundamentais – como saúde, educação,
alimentação adequada e lazer.
O planejamento e diagnóstico coletivos são potentes ferramentas para o
aprimoramento das ações de PSE no território e foi oportuno introduzir a
problematização como estratégia para permitir emergirem questões pouco visíveis
relacionadas às escolhas e ao consumo alimentar dos estudantes. A utilização de
259
metodologias participativas em ações de saúde escolar tem sido amplamente
recomendada no contexto da Promoção da Saúde para atividades diversas –
diagnóstico de realidade, construção de projetos, preparação de material didático,
formação
permanente
desenvolvimento
de
de
profissionais da
atividades
com
os
saúde
e
estudantes.
da
educação
Apesar
das
e
no
muitas
recomendações a incorporação da participação no cotidiano ainda é um desafio.
É delicada, trabalhosa e desafiadora a missão de efetivar a participação da
comunidade escolar no PSE de forma que ultrapasse a mera formalidade ou
comprovação de meta. Neste caminho, podem ser apontadas muitas contribuições
do referencial da Educação Popular e dentre estas se destaca a afirmação de que
nenhuma prática educativa é neutra. Desta forma, os profissionais envolvidos com
tal tarefa no território precisam acreditar e preparar-se para assumir uma perspectiva
participativa de projeto pautado numa dimensão integral de saúde e educação que
zele pela qualidade de vida e pela transformação da sociedade. É neste sentido que
existem muitos questionamentos sobre as possibilidades de se incorporar nas
políticas públicas o referencial da Educação Popular de forma efetiva e prática.
Registre-se ainda que trata-se de uma perspectiva que demanda investimento de
tempo e dedicação que encontra dificuldade para caber dentro dos rígidos prazos e
metas estabelecidos para o PSE.
Que a participação e o diálogo são previstos nas legislações pertinentes ao
PNAE e PSE, não há dúvidas. A grande questão é como viabilizar e se de fato existe
esta intenção no âmbito dos governos e setores responsáveis pela gestão. A quem
interessa formar uma geração participativa e consciente de seus direitos? E a quem
não interessa? Estas questões deveriam ser consideradas basilares nos debates
que propõe a Educação Popular como política pública dentro ou fora das escolas.
É fundamental ainda questionar se a escola pública atual é capaz de acolher
professores e não ―tias‖; e de receber educandos-educadores que exercem seu
direito de ―ser mais‖ e não alunos com rótulos preestabelecidos de fracassados. Esta
escola democrática, crítica e criativa pode existir dentro dos atuais marcos da
democracia brasileira e do atual modelo de Estado? É preciso coragem para realizar
esses debates e ao mesmo tempo confiança de que a transformação é possível. Se
não for dessa forma, não se faz Educação Popular.
260
Portanto, é necessário que se reafirme e reflita sobre as possibilidades
apresentadas pelo referencial da Educação Popular como estratégia de intervenção
na realidade sem, contudo, deixar de questionar os limites de sua efetivação
enquanto política pública dentro do contexto histórico atual, numa conjuntura em que
ainda são mais poderosos os discursos de banalização da negação de direitos
fundamentais, sobretudo em bairros empobrecidos e para as classes populares.
Garantir saúde, educação e alimentação de qualidade para o conjunto da
população são pautas históricas no Brasil. Demandam, portanto um reconhecimento
de sua centralidade nos debates pela construção de uma realidade mais justa e
digna para o conjunto da população brasileira. As políticas públicas gestadas neste
contexto só atingirão seus objetivos se suas estratégias estiverem pautadas pela
intersetorialidade, pelo compromisso com a equidade e por ações que sejam
planejadas a partir do (re)conhecimento do território com suas potencialidades e
desafios. O diálogo torna-se assim ferramenta fundamental.
As respostas de como enfrentar realidades com suas adversidades,
precariedades e, porque não, riscos à saúde certamente não está sob o domínio de
nenhum profissional isoladamente por mais bem intencionado que este seja (ou
esteja). Na verdade, ainda que uma parte das respostas esteja com os profissionais
de saúde e educação em suas diversas especialidades, com certeza a parcela mais
importante e essencial nesta equação encontra-se com os estudantes, famílias e
comunidade. Trata-se, portanto de um campo de saberes complexos e práticas
desafiadoras.
A efetivação da saúde escolar como política pública de promoção da saúde e
de garantia de qualidade de vida exige coordenação e planejamento intersetoriais,
com definição de orçamento adequado e coerente com discurso construído acerca
de uma noção ampliada de saúde e de uma educação integral que vem sendo
produzido e divulgado no Brasil e na América Latina. Requer a definição de
iniciativas interdisciplinares selecionadas a partir de diagnóstico local da realidade
que permita a identificação dos problemas reais e das soluções viáveis em cada
escola. Esta é uma forma de contribuir para a autonomia e apoderamento dos
sujeitos diante dos direitos fundamentais relacionados ao tema da saúde escolar:
direito à saúde, à educação, à alimentação e à vida digna.
261
No caso da experiência estudada, apesar da marcante experiência municipal
de participação popular e da progressiva incorporação do enfoque do DHAA
persistem lacunas relacionadas à incorporação desta dimensão nas estratégias de
EAN a nível local – no território, na escola. Faltam oportunidades e espaços para
que o protagonismo seja exercido pelo estudante – sujeito, de fato, do direito a uma
alimentação escolar de qualidade e ao acesso a ações de educativas de saúde e
nutrição. Investir no registro sistemático e na qualificação dos processos avaliativos
das atividades de EAN e no desenvolvimento de momentos de escuta e diálogo com
estudantes pode contribuir para o aprimoramento tais ações.
Neste sentido, importante salientar que são muitas as questões em aberto
que motivam novas rodadas de reflexão. Quem são e quais os papéis dos
profissionais envolvidos na implementação de práticas de EAN na escola? Como
criar espaços de formação pautados na integração de saberes entre profissionais de
saúde e educação? Como abrir estes espaços para integração com outros campos
de conhecimento, incluindo o saber popular? Em que referenciais e ferramentas
precisam apoiar-se os profissionais para tornarem mais efetiva a participação dos
estudantes nos processos de EAN na escola?
Todas estas questões precisam ser refletidas tendo como perspectiva que
apoderar o estudante neste processo é garantir sua participação qualificada que
começa na escola e se estende como exercício para a vida. Investir no
desenvolvimento de uma EAN crítica, participativa, continuada, cotidiana e pautada
no DHAA é semear o novo. A escola é terreno fértil para esta grande empreitada
rumo à garantia de alimentação adequada e saudável, de forma sustentável e justa
para todos os seres humanos.
A recente aprovação da Política Nacional de Educação Popular em Saúde e a
publicação do Marco de Referência para Educação Alimentar e Nutricional nas
Políticas Publicas são elementos relevantes para os diálogos que prosseguem. Em
comum estes dois documentos apresentam o reconhecimento de uma complexa
realidade de saúde que reúne teia extensa de condicionantes e determinantes e que
por isso exige análises mais atentas. Reafirma-se o compromisso ético de examinar
a ―realidade concreta‖, desde seus aspectos histórico-conjunturais mais amplos até
os desafios que condicionam a garantia de qualidade de vida no território que, por
sua vez, é reconhecido como local de (re)construção de saberes e práticas. Neste
caminhar entre análises do micro e macro, ambas as publicações assumem as
262
metodologias críticas e problematizadoras como eixos ao desenvolvimento de
ações, abrindo assim múltiplas possibilidades de diálogos e de construção de pontes
entre saberes diversos.
Quando se reflete sobre a viabilidade da efetivação da Educação Popular no
cotidiano dos serviços pode-se argumentar sobre o dispêndio de investimento em
formação dos profissionais e de tempo para execução de projetos pautados neste
referencial. Neste sentido pode-se ingenuamente questionar: em contextos de
extrema negação de direitos, como utilizar a metodologia de Educação Popular?
Criticamente e tomando as implicações éticas envolvidas no trabalho cotidiano em
realidades como a descrita neste trabalho, a questão parece ser outra: em contextos
de extrema negação de direitos, como não utilizar a metodologia de Educação
Popular? Esta reflexão cabe igualmente tanto para unidades de saúde quanto para
escolas públicas, espaços marcados por hierarquias cristalizadas de saberes e que
diariamente convivem com a precarização das condições de trabalho e com
ambientes de extremo esgarçamento das relações sociais.
O ―lugar de encontro‖ é, portanto, todo o lugar onde existam pessoas
verdadeiramente comprometidas com a causa dos oprimidos e com a transformação
da realidade. Para chegar até lá, um caminho longo de dedicação, humildade e
persistência na busca por oportunidades de diálogos e práticas coerentes com a
construção de uma realidade mais justa e feliz precisará ser percorrido diária e
cotidianamente.
263
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279
APÊNDICE
280
Apêndice 1
Sujeitos de pesquisa – Códigos e descrições
Descrição/ Localização
Nutricionista, Secretaria Municipal de Educação – Responsável Técnica Alimentação
Escolar)
Nutricionista, Secretaria Municipal de Saúde – Coordenação PSF nas ações de
implantação de NASF e acompanhamento PBF
Nutricionista, Secretaria Municipal de Saúde – ATAN/ acompanhamento CCAICs
Nutricionista, Secretaria Municipal de Saúde cedida ao Departamento de Segurança
Alimentar e Nutricional Sustentável
Nutricionista, Secretaria Municipal de Saúde – Coordenação PSF nas ações de PSE
Nutricionista, Secretaria Municipal de Saúde – ATAN/ Coordenação do SISVAN
Nutricionista, Secretaria Municipal de Educação cedida a Secretaria Municipal de
Assistência Social – Nutrição em eventos e equipamentos de assistência social
Enfermeiro, Servidor concursado da SMS, Coordenação de Saúde da Família,
designado para o GTI-M
Fonoaudióloga, Servidora concursada da SMS, Coordenação de Vigilância em Saúde,
designada para o GTI-M
Professor, Servidor concursado da SME, Coordenação de Projetos Comunitários,
designado para o GTI-M
Professora, Servidora Concursada da SME, Coordenação da Alimentação Escolar,
extra-oficialmente contribui para GTI-M
Servidora concursada, Dentista eSF
Servidora concursada, Enfermeira eSF
Servidora concursada, Dentista eSF
Servidora concursada , Dentista eSF
Servidora concursada, Enfermeira eSF
Servidor concursado, Médico eSF
Diretora(Equipe Diretiva)
Servidora concursada , Pedagoga, Supervisora de Merenda (Alimentação Escolar)
Nutricionista da escola – terceirizada/ contrato via alimentação escolar (Alimentação
Escolar)
Responsável de Merenda (Alimentação Escolar)
Servidora concursada, Professora de Ciências
Servidora concursada, Professora de Ciências
Servidora concursada, Professora de Educação Física
Merendeira – terceirizada/ contrato via alimentação escolar
Merendeira – terceirizada/ contrato via alimentação escolar
Merendeira – terceirizada/ contrato via alimentação escolar
Orientadora Educacional e responsável pelo PSE na escola
Orientadora Pedagógica
Servidora concursada, Professora de História
Servidor concursado, Professor de Geografia
Servidor concursado, Professor de Arte
Servidora concursada, Coordenadora de turno, responsável pelo PSE na escola
Código
Nut. A
Nut. B
Nut. C
Nut. D
Nut. E
Nut. F
Nut. G
GTI-M 1/ SMS
GTI-M 2 / SMS
GTI-M 3 / SME
GTI-M 4 / SME
1 - eSF
2 - eSF
3 - eSF
4 - eSF
5 - eSF
6 - eSF
7 - ED
8 - AE
9 - AE
10 - AE
11 - Prof
12 - Prof
13 - Prof
14 - AE
15 - AE
16 - AE
17 - ED
18 - ED
19 - Prof
20 - Prof
21 - Prof
22 - ED
281
Apêndice 2
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa A procura de um lugar de encontro
para a educação alimentar e nutricional na escola: uma experiência de pesquisa-ação. Você foi
selecionado porque atua ou atuou em ações de Educação Alimentar e Nutricional realizadas em
escolas e/ou no âmbito das ações do Programa de Saúde na Escola no município de Duque de
Caxias. O objetivo desta pesquisa é discutir os limites e possibilidades para o desenvolvimento de
estratégias de Educação Alimentar e Nutricional na escola pautadas pelo Direito Humano à
Alimentação Adequada.
Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar
seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou
com a Escola. Sua participação nesta pesquisa consistirá em participar de grupos de debate,
seminários avaliativos e, de acordo com sua disponibilidade e interesse, na construção de sínteses ou
relatórios de atividades que participe. Datas e horários serão combinados previamente, procurando
adequar-se à conveniência dos grupos que serão formados. Para facilitar o registro de dados serão
realizadas gravação de áudio das atividades. Estas gravações serão destruídas num prazo máximo
de cinco anos.
São benefícios relacionados à sua participação: o acesso a informações sobre promoção da
alimentação adequada e saudável e sobre direitos; e a possibilidade de contribuir para a construção
de estratégias educativas nestes temas. Como esta pesquisa acontece no cotidiano da Escola,
tratando de questões para as quais não existem consensos, os ricos de sua participação estão
relacionados à exposição, durante seminários e grupos de debate, de suas opiniões, posições e
sentimentos inerentes aos temas tratados. As informações obtidas através desta pesquisa serão
confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de
forma a possibilitar sua identificação.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do
67
68
pesquisador principal e do CEP , podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação,
agora ou a qualquer momento.
CONSENTIMENTO: Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações
sobre o estudo acima citado que li ou que foram lidas para mim. Discuti com Juliana Pereira
Casemiro, sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os
propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e seus riscos, as
garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Concordo voluntariamente em
participar deste estudo e poderei retirar meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades
ou prejuízos. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o pesquisador
responsável por essa pesquisa deveremos rubricar todas as folhas desse Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido – TCLE.
__________________________________________________Data:___/___/___
Nome e Assinatura do Sujeito da Pesquisa
__________________________________________________Data:___/___/___
Pesquisadora: Juliana Pereira Casemiro
67
NUTES/ UFRJ. Centro de Ciências da Saúde, Bloco A, Sala 12 – Ilha do Fundão – Rio de Janeiro/
RJ. Telefone: 2562-6343.
68
Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável, comunique o
fato à Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, Hospital Escola São
Francisco de Assis (CEP/EEAN/HESFA) na Rua Afonso Cavalcante 275 / Cidade Nova ou pelo
telefone 2293- 8148, Ramal 228.
282
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa A procura de um lugar de encontro
para a educação alimentar e nutricional na escola: uma experiência de pesquisa-ação. Você foi
selecionado porque trabalha nesta escola municipal que foi indicada pelo corpo técnico do Programa
de Saúde na Escola. O objetivo desta pesquisa é discutir os limites e possibilidades para o
desenvolvimento de estratégias de Educação Alimentar e Nutricional na escola pautadas pelo Direito
Humano à Alimentação Adequada.
Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar
seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou
com a Escola. Sua participação nesta pesquisa consistirá em participar de grupos de debate,
seminários avaliativos e, de acordo com sua disponibilidade e interesse, na construção de sínteses ou
relatórios de atividades que participe. Datas e horários serão combinados previamente, procurando
adequar-se à conveniência dos grupos que serão formados. Para facilitar o registro de dados serão
realizadas gravação de áudio das atividades. Estas gravações serão destruídas num prazo máximo
de cinco anos.
São benefícios relacionados à sua participação: o acesso a informações sobre promoção da
alimentação adequada e saudável e sobre direitos; e a possibilidade de contribuir para a construção
de estratégias educativas nestes temas. Como esta pesquisa acontece no cotidiano da Escola,
tratando de questões para as quais não existem consensos, os ricos de sua participação estão
relacionados à exposição, durante seminários e grupos de debate, de suas opiniões, posições e
sentimentos inerentes aos temas tratados. As informações obtidas através desta pesquisa serão
confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de
forma a possibilitar sua identificação.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do
69
70
pesquisador principal e do CEP , podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação,
agora ou a qualquer momento.
CONSENTIMENTO: Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações
sobre o estudo acima citado que li ou que foram lidas para mim. Discuti com Juliana Pereira
Casemiro, sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os
propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e seus riscos, as
garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Concordo voluntariamente em
participar deste estudo e poderei retirar meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades
ou prejuízos. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o pesquisador
responsável por essa pesquisa deveremos rubricar todas as folhas desse Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido – TCLE.
__________________________________________________Data:___/___/___
Nome e Assinatura do Sujeito da Pesquisa
__________________________________________________Data:___/___/___
Pesquisadora: Juliana Pereira Casemiro
69
NUTES/ UFRJ. Centro de Ciências da Saúde, Bloco A, Sala 12 – Ilha do Fundão – Rio de Janeiro/
RJ. Telefone: 2562-6343.
70
Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável, comunique o
fato à Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, Hospital Escola São
Francisco de Assis (CEP/EEAN/HESFA) na Rua Afonso Cavalcante 275 / Cidade Nova ou pelo
telefone 2293- 8148, Ramal 228.
283
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa A procura de um lugar de encontro
para a educação alimentar e nutricional na escola: uma experiência de pesquisa-ação. Você foi
selecionado porque estuda nesta escola municipal que foi indicada pelo corpo técnico do Programa
de Saúde na Escola. O objetivo desta pesquisa é discutir os limites e possibilidades para o
desenvolvimento de estratégias de Educação Alimentar e Nutricional na escola pautadas pelo Direito
Humano à Alimentação Adequada.
Sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar
seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou
com a Escola. Sua participação nesta pesquisa consistirá em participar de grupos de debate,
seminários avaliativos e, de acordo com sua disponibilidade e interesse, na construção de sínteses ou
relatórios de atividades que participe. Datas e horários serão combinados previamente, procurando
adequar-se à conveniência dos grupos que serão formados. Para facilitar o registro de dados serão
realizadas gravação de áudio das atividades. Estas gravações serão destruídas num prazo máximo
de cinco anos.
São benefícios relacionados à sua participação: o acesso a informações sobre promoção da
alimentação adequada e saudável e sobre direitos; e a possibilidade de contribuir para a construção
de estratégias educativas nestes temas. Como esta pesquisa acontece no cotidiano da Escola,
tratando de questões para as quais não existem consensos, os ricos de sua participação estão
relacionados à exposição, durante seminários e grupos de debate, de suas opiniões, posições e
sentimentos inerentes aos temas tratados. As informações obtidas através desta pesquisa serão
confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de
forma a possibilitar sua identificação.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do
71
72
pesquisador principal e do CEP , podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação,
agora ou a qualquer momento.
CONSENTIMENTO: Acredito ter sido suficientemente informado a respeito das informações
sobre o estudo acima citado que li ou que foram lidas para mim. Discuti com Juliana Pereira
Casemiro, sobre a minha decisão em participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os
propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, seus desconfortos e seus riscos, as
garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Concordo voluntariamente em
participar deste estudo e poderei retirar meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades
ou prejuízos. Além disso, estou ciente de que eu (ou meu representante legal) e o pesquisador
responsável por essa pesquisa deveremos rubricar todas as folhas desse Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido – TCLE.
__________________________________________________________ Data:___/___/___
Nome e Assinatura do Sujeito da Pesquisa
_______________________________________________________
Data:___/___/___
Nome e Assinatura do Representante Legal (no caso de menores de 18 anos)
_________________________________________________________
Pesquisadora: Juliana Pereira Casemiro
71
Data:___/___/___
NUTES/ UFRJ. Centro de Ciências da Saúde, Bloco A, Sala 12 – Ilha do Fundão – Rio de Janeiro/
RJ. Telefone: 2562-6343.
72
Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável, comunique o
fato à Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, Hospital Escola São
Francisco de Assis (CEP/EEAN/HESFA) na Rua Afonso Cavalcante 275 / Cidade Nova ou pelo
telefone 2293- 8148, Ramal 228.
284
Apêndice 3
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
A procura de um lugar de encontro para a educação alimentar e nutricional na
escola: uma experiência de pesquisa-ação
PERFIL DOS PARTICIPANTES DA SISTEMATIZAÇÃO
Iniciais do nome: _____
Há quanto tempo trabalha no município: ______ Concursado/a: ( ) Sim ( ) Não
Morador/a do município: ( ) Sim ( ) Não
Área de
formação:______________________________________________________
Há quanto tempo terminou a faculdade?_______________________
Sua trajetória no município (locais, projetos e ações em que trabalhou/tem
trabalhado)
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Atua em algum Conselho representando o governo:
( ) Sim atuei ( )Sim atuo ( ) Não
Quais?______________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
________
Atua e/ou atuou em outros espaços voluntários relacionados ao tema da alimentação
e nutrição? ( ) Sim atuei ( )Sim atuo ( ) Não
Quais?______________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
Educação Alimentar e Nutricional em palavras ou frases
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
285
PARTICIPANTES DA SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIA
Nutricionista 01:
Formada em Nutrição há 23 anos e trabalha no município há 29 anos, é concursada e não mora em
Duque de Caxias.
Trajetória no município: ―Iniciei trabalho administrativo aos 19 anos enquanto fazia nutrição na
UNIRIO na ocasião não pensava em continuar no município após formada pois não havia Plano de
Cargos e Salários. Por sorte, após formada tive oportunidade de ser enquadrada e fui trabalhar nas
creches do município. Depois de alguns anos fui convidada a trabalhar na Secretaria de Saúde na
gestão e também em unidades. Em 2005 assumi...‖
Quanto a atuação em Conselhos representando o governo: ―Atuei no Conselho de Políticas Agrícolas
e Desenvolvimento Rural e atuo no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de
Duque de Caxias.‖
Atuação em espaços voluntários relacionados ao tema alimentação e nutrição: Conselho de
Alimentação Escolar - Estadual (representando a Associação de Nutrição do Estado do Rio de
Janeiro - ANERJ); em ações da Secretaria Municipal de Saúde; Núcleo Colaborador Alimentação e
Nutrição Escolar (NUCANE/UERJ).
Educação Alimentar e Nutricional: Compromisso com Políticas Públicas de Alimentação e Nutrição
através de ações educacionais que abordem temas relacionados.
Nutricionista 02:
Formada em Nutrição há 30 anos e trabalha no município há 24 anos, é concursada e não mora em
Duque de Caxias.
Trajetória no município: ―Hospital Municipal Duque de Caxias – Nutrição Clínica; Secretaria Municipal
de Saúde – Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN), Programa Bolsa Alimentação,
Mutirão, Programa ... (PADAI); Hospital Infantil – Nutrição Clínica; posto de Saúde Alaíde Cunha –
Ambulatório de nutrição; e Secretaria Municipal de Saúde – Avaliação Nutricional nos Centro Creche
de Atendimento à Infância Caxiense (CCAICs) ‖
Quanto a atuação em Conselhos representando o governo: não atua
Atuação em espaços voluntários relacionados ao tema alimentação e nutrição: não atua
Educação Alimentar e Nutricional: ―Consciência da ação dos alimentos no organismo, conseqüência
das práticas adequadas e das não adequadas. Como garantir a saúde através da alimentação:
ingerir, adquirir, garantir acesso.‖
Nutricionista 03:
Formada em Nutrição há 5 anos e trabalha no município há 19 meses, não é concursada e não mora
em Duque de Caxias.
Trajetória no município: ―Secretaria Municipal de Educação ‖ – Responsável Técnica pela
Alimentação Escolar – PSE
Quanto a atuação em Conselhos representando o governo: atua no Conselho de Políticas Agrícolas e
Desenvolvimento Rural e no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional de Duque de
Caxias.
Atuação em espaços voluntários relacionados ao tema alimentação e nutrição: não atua
Educação Alimentar e Nutricional: ―Eu acredito! Tenho buscado trabalhar ou seja desenvolver acoes
que envolvam o tema educação alimentar e nutricional no cotidiano das unidades escolares. Um dos
maiores desafios encontrados é o comportamento dos pais nestas ações, evolve-los nesse processo
é um grande desafio.‖
Nutricionista 04:
Formada em Nutrição há 9 anos e trabalha no município há 3 anos, é concursada e não mora em
Duque de Caxias.
Trajetória no município: ―Como professora pela Secretaria Municipal de Educação, na E.M. Paulo
Roberto de Moraes Loureiro (2003 a 2006). Como nutricionista pela Secretaria Municipal de Saúde no
HMMRC (setembro a dezembro de 2008) e na Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos
Humanos como Coordenadora de Nutrição ( janeiro a maio de 2009); a partir de maio de 2009 como
coordenadora do SISVAN na Secretaria Municipal de Saúde‖
Quanto a atuação em Conselhos representando o governo: atua no Conselho Municipal de
Segurança Alimentar e Nutricional de Duque de Caxias.
Atuação em espaços voluntários relacionados ao tema alimentação e nutrição: não atua
Educação Alimentar e Nutricional: ―Necessidade, direito, prevenção.‖
286
Nutricionista 05:
Formada em Nutrição há 21 anos e trabalha no município há 32 anos (21 anos como Nutricionista), é
concursada e é moradora de Duque de Caxias.
Trajetória no município: ―Hospital Geral Duque de Caxias; Posto Municipal de Saúde Dr. José de
Freitas; Divisão de Nutrição (atualmente Coordenadoria de Nutrição); Coordenadoria de Atenção
Básica (PSE). Atuei na área clínica e institucional (produção de refeições). Atuação clínica e Saúde
Pública no Setor de Ambulatório nos Programas de Hipertensão, Programa da Criança (Puericultura),
Programa da Mulher (Pré-natal), SISVAN. Atuei na implantação do ICCN e do SISVAN +
cadastramento das famílias do Bolsa Alimentação. Participação na equipe da ATAN, responsável pelo
ICCN nas comunidades de Jardim Gramacho, Bom Retiro e Jardim Ana Clara, Vila Rosário.
Supervisão dos CCAICs pela Saúde em parceria com a Educação de 2003 a 2009. De 2005 a 2009
também participei de algumas ações: Semana de nutrição/ Projeto Alegria ( Implantação do SISVAN
no Ensino Fundamental), Encontro de Merendeiras, Projeto Pão Nosso (participei como convidada),
Oficinas de Formação para as Equipes de Saúde da Família, etc... Em tempo: Conselheira do
COMSEA representando a ATAN de 2006 a 2009. Junho de 2011 solicitei transferência para a
Coordenadoria de Atenção Básica (PSF) com vistas a atuação no PSE. Atualmente faço parte da
Equipe Técnica do PSE (Saúde) atuando na supervisão das equipes do PSF e como articuladora das
ações do PSE/PSF.‖
Quanto a atuação em Conselhos representando o governo: atuou no Conselho Municipal de
Segurança Alimentar e Nutricional de Duque de Caxias.
Atuação em espaços voluntários relacionados ao tema alimentação e nutrição: não atua
Educação Alimentar e Nutricional: ―Promoção da Saúde e prevenção de doenças crônicas não
transmissíveis. Esta prevenção terá como conseqüência ‗resgate da cidadania‘, principalmente na
população no último ciclo de vida onde estes idosos têm que lidar com doenças/ baixos salários ou
nenhum (= aposentadoria) e paralelamente as longas filas de espera das agendas das unidades/ falta
de medicamentos etc. Isso levará a redução da tristeza e da depressão. Isso é saúde.‖
287
Apêndice 4
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Título: A procura de um lugar de encontro para a educação alimentar e nutricional na escola:
uma experiência de pesquisa participante
Fase exploratória 1: Sistematização de experiências de Educação Alimentar e Nutricional no
Programa de Saúde da Escola em Duque de Caxias
73
Roteiro de Sistematização
Momento 1: Ponto de partida
1.1. Quem será convidado a participar?
 Nutricionistas
 Outros profissionais da equipe municipal do PSE (que tenham participado de atividades de
EAN)
 Com a opção de sistematizar a experiência a partir de sua origem até os dias atuais, serão
convidados os que estiveram envolvidos no início e os mais novos que podem ―sistematizar
o conjunto do processo, já que a história passada faz parte de sua experiência atual.‖(pág.74)
1.2. Fonte de informações/ coleta de registros
Acervo oficial: documentos que contém propostas, rascunhos, projetos de atividades,
informes, atas de reunião, memória de seminários e oficinas/ gravações, fotografias, filme,
gráfico, mapas, desenhos, quadro sinóticos.
 Acervo pessoal: caderno de apontamentos pessoais, diário de campo, documentos que
contém propostas, rascunhos, projetos de atividades, informes, atas de reunião, memória de
seminários e oficinas/ gravações, fotografias, filme, gráfico, mapas, desenhos, quadro
sinóticos.

74
Momento 2: Decisões iniciais
75
2.1. Objetivos :
 Sistematizar as principais ações de educação alimentar e nutricional realizadas no âmbito do
Programa de Saúde na Escola (PSE) em Duque de Caxias, promovendo processo de
reflexão crítica das práticas junto aos técnicos do Programa.
 Compreender o contexto, o histórico, os limites e as possibilidades acerca das atividades de
Educação Alimentar e Nutricional (EAN) desenvolvidas no PSE em Duque de Caxias
2.2. Objeto:
Ações de educação alimentar e nutricional realizadas em escolas e no âmbito do Programa de
Saúde na Escola (PSE) em Duque de Caxias
2.3. Eixo
73
76
Adaptado a partir de: HOLLIDAY, O.J. Como Sistematizar? Uma proposta em cinco tempos.
Para sistematiza experiências. Brasília: MMA, 2006. [pág. 71-92]
74
Na proposta do autor, este passo é chamado de perguntas iniciais – não de decisões inicias. A
adaptação se justifica porque esta sistematização é um dos propósitos descritos desde o projeto de
pesquisa. Contudo, ao iniciar-se o processo será aberto espaço para contribuições e aprimoramentos
a este tópico.
75
Segundo Holliday (2006): compreender de forma mais profunda as experiências realizadas para
melhorar a prática; compartilhar ensinamentos surgidos com a experiência; e conduzir à reflexão
teórica os conhecimentos surgidos de práticas sociais concretas. (pág.29)
76
―Um eixo de sistematização é como um fio condutor que atravessa a experiência e se refere aos
aspectos centrais dessa(s) experiência(s) [...]é como uma coluna vertebral que nos comunique com
toda a experiência, mas de uma ótica específica.‖(p.81). Uma mesma experiência pode ser
sistematizada sob diferentes eixos. Portanto, o eixo deve ser construído de tal forma que tenha um
sentido prático, evitando que o processo se perca em elementos que não sejam relevantes para essa
sistematização.
288
Impasses e desafios encontrados na realização das atividades de EAN e aproximações e
distanciamentos do enfoque do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e de abordagens
participativas.
Momento 3: Recuperações do processo vivido
3.1. Reconstruir a história
3.2. Ordenar e classificar as informações
Procedimento
s
Autorização da
Secretaria de Saúde e
do PSE









Descrição
- Protocolar o Projeto e apresentá-lo aos responsáveis
- Solicitar autorização/ consentimento oficial
- Recolher material de registro (acervo oficial)
- Convite (por e-mail e impresso);
Formação do
- Texto com descrição de objetivos e procedimentos;
grupo
- Termo de Consentimento;
- Recolher material de registro pessoal (por e-mail e impresso);
Preparação:
- Ordenar cronologicamente o material
- Preparar material para ser devolvido aos nutricionistas no Grupo de
1º Encontro de Debate
Sistematização
Pauta/ Programação do(s) grupo(s):
Reconstrução
- Apresentação do Projeto de Pesquisa (objetivos e metodologia
da história e
pesquisa-ação e sistematização);
ordenamento de
- Apresentar cronológica das atividades de EAN / Propor entrelaçar
informações
contexto municipal e nacional (a partir da pauta do DHAA)
- Iniciar análise: interpretações individuais
- A partir do Roteiro de Ordenamento com os profissionais que
participaram das ações
Roteiro de Ordenamento:
Quais os objetivos descritos nas atividades de EAN?
Quais ações foram realizadas?
Com quem foram realizadas? (público-alvo e parceiros)
Qual foi a participação da escola? Quem contribuiu?
Que conteúdos foram trabalhados? Porque?
Quais dificuldades foram encontradas? Quais dúvidas?
O que facilitou?
O que você faria de forma diferente? Porque?
O que você faria da mesma forma? Porque?
Momento 4: Reflexão de fundo: Porque aconteceu o que aconteceu?
4.1. Analisar
4.2. Sintetizar
4.3. Interpretar criticamente o processo
Procedimen
Descrição
tos
Preparação:
- Realizar entrevistas a partir das lacunas deixadas no encontro anterior
- Preparar texto com a partir dos debates do encontro anterior e com
dados das entrevistas
Pauta/ Programação do(s) grupo(s):
2º Encontro
- Devolução em texto das informações;
de Sistematização
- Retomar debate sobre cronológica das atividades de EAN / Propor
entrelaçar contexto municipal e nacional (a partir da pauta do DHAA)
- Prossegui com análise: interpretações individuais e sínteses coletivas
- Aplicar o Roteiro de perguntas críticas: “Porque aconteceu o que
aconteceu?” ( Análise coletiva, Síntese a partir da análise e Conclusões)
- Sugestão de forma de comunicação
Roteiro de perguntas críticas: “Porque aconteceu o que aconteceu?”
289








O que motivou a realização de ações de EAN nas escolas? Mudou durante o período? Porque?
Que objetivos e conteúdos são comuns nas ações de EAN nas escolas? Como e porque foram
feitas estas opções?
Existiram mudanças nos objetivos e conteúdos das ações de EAN durante este período? Que
mudanças? Porque ocorreram?
Os debates sobre DHAA (SAN) tiveram alguma influência nas ações EAN? Se sim, de que forma?
Se não, porque?
Quais as principais contradições e tensões são enfrentadas pelos nutricionistas no desenvolvimento
das atividades de EAN? Como foram ou podem ser enfrentadas?
A partir desta experiência: Quais são os principais desafios? Que sugestões teríamos para
aprimorar as ações de EAN na escola? Como conceituaríamos participação? Como poderíamos
conceituar a EAN pautada no DHAA e participação?
Quais as principais conclusões a partir das experiências de EAN?
Como vocês avaliam este processo de sistematização?
Momento 5: Pontos de chegada
5.1. Formular conclusões: com base no registro da etapa anterior
 Formular conclusões práticas que iluminem as etapas seguintes a serem realizadas na
escola.
 Formular algumas conclusões teóricas em torno das possibilidades de inclusão dos
pressupostos do DHAA e da contribuição de metodologia participativa para a Educação
Alimentar e Nutricional.
5.2. Comunicar a aprendizagem
Com auxiliares de pesquisa:
- Construir texto de sistematização
- Construir artigo científico (se houver interesse)
- Construir outra forma de comunicação
Produtos/ Resultados:
Texto da sistematização de experiência
Apontar impasses e desafios encontrados na realização das atividades de EAN
Aproximações e distanciamentos do enfoque do Direito Humano à Alimentação Adequada
 Indicar escola municipal para realização das etapas subseqüentes


290
Apêndice 5
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Título: A procura de um lugar de encontro para a educação alimentar e nutricional na escola: uma experiência de pesquisa-ação
Fase exploratória 1: Sistematização de experiências de Educação Alimentar e Nutricional no Programa de Saúde da Escola em Duque
de Caxias
Planilha para ordenar dados documentais - Matriz para Organização de Documentos
1. FONTE: Documento – título, data/ período, autoria (e Secretaria), tipo, objetivo
Ações
de Período da Local
Objetivo/
Quem
Parceiros
EAN
ação
Motivação
promoveu?
envolvidos
Quem
participou?
(público)
 Outras ações de alimentação e nutrição articuladas à iniciativa?
 Reflexões a serem provocadas: O que se mantêm? O que se reforça? O que se redefine?
Observações
291
Apêndice 6
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
SISTEMATIZAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E
NUTRICIONAL EM ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS/RJ
Parte 1 - Reconstruir a história: a experiência de EAN nas escolas nos últimos 10 anos
Pesquisa em acervo pessoal; produção de quadro síntese; entrevista coletiva (em
encontro); entrevistas individuais (duas); e produção de texto síntese.
Parte 2 – Análise, síntese e interpretação crítica: “Porque aconteceu o que aconteceu?”
Entrevista coletiva (um encontro); contribuições ao texto.
Histórico das ações de EAN em escolas de Duque de Caxias
Que não passe o tempo e sigamos fazendo o mesmo, repetindo cotidianamente o que já
sabemos. Que realmente tenhamos experiências criadoras e inovadoras, isto é, que haja um
processo de acumulação sobre o que estamos construindo (HOLLIDAY, 2006 b: 240).
1. O contexto e o cenário
O processo de consolidação de uma Área Técnica de Alimentação e Nutrição
(ATAN) em Duque de Caxias foi vivenciado no mesmo período da construção do
Mutirão de Combate à Desnutrição Materno-infantil, liderado por Dom Mauro Morelli.
No ano de 2001, durante uma audiência pública o então Bispo Diocesano denunciou a
gravidade da desnutrição no município e afirmou a importância de se conhecer quem
eram estas crianças desnutridas. Neste momento procurou a nutricionista responsável
pelo Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e propôs uma parceria
para construir um diagnóstico municipal. Utilizando a fala de Dom Mauro, o propósito
era que estas crianças precisam ter nome, rosto e endereço.
No ano de 2001 uma grande demanda da ATAN era o Programa de Incentivo ao
Combate às Carências Nutricionais (ICCN), que previa verba do governo federal para a
distribuição de leite e óleo de soja para gestantes e crianças desnutridas identificadas
pelo SISVAN. Percebendo a dificuldade em alcançar as crianças mais vulneráveis, foi
proposta uma parceria da ATAN com o Mutirão e com a Pastoral da Criança. O
diagnóstico era de que uma importante parcela das crianças desnutridas morava em
locais distantes e não tinham acesso às unidades de saúde. Muitas destas morriam e
quem estava chegando até elas não era o poder público, mas sim os voluntários e
292
Igreja Católica. Decidiram realizar o cadastro no Programa, bem como a distribuição de
leite e óleo em comunidades, junto com Igreja.
[...] a gente viu que tinham muitas crianças que não chegavam ao Posto de Saúde, desnutridas
pelos cantões de Caxias. Quem que detectava? A Pastoral e o Mutirão [...] Então o que a gente
fez? Vamos colocar esse programa do leite em algum lugar. Mandá-los para as Unidades, como
eles não alcançavam, não tinham acesso mesmo [...] então tivemos a idéia de colocar numa
comunidade. Onde? Numa igreja [...] A gente ia até eles.
Todos os trâmites burocráticos do Programa eram respeitados, em termos de
cadastro de beneficiários e prestação de contas. Desvincular a distribuição das
unidades de saúde permitiu alcançar mais crianças. Contudo houve a necessidade de
se justificar esta mudança de estratégia ao Conselho Municipal de Saúde o que gerou
grandes preocupações para a equipe da ATAN. Ainda assim, avaliam positivamente
este posicionamento:
[...] mas foi bom que a gente atendeu às crianças!
Pode não ter seguido o que seria burocraticamente correto, mas você atendeu a criança na época
que ela tinha fome. [...] A criança recebeu quando precisava receber. Depois a gente ajustou, mas
vidas não se perderam. Porque morriam crianças.
Faziam parte deste contexto dois outros grandes desafios: uma grande
quantidade de crianças sem registro civil (muitas vezes três gerações na mesma
família) e a necessidade de ampliar a implantação do SISVAN nas unidades de saúde.
As crianças sem registro eram encaminhadas ao Conselho Tutelar,
[...] para providenciar o registro civil para que aquela criança primeiro ela passasse existir como
cidadãs para a partir daí ter acesso. Porque para os programas de governo você tem que ter o
registro civil.
Posteriormente às ações do ICCN foram iniciadas as ações de cadastro do
Programa Bolsa Alimentação e esta atuação em comunidades foi se ampliando para
outros bairros. A demanda por uma ação municipal, uma política pública, para combate
à desnutrição infantil é apresentada neste contexto de atuação do Mutirão.
Onde tinham as duas casas de acolhimento [...] que deu origem a esse pensar em transformar
numa política pública que é hoje o CCAIC. Que primeiro não foi CCAIC, foi Portal do Crescimento.
Essas casas de acolhimento, o imóvel foi doado por uma italiana que era rica. Era coisa bem
assim, bem da Igreja.
293
Inspirada nas Casas de Acolhimento, surgem os Centros Creche de
Atendimento à Infância Caxiense (CCAIC), na época chamados de Portais do
Crescimento.
2. Iniciativas de Educação Alimentar e Nutricional nas escolas de Duque de
Caxias:
2.1.Campanha Educativa da troca de um Erro Alimentar X problemas nutricionais
por uma ajuda aos Desnutridos (2001)
Em setembro de 2001, foi realizada a ―Campanha Educativa da troca de um Erro
Alimentar X problemas nutricionais por uma ajuda aos Desnutridos‖ com os
―vereadores mirins‖77 de Duque de Caxias. A partir do acervo disponibilizado identificase que o objetivo foi descrito como:
[...] despertar os jovens e professores para as problemáticas nutricionais decorrentes de hábitos
alimentares incorretos, viu a possibilidade de junto aos Vereadores Mirins, desenvolver o trabalho
de Alimentação Equilibrada e Pesquisa de Hábitos Alimentares em suas respectivas escolas. [...]
contribuir para a reflexão sobre a situação nutricional no nosso município, incentivando os alunos
a produzirem trabalhos sobre o tema e transmitindo para os mesmos a importância de se ter
sempre uma atitude de vigilância nutricional. (Trecho recolhido do acervo)
O contato com os vereadores mirins foi realizado através de um Vereador78 do
município que apoiava o Mutirão. Através desta ação os vereadores mirins foram
convidados a realizar atividades em suas escolas que incentivassem os outros alunos a
corrigirem seus erros alimentares e doar alimentos para as crianças desnutridas.
Nós fizemos uma chamada para a questão da educação alimentar e nutricional dentro das
escolas. Fizemos um material em cima do uso da pirâmide alimentar e fizemos a parceria. A
interlocução era feita dos vereadores mirins com as diretoras e professores dessas escolas. Aí
fizemos oficinas com os professores de ciências, os professores mesmo do ensino fundamental.
Fizemos o material de como elas iriam aplicar isso dentro de sala de aula e dali ia sair uma
avaliação do quanto as crianças se viam fazendo um erro alimentar. Como elas se alimentavam e
depois como elas se viam: se se viam magras, se se viam gordas e tinhas uns desenhinhos [...].
Foi reproduzido material impresso para os alunos com gravuras referentes a
imagem corporal para que os alunos optassem por aquelas com as quais mais se
77
Através de iniciativa da Câmara de Vereadores, foram eleitos 21 ―vereadores mirins no município‖,
através de eleição direta realizada em escolas particulares e públicas (estaduais e municipais) do
município.
78
Durante seu mandato Zumba aprovou verba especifica para o SISVAN. Anos mais tarde, junto com
Dom Mauro Morelli, foi o principal articulador para a criação do Departamento de Segurança Alimentar e
Nutricional Sustentável (DESANS) e foi seu primeiro Diretor.
294
identificavam. Os professores trabalharam com este material em sala de aula e,
posteriormente, a nutricionista teve acesso ao material preenchido.
A partir disso surgiu a demanda de que, as que se viram gordinhas, com mais idade, adolescente,
pediram que a gente fizesse, que eu fizesse, uma avaliação nutricional desses adolescentes –
que eram amigos dos vereadores mirins dessas escolas – e para poder fazer uma orientação
nutricional. Foi feito. Aí, a partir disso, como eles se viam e do quanto eles faziam de errado
surgiu a campanha troque um erro alimentar por um alimento para ajudar uma criança desnutrida.
Aí que foi feito essa pesquisa. Foi feita uma pesquisa de quantos doces ou quantos refrigerantes
você toma por semana ou por dia. Muito? Pouco? Aquela avaliação. Aí diante disso no final a
gente perguntava: quer ajudar um desnutrido? Aí eles começaram a comer menos aquelas
guloseimas e começaram a fazer busca daqueles alimentos para dar para essas crianças
desnutridas.
Eles foram tomando consciência de educação alimentar, dos erros alimentares que ocorriam [...].
Nessa época não era alimentação saudável que usava [...] Era tipo de um jogo [...] Fazia uma
troca: o aluno estava cometendo um erro alimentar. Então aquilo detectado, o aluno ia identificar
um alimento saudável, correto, para doar para essa família de uma criança que era detectada
como desnutrida.
Esta atividade foi realizada no mesmo período em que no município se
organizavam as atividades do Mutirão de Combate à Desnutrição. Os alunos foram
orientados a recolherem alimentos utilizados na produção do ―leite forte‖. Foram
entregues, próximo ao período de natal, cem quilos de alimentos a comunidades
acompanhadas pela Pastoral da Criança.
Ao mesmo tempo eles ficaram tão sensibilizados que pediram para fazer visita às creches [...] e
fizeram campanha para a busca de alimentos e brinquedos também.
Segundo dados recolhidos em relatório do projeto, foram realizadas atividades
em 08 (oito) escolas particulares, 05 (cinco) municipais e em 01(um) CIEP e
envolvendo 983 alunos. O fechamento desta atividade foi um grande ato na Câmara de
Vereadores.
A gente tinha o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional, que é da Saúde, nessa época a
gente estava ainda para implementar a área Técnica [...] A gente viu que era uma das ações que
a gente precisava fazer porque onde tinha o maior público, que deveria ser alcançado, no período
de aprendizagem mesmo. E que a gente não conseguiria alcançar a população em ações
comunitárias. E na escola é o maior público para você criar hábitos alimentares e saudáveis, não
precisa ser só alimentares. A gente pensou que se essa parceria corresse bem, depois isso
poderia ser incluído na grade curricular da própria educação como uma das ações. Mesmo que
fosse pontual [...].
Naquele momento, havia uma preocupação em dupla: com estado nutricional
destes alunos e em apresentar a realidade de desnutrição existente no município e
desconhecida por grande parte dos alunos das escolas particulares. Esta iniciativa
295
representou também a possibilidade de ―[...] inserir as ações educativas na questão da
vigilância alimentar e nutricional.
Não houve problema para realizar a interlocução com a Secretaria Municipal de
Educação porque foi realizada através da Equipe de Projetos Comunitários, que apoiou
e realizou a interlocução com as escolas. O espaço para as reuniões era cedido pela
Câmara de Vereadores. Naquele momento a maior dificuldade foi realizar as ações
com uma equipe muito reduzida, eram poucos nutricionistas ligados ao SISVAN. A
avaliação foi de que com uma equipe maior talvez fosse possível manter as ações de
forma efetiva, e não realizá-las de forma pontual.
Após estas ações, entre os anos de 2002 e 2003, foi percebida a demanda de
implantar avaliação nutricional nas creches e no ensino fundamental. Foi montada uma
rotina de avaliação nutricional nas creches e um projeto-piloto para o ensino
fundamental. Foi o período em que mais nutricionistas concursados foram incorporados
a ATAN. Para a avaliação nutricional a grande dificuldade era a falta de equipamentos
nas unidades escolares. A sugestão foi tombar parte das balanças do SISVAN em
creches e garantir fluxo destes dados produzidos em parceria entre Secretaria
Municipal de Saúde e de Educação.
Foi o momento que a gente conseguiu comprar balanças para o município a partir do recurso do
SISVAN. [...] Aí eu através do convencimento do Secretário eu coloquei que era muito melhor a
gente ir do que trazer essa demanda toda para os postos de saúde. Então eu convenci que saúde
a gente fazia fora da Saúde, que era exatamente na Educação. Então que ele me desse
autorização para tombar a balança dentro da Educação [...], tombadas nas creches.
2.2. Semana de Nutri-ação (2005) e Semana Mundial da Alimentação(2005-2010)
A Semana de Nutri-ação ocorreu em agosto de 2005 para coincidir com a
comemoração do dia do Nutricionista. A proposta foi apresentada pela ATAN em
reunião com a equipe de educação e com o Colégio Carlos Gomes. 79 A idéia da Nutriação era a nutrição em movimento, em ação. Pensou-se em uma cartilha para veicular
informações sobre alimentação e os Nutricionistas construíram uma agenda de
palestras em creches e escolas para os pais.
79
Curso de Técnicos em Nutrição.
296
Dentre as atividades da semana destaca-se uma caminhada na comunidade em
que as crianças dos CCAICs entregaram no comércio local estas cartilhas com
informações do ―5 ao dia‖. O público-alvo desta ação era a comunidade. Houve
também o ―dia do mestre cuca‖ em que as crianças prepararam pratos especiais e a
utilização do material da Turma da Monica.
Como principal dificuldade foi destacada a questão de disponibilidade de
material. Para a realização das atividades os Nutricionistas definiram quotas para cada
um imprimir em casa uma parte do material a ser utilizado: ―Dificuldade nenhuma, a
gente ultrapassava, pulava.‖
Participaram das atividades de professores, diretores e estimuladores das
creches. A Semana de Nutri-ação foi avaliada como experiência positiva e foi realizada
outras vezes. Posteriormente foi incorporada à Semana Mundial da Alimentação. O
município desde então realiza anualmente atividades nas escolas a Semana Mundial
da Alimentação seguindo o tema proposto pela FAO.
Voltando a 2005, neste mesmo ano foi criado o Departamento de Segurança
Alimentar e Nutricional Sustentável (DESANS). Em setembro foi realizada uma reunião
da comissão técnica do DESANS e, com a proximidade do Dia Mundial da
Alimentação80, foi proposto um material em pouquíssimo tempo. Para isto, seguiu-se o
tema proposto pela FAO e na capa foi colocada uma Pirâmide Alimentar. Este folder foi
enviado às escolas junto com um ofício que falava da Semana Mundial da Alimentação
e sobre este tema. A resposta das escolas foi muito positiva, apenas com este
estímulo. Esta era uma demanda do Departamento com a realização de atividades nas
escolas com a presença da equipe do DESANS, Secretaria de Agricultura e Secretaria
de Saúde.
2.3.Capacitação de Merendeiras (2006 – 2011)
As capacitações de merendeiras são realizadas anualmente em Duque de
Caxias. No ano de 2006 foi este o foco de atuação da Coordenação de Nutrição
80
O Dia Mundial da Alimentação é comemorado no dia 16 de outubro. No Brasil comemora-se a Semana
Mundial da Alimentação seguindo a proposta de tema da FAO.
297
Escolar. Foram realizadas capacitações de merendeiras, de supervisores de merenda81
e responsáveis da merenda. Identificou-se que as os supervisores de merenda
estavam acostumados a tratar das questões referentes a estoque e preenchimento de
formulários, mas não tinham domínio da nutrição. Foi proposta atividade de formação
para estes profissionais em parceria com o Curso Técnico de Nutrição. Pretendia-se
desta forma garantir informações básicas sobre nutrição para estes supervisores de
merenda.
Com relação a capacitação de merendeiras, foi realizado em 2006 um curso
básico sobre higiene de alimentos e boas práticas. No ano (2007) seguinte foi tratado
de cardápio e da utilização de temperos nas preparações da alimentação escolas. As
merendeiras receberam também formação política com temas referentes ao PNAE .
A proposta para 2008 era trabalhar com o Cozinha Brasil, mas não sendo
possível tratou-se da questão da saúde da merendeira em parceria com a
UNIGRANRIO e Secretaria de Saúde (Setor de Saúde Coletiva). Pensar em trabalhar o
tema saúde da merendeira foi motivado pelo falecimento de uma merendeira que não
sabia que era diabética. Foram envolvidas as 550 merendeira foram avaliadas –
aferição de pressão artéria, glicemia e Índice de Massa Corporal . Havia medo por
parte das merendeiras que o diagnóstico representasse o seu desligamento do serviço,
o que foi desmitificado nesta atividade. As merendeiras diabéticas e hipertensas foram
encaminhadas para continuar o tratamento. Nesta oportunidade foi realizada uma
palestra para as merendeiras sobre alimentação saudável.
Em 2009 a proposta era realizar a capacitação das merendeiras com o apoio do
Curso Técnico de Nutrição, mas por não haver verba não foi possível. Neste mesmo
ano havia sido submetida ao COMSEA-DC uma proposta de Projeto da OPAS
chamado ―Cinco Chaves para uma Alimentação Saudável‖. Como este era um ano de
troca de governo este projeto não foi adiante no município. Aproveitando este contato o
médico e a bióloga da OPAS foram convidados a fazer a capacitação das merendeiras.
O positivo foi porque as merendeiras sentiram-se valorizadas, inclusive porque a
81 Professor concursado que é desviado de função e assume atividades de controle de estoque, de
notas fiscais e de visitas a cozinhas e dispensas nas escolas.
298
atividade foi realizada no Teatro Raul Cortez. O ponto negativo foi que os palestrantes
falavam espanhol e as merendeiras não entenderam bem o que estava sendo falado.
Em 2010 a capacitação de merendeiras foi dividida em módulos. O primeiro
sobre higiene de alimentos; sobre utilização integral de alimentos; e sobre saúde da
merendeira.
Na capacitação dos responsáveis de merenda foi trabalhado também
boas práticas e as questões relacionadas a recepção e armazenamento.
Em 2011 o foco é a valorização da merendeira e será trabalhada a auto-estima.
Dentre as atividades tem-se a previsão de um concurso “miss merendeira”. Esta
proposta é motivada porque ―Sempre quando fala em merendeira se fala de uma
pessoa negra, pobre, mal cuidada, relaxada e a gente quer mostrar que não é assim.‖
(P3) No ano passado foi realizado um concurso de receitas das merendeiras com tema
utilização integral de alimentos. Neste ano haverá o lançamento de um livro com estas
receitas, muitas delas criadas por elas mesmas. As merendeiras sempre ficam muito
satisfeitas e agradecidas com as atividades de formação e encontros.
Nas escolas as merendeiras são excluídas nos espaços de avaliação e de
discussão. Mensalmente as escolas realizam reuniões de avaliação e discussão do
PPP. Sempre que ocorrem estes grupos de estudos nas escolas as merendeiras ficam
de fora e elas mesmas não se vêem participando destes momentos. Geralmente as
merendeiras estão preparando um lanche especial para os professores ou fazendo
faxina e não participam. Mesmo os supervisores de merenda, que são professores e
orientadores, não participam destas reuniões.
Algumas das ações de capacitação de merendeiras são consideradas ações de
educação alimentar e nutricional. Por exemplo, quando se trata de utilização integral de
alimentos se trata de educação nutricional. As merendeiras compreendem o conteúdo
trabalhado e quando se retorna às escolas o que se vê é que elas estão fazendo o que
foi orientado e que estão passando as informações que receberam para os alunos.
As merendeiras do município estão cada vez mais se inserindo no contexto
pedagógico da escola. Ela sabe que não tem só que preparar e jogar comida no prato.
Hoje as merendeiras sabem que elas precisam arrumar o prato com cuidado e orientar
299
a criança sobre a importância de consumir estes alimentos. Após varias capacitações
elas já se sentem mais preparadas para falar sobre a importância dos alimentos. É
relevante que a formação seja continuada porque estas merendeiras são terceirizadas
e há sempre muita troca.
2.4.Projeto Alegria (2006)
Em 2006, o coordenador do Projeto Alegria (vinculado à fundação Airton Sena)
procurou a equipe da Nutrição Escolar (SME) para solicitar lanche para as crianças que
participavam deste projeto, crianças estas que eram o contra-turno de escolas
municipais.
Durante as reuniões de Nutricionistas (Grupo de Estudos: nutricionistas da
ATAN e da Secretaria de Educação) já havia sido manifestada a intenção de implantar
avaliação nutricional nas escolas. Identificou-se este projeto como propício para iniciar
um piloto, construindo um perfil das crianças matriculadas no primeiro distrito e utilizouse este espaço do projeto na tentativa de implantar o SISVAN no ensino fundamental.
No acervo disponibilizado identificou-se como estratégia:
Capacitar profissionais de Nutrição, Técnico de Nutrição, Educação Física e Arte e ou voluntários
para: avaliação do estado nutricional das crianças; desenvolvimento de atividades pedagógicas
com as crianças e jovens voltadas para o tema de Segurança Alimentar e Nutricional- SAN.
Proporcionar informações básicas sobre SAN/alimentação e nutrição aos escolares do ensino
fundamental, funcionários e famílias. Elaborar material educativo/pedagógico sobre saúde,
nutrição e temas afins para as ações educativas. Fomentar práticas adequadas de alimentação e
nutrição, visando a promoção de hábitos alimentares saudáveis nesta clientela. Identificar, nos
recursos das comunidades, meios para enfrentar as demandas apresentadas, relativas à
Alimentação e Nutrição. Contribuir para a melhoria do estado nutricional das crianças e
adolescentes, projetando à família informações básicas sobre alimentação e nutrição e inclusão
nos programas de Segurança Alimentar e Nutricional no Município e no Programa Bolsa
Família.‖(Trecho recolhido do acervo)
O contato inicial foi realizado com os professores de educação física já que as
atividades deste projeto eram relacionadas às atividades esportivas. Iniciou-se a
elaboração de uma cartilha. O professor de educação física iria inserir no conteúdo
programático temas em nutrição, como por exemplo, evitar a hipoglicemia durante o
exercício.
Foi realizada avaliação nutricional com a participação de estudantes do curso
técnico em nutrição e de granducacao em nutrição. Foi elaborado um relatório com os
300
dados desta avaliação. Um dos nutricionistas das equipes realizou reunião com os
pais. O ponto negativo foi que a ATAN não retornou o contato com o responsável pelo
projeto - por uma série de demandas foi iniciado e não foi fechado.
2.5.Sem Açúcar e com Afeta (2007)
No ano de 2007 a Coordenação de Nutrição Escolar foi convidada a participar de
um projeto de hortas comunitária de orgânicos (em dutos de petróleo) para pensar
como se garantiria a compra de produção local para a alimentação escolar.
Em visita a uma escola municipal da zona rural para uma festa de dia das mães,
nesta oportunidade as mães foram presenteadas com produtos da horta e este foi um
primeiro momento de divulgação. Nesta oportunidade, a então responsável técnica pela
Alimentação Escolar Valeria Terra encontra a mãe de uma criança que ela atendia em
ambulatório. A notícia de que uma criança tinha recebido o diagnóstico de diabetes a
mobiliza e, no mesmo dia, inicia a elaboração do Projeto Sem Açúcar com Afeto.
Através da participação em congressos e encontros sobre alimentação escolar a
Nutricionista já sabia que esta era uma demanda não apenas para o município de
Duque de Caxias.
A primeira estratégia de captação foi a realização de cadastro no ambulatório do
Hospital Infantil de Duque de Caxias – único local que tratava crianças diabéticas. Uma
estagiaria treinada abordava as mães e crianças na fila a fim de identificar em que
escola a criança estudava. Com o tempo percebeu-se que esta não era a melhor
estratégia porque muitas crianças atendidas eram de outros municípios ou eram alunos
de escolas particulares. Desta forma, seria muito demorado o processo de
identificação.
A partir desta avaliação decidiu-se envolver as diretoras e orientadoras
educacionais. Foi realizado um encontro sobre água (com um técnico de vigilância
sanitária) e utilizou-se esta oportunidade para apresentar o projeto aos orientadores e
diretores que levaram fichas de cadastro para as escolas. Essa estratégia goi
considerada mais rápida e adequada e, desde então, tem-se como média de
301
atendimento de 30 crianças. Atualmente existem 28 crianças cadastradas na rede
municipal de educação.
Através deste Projeto todos os anos na semana do diabetes (16 de novembro)
realiza-se algum tipo de atividade reunindo alunos e pais das crianças diabéticas
matriculadas na rede pública municipal. Já foram realizadas palestras com médicos,
enfermeiros. No ano passado além de tratar das questões de diabetes foi realizada
uma oficina com receitas para diabéticos para datas festivas. Além disto, foram
introduzidos alimentos dietéticos no cardápio. A preocupação de adaptações ao
cardápio não foi com relação ao almoço, quando a substituição é mais simples.
Geralmente a troca se refere à sobremesa: doce por fruta. Contudo, em Duque de
Caxias a alimentação escolar oferece café da manhã e por isso foram incluídos:
adoçante, cacau em pó e geléia diet.A grande preocupação sempre é deixar claro que
o cuidado é feito para o período do aluno na escola, o que não exclui o cuidado em
casa.
2.6.Projeto Pão Nosso
A idéia de realizar oficinas sobre receitas de pão surgiu através do relato de um
Nutricionista do CCAIC de que uma das merendeiras fazia receitas de pães diferentes
sempre que havia atividades festivas. Decidiu-se então realizar uma oficina,
experiências chamada ―Mão na massa‖, convidando merendeiras dos CCAICs e
Creches municipais. A idéia era reproduzir esta atividade nas localidades durante a
Semana Mundial da Alimentação nas escolas. Foi produzido para distribuição nos
CCAICs folder com receita de pães e também de sucos com utilização integral de
alimentos.
Outro destaque foi a comemoração do Centenário Josué de Castro em Duque de
Caxias com a participação de escolas e professores, promovido pela Nutrição Escolar.
O envolvimento da comunidade escolar foi muito rico.
A avaliação a partir destas experiências mostra que o envolvimento das escolas e
dos professores já foi muito intenso, mesmo antes de toda a legislação que promove a
302
intersetorialidade. A parceria, o entrelaçamento verdadeiro entre professores, a escola,
os profissionais de saúde pode ganhar muito com esta memória destas experiências.
2.7.Alimentação Escolar do Meu Filho eu Acompanho (2011)
O público são os pais que acompanham as ações do CAE. Estes pais passaram
uma semana na escola. Neste período viram recepção, preparo, estoque e distribuição
dos alimentos e comeram na escola. Após esta experiência preencheram um
questionário.
O primeiro passo foi uma avaliação que a gente enviou para as escolas. [...] os pais que fazem
parte do conselho da escola, foram convidados a ficar uma semana na escola. Eles
acompanharam desde quando chegou o gênero até o porcionamento. Acompanharam tudo
durante toda a semana e depois eles foram pontuando: o que que eles acharam bom o que que
eles não gostavam de todo o processo. [...] Aí a gente deixou passar um tempo e fez uma
segunda avaliação.
Os pais visitaram a empresa responsável pela alimentação escolar no município.
Posteriormente foi realizado um encontro para apresentar o cardápio para estes pais.
Para a surpresa da equipe de Nutrição Escolar, constatou-se que 90% dos pais não
conheciam o cardápio, não sabiam que seus filhos comiam na escola. Conhecer o
cardápio é direito dos pais. A partir disto as escolas estão sendo orientadas a colar o
cardápio na porta da escola.
Os pais pediram para a gente fazer oficinas com eles para passar para eles as receitas dos
cardápios. Aí isso eu achei interessante. Porque muitos não conheciam o cardápio. Aí a gente
pediu para escola colocar o cardápio no portão ou em local que os pais possam visualizar todo
dia. E os pais começaram a ter conhecimento disso e pediram pra aprender.
Os pais solicitaram que a Nutrição Escolar desenvolva oficinas para que eles
aprendam a preparar em casa a alimentação como é feita na escola. Para a atual
Responsável Técnica este é um ótimo resultado porque mostra que os pais avaliam
positivamente a alimentação servida na escola. Representou também oportunidade
para debater a nova lei da alimentação escolar, como por exemplo a compra da
agricultura familiar:
A gente conversou sobre a questão da agricultura familiar, da necessidade de comprar os
gêneros no próprio município. Por que que tem aipim no cardápio? – porque eles questionaram.
Porque que tem quiabo? (E)
303
A continuidade do projeto está prevista em 2012 a partir do envolvimento da
equipe da Coordenação de Nutrição Escolar:
A gente ficou trabalhando em escolas-pólo, mas aí o que que a gente pretende agora? Que o
supervisor, porque cada escola tem um supervisor e um nutricionista, então que esse supervisor e
esse nutricionista façam na sua escola [...]o mesmo trabalho que a gente fez nas escolas-pólo.
Para conversar com esses pais que estão lá.
[...] fica mais fácil a gente identificar algumas coisas que acontecem que a gente de longe não
consegue visualizar. Eles sinalizaram muitos pontos assim, as vezes pequenas coisas tipo horário
da refeição está sendo servida. Teve escola que a gente alterou o horário e as crianças passaram
a comer mais.
Para a realização de atividades educativas com os pais nas escolas houve
parceria com a Secretaria Municipal de Saúde através dos funcionários das próprias
unidades:
[...]teve parceria da saúde porque quando a gente foi na escola e conversamos, agente falou da
alimentação saudável, mas a gente queria que tivesse uma outra pessoa falando sobre o que
que uma alimentação não saudável [...] a médica da creche falou sobre hipercoleterolemia, sobre
diabetes, conversou sobre tudo isso. As médicas dos CCAICs também participaram. Foram
pontuando para não ficar só o nutricionista falando [...].
2.8.Alimentação Escolar Inclusiva (2011)
O projeto mais recente desenvolvido pela Coordenação de Nutrição Escolar é o
Alimentação Escolar Inclusiva que surge de uma preocupação da adequação do
cardápio escolar às necessidades alimentares especiais identificadas junto aos alunos.
Por que a gente observou que esses alunos acabavam não participando da alimentação na
escola. Levavam alguma coisa de casa porque não tinha o gênero adequado para ele. Aí a gente
realizou o levantamento, com laudo médico. [...] E o nutricionista responsável pela unidade, fez o
atendimento e acompanhamento. Fez o primeiro atendimento depois acompanhou. Depois a
gente montou uma ficha, com todos os dados do aluno. Aí a gente adequou o cardápio do dia-adia para a necessidade daquele aluno. [...] para aquela criança não se sentir excluída.
A partir do segundo semestre de 2011 foi realizado um levantamento junto às
escolas destes alunos. Atualmente 35 alunos da rede municipal estão cadastrados no
projeto que realizou um encontro reunindo estes alunos e seus pais. Além disso, o
nutricionista realiza orientação nutricional aos alunos e aos pais na escola.
Os kits são utilizados na escola, os nutricionistas orientando as merendeiras de como adequar o
cardápio dessas crianças no dia-a-dia e vão acompanhar essas crianças. [...]os pais são
orientados.
2.9. Capacitação para cantineiros de escola
304
Ação que está sendo realizada em três etapas junto aos cantineiros de escolas
municipais. Duque de Caxias não possui legislação própria que preveja a proibição
destes estabelecimentos.
A primeira a gente trabalhou em cima do Manual da Cantina Saudável, do Ministério da Saúde.
[...] Entregou o Manual para cada um, falou um pouquinho sobre alimentação saudável, sobre o
que pode e não pode ser vendido nas escolas. Fez primeiro uma conscientização com eles. Num
segundo momento eu chamei a Carla da vigilância Sanitária aqui do município, [...] E agora o
terceiro momento vai ser uma oficina onde eles vão estar aprendendo a preparar lanches
saudáveis de baixo custo. Vai ser no final do mês. E aí, essa oficina ta sendo em parceria com os
estagiários da UNIGRANRIO, que fazem estágio de Saúde Pública aqui. Então elas estão
montando um livrinho de receitas, apresentação. Aí a intenção é fazer no laboratório de técnica
dietética lá da UNIGRANRIO. [...]a gente trabalhou também a leis. [...] pegou a Portaria 1.010,
pegou trechos da 1.947 que falam da alimentação saudável na escola, pegou a Lei do Roberto
Dinamite que é uma Lei estadual da cantina. Que a gente não tem uma lei municipal, né? Então a
gente pegou todas as leis que a gente poderia usar como base.
Algumas contribuições e aprendizados
Neste primeiro encontro de sistematização a intenção era ordenar e comentar as
experiências de EAN vivenciadas nas escolas por nutricionistas nos últimos dez anos.
Além deste ordenamento, já foi possível destacar algumas contribuições e
aprendizados.
Duque de Caxias tem uma história importante em termos de alimentação e
nutrição, prova disto é que o Ministério da Saúde escolheu o município para lançar
nacionalmente a Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN ou SISVAN Web) no ano de
2004. Olhando a história das ações percebe-se um vínculo entre avaliação nutricional e
educação alimentar e nutricional é muito forte nas experiências de Duque de Caxias. A
avaliação nutricional de uma população é percebida como importante para se planejar
as atividades de educação nutricional. Existe ali um erro. A gente tenta diagnosticar e
corrigir este erro.
Através dos relatórios do SISVAN/ PSE identifica-se que sobrepeso e obesidade
estão aumentando. Para as atividades de Educação Alimentar e Nutricional uma
proposta seria trabalhar com os professores porque não há como os Nutricionistas
estarem em todas as escolas.
Foi destacada a importância de ter o professor como aliado e capacitá-lo como
multiplicador para fortalecer as ações de Educação Alimentar e Nutricional. A criança
305
confia mais no professor, que está com ele todos os dias, do que quem está fora da
escola e chega para fazer uma atividade. Seria relevante pensar atividades de
sensibilização dos professores e iniciar um trabalho conjunto que inclua atuação
conjunta: equipe da escola e equipe do PSF. Realizar planejamento de atividades de
forma conjunta é essencial.
A Coordenação de Nutrição Escolar (SME) está criando um premio, nos moldes
do que é o Premio Gestor Eficiente da Alimentação Escolar, para reconhecer iniciativas
inovadoras de professores que tratem do tema alimentação na escola. Destacar estas
experiências muitas vezes representa a possibilidade de que uma ação simples seja
reproduzida em outras escolas.
Uma linha do tempo (segunda versão)
Ano
Local – Município
Nacional
1993 – CONSEA; 1994 – I CNSAN; 1998 – FBSAN; Ação da Cidadania Contra à Fome e a Miséria
2001
2002
2003
2004
2005
Mutirão com a UNIGRANRIO; Mutirão de
Combate à Desnutrição Materno-infantil; ICCN
nas comunidades e Bolsa Alimentação
1º Projeto de Combate à Desnutrição Infantil de
Duque de Caxias
Primeiro Portal do Crescimento (atual CCAIC) no
Bairro Amapá
2007
Implantação do PSE em Duque de Caxias; Horta
em Dutos - Agricultura Familiar na Alimentação
Escolar (introdução de alimentos orgânicos)
2008
Formação de Grupo de Trabalho intersetorial;
Seminário Intermunicipal de Alimentação Escolar
– apresentação sobre Armanda Álvaro Alberto;
Comemoração do Centenário Josué de Castro em
Duque de Caxias com a participação de escolas e
professores
2010
Programa/ Estratégia Fome Zero; Reativação do
CONSEA Nacional
II CNSAN
Inauguração de 06 Portais/ CCAIC; Surge o
Programa Saúde do Escolar; Duque de Caxias é
escolhida para o lançamento nacional da VAN –
Vigilância Alimentar e Nutricional; Capacitações
em antropometria realizadas em Duque de Caxias
(CECAN/ Fiocruz)
Criação do DESANS; Parceria entre a SMS e
SME; Portal é transformado em CCAIC, por Lei;
7º CCAIC inaugurado
2006
2009
Projeto Fome Zero (Governo Paralelo)
Promoção da alimentação saudável nas escolas :
Portaria Interministerial nº 1.010/ 2006 ; LOSAN - Lei
nº 11.346, de 15 de setembro de 2006
Política Nacional de Atenção Básica - Portaria nº
648/GM/2006
PSE - Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 e dezembro
de 2007
III CNSAN
PAA a modalidade ―Aquisição de Alimentos para
Atendimento da Alimentação Escolar‖- RESOLUÇÃO
Nº 30/2008
o
Adesão ao PSE - Portaria n 1.861, de 4 de setembro
de 2008
PNAE - Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009
DHAA na Constituição: Emenda Constitucional 64, de
04 de fevereiro de 2010
306
Apêndice 7
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Iniciais
do nome
A procura de um lugar de encontro para a educação alimentar e nutricional na escola: uma experiência de pesquisa-ação
PERFIL DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA: eSF Vila Leopoldina
Há quanto tempo
Concursado/a Morador/a do
Área de formação/ atuação
Há quanto tempo
trabalha no município?
município
está formado/a?
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
( ) Sim
( ) Sim
( ) Não
( ) Não
307
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
A procura de um lugar de encontro para a educação alimentar e nutricional na escola: uma experiência de pesquisa-ação
PERFIL DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA: Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões
Iniciais
do nome
Há quanto tempo
trabalha nesta escola?
Morador/a do
município
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
Morador/a do
bairro
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
( ) Sim
( ) Não
Há quanto tempo é
merendeira?
observações
308
Apêndice 8
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Roteiro de Fase Exploratória Local
1- Identificação de Grupos:
 Profissionais das Equipes de Saúde da Família;
 Profissionais da Escola responsáveis e/ou envolvidos no PSE;
 Professores identificados ao tema da alimentação na escola;
 Nutricionista, supervisor de merenda, responsável de merenda e merendeiras;
 Estudantes;
 Pais de alunos.
2- Primeiro Encontro
 Apresentação da pesquisa: justificativa, objetivos e metodologia
 Convite e apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
 Agendar encontro para coleta de dados iniciais
3- Roteiro de questões para encontro para coleta de dados iniciais:











- Pensando na Vila Leopoldina:
Como você(s) descreveria(m) este bairro e seus moradores?
Quais são os principais desafios vivenciados na Vila Leopoldina?
- Pensando na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões:
Como vocês descreveriam esta escola?
Como vocês descreveriam os alunos desta escola?
O que você acha da alimentação preparada e servida nesta escola?
- Pensando no tema da alimentação e nutrição:
Como e quando ele tem sido trabalhado o tema da alimentação nesta escola?
Como você(s) descreveria(m) os principais desafios vivenciados pelos estudantes em
termos de alimentação e nutrição?
O que você(s) destacaria como tema importante a ser tratado em atividades de
educação alimentar e nutricional na escola? Por quê?
Quem deve organizar e participar das atividades de educação alimentar e nutricional na
escola?
- Pensando no PSE na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões:
Quais as ações mais importantes/ relevantes desenvolvidas nesta escola pela equipe do
PSE?
Quais os maiores desafios para aprimorar as ações do PSE nesta escola?
309
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Roteiro de Fase Exploratória Local
4- Identificação de Grupos:
 Profissionais das Equipes de Saúde da Família;
 Profissionais da Escola responsáveis e/ou envolvidos no PSE;
 Professores identificados ao tema da alimentação na escola;
 Nutricionista, supervisor de merenda, responsável de merenda e merendeiras;
 Estudantes;
 Pais de alunos.
5- Primeiro Encontro
 Apresentação da pesquisa: justificativa, objetivos e metodologia
 Convite e apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
 Agendar encontro para coleta de dados iniciais
6- Roteiro de questões para encontro para coleta de dados iniciais:
- nome. Trabalha nesta escola há quanto tempo? Quais turmas e matérias?
- Pensando na Vila Leopoldina:
 Como você(s) descreveria(m) este bairro e seus moradores?
 Quais são os principais desafios vivenciados na Vila Leopoldina?
- Pensando na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões:
 Como vocês descreveriam esta escola?
 Como vocês descreveriam os alunos desta escola?
 O que você acha da alimentação preparada e servida nesta escola?
- Pensando no tema da alimentação e nutrição:
 Como e quando ele tem sido trabalhado o tema da alimentação nesta escola?
 E na sua aula? Quais temas são mais tratados? Como e quando você trabalha?
 Como você(s) descreveria(m) os principais desafios vivenciados pelos estudantes em
termos de alimentação e nutrição?
 O que você(s) destacaria como tema importante a ser tratado em atividades de
educação alimentar e nutricional na escola? Por quê?
 Quem deve organizar e participar das atividades de educação alimentar e nutricional na
escola?
- Pensando no PSE na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões:
 Vocês conhecem o PSE? Conhecem os profissionais responsáveis por esta escola?
 Quais as ações mais importantes/ relevantes desenvolvidas nesta escola pela equipe do
PSE?
 Quais os maiores desafios para aprimorar as ações do PSE nesta escola?
310
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Roteiro de Fase Exploratória Local
7- Identificação de Grupos:
 Profissionais das Equipes de Saúde da Família;
 Profissionais da Escola responsáveis e/ou envolvidos no PSE;
 Professores identificados ao tema da alimentação na escola;
 Nutricionista, supervisor de merenda, responsável de merenda e merendeiras;
 Estudantes;
 Pais de alunos.
8- Primeiro Encontro
 Apresentação da pesquisa: justificativa, objetivos e metodologia
 Convite e apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
 Agendar encontro para coleta de dados iniciais
9- Roteiro de questões para encontro para coleta de dados iniciais:
- Nome? Trabalha como merendeira há quanto tempo? Trabalha nesta escola a quanto
tempo?
- Pensando na Vila Leopoldina:
 Alguma de vocês mora neste bairro? Quais são os principais desafios vivenciados na
Vila Leopoldina?
- Pensando na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões:
 Como vocês descreveriam esta escola?
 Como vocês descreveriam os alunos desta escola?
 O que você acha da alimentação preparada e servida nesta escola? Os alunos gostam
da merenda? Qual cardápio eles mais gostam? O que eles não gostam? Qual a
preparação mais difícil ou trabalhosa?
- Pensando no tema da alimentação e nutrição:
 Como e quando ele tem sido trabalhado o tema da alimentação nesta escola?
 O que você(s) destacaria como tema importante a ser tratado em atividades de
educação alimentar e nutricional na escola? Por quê? Vocês participam? Como?
- Pensando no PSE na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões:
 Vocês conhecem o PSE? Conhecem os profissionais responsáveis por esta escola?
 Quais as ações mais importantes desenvolvidas nesta escola pela equipe do PSE?
311
Apêndice 9
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Atividade 1: Círculo de Cultura - hábitos alimentares
Tema: Conhecendo os hábitos alimentares e de atividade física dos estudantes
Objetivo: Registrar falas dos estudantes que estejam relacionadas à alimentação e atividade
física para posterior identificação de falas significativas e temas geradores para a construção de
conteúdo programático de ações de Educação e Saúde na Escola.
Elementos trabalhados: hábitos alimentares e de atividade física; consumo e preferência
alimentar; percepção corporal; conhecimentos prévios sobre saúde e nutrição
Proposta de local: sala de leitura
Técnicas/ Programação:
 Apresentação da pesquisa, pesquisadores e alunos (10 minutos)
 Trabalhar em 3 grupos pequenos (cerca de 10 a 15 estudantes divisão aleatória por cores com
crachás) a partir de questões para debate - Roteiro (30 minutos)
 Síntese coletiva – apresentação das sínteses de cada grupo e encaminhamentos para próximo
encontro (20 minutos)











Momento 1: Preparando o ambiente...
Colocar cadeiras em círculo;
Arrumar três mesas com o material dos grupos;
Colar na parede três folhas de papel pardo;
Momento 2: apresentação dos participantes
Apresentação da pesquisa
Dinâmica de apresentação: Você é muito legal!
Momento 3: Um dia comum de aula (trabalho em grupo)
Distribuir cartolina com a cor do grupo, figuras, cola, tesoura e canetinha.
Apresentar a pergunta ao grupo: Como é um dia comum de aula para os alunos do 7º ano? (ou
6º ou 8º)
Perguntas para iniciar, animar ou manter a atenção durante o trabalho: Vocês costumam tomar
café da manhã? Alguém costuma beliscar entre as refeições? O que? Vocês comem a merenda
da escola? Sempre? O que você acha da comida da escola? Você tem alguma sugestão? Vocês
costumam comer na lanchonete em frente a escola? Sempre? O que vocês compram?
Acrescentar ao cartaz: Qual a comida preferida de cada um? O que sempre tem que ter no
prato? Quais as frutas preferidas? Quais legumes/verduras preferidos?
Momento 4: Partilha dos trabalhos - apresentações dos grupos
O que observamos em comum?
Você considera que a sua rotina de alimentação e exercício é saudável? Por quê? O que você
mudaria?
Momento 5: Avaliação da oficina: Que bom!(positivo)/ Que tal? (sugestões) /Que pena! (negativo)
Gostaríamos de um novo encontro? Quem ajuda a preparar?
Tempo estimado: 1 hora
312
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
Atividade 2: Círculo de Cultura - seleção e preparo do alimento
Tema: Relação dos estudantes com a seleção e preparo do alimento no âmbito familiar
Objetivo: Registrar falas dos estudantes sobre suas experiências e rotinas relacionados à
seleção e preparo da alimentação para identificação de falas significativas e temas geradores para a
construção de conteúdo programático de ações de Educação e Saúde na Escola.
Elementos trabalhados: Participação na escolha e preparação da alimentação; Acesso
domiciliar X escolha alimentar; Conhecimentos prévios sobre: (1) industrializados (processados) X frutas,
legumes e verduras (FLV); (2) origem, produção dos alimentos e sustentabilidade; (3) higiene de
alimentos
Proposta de local: refeitório (ou próximo)
Técnicas/ Programação:
Trabalho com a turma toda a partir de questões para debate (Roteiro)+ [utensílios de cozinha,
fichas de preparação e gravuras].



Momento 1: Preparando o ambiente...
Colocar cadeiras em círculo;
Arrumar três mesas com o material dos grupos;
Colar na parede três folhas de papel pardo;

Momento 2: trabalho nos três grupos
Dinâmica de integração: Descrever uma preparação – quais os ingredientes e o passo a passo
(Carne assada; Salada crua; Feijão)
Momento 3: Roda de conversa
Os grupos se apresentam (gostaria de convidar uma merendeira para comentar)
Quem prepara a comida na sua casa?
Quem sabe cozinhar? Quem costuma cozinhar? Que prato você costuma preparar? Com quem
você aprendeu a cozinha? Com quem e para quem você gosta de cozinhar? Quem você acha
que cozinha muito bem?
 Quem faz as compras na sua casa? Você costuma ir junto? Se você fosse fazer as compras do
mês na sua casa, como seria a lista de compras? Você acha que seria muito diferente da atual?
Por quê?
 Alguém da turma tem árvore frutífera, horta ou criação no quintal? Como é? Quem cuida? Você
participa?
 Vocês acham que a escolha e a forma de preparar o alimento têm a ver com a saúde? Por quê?
Como vocês acham que a escola poderia debater estes temas?



Momento 4: Avaliação da oficina: Que bom!(positivo)/ Que tal? (sugestões) /Que pena! (negativo)
Gostaríamos de um novo encontro? Quem ajuda a preparar?
Tempo estimado: 1 hora
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Apêndice 10
12345-
Sexo ( ) Feminino ( ) Masculino
Cor ( ) Branca ( ) Preta ( ) Amarela ( ) Parda ( ) Indígena
Idade _____
Contando com você, quantas pessoas moram na sua casa? _______
Grau de parentesco das pessoas que moram com você: ( ) Pai ( ) Mãe ( ) Irmãos ( ) Outros. Qual vínculo?_______________
ATIVIDADE FÍSICA – As próximas questões falam sobre atividade física que pode ser feita ao praticar esporte, brincar com os
amigos ou caminhar até chegar na escola. Alguns exemplos de atividade física são: correr, andar de bicicleta, dançar, jogar
futebol, voleibol, nadar, andar de skate, etc.
Nos últimos sete dias, em quantos dias você
Não
1 dia
2 dias
3 dias
4 dias
5 dias
6 dias
Todos
os dias
Foi e voltou a pé ou de bicicleta para a escola
Em quantos dias você praticou alguma atividade física (sem contar
com as aulas de educação física da escola)
Em um dia de semana comum
Quantas horas por dia você assiste TV (não contar sábado, domingo e
feriado)?
Quanto horas por dia você fica sentado(a) assistindo televisão, usando
computador, jogando videogame, conversando com amigos(as) ou
fazendo outras atividades sentado(a)? (não contar sábado, domingo,
feriado e tempo sentado na escola)
Menos
de uma
hora
Uma
hora
Duas
horas
Três
horas
Quatro
horas
Cinco
horas
Seis
horas
Sete
ou
mais
horas
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
ALIMENTAÇÃO – As próximas perguntas referem-se a sua alimentação. Leve em conta tudo o que você comeu na sua casa, na escola, na
rua, em lanchonetes, em restaurantes ou em qualquer outro lugar.
Nos últimos sete dias, em quantos dias você
Não
1 dia 2 dias 3 dias 4 dias 5 dias 6 dias Todos
comi
os
dias
Comeu feijão
Comeu salgado frito
Comeu hambúrguer, salsicha, mortadela, salame, presunto, nuggets
ou lingüiça
Comeu legume ou verdura cru ou cozido
Comeu salada crua
Comeu legumes ou verduras cozidos na comida, inclusive sopa
Comeu biscoitos salgados ou bolachas salgadas
Comeu biscoitos doces ou bolachas doces
Comeu salgadinho de pacote ou batata frita de pacote
Comeu guloseimas (doces, balas, chocolates, chicletes, bombons ou
pirulitos)
Comeu frutas frescas ou salada de fruta
Tomou leite
Tomou refrigerante
Tomou guaraná natural, mate ou outras bebidas doces deste tipo
Você costuma durante a semana
Almoçar ou jantar com sua mãe, pai ou responsável?
Comer quanto está assistindo a TV ou estudando?
Comer a comida oferecida pela escola?
Tomar café da manhã
Não
Todos
os dias
5 a 6 3 a 4 1 a 2 Apenas
dias
dias
dias
raramente
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Apêndice 11
Semana Mundial da Alimentação na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões
- Sabores para refletir: Oficina de Culinária
Divulgação:
Alguns dizem que o que é saudável não é gostoso. Será que isso é sempre verdade?
Já pensou em dedicar mais tempo do seu dia para preparar e apreciar suas refeições? Esta
pode ser uma atitude prazerosa, saudável e divertida! Comer é necessidade e cozinhar é
arte! Experimente o gosto desta combinação que pode fazer parte do seu dia-a-dia em casa
e na escola.
Objetivo:
Apresentar opções práticas para um lanche mais saudável e acessível, introduzindo
noções de nutrição e maneiras de inserir alimentos já conhecidos e de fácil acesso, contudo
pouco utilizados, em seu dia-a-dia.
Responsáveis: Isabela (IC/ Nutrição) e Gabriella (IC/ Gastronomia)
Falas Significativas:
1- Comeria X Tudo todo dia... pra que saúde?
2- Eu só sei fazer refrigerante. Eu só sei fazer suco de Ki-suco.
Preparando o Ambiente:
 Local = refeitório e cozinha.
 Separar duas mesas.
 Separar material e combinar participação das merendeiras.
Programação:
1- Apresentação (30 min.)
 Divisão em dois grupos.
 Preparar receitas.
 Enquanto as receitas estão no forno realizar problematização inicial e
aprofundamento teórico.
2- Problematização Inicial: (10 min.)
A partir de um cartaz com figuras de industrializados, perguntar: Com que
freqüência e em quais refeições estes alimentos fazem parte da alimentação de
vocês? Porque muitas pessoas preferem estes alimentos? Quais são as suas
vantagens? Quais são as suas desvantagens?
3- Aprofundamento Teórico: (30 min.)
Roda de conversa:


Precificação das preparações, Tabela Nutricional, Cardápio Diário
Relação tempo para alimentação (preparar e degustar) com o prazer e a saúde.
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
4- Aplicação do Conhecimento (10 min.)
Degustação problematizando: Quem gostou das preparações? É possível elas
fazerem parte do seu dia-a-dia? O que tem de positivo em inserir estas preparações
em nossos hábitos?
- Palavras para degustar: Sarau de poesias
Divulgação:
Comida para alimentar o corpo e poesia para alimentar a alma. Já reparou que as
palavras têm sabor? Elas podem ser doces, salgadas ou ácidas, algumas quentes outras
geladas. Todas as palavras nos provocam sensações! Muitos poetas são cozinheiros
habilidosos que com sensibilidade nos traduzem temperos, delícias e sabores! Aprecie o
gosto que a vida tem. Traga seus talentos e sua criatividade! O que tem sabor merece ser
cantado, recitado, desenhado e partilhado!
Objetivo:
Realizar um momento de leitura e degustação de textos e poesias sobre alimentação,
refletindo sobre os aspectos culturais, de sabor, de saúde e direito à alimentação escolar.
Responsáveis: Juliana Dias e Julio
Falas Significativas:
1- Eu almoço comida de microondas porque a minha mãe trabalha.
2- Eu não como. Mas falam que tem dia que está gostosinho.
Programação:
5- Apresentação (10 min.)
6- Problematização Inicial: (10 min.)
“As frutas da minha da infância” – Carlos Drummond de Andrade
De onde (qual a origem) vem a sua família? Vocês costumam comer alguma
comida típica da região de onde veio a sua família? Qual você mais gosta?
7- Aprofundamento Teórico: (20 a 30 min.)
“O restaurante” – Carlos Drummond de Andrade
“Cordel da culinária gramatical” – Juliana Dias
“Poema do Açaí” - estudante da E.M. Roberto Silveira (Duque de Caxias)
“Ode à Cenoura” - estudante da E.M. Roberto Silveira (Duque de Caxias)
Roda de conversa e leitura de poesias:
 Comida e gosto – Como vocês acham que formamos nossas preferências e fazemos
nossa escolha?
 Relação sobre gastronomia e arte;
 Nossas origens e nossas preferências alimentares
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
8- Aplicação do Conhecimento (20 a 30 min.)
Tema: Qual comida eu gosto?
Convite para que os estudantes expressem através de uma frase, poesia, rap,
desenho ou grafite.
- Exposição de Fotos: Como o mundo se alimenta?
Divulgação:
Pense em três alimentos que você come todos os dias e no seu prato preferido. Já
parou para pensar porque estes alimentos fazem parte do seu dia-a-dia? E se por acaso
você nascesse no Alasca: será que a sua comida preferida seria a mesma? Prepare-se para
realizar uma volta ao mundo gastronômica. Vamos conhecer como se alimentam famílias de
diversas partes do planeta. Pode vir só com a roupa do corpo que conhecimento e diversão
estão garantidos nesta viagem!
Objetivo:
Realizar exposição comentada de fotos, problematizando a relação dos hábitos
alimentares com a cultura, a saúde e o direito à alimentação escolar.
Responsáveis: Ana Gabriela e professor André
Falas Significativas:
1- Biscoito, guaraná, refrigerante. O que tiver na geladeira eu como. O importante é que
eu como.
Programação:
9- Apresentação (20 min.)
 Exposição comentada das fotografias e suas origens.
10- Problematização Inicial: (15 min.)
Qual fotografia se parece mais com a alimentação daqui? Por quê?Qual das
fotografias representa a alimentação mais saudável? Por quê?
11- Aprofundamento Teórico: (15 min.)
Roda de conversa:


Nossas origens e nossas preferências alimentares: relação dos hábitos alimentares
com a cultura e a saúde
O direito à alimentação escolar: saudável e adequada (cultura alimentar e produção
local)
12- Aplicação do Conhecimento (20 a 30 min.)
Tema: Como seria a fotografia da alimentação deste local?
Convite para que os estudantes expressem através de desenho.
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
- A cultura que Alimenta: Vídeo-debate sobre Agricultura
Divulgação:
―Se o campo não planta, a cidade não janta.‖ De onde vêm os alimentos que comemos todos os
dias? O mundo inteiro está preocupado em como garantir água e alimento de qualidade para esta e as
próximas gerações. É uma questão de sustentabilidade ambiental e de saúde! Sabia que nesta escola
você consome alimentos produzidos por agricultores familiares? Venha saber o que o arroz e o feijão
que são servidos na sua escola têm a ver com o progresso da sua cidade e o futuro do planeta!
Objetivo:
Dialogar, a partir de vídeo produzido no município, sobre as relações entre produção e consumo
de alimentos, refletindo questões relacionadas à sustentabilidade alimentar, saúde e direito à
alimentação escolar.
Responsáveis: Fernanda, Livea e professor Washington.
Falas Significativas:
1- [...] se fosse para eles não iam fazer de qualquer jeito.
2- Eu almoço comida de microondas porque a minha mãe trabalha.
Programação:
13- Apresentação (10 min.)
14- Problematização Inicial: (10 min.)
De onde vem a comida da sua casa? E a comida da escola? Quem paga a alimentação
escolar?
15- Aprofundamento Teórico: (40 min.)
Apresentação do vídeo: ―Da Roça ao Prato‖
O que vocês acharam do vídeo? Onde vocês acham que estão os agricultores de Duque de
Caxias? O que vocês acharam da horta e da alimentação naquela escola?
Roda de conversa: [utilização de mapa e fotos do município]
 Direito à alimentação escolar e a inclusão de produtos da agricultura familiar no cardápio.
 Aproximação da produção de alimento e consumo – agricultura em Duque de Caxias
 Sustentabilidade alimentar e saúde
 Noções de agricultura urbana e uma pequena experiência em Duque de Caxias
16- Aplicação do Conhecimento (20 min.)
Apresentação de exemplos de como plantar em pequenos espaços. Distribuir sementes
de tempero.
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Apêndice 12
Semana Mundial da Alimentação na Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões
APRESENTAÇÃO
O Dia Mundial da Alimentação é
comemorado no dia 16 de outubro a partir
de tema eleito pela Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO). Este ano o tema eleito
para a Semana Mundial da Alimentação foi
“Cooperativas
Agrícolas
Alimentam
o
Mundo”.
No Brasil, se comemora mais que um
dia porque temos a Semana Mundial da
Alimentação. Desde o ano de 2006 as
escolas municipais de Duque de Caxias
realizam atividades relacionadas a este
tema durante o mês de outubro.
Este ano sua escola escolheu o dia
25 de outubro para comemorar e também
para dialogar com os seus estudantes sobre
o tema da alimentação. Você já escolheu
uma
das
atividades?
Então
agora
esperamos que você possa desfrutá-la com
bastante felicidade e sabedoria!
Bom diálogo!
Sabores para refletir: Oficina de Culinária
Alguns dizem que o que é saudável não é gostoso.
Será que isso é sempre verdade? Já pensou em
dedicar mais tempo do seu dia para preparar e
apreciar suas refeições? Esta pode ser uma atitude
prazerosa, saudável e divertida! Comer é necessidade
e cozinhar é arte! Experimente o gosto desta
combinação que pode fazer parte do seu dia-a-dia em
casa e na escola.
A cultura que Alimenta: Vídeo-debate sobre
Agricultura
―Se o campo não planta, a cidade não janta.‖ De onde
vêm os alimentos que comemos todos os dias? O
mundo inteiro está preocupado em como garantir água
e alimento de qualidade para esta e as próximas
gerações. É uma questão de sustentabilidade
ambiental e de saúde! Sabia que nesta escola você
consome alimentos produzidos por agricultores
familiares? Venha saber o que o arroz e o feijão que
são servidos na sua escola têm a ver com o progresso
da sua cidade e o futuro do planeta!
Palavras para degustar: Sarau de poesias
Comida para alimentar o corpo e poesia para
alimentar a alma. Já reparou que as palavras têm
sabor? Elas podem ser doces, salgadas ou ácidas,
algumas quentes outras geladas. Todas as palavras
nos provocam sensações! Muitos poetas são
cozinheiros habilidosos que com sensibilidade nos
traduzem temperos, delícias e sabores! Aprecie o
gosto que a vida tem. Traga seus talentos e sua
criatividade! O que tem sabor merece ser cantado,
recitado, desenhado e partilhado!
Exposição de Fotos: Como o mundo se alimenta?
Pense em três alimentos que você come todos os dias
e no seu prato preferido. Já parou para pensar porque
estes alimentos fazem parte do seu dia-a-dia? E se
por acaso você nascesse no Alasca: será que a sua
comida preferida seria a mesma? Prepare-se para
realizar uma volta ao mundo gastronômica. Vamos
conhecer como se alimentam famílias de diversas
partes do planeta. Pode vir só com a roupa do corpo
que conhecimento e diversão estão garantidos nesta
viagem!
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Receitas
A alimentação saudável deve:
 Ser adequada em quantidade: atendendo as necessidades nutricionais;
 Ser disponível: favorecer o acesso físico e financeiro aos alimentos;
 Ser variada: apresentar diversos tipos de alimentos, com cores diversas, fornecendo
diferentes nutrientes, sem cair na monotonia alimentar.
 Ser moderada: consumida em uma quantidade que atenda às necessidades do
organismo – nem mais nem menos.
 Ser adequada em qualidade: inclui os alimentos que apresentam as melhores
características para consumo. Compreende ser segura do ponto de vista, sanitário, ou
seja, sem risco de contaminação:
 Química (exemplo detergente, água sanitária),
 Biológica (como microorganismos)
 Física (cabelo, caco de vidro, pedaço de madeira).
A missão de quem trabalha com alimentos é preparar alimentos gostosos,
saudáveis e também seguros. Alimento seguro é aquele que não oferece perigo à
saúde. A responsabilidade em fornecer alimentos seguros cabe a todos que
pertencem à cadeia alimentar, desde os produtores rurais até os estabelecimentos
que preparam alimentos para o consumo, inclusive a nossa casa.
Os perigos podem ser controlados através de Boas Práticas na Fabricação e na
Manipulação dos alimentos, pois quando as aplicamos podemos prevenir danos à
saúde, minimizar a perda de produtos; diminuir os custos e evitar prejuízos.






Ao entrarmos na cozinha devemos:
Manter os cabelos presos e com toucas;
Vestir o avental;
Retirar os adornos como pulseiras, anéis, relógios;
Evite falar durante o preparo dos alimentos;
Lavar as mãos e unhas antes de iniciar os procedimentos;
Lavar os utensílios e equipamentos que vamos utilizar antes e após o uso.
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Sequilhos
Ingredientes:

01(45g) ovo médio

02 colheres e 1\2 (25g) de açúcar

03 copos (400g) de amido de milho

1\2 lata (190g) de leite condensado

1\2 copo (100g) de margarina ou manteiga

Raspas de limão ou laranja

Manteiga para untar;
Informações
nutricionais:
Preparação rica em amido, fonte
de energia!
Calorias de uma porção com três
unidades: 177 kcal
Utensílios Necessários: Vasilha, fouet, pão duro, assadeira.
Modo de Preparo:
 Untar a assadeira com manteiga;
 Bater o açúcar, os ovos, a margarina, as raspas e o leite condensado com o fouet até
homogeneizar;
 Adicionar o amido de milho com um pão duro, sem bater, até que a massa fique
uniforme;
 Modelar os sequilhos;
 Colocar na assadeira untada;
 Levar para assar em forno pré-aquecido a 180°C por 20 minutos;
 Esperar esfriar e servir.
Tempo de Preparo: 30 minutos
Rendimento:50 unidades pequenas
Custo Aproximado:0,17 centavos por unidade
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Pão de Queijo
Ingredientes:

03 copos (400g) de polvilho doce;

01 copo (150ml) de leite integral

01 copo (150ml) de óleo de soja

03 ovos (135g)

01 copo e 2\3 (250g) de queijo minas meia cura

01 pitada de sal

Manteiga e polvilho para untar
Informações
nutricionais:
Opção de lanche rica em
amido, um tipo de carboidrato
que irá fornecer energia para o
seu dia! Contém cálcio para
fortificação óssea.
Calorias de uma porção com 2
unidades: 218 kcal
Utensílios Necessários: Vasilha, fouet, colher de sopa, 30 forminhas de empada,
assadeira.
Modo de Preparo:
 Untar as forminhas de empada com manteiga e polvilho;
 Ralar o queijo minas meia cura;
 Misturar todos os ingredientes em uma vasilha com um fouet;
 Preencher as forminhas com a massa;
 Colocar as forminhas em uma assadeira;
 Levar ao forno pré-aquecido a 180°C por 20 minutos;
 Retirar das forminhas e servir ainda quente.
Tempo de Preparo: 35 minutos
Rendimento: 35 unidades médias
Custo Aproximado:0,45 centavos por unidade
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Suco de Goiaba








Ingredientes:
Informações nutricionais: A
04 goiabas vermelhas
goiaba é rica em fibras e é fonte
de Vitamina C.
04 copos (1L) de água gelada
Calorias por porção (1 copo): 95
01 colher de sopa (15ml) de suco de limão
kcal
01 colher de sopa (30g) de açúcar ou mel
Utensílios Necessários: Faca, prato, tábua de corte.
Modo de Preparo:
Lavar bem as goiabas em água corrente;
Descascar as goiabas cortá-las em cubos em uma tábua e reservá-las em um prato;
Bater no liquidificador a goiaba e o restante dos ingredientes até obter uma mistura
bem lisa;
Servir gelado.
Tempo de Preparo: 20 minutos
Rendimento: 01 litro serve 5 pessoas
Custo Aproximado:0,80 centavos
Suco de Abóbora com Maracujá
Informações nutricionais: rico
Ingredientes:
em fibras e é fonte de Vitamina A.
 200g de abóbora cozida com casca
 1 litro de suco de maracujá
 ½ xícara (chá) de açúcar
Utensílios Necessários: Faca, prato, tábua de corte.
Modo de Preparo:
 Cozinhe a abóbora com água filtrada.
 Bata no liquidificador a abóbora com a água do cozimento gelada, junte o suco de
maracujá, o açúcar e coe com uma peneira.
 Sirva bem gelado.
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Suco de Inhame





Ingredientes:
Informações nutricionais: rico em fibras
3 inhames pequenos
e carboidrato e é fonte de minerais.
3 colheres (sopa) de leite em pó
3 colheres (sopa) de suco de limão
1 litro de água gelada
Açúcar a gosto
Utensílios Necessários: Faca, prato, tábua de corte.
Modo de Preparo:
 Descascar os inhames, picar e bater no liquidificador com a água gelada.
 Acrescentar os outros ingredientes e servir.


















Farofa de Legumes
Informações
nutricionais:
Ingredientes:
Preparação
com
grande
1/2 xícara (125ml) de óleo de soja
quantidade de fibras e a cenoura
é rica em Vitamina A.
01 cebola média (100g) picada em cubos bem pequenos
Calorias: 185 kcal
01 cenoura média (100g) cortada em cubos bem pequenos
01 abobrinha (166g) cortada em cubos bem pequenos
1/2 xícara (40g) de azeitonas verdes picadas e sem caroços
01 xícara (150g) de farinha de mandioca
1/2 maço de cheiro-verde lavado e picado
01 colher (chá) de sal
Utensílios Necessários: Faca, prato, tábua de corte, panela, pão duro.
Modo de Preparo:
Lavar bem, descascar e picar em cubos bem pequenos a cebola e a cenoura;
Lavar bem e cortar em cubos bem pequenos a abobrinha;
Lavar bem e picar bem pequeno o maço de cheiro verde;
Aquecer uma panela e colocar o óleo de soja;
Em seguida adicionar a cebola e deixá-la murchar;
Adicionar então a cenoura e a abobrinha;
Deixar refogar um pouco e adicionar a farinha;
Adicionar sal e mexer sempre até que farinha dê uma leve torrada;
Adicionar então a azeitona e o cheiro verde, misturar e desligar o fogo;
Servir quente ou armazenar em um pote bem fechado.
Tempo de Preparo: 35 minutos
Rendimento:10 porções
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Arroz verdinho






Ingredientes:
óleo de soja
arroz
margarina
talos de agrião, salsa e cenoura
cebola, alho e sal
Informações nutricionais: rico em fibras
e carboidrato e é fonte de minerais e
vitaminas.
Dica: Para enriquecer a preparação,
substitua o arroz branco por arroz integral.
Utensílios Necessários: Faca, prato, tábua de corte, panela, pão duro.
Modo de Preparo:
 Doure 1 col de sopa de cebola picada, 1 dente de alho em 4 col de sopa de óleo,
refogue rapidamente 3 xícaras de arroz, acrescente água e sal a gosto e reserve;
 À parte, derreta 1 col de sopa de margarina, doure ¾ de xícara de cebola, acrescente
1 xícara de talos de agrião picado, 1 xícara de talos de salsa picada, 1 xícara de rama
de cenoura picada;
 Refogue-os, misturando-os sem seguida, ao arroz cozido.
Rendimento: 6porções.
Tempo de preparo: 30 min.
Pão de cenoura
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Ingredientes:
02 cenouras médias
01 xíc. de chá de óleo
01 xíc.de chá de água morna,
04 tabletes de fermento,
02 ovos,
02 xíc. de açúcar,
01 colher de café de sal;
01 quilo de farinha de trigo.
Informações nutricionais: Essa opção
de lanche é rica em carboidrato e
vitamina A.
Utensílios Necessários: Vasilha, liquidificador e assadeira.
Modo de preparo;
 Bata no liquidificador todos os ingredientes menos a farinha de trigo
 Despeje o líquido em uma bacia e acrescente aos poucos a farinha de trigo, até dar o
ponto;
 Espere a massa crescer e leve ao forno.
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Bolo de chocolate sem leite
Ingredientes:
Informações nutricionais: Essa opção
 03 xícarasde chá (360g) de farinha
de lanche é rica em carboidrato.
 02 xícaras de chá (320g) de açúcar
Calorias por porção (1 pedaço
pequeno): 270 kcal
 01 xícara de chá (90g) de chocolate em pó
 02 ovos inteiros (90g)
 01 xícara de chá (250ml) de óleo de soja
 01 colher de chá (10g) de fermento
 02 xícaras de chá (500ml) de água fervente
 Óleo de soja para untar
Utensílios Necessários:Vasilha grande, pão duro, forma média para bolo.
Modo de Preparo:
 Untar a forma para bolo com óleo de soja e farinha, reservar;
 Misturar todos os ingredientes secos em uma vasilha grande;
 Adicionar os ovos e o óleo;
 Misturar bem com um ―pão-duro‖, até formar uma pasta bem homogênea;
 Adicionar a água aos poucos e ir mexendo até que fique bem uniforme;
 Despejar na forma untada;
 Assar por 40 minutos em forno pré-aquecido a 200°C.
Tempo de Preparo: 01 hora
Rendimento:20 porções
Vinagrete de Hortelã para salada
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Ingredientes:
01 maçode hortelã;
01 xícarade chá (250 ml) de azeite
¼ de xícara de chá (60 ml) de suco de limão
Sal a gosto
Pimenta do reino branca a gosto
Utensílios Necessários: Faca, vasilha, tábua de corte.
Informações nutricionais: Contém
Vitamina E, poderoso antioxidante.
Calorias por porção (1 colher de sopa
cheia): 77 kcal
Modo de Preparo:
Lavar bem e picar a hortelã, de modo que ela fique bem miúda;
Juntar o azeite ao suco de limão aos poucos, batendo com um batedor de arame ou
garfo, para que fique cremoso.
Misturar a hortelã;
Temperar a gosto;
Servir com salada.
Tempo de Preparo: 15 minutos
Rendimento: 30 porções
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Vinagrete de Manjericão para salada
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Ingredientes:
Informações nutricionais: Contém
10 folhas de manjericão
Vitamina E, poderoso antioxidante.
02 dentes de alho
Calorias por porção (1 colher de sopa
cheia): 76 kcal
01 colher de chá de sal
¼ de xícara de chá (60 ml) de suco dolimão
Pimenta do reino a gosto
01 xícara de chá (250 ml) de azeite
Utensílios Necessários:Vasilha, liquidificador.
Modo de Preparo:
Lavar bem as folhinhas de manjericão;
Lavar e descascar os dentes de alho;
Bater no liquidificador o suco do limão, os dentes de alho, as folhas de manjericão, o
sal e a pimenta do reino;
Ir adicionando, com o liquidificador ligado, o azeite em fio até que fique bem
homogênea a mistura;
Servir com salada.
Tempo de Preparo: 15 minutos
Rendimento: 30 porções
Escondidinho de aipim com carne moída
Ingredientes:
Informações
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nutricionais:
Esta
Purê de Aipim:
preparação tem alto teor de carboidrato
01 kg de mandioca (aipim)
proveniente da mandioca e a proteína
da carne e queijos
01 ovo (45g)
Calorias: 708 kcal
02 colheres de sopa (24 g) de manteiga
01 xícara de chá (250 ml) de leite
Sal a gosto
Carne Moída:
03 colheres de sopa (45 ml) de óleo de soja
01 kg de carne moída
01 cebola média (100g)
01 xícara de chá (250 ml) de molho de tomate
Sal e Pimenta do reino preta a gosto;
Montagem:
200 ml de creme de leite
Alecrim a gosto
150g de mussarela
200g de queijo parmesão ralado
Utensílios Necessários: Faca, vasilha, tábua de corte, panela, panela de pressão,
refratário de vidro, espremedor de batatas, pão duro.
Modo de Preparo:
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
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Purê de Aipim:
Lavar bem e descascar o aipim;
Cozinhar o aipim em uma panela de pressão por uns 25 minutos, depois que a panela
pegar pressão até que fique bem mole;
Espremer o aipim, em um espremedor de batatas;
Em uma panela adicionar o aipim espremido, o ovo, a manteiga e o sal e mexer em
fogo baixo até o ponto de purê;
Reservar.
Carne Moída:
Lavar, descascar e picar a cebola em cubos bem pequenos;
Aquecer uma panela e adicionar o óleo de soja;
Adicionar a cebola em cubos e deixá-la murchar;
Adicionar a carne moída, sal e pimenta do reino e cozinhá-la;
Quando estiver cozida adicionar o molho de tomate e provar para ver se precisa de
mais um pouco de sal
Deixar ferver um pouquinho e reservar.
Montagem:
Lavar e picar bem o alecrim e misturá-lo com o creme de leite e um pouquinho de sal
e pimenta do reino;
Forrar o refratário com metade do purê de aipim;
Adicionar toda a carne moída;
Colocar uma camada de mussarela e todo o creme de leite com alecrim;
Colocar o restante do purê por cima;
Salpicar queijo parmesão e o restante da mussarela;
Levar ao forno até dourar;
Servir quente;
Tempo de Preparo: 02 horas
Rendimento:08 porções
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Spaghetti ao pomodoro
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Ingredientes:
Informações nutricionais: Preparação
rica em carboidrato. O tomate é rico em
01 tomate médio (100g)
licopeno e tem ação antioxidante, além
01 dente (10g) de alho
de Vitamina C.
02 fatias em meia lua (25g) de cebola
Calorias: 430 kcal
06 folhinhas de alfavaca
½ colher de sopa (7 ml) de óleo vegetal
20 ml de água
Sal a gosto
Pimenta do reino a gosto
80g de spaghetti
450 ml de água
20g de queijo parmesão ralado
Utensílios Necessários: Faca, vasilha, tábua de corte, duas panelas, pão duro.
Modo de Preparo:
Adicionar em uma panela o spaghetti e a água;
Ligar o fogo e quando a água ferver temperar com sal e pimenta;
Deixar cozinhar até que o spaghetti esteja al dente;
Escorrer e reservar;
Lavar bem o tomate, a cebola, o alho e as folhinhas de alfavaca;
Descascar e picar o alho e a cebola em cubos bem pequenos;
Cortar o tomate, retirar as sementes e cortar em cubos pequenos;
Aquecer uma panela, aquecer o óleo vegetal e adicionar a cebola;
Quando a cebola estiver murchado, adicionar o alho e deixar dourar levemente;
Adicionar os tomates em cubo e 20ml de água;
Temperar com sal e pimenta a gosto e deixar o tomate cozinhar até que fique
desmanchando;
 Secar e picar bem as folhinhas de alfavaca;
 Quando o tomate estiver desmanchando adicionar as folhinhas de alfavaca picadas e
desligar o fogo;
 Servir o spaghetti e o molho quentes com parmesão salpicado.
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Tempo de Preparo: 12 minutos
Rendimento:01 porção
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Vitamina A
Vitamina C
Vitamina D
Ferro
VITAMINAS
É importante porque...
Para a visão, o crescimento,
a pele e o cabelo.
A
falta
pode
causar:
cegueira noturna, secura da
pele e maior risco de contrair
infecções.
Aumenta a resistência do
organismo,
protege
a
gengiva e aumenta a
absorção de ferro.
É essencial para a formação
e a manutenção de ossos e
dentes fortes.
A falta pode causar
raquitismo e amolecimento
dos dentes.
Principais fontes são
Origem animal: fígado, gema de
ovo, leite integral e derivados.
Origem vegetal:margarina, óleo
de dendê, frutas e hortaliças de
cor amarelo-alaranjada (cenoura,
abóbora madura, manga e
mamão) ou de cor verde-escura
(mostarda,
couve,
agrião,
almeirão)
Origem vegetal: frutas cítrica
(acerola, morango, limão, laranja)
e vegetais crus(repolho, salsa,
espinafre).
Origem animal: gema de ovo,
fígado, manteigas e pescados
(atum,
sardinha,
arenque,
cavala).
O Sol é importante para o seu
melhor aproveitamento.
MINERAIS
É importante porque
Principais fontes são
É essencial à formação de Origem animal: miúdos em geral
células
vermelha, (coração, fígado, etc) e outras
prevenindo a anemia.
carnes.
Origem vegetal: feijão, lentilha,
folhas verde-escuras e beterraba.
Na adolescência o ferro é essencial ao crescimento, tendo papel fundamental no
desenvolvimento muscular e prevenindo a anemia. O consumo de refrigerantes, mate,
chá preto junto a refeições pode prejudicar o aproveitamento de ferro.
Cálcio
Porque
ajuda
na
Origem animal: leite integral
formação e manutenção de e derivados e gema de ovo.
dentes e ossos fortes.
Origem vegetal: Legumes e
castanhas
O consumo de Cálcio deve ser sempre incentivado na infância e adolescência
contribuindo para o crescimento dos ossos e prevenindo o aparecimento de
osteoporose na idade adulta. Este mineral é importante em todas as fases da vida!
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Alimentação adequada e saudável é um Direito de todo mundo!
Os Direitos Humanos são aqueles que as pessoas
possuem pelo simples fato de terem nascido humanos. Toda
pessoa já nasce com direito à água, à educação, à vida, ao
trabalho digno, à terra e à alimentação. Não importa se
Você sabia que 30% dos
alimentos
servidos
na
alimentação
escolar
obrigatoriamente devem ser
comprados
da
agricultura
familiar?
homem ou mulher; criança, adulto, jovem ou velho; se é preto, branco, amarelo ou azul; se
mora na cidade ou no campo; se tem ou não estudo.
Alimentação adequada e saudável é direito de todos e se concretiza quando todas as
pessoas conseguem ter o acesso regular e permanente a alimentação, seja produzindo, seja
tendo meios para adquirir o alimento. Precisamos nos alimentar de forma adequada para
que tenhamos condições de viver com qualidade, com saúde e com felicidade. O tempo todo
nosso corpo precisa de energia e de nutriente vindos de uma boa alimentação. Para correr,
para jogar, para estudar e até mesmo para ficar em frente ao computador ou enquanto
estamos dormindo precisamos de energia e nutrientes. Escolher bem os alimentos que
consumimos nos garante saúde agora e também no futuro.
Você passa muitas horas na escola e por isso é servida a alimentação na escola: para
atender as necessidades nutricionais dos estudantes durante o tempo de permanência na
sala de aula. Através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi firmado o
compromisso de garantia do direito a alimentação escolar para todos os estudantes da rede
pública de educação básica do Brasil inteiro e também para esta escola.
Agricultura Familiar é importante para quem mora no campo e na cidade!
A agricultura familiar é estratégia fundamental à
promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada
(DHAA). Alimentação adequada e saudável é aquela que é
Você Sabia que atualmente a
agricultura familiar é responsável pela
produção de 70% dos alimentos
consumidos pelos brasileiros?
equilibrada em termos nutricionais, livre de contaminações microbiológicas e químicas, que é
culturalmente referenciada nos hábitos alimentares locais e que promove a saúde.
Incentivar a agricultura familiar é importante para garantir a alimentação de quem vive na
área rural porque garante alimentos para o auto-consumo e o aumento da renda familiar.
Além disso preservação de hábitos, da cultura local e da organização do trabalho a partir da
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
família. Contudo, aumentar a produção da agricultura familiar garante também benefícios à
população urbana da cidade que passa a ter acesso a alimentos mais frescos e livres de
contaminantes.
Além disso, a agricultura familiar produz os alimentos que são considerados básicos
como arroz, feijão, as verduras, legumes e frutas, entre outros.
Agricultura Urbana é qualidade na alimentação e saúde da cidade!
A agricultura urbana é a prática da agricultura dentro das cidades, nos pequenos
espaços disponíveis. É uma atitude que pode contribuir para a Segurança Alimentar
Nutricional porque incentiva a alimentação mais saudável e livre de fertilizantes e de
agrotóxicos que são prejudiciais tanto a saúde e quanto ao ambiente. A produção do próprio
alimento contribui para reforçar a renda mensal e favorece o consumo de vegetais. Por isso
a agricultura urbana promove melhor qualidade de vida na cidade.
Mesmo em grandes centros urbanos é possível fazer hortas, viveiros, pomares e
canteiros de ervas medicinais. É possível plantar hortaliças e plantas medicinais no quintal
de casa, em lajes e em varandas de apartamentos. Quando não for possível produzir
diretamente no solo, podem ser usados canteiros suspensos, vasos de planta entre outros.
Podemos plantar em caixotes, latas, garrafas pet, embalagens vazias, bacias, baldes,
pneus e copos descartáveis. Com os resíduos orgânicos (como folhas secas ou cascas de
alimentos) podem ser tratados para produzir um rico composto para a adubação. Reutilizar
esses materiais é uma importante contribuição para diminuição no lixo.
A produção
agroecológica é a produção de um alimento saudável e sem veneno. Você pode começar a
ter mais saúde a partir da sua casa.
Universidade Federal do Rio de Janeiro / Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Rubem Alves
Na poesia, encontramos inúmeras referências à comida. Os poetas, que habilmente
sabem dar prazer às palavras, compreendem que entre comida e letras existe uma aliança.
Uma é alimento para o corpo; a outra, para o espírito. Esses cozinheiros de palavras,
souberam descrever com encantamento os hábitos alimentares de seu tempo, as delícias de
sua infância, o prazer de uma refeição, a fome, a fartura e o comportamento à mesa. Nesses
registros em forma de versos, podemos descobrir a relação com a alimentação. Os poetas
enxergaram muito além de um prato de comida. Eles descobriram poesia e beleza.
Cordel dos Básicos
Por Tatiana Damberg
Todo mundo quer comer
isso é simples assim.
Mas tem que saber fazer
Ou sai comida ruim.
Não é só um mata-fome.
Não é só o que se come.
O convívio é o fim.
Todos juntos a sentar
isso é ritual antigo,
vem antes do falar
vem de saber ser amigo.
Se juntar à refeição
mostra socialização
para repartir o trigo.
Muitos sabem cozinhar
aprenderam em família,
mas não deve se avexar
quem não tem essa valia.
Basta uns básicos saber
ter a receita para ler
e testar no dia a dia
A cozinha do Brasil
ela é rica por demais
Sempre rende glórias mil
para aquele que lhe faz.
Por isso não tenha medo
cozinhar não tem segredo
é fazer e ser um ás.
Farinha, farofa, farófias e paçoca
Por Tatiana Damberg
Se tu quer boa farinha
vá ao Norte pra buscar.
Lá a farinha é fresquinha
boa coisa ela vai dar.
Não se come nenhum prato
sem farinha a dar um trato,
tudo vem complementar.
Tem farinha que é de trigo
tem que é de copioba
e lhe conto meu amigo
nenhumafaz gororoba.
Mas nossa velha de guerra
é a farinha da terra
essa aí ninguém esnoba.
A farinha é multiuso
vai em doce e salgado
a receita eu reproduzo
para o dendê farofado.
No dendê refogue o alho
junte a farinha a olho
finda ao sal adicionado.
É fácil fazer farofa
ela tudo acompanha.
Para não fazer galhofa
faça muito e pegue a manha
e se não mais se equivoca
passe logo para a paçoca
que à mesa sempre ganha.
Dizem que é coisa doce
mas não é não no sertão.
Bate tudo até dar coice
carne pronta no pilão
depois junta um temperinho
quem sabe até cominho
a estrela da refeição.
Depois de tanto salgado
chega a hora de adoçar,
prafarinha é um achado
poder se açucarar.
Ponha ela sobre a fruta
junte a rapadura bruta
leve ao forno para dourar.
Pois assim é com muito gosto
é que se usa a farinha,
um alimento composto
que enriquece a cozinha.
já há centena de anos
que está nos planos
e vai continuar rainha.
Feijoada à minha moda
Vinícius de Moraes
Amiga Helena Sangirardi
Conforme um dia prometi
Onde, confesso que esqueci
E embora — perdoe — tão tarde
(Melhor do que nunca!) este poeta
Segundo manda a boa ética
Envia-lhe a receita (poética)
De sua feijoada completa.
Em atenção ao adiantado
Da hora em que abrimos o olho
O feijão deve, já catado
Nos esperar, feliz, de molho
E a cozinheira, por respeito
À nossa mestria na arte
Já deve ter tacado peito
E preparado e posto à parte
Os elementos componentes
De um saboroso refogado
Tais: cebolas, tomates, dentes
De alho — e o que mais for usado
Tudo picado desde cedo
De feição a sempre evitar
Qualquer contato mais... vulgar
Às nossas nobres mãos de aedo.
Enquanto nós, a dar uns toques
No que não nos seja a contento
Vigiaremos o cozimento
Tomando o nosso uísque ontherocks
Uma vez cozido o feijão
(Umas quatro horas, fogo médio)
Nós, bocejando o nosso tédio
Nos chegaremos ao fogão
E em elegante curvatura:
Um pé adiante e o braço às costas
Provaremos a rica negrura
Por onde devem boiar postas
De carne-seca suculenta
Gordos paios, nédio toucinho
(Nunca orelhas de bacorinho
Que a tornam em excesso opulenta!)
E — atenção! — segredo modesto
Mas meu, no tocante à feijoada:
Uma língua fresca pelada
Posta a cozer com todo o resto.
Feito o quê, retire-se o caroço
Bastante, que bem amassado
Junta-se ao belo refogado
De modo a ter-se um molho grosso
Que vai de volta ao caldeirão
No qual o poeta, em bom agouro
Deve esparzir folhas de louro
Com um gesto clássico e pagão.
Inútil dizer que, entrementes
Em chama à parte desta liça
Devem fritar, todas contentes
Lindas rodelas de linguiça
Enquanto ao lado, em fogo brando
Dismilinguindo-se de gozo
Deve também se estar fritando
O torresminho delicioso
Em cuja gordura, de resto
(Melhor gordura nunca houve!)
Deve depois frigir a couve
Picada, em fogo alegre e presto.
Uma farofa? — tem seus dias...
Porém que seja na manteiga!
A laranja gelada, em fatias
(Seleta ou da Bahia) — e chega
Só na última cozedura
Para levar à mesa, deixa-se
Cair um pouco da gordura
Da linguiça na iguaria — e mexa-se.
Que prazer mais um corpo pede
Após comido um tal feijão?
— Evidentemente uma rede
E um gato para passar a mão...
Dever cumprido. Nunca é vã
A palavra de um poeta...— jamais!
Abraça-a, em Brillat-Savarin
O seu Vinicius de Moraes
No Restaurante
Por Carlos Drummond de Andrade
– Quero lasanha.
Aquele anteprojeto de mulher –
quatro anos, no máximo, desabrochando
na ultraminissaia – entrou decidido no
restaurante. Não precisava de menu, não
precisava de mesa, não precisava de
nada. Sabia perfeitamente o que queria.
Queria lasanha.
O pai, que mal acabara de
estacionar o carro em uma vaga de
milagre, apareceu para dirigir a operaçãojantar, que é, ou era, da competência dos
senhores pais.
- Meu bem, venha cá.
- Quero lasanha.
- Escute aqui, querida. Primeiro,
escolhe-se a mesa.
- Não, já escolhi. Lasanha.
Que parada – lia-se na cara do pai.
Relutante, a garotinha condescendeu em
sentar-se primeiro, e depois encomendar o
prato:
- Vou querer lasanha.
- Filhinha, por que não pedimos
camarão? Você gosta tanto de camarão.
- Gosto, mas quero lasanha.
- Eu sei, eu sei que você adora
camarão. A gente pede uma fritada bem
bacana de camarão. Tá?
- Quero lasanha, papai. Não quero
camarão.
- Vamos fazer uma coisa. Depois do
camarão a gente traça uma lasanha. Que
tal?
- Você come camarão e eu como
lasanha.
O garçom aproximou-se, e ela foi
logo instruindo:
- Quero uma lasanha.
O pai corrigiu:
- Traga uma fritada de camarão pra
dois. Caprichada.
A coisinha amuou. Então não podia
querer? Queriam querer em nome dela?
Por que é proibido comer lasanha? Essas
interrogações também se liam no seu
rosto, pois os lábios mantinham reserva.
Quando o garçom voltou com os pratos e o
serviço, ela atacou:
- Moço, tem lasanha?
- Perfeitamente, senhorita.
O pai, no contra-ataque:
- O senhor providenciou a fritada?
- Já, sim, doutor.
- De camarões bem grandes?
- Daqueles legais, doutor.
- Bem, então me vê um chinite, e pra
ela… O que é que você quer, meu anjo?
- Uma lasanha.
- Traz um suco de laranja pra ela.
Com o chopinho e o suco de laranja,
veio a famosa fritada de camarão, que,
para surpresa do restaurante inteiro,
interessado
no
desenrolar
dos
acontecimentos, não foi recusada pela
senhorita. Ao contrário, papou-a, e bem. A
silenciosa manducação atestava, ainda
uma vez, no mundo, a vitória do mais forte.
- Estava uma coisa, heim? –
comentou o pai, com um sorriso bem
alimentado. – Sábado que vem, a gente
repete… Combinado?
- Agora a lasanha, não é, papai?
- Eu estou satisfeito. Uns camarões
tão geniais! Mas você vai comer mesmo?
- Eu e você, tá?
- Meu amor, eu…
- Tem de me acompanhar, ouviu?
Pede a lasanha.
O pai baixou a cabeça, chamou o
garçom, pediu. Aí, um casal, na mesa
vizinha, bateu palmas. O resto da sala
acompanhou. O pai não sabia onde se
meter. A garotinha, impassível. Se, na
conjuntura, o poder jovem cambaleia, vem
aí, com força total, o poder ultra-jovem.
Cordel da culinária gramatical
Por Juliana Dias
Venham todos, venham ver
O peso da culinária gramatical do Pará.
É comida com sujeito bem definido,
Sabores com predicados invejáveis,
Vocabulário com sustância,
Verbetes em abundância.
Haja treino na ortografia para ditar os sabores de lá.
Diga bacuri, uxi, sapoti, buriti, piracuí
Mari, tambaqui, açaí e tucupi
Sem travar a língua.
Observe com presteza e fale com firmeza
Se já ouviu uma prosa com tantos substantivos curiosos.
Os nomes são difíceis de gravar, mas dá água na boca só de pensar.
Tem cupiú, cumaru, urucum, jambu, pirarucu e aviú.
Se está difícil entender minha linguagem,
Aguente firme, pois nessa viagem ainda há muito o que degustar.
Tucumã e rambutã,
Ingá, piquiá, mapará, patauá e biribá,
Araçá, castanha do Pará e tamuatá.
Nesse dicionário culinário, não procure o plural,
A riqueza de palavras é tão farta, que é tudo singular.
Muito cuidado com a pronúncia para não confundir amburama com andiroba.
E comer as letras da priprioca.
É a língua do cacau-jacaré, da banana de São Tomé e do tucunaré.
Só cuidado com o pitiu e o pixé.
Um explica a maresia; o outro é o fim da linha de um pescado paraense.
Para ficar craque nesse desafio linguístico,
Quebre o coco sem arrebentar a sapucaia.
Nada nesse idioma é comum.
O maracujá é selvagem,
A laranja é da terra,
O camarão e o limão são regionais,
A farinha de tapioca parece pipoca.
Veja só que complicado escrever um simples recado:
Traga Go, gurijuba, ata, filhote e catinga de mulato,
Vê se não esquece a pataqueira
Porque esse tempero é de primeira.
E acrescente pupunha e genipapo.
Esses dois já são mais fáceis de gravar. Tá no papo.
Coloque na lista a pescada amarela e a chicória
Para fazer um assado com arroz incrementado.
Não adianta decorar esses verbos só de ouvir falar
Tem que provar e na memória guardar.
Para ser fluente nesse latim, o jeito é arranjar um professor do lugar.
Frutas do Brasil ou da Infância
Por Carlos Drummond de Andrade
―Do sumo desta fruta faz o gentio vinho, com que se embebeda, que é de bom cheiro
e saboroso‖. Esta primeira receita de caju-amigo (1587) figura no cronista Gabriel Soares, e
mostra como de alguns anos para cá voltamos à taba, em saudável afirmação de
brasilidade. Não esquecer por outro lado, em favor do discernimento dos índios, que o caju é
das frutas a que ostenta maior riqueza de vitamina C, em unidades internacionais de 100
gramas: 3.680, seguido de longe pela manga, que contém 1.350, enquanto a mísera banana
nanica não vai além de 60.
Comamos e principalmente bebamos caju: este é o programa. E se quisermos
perseverar no estilo nativo, troquemos o enjoada chiclete por uma fruta do cerrado (...).
O Ministério da Agricultura não me pagou para isto; nem comprei um sítio algures,
como estás imaginando. Apenas dei para ler dicionários, e entre eles encontro o de Frutas
do Brasil, de Eurico Teixeira da Fonseca, onde há várias notícias de frutas cultivadas e
silvestres tão insuficientemente industrializadas ainda, e desconhecidas até das populações
regionais, quando não amadurecem a um palmo do nariz.
Algumas são meras hipóteses comestíveis, a exemplo dessa marmelada que o padre
Ayres do Casal, há perto de dois séculos, foi achar em Goiás, e que não deve ser
confundida com o marmelo vulgar nem com a marmeladinha ou puruí do Pará. (...) Mas o
Pará de Eneira, benza-o Deus, pode gabar-se de ser dono dos exemplares frutíferos mais
variados do Brasil, a ponto de quem lá atravessar um imenso areal não passará fome. Pode
provar o umiri, frutinha doce e resinosa; se lhe apetece um sorvete esquisito, faça-o de
taperebá-cedro; cocos silvestres é só escolher, como num cardápio. E o cupuaçu fornece
geleia, compota e refrigerante, enquanto você espera o contrabando, que lá é como quem
espera o carteiro; além de fornecer o conhecido sorvete que é possível saborear aqui
mesmo na Ipanema de Aníbal Machado. No igarapé, tome paracuuba de leite; pepino-domato é digestível, mas não aconselho: de teimoso, carece que se lhe dê com um pau para
abrir. Em caso de penúria, arranje-se com socoró; sem falar no uso enciclopédico da
castanha-do-pará, outrora chamada de castanha-do-maranhão, e que talvez servisse até
para fazer a Enciclopédia Brasileira, com que há década sonhamos.
Com que satisfação de rever velhos amigos encontro no volume as frutas da infância
rural mineira: bacupari, guariroba, ingá, jambo, araticum, araçá, juá, cambucá, todos esses
sabores da terra, que não custavam dinheiro, esses sons abertos. Frutas camaradas, sem
esnobismo, dáveis. Riqueza do país ou riqueza particular minha, da lembrança, não sei.
E cismo na oportunidade ou na graça de certas apelações populares que o autor
registra: gogó-deguariba, moela-de-mutum, cabeça-de-urubu, jaca-de-pobre, assim
chamado talvez por ter espinhos na casca, ao passo que a outra jaca só tem ―verrugas‖;
cabeludinha, frutas que os paulistas estimam tanto; e essa bochecha-de-velho, que se diz
fruta ruguenta, e polpa branca e esponjosa, comível mas – infelizmente – insípida. Veludinha
, de Santa Catarina, há de ter sabor gentil; talvez fosse bom recomendá-la em compota aos
partidários do atual governo que se pretendam fazer oposição ao próximo: uma oposição
construtiva, isto é, veludosa.
Quanto à maçaranduba, ou maçarandiba, também paraense, vale reproduzir a
advertência de Gabriel Soares: ―quem come muita dessa fruta, pegam-se-lhe os bigodes
com o sumo dela, que é muito doce e pegajosa‖. Ou bigode ou maçaranduba: escolham.
Ode à cenoura
JhuliePassarel/ aluna do Instituto
Roberto Silveira – turma 3002
Poema do açaí
Débora Silva dos Santos/aluna do
Instituto Roberto Silveira – turma 3002
Se cozida, tão sem graça
Então, junte ovos e muito leite
para alegrar a criançada.
Em tigela ou cuia
Toma-se esse suco roxo
Dele se usa tudo
Até mesmo o caroço.
Leve ao forno com carinho
E terás, após um tempo,
Delicioso bolinho.
Já não basta degustar
Invente, recrie...
Atreva-se a preparar.
Não se esqueça da cobertura
Que a beleza irá trazer
E um prato apetitoso,
acaba de fazer.
Negro como a noite
Numa chuva de granola
Quando vai em minha boca
Minha vida se adoça.
Confesso por ti meu gosto
Aos teus atrativos me entrego
É fruto de mil encantos
Sou louca por ti não nego.
Tua cor, ah! Como me atrai
Linda, forte e vibrante
Vinho vivo, cor alegra
Açaí, que bem que você me faz .
340
Apêndice 13
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde
Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde
A procura de um lugar de encontro para a educação alimentar e nutricional na
escola: uma experiência de pesquisa-ação
1. Sobre a Pesquisa
No Brasil a alimentação é um direito previsto na “O direito à alimentação só se
quando o alimento
Constituição Federal. Contudo, garantir uma alimentação concretiza
se transforma em cidadãos
adequada, saudável e segurara à toda população ainda é bem nutridos, saudáveis,
um desafio. Para a implementação deste direito é essencial críticos e participativos.” (Flávio
que sejam desenvolvidas ações de promoção da Valente)
alimentação saudável. O espaço escolar tem sido apontado
como estratégico neste sentido. Em termos de políticas públicas, duas ações se
destacam: o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de
Saúde na Escola (PSE).
O PNAE garante o direito à alimentação escolar em caráter universal e a define
em suas diversas dimensões: da saúde incluindo necessidades alimentares especiais;
da educação alimentar nutricional com ênfase nos hábitos alimentares saudáveis e do
respeito à cultura alimentar; e à produção sustentável de alimentos. O PSE desenvolve
ações de prevenção, promoção e atenção à saúde dos estudantes da rede pública de
educação através da articulação local com Sistema Único de Saúde (por meio da
Estratégia de Saúde da Família) e inclui dentre suas ações a promoção da alimentação
saudável.
As reflexões apresentadas a seguir estão sendo desenvolvidas em tese de
doutorado cujo objetivo é discutir limites e possibilidades para o desenvolvimento de
estratégias de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) na escola, pautadas pelo Direito
Humano à Alimentação Adequada, tendo como ponto de partida as experiências do
PSE em Duque de Caxias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa baseada na
participação e que por isto se preocupa em realizar diagnósticos, identificar problemas
e soluções a partir do pressuposto de que pesquisadores e grupos de participantes
podem juntos responder com maior eficiência aos problemas complexos vivenciados no
cotidiano (THIOLLENT, 1988)82.
Paulo Freire 83 é o principal referencial desta Para refletir...
pesquisa. Na perspectiva freireana o diálogo começa na Quais temas foram trabalhados
atividades de educação e
escolha dos temas, partindo de diagnóstico local que nas
promoção em saúde até o
identifique temas geradores que permitam problematizar a momento?
Como
foram
trabalhados?
Como
estes
temas
realidade. A partir de depoimentos de quem vive e atua na
têm sido selecionados?
localidade torna-se possível identificar impasses e
dificuldades do cotidiano frente à promoção da alimentação adequada que impactam
as ações de EAN. Estes elementos analisados podem ser importantes subsídios para
82
83
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1988.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
341
construção de conteúdo programático para ações de EAN na escola e contribuir para
estratégias mais eficazes de promoção da alimentação adequada.
2. Síntese da Fase Exploratória
Nesta fase foi realizada a apresentação da pesquisa à escola e às equipes de
Saúde da Família (eSF) e foi feito um convite ao diálogo sobre alimentação e nutrição.
Foram entrevistados 17 profissionais por meio de três entrevistas coletivas e quatro
entrevistas individuais, totalizando a escuta de 06 (seis) profissionais das eSF e onze
da escola e SME. Além das entrevistas foi realizado o registro em diário de campo das
visitas à escola e à unidade de saúde, bem como das observações em atividades de
educação em saúde e EAN realizadas na escola.
A indicação da escola foi realizada pelos representantes da Estratégia de Saúde
da Família (ESF) no Grupo de Trabalho Intersetorial Municipal (GTI-M) do PSE. Esta
indicação foi levada à Secretaria Municipal de Educação (SME) que ratificou a decisão.
As Secretarias Municipais de Saúde e Educação já haviam recebido cópias do projeto
de pesquisa e estavam esclarecidas sobre os procedimentos, emitindo em seguida a
autorizações para a realização deste trabalho de campo.
A Escola Municipal Wilson de Oliveira Simões foi Para refletir...
indicada por ser considerada uma unidade escolar que Quais são os fatores que
facilitam a construção deste
mantêm um vínculo de boa qualidade com as eSF. No vínculo entre a escola e as eSF?
âmbito do PSE esta escola é acompanhada por três eSF, Quais fatores dificultam ampliar
sediadas em uma mesma Unidade localizada na rua da este vínculo?
escola. A equipe responsável pela alimentação escolar nesta Unidade é composta por
uma nutricionista e uma supervisora de merenda que estão na escola pelo menos uma
vez por semana e por uma equipe que trabalha diariamente na escola: uma
responsável de merenda e cinco merendeiras divididas em dois turnos.
2.1. Uma visão panorâmica sobre o território
O bairro onde estão localizadas a escola e a unidade de saúde fica próximo ao
centro de Duque de Caxias e em cerca de 20 minutos de carro se chega da SME à
escola. Trata-se de um dos 14 bairros do segundo Distrito de Duque de Caxias
caracterizado por ser uma área urbana, densamente povoada e que concentra 31,44%
da população do município (Desans, 2012).
Suas ruas principais são asfaltadas, estreitas e em mão dupla, possuindo
calçadas padronizadas como as do centro da cidade. É um bairro pouco arborizado. As
ruas principais localizam-se em sua parte plana e são cortadas transversalmente por
ladeiras. Nestas alternam-se trechos com e sem calçadas. No caminho até a escola se
passa por duas praças pequenas e acanhadas. Os nomes das ruas e do bairro são
nomes de bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro. Bem próximo à escola existe um
valão que corta todo bairro. Para se atravessar de um lado a outro existem pontes
estreitas para pedestres e outra para veículos.
No que diz respeito às condições socioeconômicas de seus moradores, tanto
profissionais de saúde quanto da escola reconhecem que o bairro não é um espaço
homogêneo. Existem famílias pobres no bairro, vivendo com dificuldades financeiras e
em casas precárias, sobretudo no entorno do valão. Nos restante do bairro, existem
famílias que moram em casas melhores e com melhores condições de vida. Quanto
aos desafios relacionados à infra-estrutura do bairro que impactam qualidade de vida
342
foram destacados aspectos relacionados ao saneamento básico, à falta de água e o
transporte.
A unidade de saúde que abriga as três eSF possui uma estrutura bem similar a
outras desta natureza: é uma casa grande adaptada para receber consultórios clínicos
e odontológicos, assim como equipamentos básicos e característicos de uma UBS.
Neste município quase a totalidade dos profissionais da ESF são concursados. As
equipes vinculadas a esta UBS são em grande parte compostas de profissionais jovens
que atualmente têm cerca de 7 (sete) anos de formados e que são proveniente do
concurso municipal mais recente realizado há quatro anos. Segundo os profissionais,
vários deles têm formação em saúde pública e chegaram ao município com ―vontade
de fazer diferença‖, mas algumas questões estruturais dificultam o trabalho. O
relacionamento das eSF com a população atendida é considerado muito bom.
Do ponto de vista de perfil epidemiológico, afirmam
Cada eSF é formada por
que as maiores prevalências são de hipertensão arterial e enfermeiro, médico, dentista,
diabetes. Além disto, as doenças sexualmente agentes comunitários de saúde,
transmissíveis, a hanseníase e a tuberculose são motivo de auxiliar de enfermagem e
auxiliar de consultório dentário.
preocupação para os profissionais das três eSF. A As equipes são responsáveis
prevalência de cárie é também expressiva entre crianças e pelo acompanhamento de um
adolescentes tanto na população adscrita às equipes número definido de famílias,
localizadas em uma área
quanto na escola. Quanto ao perfil nutricional, seguindo um geográfica delimitada. As eSF
ações
de
padrão nacional, o sobrepeso e a obesidade tornaram-se desenvolvem
promoção
da
saúde,
prevenção,
as preocupações mais relatadas para crianças,
recuperação, reabilitação de
adolescentes e gestantes. Contudo, ainda existem relatos doenças mais freqüentes e na
manutenção da saúde da
de baixo peso e desnutrição nesta população.
A Estratégia Saúde da Família (ESF) trabalha a partir comunidade.
de uma lógica de organização de território enquanto a organização escolar se dá por
clientela. Desta forma, não existe uma coincidência total entre os territórios cobertos
pelas três eSF e os estudantes matriculados na escola, ou seja, existem estudantes de
famílias cadastradas pelas eSF que não estão matriculadas nesta escola assim como
existem crianças matriculadas na escola que residem em locais que não fazem parte
da área adscrita pelas equipes.
A escola é a maior dentre as três escolas municipais do bairro, atendendo a mais
de mil alunos da pré-escola até o 9º ano e também
A escola está incluída no
turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no turno
Programa
Mais
Educação
da noite. Ao todo 160 funcionários trabalham nesta
atendendo 150 alunos com
escola (dos quais ? são professores) que possui três
atividades no contra-turno de
dança do ventre, hip hop, ... O
andares, dois deles exclusivamente para as salas de
Programa Mais Educação é uma
aula. No andar térreo funciona a parte administrativa
estratégia do Ministério da
além de uma sala de leitura, quadra de esportes e as
Educação
para
induzir
a
ampliação da jornada escolar e a
estruturas ligadas à educação infantil e educação
organização
curricular
na
especial. As salas de aula possuem mobiliário completo
perspectiva da Educação Integral.
com capacidade para cerca de 30 alunos por turma.
Contudo, esta escola tem uma história peculiar. Ela foi construída como escola
particular, um Liceu, e adquirida pelo município no ano de 2006 mudando de nome e
obviamente de administração. A ―boa estrutura‖ relatada pelos profissionais em parte é
atribuída a este histórico. As instalações para cozinha, refeitório e educação infantil são
343
adaptações à estrutura original realizadas em 2010. Parte dos professores está na
escola desde que a escola foi adquirida pelo município. Existia uma cantina na escola
que foi extinta. Existem relatos de que os alunos passaram a comer menos ―besteiras‖
e a comer mais a alimentação oferecida pela escola.
O espaço do recreio e da alimentação escolar está localizado no primeiro andar.
Num pátio coberto existe uma mesa de jogos (Totó) e um grande bebedouro ao lado,
um amplo refeitório com mobiliário novo e adequado, uma cozinha grande e bem
equipada. A dispensa é grande, com diversas estantes e três frízeres muito bem
organizados. No refeitório existe um balcão térmico para a distribuição de alimentos e
que não está sendo utilizado.
Esta estrutura de refeitório, cozinha e despensa foi muito elogiada pela
supervisora de merenda e pela nutricionista. Um grande limite apresentado pela
estrutura é a falta de água no bairro. Além do abastecimento regular feito pela rede
pública, a escola recebe, quando necessário, complementação de água em carro pipa.
Ainda assim esta questão tem impactos na escola, incluindo a necessidade de
adaptações ao cardápio realizadas sob as orientações da nutricionista ou da
supervisora de merenda.
A avaliação que é feita da alimentação na escola, bem como sobre a aceitação e
satisfação dos estudantes sofre algumas variações de acordo com quem informa. Para
quem trabalha mais diretamente com a alimentação escolar, o relato é de grande
aceitação dos estudantes e para os demais existe a observação de uma resistência
dos alunos mais velhos em freqüentar o refeitório. O menor consumo da alimentação
escolar entre os estudantes mais velhos não é, de forma alguma, uma questão
específica desta escola. Estudos sobre o PNAE em diversos municípios e escola
demonstram cenário similar: grande aceitação da alimentação escolar pelos estudantes
mais novos (séries iniciais) e gradativa redução
EAN na escola: ―o conjunto de ações
da adesão nas séries finais.
que objetivam estimular a adoção
Quanto à realização de ações de formativas
voluntária
de
práticas
e escolhas
educação em saúde e, mais especificamente, alimentares saudáveis, que colaborem para
de EAN foi possível observar que há por parte a aprendizagem, o estado de saúde do
e a qualidade de vida do indivíduo‖.
da direção e administração da escola extrema escolar
Refere-se a oferta de alimentação saudável,
boa vontade para receber tais atividades e o as hortas pedagógicas, a inserção do tema
reconhecimento da importância de ações de alimentação saudável no currículo, oficinas
atividades de formação para a
saúde na escola. Contudo, existe grande culinárias,
comunidade escolar, etc.
fragilidade no que se refere ao planejamento e a
avaliação.
Com relação à EAN e as ações desenvolvidas na escola, a atividade mais citada
e reconhecida foi a Semana Mundial da Alimentação, aparecendo na fala da direção,
da equipe de merenda e das professoras. Outra
Anualmente comemora-se o Dia Mundial
ação relatada foi o projeto ―Família na Escola‖ que
da Alimentação em 16 de outubro a partir
de tema eleito pela Organização das
ocorre de dois em dois meses com realização de
Nações Unidas para a Alimentação e
palestras e oficinas culinárias de utilização integral
Agricultura (FAO). No Brasil, esta iniciativa
de alimentos. Esta última foi a única atividade de
é realizada através da Semana Mundial
da Alimentação. Este ano o tema será:
EAN reconhecida pelas merendeiras.
Cooperativas Agrícolas Alimentam o
O tema sobre alimentação e nutrição também
Mundo.
é tratado pelos professores em sala de aula
344
articulado ao currículo pertinente a cada ano escolar. Tanto as professoras de ciências
quanto de educação física relataram experiências bastante interessantes e
diversificadas. A fala dos professores demonstra uma preocupação em que os temas
de saúde e de nutrição sejam trabalhados com os estudantes de forma crítica e que
incorpore temas se aproximem do cotidiano. Há também a identificação dos hábitos e
comportamento que elas consideram ―típicos da adolescência‖, mas que são
apresentados com preocupação e atenção. Por isto, trabalham em sala as questões de
distúrbios alimentares e sua relação com padrões de beleza e problematizam a
preferência dos estudantes por lanches pouco saudáveis. A questão do bulliyng
aparece como preocupação inclusive quando se trata de obesidade e imagem corporal.
Em síntese, através das entrevistas, podem ser identificados quais os temas
trabalhados por cada um dos grupos entrevistados, bem como as demandas por
aprofundamento de alguns temas. Dentre os temas trabalhados, destaca-se que a
Pirâmide Alimentar foi citada por todos e com relação aos sugeridos a preocupação
com o consumo de biscoitos tipo snacks e guaraná natural foi um consenso.
Quadro 1: Temas em alimentação e nutrição trabalhados e sugeridos no contexto da
escola.
Temas de
Alimentação
e Nutrição
na escola
PSE
Aula de Ciências
10 Passos
para uma
Alimentação
Saudável
Trabalhados
Sugeridos
- Necessidades diárias Grupos
alimentares e composição química
dos alimentos
- Cardápio familiar
- Custo da alimentação e Salário
mínimo
- Imagem corporal
- Digestão e nutrição
- Produção de lixo, resíduos
sólidos
- Consumo exagerado
- Consumo consciente
Pirâmide alimentar
Alimentação
- Reflexos da má alimentação,
saudável e
colesterol, obesidade, hipertensão
alimentação
e diabetes
na escola
- Consciência do que eles estão
comendo: quantidade e a
qualidade do alimento
-Utilização integral de alimentos
- Ambiente e Saúde
- Imagem corporal
- Saneamento, água e lixo
Aula de Educação Física
PNAE e Outros
- Alimentação e sua influência na
atividade física
- Distúrbios alimentares:
anorexia, bulimia e obesidade
- Imagem corporal e padrões de
beleza (a visão da sociedade à
respeito do corpo)
- Conceito de saúde
- Incentivo FLV
- Alimentos
calóricos x
saudáveis
- Prato saudável
- Alimentação
alternativa
- Drogas e esteróides
anabolizantes
- Conceito de Saúde
Biscoito/ Salgadinho e Guaraná Natural
2.2. Problema Central e a proposta de Ação da Pesquisa Participante
Este texto representa um esforço para apresentar dados preliminares de uma
pesquisa participante inspirada nos pressupostos da pesquisa-ação. Envolve, portanto
a identificação de problemas reais e a proposição de ações para a sua resolução
através da participação dos sujeitos envolvidos. Este representa o seu ―objetivo prático‖
que é aliado a um ―objetivo de conhecimento‖ que se relaciona às informações e
conhecimentos sistematizadas neste processo (THIOLLENT, 1988).
345
As entrevistas realizadas destacam preocupações e questões importantes para o
aprimoramento do PSE no território e, conseqüentemente,
Para refletir...
das ações de EAN. São eles:
Como foram as experiências com os
 Dificuldade de mobilizar pais e responsáveis para que se pais e responsáveis este ano? Quais
envolvam e comprometam mais com os diversos as dificuldades e facilidades
encontradas?
aspectos ligados à saúde e educação de seus filhos,
Que atividades foram ou serão
 Falta de previsão de material adequado à realização das realizadas
relacionadas
a
atividades de educação e promoção da saúde na escola; avaliação/diagnóstico? Como serão
 Dificuldades
em
garantir
a
continuidade/ registradas e analisadas no local?
encaminhamento e o retorno de informação sobre atendimento em saúde;
 Inexistência de planejamento conjunto de ações educativas que envolvam a escola
e profissionais de saúde.
O debate acerca de dados preliminares desta pesquisa e sobre este problemas
foi debatido no GE com professores, outros profissionais da escola e das eSF.
Importante ressaltar que esta iniciativa da escola permitiu a identificação de um
espaço/ tempo privilegiado para dialogar sobre o PSE na escola. Pode-se considerar
este como um espaço fértil e promissor para o amadurecimento de questões
importantes sobre temáticas prioritárias e estratégias educativas a serem realizadas no
âmbito do PSE.
Nesta oportunidade, tais questões foram reforçadas como questões chave e o
planejamento, por ser questão mais abrangente, foi reafirmado como a questão central
para a pesquisa. Além disto, representa questão passível de intervenção mais local e
que, ao mesmo tempo, pode abarcar as outras.
Pesquisa Participante com a escola, ESF e equipe da alimentação escolar
Tema da ação: Planejamento Coletivo de Ações de Educação em Saúde na Escola
Problemática: falta de oportunidade para o planejamento coletivo das ações
Objetivo: Desencadear um processo de construção de ferramentais locais de planejamento coletivo para ações
de educação em saúde na escola.
Ação: Planejar de forma integrada as ações da Semana Mundial da Alimentação, registrando as ações
realizadas de modo que possam a ser avaliadas e servirem de base para o planejamento de ações de educação
em saúde na escola em 2013.
3. Planejamento Coletivo de Ações de Educação em Saúde na Escola
Segundo o Decreto nº 6.286 que cria o PSE o planejamento de suas ações
deverá considerar três aspectos: o contexto escolar e social; o diagnóstico local em
saúde do escolar; e a capacidade operativa em saúde do escolar. Esta forma de
planejamento prevê a construção cotidiana da intesetorialidade sem a qual não se
alcança os objetivos deste Programa. É necessária a construção de mecanismos de
gestão compartilhada em que haja compromisso dos dois setores, ficando clara tanto
as competências quanto as a responsabilidades de cada um nesta atuação no território
(BRASIL, 2011)84.
O território é considerado como o espaço da produção de vida e de saúde é:
―espaço geográfico, histórico, cultural, social e econômico que é construído
84
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Passo a passo
PSE: Programa Saúde na Escola : tecendo caminhos da intersetorialidade / Ministério da Saúde. Secretaria de
Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica, Ministério da Educação. – Brasília : Ministério da Saúde, 2011.
346
coletivamente e de forma dinâmica por uma série de sujeitos e instituições que aí se
localizam e circulam.‖ (BRASIL, 2009: 10)85
Pode-se destacar como passos para a construção da intersetorialidade:

Compreender a realidade local – reconhecer necessidade, principal problema, riscos à saúde, recursos disponíveis,
entre outros;

Identificar parceiros – os já envolvidos e os que precisam ser contatados;

Definir tarefas – cada um dos atores precisa compreender a importância das questões tratada e ter clareza do seu
papel;

Definir indicadores de acompanhamento – para que possam ser avaliados os impactos das ações propostas, bem
como a necessidades apontadas pelo Projeto Político Pedagógico da escola e do planejamento das eSF.
(BRASIL, 2009)
É fundamental à implantação plena do Programa o trabalho participativo com a
direção e dos professores. Outras ações estratégicas são a inclusão das ações de
promoção da saúde no projeto político pedagógico da escola e a relação próxima entre
os profissionais de educação e de saúde. ―Como medida facilitadora, deve-se estimular
o desenvolvimento de práticas metodológicas e atividades com estudantes, pais e
familiares em parceria com o corpo de professores da escola‖ (BRASIL, 2009: 18).
Escolha e desenvolvimento dos temas devem ser construções coletivas e
participativas, envolvendo e sendo enriquecidas pelas experiências e competências de
profissionais de saúde e de educação.
―As temáticas a serem trabalhadas pelo PSE devem ser debatidas em sala de aula pelos
professores, assessorados/orientados pelo pessoal da saúde ou diretamente por profissionais de
saúde previamente agendados e com o apoio dos professores. Essa preparação dos educandos
no cotidiano da escola pode implicar a participação desde o agendamento e organização das
atividades e/ou durante a realização delas.‖ (BRASIL, 2011: 13)
O desenvolvimento das ações deve estar pautado na construção compartilhada
do conhecimento e no diálogo. É essencial exercitar a capacidade de escuta que
valorize olhares, vivências, opiniões e os diversos contextos, compreendendo a
diversidade de papéis (BRASIL, 2009; BRASIL, 2011).
―Nas escolas, o trabalho de promoção da saúde com os educandos, e também com professores
e funcionários, precisa ter como ponto de partida ―o que eles sabem‖ e ―o que eles podem fazer‖.
É preciso desenvolver em cada um a capacidade de interpretar o cotidiano e atuar de modo a
incorporar atitudes e/ou comportamentos adequados para a melhoria da qualidade de vida.
Desse modo, profissionais de saúde e de educação devem assumir uma atitude permanente de
emponderamento dos princípios básicos de promoção da saúde por parte dos educandos,
professores e funcionários das escolas.‖ (Brasil, 2011: 6).
Reafirma-se assim a escola como espaço estratégico de
educação em saúde, apontando a necessidade de investir no
fortalecimento do poder local de avaliação e de
planejamento que parta da realidade concreta.
- Gato, qual o caminho
correto?
- Depende Alice, para onde
você quer ir?
- Não sei, estou perdida.
-Para quem não sabe onde
quer ir, então qualquer
Apêndice 14
Roteiro de Entrevista – Avaliação professores
85
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde na escola /
Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da
Saúde, 2009.
347
1. Você falou sobre as atividades da semana ou da pesquisa em sala de aula? Como foi?
2. Você identificou temas ou abordagens sobre alimentação e nutrição que se aproximam da sua
disciplina? Quais? De que forma e porque se aproximam? Você já havia pensado nestas
interfaces?
3. Para você, quais foram os pontos fortes da atividade realizada? E quais foram os pontos fracos?
Que sugestões você daria se estas atividades fossem ser repetidas em outro momento?
4. Você considera que atividades com esta semana são importantes? Porque?
5. Se estes debates sobre nutrição e saúde fossem mais integrados à rotina (se não fossem
eventos, fossem mais frequentes) escolar seria melhor, pior ou indiferente? Por quê?
6. Você gostaria e poderia participar de um seminário de avaliação na próxima sexta-feira? Por
quê?
Roteiro de Entrevista – Avaliação com equipe diretiva da escola
1. Você falou sobre as atividades da semana ou da pesquisa com funcionários da escola? Com
quem? Como foi?
2. Você identificou que os temas ou abordagens sobre alimentação e nutrição foram apropriados a
esta escola? Por que você acha isso?
3. Para você, quais foram os pontos fortes da atividade realizada? E quais foram os pontos fracos?
Que sugestões você daria se estas atividades fossem ser repetidas em outro momento?
4. Você considera que atividades com esta semana são importantes? Por quê?
5. Se estes debates sobre nutrição e saúde fossem mais integrados à rotina (se não fossem
eventos, fossem mais frequentes) escolar seria melhor, pior ou indiferente? Por quê?
6. Você gostaria e poderia participar de um seminário de avaliação na próxima sexta-feira? Por
quê?
Roteiro de Entrevista – Avaliação com funcionários da escola
1. Você foi informado (a) sobre as atividades da semana ou da pesquisa na escola? Por quem?
Como foi?
2. Você identificou que os temas ou abordagens sobre alimentação e nutrição foram apropriados a
esta escola? Por que você acha isso?
3. Para você, quais foram os pontos fortes da atividade realizada? E quais foram os pontos fracos?
Que sugestões você daria se estas atividades fossem ser repetidas em outro momento?
4. Você considera que atividades com esta semana são importantes? Por quê?
5. Se estes debates sobre nutrição e saúde fossem mais integrados à rotina (se não fossem
eventos, fossem mais frequentes) escolar seria melhor, pior ou indiferente? Por quê?
6. Você gostaria e poderia participar de um seminário de avaliação na próxima sexta-feira? Por
quê?
Apêndice 15
348
Você participou das atividades de Alimentação e Nutrição na Escola? Então avalie nossas
atividades!!!
Você participou de quantas atividades realizadas
( ) uma ou duas
sobre alimentação e nutrição realizadas com o grupo de
( ) duas ou três
pesquisa da UFRJ?
( ) quatro ou mais
Você participou de outra atividade sobre
( ) Não
alimentação e nutrição na escola este ano? Qual?
(
)
Qual?______________________________
Gostei das atividades?
Aprendi coisas novas?
A minha participação no grupo foi?
Quando eu tive dúvida alguém me ajudou?
Ajudei os outros participantes do grupo?
Vou aplicar na minha vida o que aprendi no
grupo?
Que conhecimentos e experiências mais te marcaram?
O que você não gostou nas atividades?
Quais as suas sugestões para futuras atividades na escola?
Deixe seu recado!!!!
Apêndice 16
Registro Fotográfico das Atividades
Sim
349
Segundo Encontro com Nutricionistas para Sistematização de Experiências
Atividade Educativa realizada pelas equipes de Saúde da Família na Escola (PSE)
350
Círculo de Cultura 1: hábitos alimentares e de atividade física
Atividade 3: Preenchimento de questionário
351
Atividade 4: Álbum seriado utilizado para devolução e problematização de dados da
pesquisa
Atividades de Culminância: Oficina Culinária
352
Atividades de Culminância: Oficina Culinária
Atividades de Culminância: Vídeo-debate sobre Agricultura Familiar e Urbana
353
Atividades de Culminância: Sarau de Poesias
Atividades de Culminância: Exposição de Fotografias