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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus de Rio Claro
A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA: UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA
DOS ASPECTOS RELEVANTES À DIDÁTICA DA ESTATÍSTICA
EM CURSOS DE GRADUAÇÃO
Celso Ribeiro Campos
Orientadora: Profa Dra Maria Lucia Lorenzetti Wodewotzki
Tese de doutorado elaborada junto ao Programa de PósGraduação em Educação Matemática, Área de Concentração
em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus
Fundamentos Filosófico-Científicos, para a obtenção do
Título de Doutor em Educação Matemática.
Rio Claro (SP)
2007
310
C198e
Campos, Celso Ribeiro
A educação estatística: uma investigação acerca dos
aspectos relevantes à didática da estatística em cursos de
graduação / Celso Ribeiro Campos. -- Rio Claro : [s.n.], 2007
242 f. : il., figs., gráfs., tabs.
Tese (doutorado). – Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Orientador: Maria Lucia Lorenzetti Wodewotzli
1. Estatística. 2. Educação - Estatística. 3. Modelagem.
4. Matemática. 5. Educação crítica. I. Título,
Ficha Catalográfica elaborada pela STATI – Biblioteca da UNESP
Campus de Rio Claro/SP
Comissão Examinadora
________________________________________________
Profa Dra Maria Lucia Lorenzetti Wodewotzki (Orientadora)
________________________________________________
Profa Dra Sandra Maria Pinto Magina
________________________________________________
Profa Dra Cileda de Queiroz e Silva Coutinho
________________________________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Simões Pião
________________________________________________
Prof. Dr. Otávio Roberto Jacobini
________________________________________________
Aluno: Celso Ribeiro Campos
Rio Claro, 28 de novembro de 2007
Resultado: ___________________________________________________
À minha mãe Neyde Ribeiro Campos. Não tenho
palavras para expressar o quão grande é o amor e
o respeito que sinto, só não são maiores do que a
falta que ela faz. (in memorian)
AGRADECIMENTOS
À professora Maria Lucia, pela orientação, apoio, compreensão, paciência, prontidão e
por ter acreditado no projeto e em mim.
Aos professores membros da banca avaliadora, pelos conselhos e sugestões.
Aos colegas do GPEE, Otávio, Bete, Miriam, Denise e Luzia, por toda ajuda e apoio
que sempre me deram.
Aos professores do programa de pós-graduação em Educação Matemática da UNESP de
Rio Claro, todos competentes educadores e referências como pesquisadores na área
pedagógica.
Aos colegas do programa, parceiros nessa jornada, sempre incentivando e ajudando a
todos com muita competência.
Aos funcionários do IGCE, sempre prontos a atender as dúvidas e as solicitações que a
todo tempo apresentamos.
Aos meus queridos alunos, que sempre foram a fonte de inspiração que alimentou
minha verve pedagógica e em especial agradeço àqueles que em muito se empenharam
nos projetos apresentados neste trabalho e cuja contribuição foi inestimável para o
sucesso desta pesquisa.
À minha noiva Adriana, mo anam cara, pela ajuda, compreensão, apoio, paciência e por
estar sempre presente a meu lado nos bons e maus momentos.
Ao Renato, pela participação no projeto e pela ajuda na revisão.
À minha família, pelo incentivo que sempre me deram para continuar o caminho de
estudos e pesquisa.
A todos os meus amigos e demais pessoas que torceram por mim e que de alguma
forma contribuíram para o cumprimento dessa jornada.
A Deus, maranata!
“Nunca desafie um sonhador... o sonho sempre vence o ceticismo” (Sérgio Dantino).
SUMÁRIO
Índice................................................................................................................................i
Índice de Tabelas..............................................................................................................v
Índice de Gráficos............................................................................................................vi
Índice de Figuras..............................................................................................................vi
Resumo...........................................................................................................................vii
Abstract..........................................................................................................................viii
Introdução........................................................................................................................1
Capítulo 1- Metodologia.................................................................................................12
Capítulo 2- Fundamentos Teóricos da Educação Estatística..........................................34
Capítulo 3- A Modelagem Matemática...........................................................................64
Capítulo 4- A Pedagogia Crítica, a Educação Crítica e a Matemática Crítica................76
Capítulo 5- Projeto 1: A Estatística e o Mercado de Capitais.......................................112
Capítulo 6- Projeto 2: O Teste do Qui-Quadrado..........................................................168
Conclusão......................................................................................................................193
Bibliografia....................................................................................................................207
Anexos...........................................................................................................................215
ÍNDICE
Introdução........................................................................................................................1
Problemática..........................................................................................................2
Justificativa – Relevância......................................................................................5
Estruturação...........................................................................................................7
Capítulo 1- Metodologia................................................................................................12
1.1- Nossa pesquisa é qualitativa.........................................................................12
1.2- Estatística x Pesquisa Qualitativa.................................................................14
1.3- Os Dados......................................................................................................15
1.4- A Teoria........................................................................................................17
1.5- A Prática.......................................................................................................21
1.6- A Validação..................................................................................................22
1.7- Professor-pesquisador ou pesquisador-professor?.......................................23
1.7.1- Dialética da teoria educacional com a prática docente..................26
1.7.2- Nosso posicionamento nesta pesquisa...........................................31
Capítulo 2- Fundamentos Teóricos da Educação Estatística....................................34
2.1- A Literacia Estatística..................................................................................35
2.2- O Pensamento Estatístico.............................................................................39
2.3- O Raciocínio Estatístico...............................................................................42
2.4- Raciocínio + Pensamento + Literacia...........................................................49
2.5- Raciocínio Estatístico x Raciocínio Matemático..........................................56
2.6- Metas e recomendações para o ensino de Estatística...................................61
Capítulo 3- A Modelagem Matemática........................................................................64
3.1- O que é a modelagem matemática................................................................65
3.2- As etapas do processo de modelagem..........................................................67
3.3- A modelagem e o ensino de Matemática......................................................68
3.4- A modelagem matemática e esta pesquisa...................................................71
Capítulo 4- A Pedagogia Crítica, a Educação Crítica e a Matemática Crítica........76
4.1- O trabalho de Paulo Freire............................................................................77
4.1.1- A Educação....................................................................................78
4.1.2- Educação Bancária e Educação Problematizadora........................79
4.1.3- O diálogo.......................................................................................81
4.1.4- Reflexão e conscientização............................................................82
4.2- A Pedagogia Crítica de Henry Giroux..........................................................84
4.2.1- A Educação social em sala de aula................................................85
4.2.2- Esferas públicas democráticas.......................................................86
4.2.3- Intelectuais transformadores..........................................................87
4.2.4- Objetivos........................................................................................90
4.2.5- A Sala de Aula – Procedimentos...................................................92
4.3- A Educação Crítica segundo Ole Skovsmose..............................................95
4.3.1- A Educação Matemática e a Educação Crítica..............................96
4.3.2- A Democracia................................................................................99
4.3.3- O Conhecimento Reflexivo.........................................................101
4.3.4- O diálogo e a matemacia..............................................................102
4.4- A Educação Crítica e a Educação Estatística.............................................104
4.5- A Educação Estatística Crítica...................................................................107
Capítulo 5- Projeto 1: A Estatística e o Mercado de Capitais.................................112
5.1- Introdução...................................................................................................112
5.2- Projeto 1: A Estatística, o Mercado de Capitais e a Responsabilidade
Social.................................................................................................................113
5.2.1- Revisão teórica.............................................................................115
5.2.1.1- Análise de risco-retorno................................................116
5.2.1.2- Exemplo 1.....................................................................118
5.2.1.3- O Coeficiente β.............................................................121
5.2.1.4- Regressão Econométrica...............................................123
5.2.1.5- Exemplo 2.....................................................................124
5.2.1.6- Séries Temporais...........................................................126
5.2.2- Operacionalização........................................................................132
5.2.2.1- Etapa 1..........................................................................133
5.2.2.2- Etapa 2..........................................................................134
5.2.2.3- Etapa 3..........................................................................134
5.2.2.4- Etapa 4..........................................................................135
5.2.2.5- Etapa 5..........................................................................136
5.2.3- Execução e Análise......................................................................136
5.2.3.1- Etapa 1..........................................................................137
5.2.3.2- Etapa 2..........................................................................140
5.2.3.3- Etapa 3..........................................................................144
5.2.3.4- Etapa 4..........................................................................146
5.2.3.5- Análise (I)…………………………………………….156
5.2.3.6- Etapa 5..........................................................................158
5.2.3.7- Análise (II)……….…………………………………...164
Capítulo 6- Projeto 2: O Teste do Qui-Quadrado…..………………………..........168
6.1- Introdução...................................................................................................168
6.2- Revisão Teórica..........................................................................................169
6.2.1- Os Testes de Significância...........................................................171
6.2.2- Teste de Qui-Quadrado para Independência ou Associação.......173
6.2.3- Exemplo.......................................................................................174
6.3- Operacionalização......................................................................................176
6.4- Execução.....................................................................................................177
6.4.1- Etapa 1.........................................................................................177
6.4.2- Etapa 2.........................................................................................179
6.4.3- Etapa 3.........................................................................................181
6.4.4- Análise.........................................................................................184
6.4.4.1- As Capacidades.............................................................185
6.4.4.1.1- Desenvolvemos a literacia?............................186
6.4.4.1.2- Desenvolvemos o pensamento?.....................187
6.4.4.1.3- Desenvolvemos o raciocínio?........................188
6.4.4.2- A Estatística Crítica......................................................190
Conclusão.....................................................................................................................193
Questões Centrais..............................................................................................194
Síntese das análises............................................................................................200
Considerações finais..........................................................................................203
Bibliografia...................................................................................................................207
Anexos...........................................................................................................................215
Anexo 1: Relatório.............................................................................................215
Anexo 2: Petrobrás PN......................................................................................222
Anexo 3: Resumo do filme: O Jardineiro Fiel...................................................227
Anexo 4: The Constant Gardener......................................................................229
Anexo 5: Voto nulo e antiinflamatório..............................................................232
Anexo 6: Robôs e o Mercado de Capitais..........................................................234
Anexo 7: Menina de Ouro.................................................................................239
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 2.1: Os objetivos das atividades podem distinguir as três capacidades...............55
Tabela 5.1- Preços de fechamento e retornos observados de Vale do Rio Doce PN na
BOVESPA.....................................................................................................................119
Tabela 5.2 – Formas funcionais convencionais.............................................................123
Tabela 5.3 – Empresas selecionadas na Etapa 1 do projeto..........................................138
Tabela 5.4 – Critérios para compra e venda de ações do Grupo VI..............................153
Tabela 6.1 – Freqüências observadas e esperadas de k eventos....................................170
Tabela 6.2 – Distribuição de χ 2 com υ graus de liberdade.........................................173
Tabela 6.3- Níveis de renda × municípios.....................................................................175
Tabela 6.4- Freqüências esperadas................................................................................175
Tabela 6.5 – Temas e variáveis associadas....................................................................178
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 5.1- Assimetria positiva....................................................................................121
Gráfico 5.2- Valor de Fechamento das ações Petrobrás PN, código PETR4, na
BOVESPA, entre 21/10/2004 e 20/10/2005..................................................................127
Gráfico 5.3- Ativo Petrobrás PN (PETR4) regularizado com média móvel de 20
dias.................................................................................................................................128
Gráfico 5.4- Ativo Petrobrás PN (PETR4) regularizado com média móvel de 60
dias.................................................................................................................................128
Gráfico 5.5- Linha de tendência e respectiva equação para a série histórica do preço de
fechamento do ativo PETR4 na BOVESPA entre 21/10/2004 e 20/10/2005................129
Gráfico 5.6- Linha de tendência sobre média móvel de 20 dias do ativo PETR4.........130
Gráfico 5.7- Linha de tendência sobre média móvel de 60 dias do ativo PETR4.........130
Gráfico 5.8: Sobreposição das médias móveis tamanho 20 e 60 da série histórica de
dados do ativo PETR4...................................................................................................131
Gráfico 5.9 – Ativo Bradesco PN, 29/06 a 01/08/2006, Grupo V.................................152
Gráfico 6.1 – Curva característica da distribuição de qui-quadrado.............................172
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 2.1- Domínios independentes, com alguma interseção........................................50
Figura 2.2- Raciocínio e Pensamento contidos na Literacia...........................................50
Figura 2.3- O conjunto universo da Estatística contém elementos que não desenvolvem
aspecto algum das três capacidades.................................................................................51
Figura 3.1 – Esquema simplificado do processo de modelagem.....................................68
Figura 4.1- Diálogo segundo Freire.................................................................................81
Figura 7.1- Esquematização da Educação Estatística Crítica........................................203
RESUMO
Este trabalho tem dois objetivos principais:
a) o estudo teórico sobre os fundamentos da didática da Educação Estatística e sua
integração com a Educação Crítica e com a Modelagem Matemática;
b) a aplicação dessa integração no microcosmo da sala de aula, com o
desenvolvimento e a execução de projetos pedagógicos voltados para esse fim.
No levantamento dos fundamentos teóricos da didática da Estatística,
pesquisamos os principais autores que publicaram pesquisas recentes sobre o assunto e
observamos que eles defendem que o planejamento da instrução deve possibilitar o
desenvolvimento de três importantes competências, quais sejam a literacia, o raciocínio
e o pensamento estatístico, sem as quais não seria possível realizar o
ensino/aprendizagem dessa disciplina com sucesso.
A Modelagem Matemática e o trabalho com projetos servem, nesta pesquisa,
como estratégia pedagógica utilizada para conceber os projetos de ensino que buscam
construir e desenvolver as capacidades já listadas.
A Educação Crítica se faz presente nos projetos com a problematização e a
tematização do ensino, o trabalho com dados reais, contextualizados, o estímulo ao
debate e ao diálogo, a desierarquização e a democratização do ambiente pedagógico da
sala de aula, o incentivo à capacidade crítica dos alunos, a valorização do conhecimento
reflexivo e a preparação do estudante para interpretar o mundo, praticar o discurso da
responsabilidade social e a linguagem crítica, incentivando a liberdade individual, a
ética e a justiça social.
Conjugando essas três idéias, emerge neste trabalho a concepção de Educação
Estatística Crítica, que se mostra presente nos dois projetos aqui apresentados.
Palavras-chave: Educação Estatística; Modelagem Matemática; Educação Crítica.
ABSTRACT
The main goals of this thesis are:
a) the theoretical study of the Statistic Education’s didactical basis and its
integration with the Critical Education and the Mathematical Modeling;
b) the application of this integration in the classroom, with the development and the
execution of pedagogical projects toward this end.
In the research of the theoretical basis of the Statistic’s didactic, we search the
main authors who had published recently researches about this subject and we observe
that they indorse that the instruction planning must be able to develop three important
capacities, which are: the literacy, the reasoning and the statistical thinking. Otherwise,
it would not be possible to carry through successfully the education and learning of this
discipline.
The Mathematical Modeling and the work with projects are used, in this
research, as a pedagogical strategy to create the education projects looking for build up
the capacities already mentioned.
The Critical Education is present in the projects with the problematization and
the thematization, the real data manipulation, contextualized, the discussion stimulation,
the non-hierarchyzation, the democratic values acquired
in the pedagogical
environment of the classroom, the capacity stimulation of the students to be critical, the
reflexive knowledge valuation and the student preparation to explain the world, the
practicing speech of the social responsibility and the critical language, stimulating the
individual freedom, the ethics and social justice.
Putting together these ideas, the Critical Statistics Education’s concept appears
in this thesis in two projects, presented here.
Key-words: Statistics Education; Mathematical Modeling; Critical Education
Introdução
A Educação Matemática vem se desenvolvendo bastante nas últimas décadas,
inclusive no Brasil onde recentemente o IGCE (Instituto de Geociências e Ciências
Exatas) da UNESP (Universidade Estadual Paulista) comemorou os 20 anos do
Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática. Também merecem destaque o
programa de Mestrado em Educação da Matemática desenvolvido na PUC-SP1 a partir
de 1994 (que atualmente já inclui o nível de doutorado, além do mestrado profissional),
a Seção de Educação Matemática da Pós-Graduação da UNICAMP2 , iniciada também
em 1994 nos níveis de mestrado e doutorado, além da inserção da Didática da
Matemática como área de concentração em programas de Pós-Graduação de outras
instituições. Tal desenvolvimento leva os pesquisadores a avançar cada vez mais na
investigação dos aspectos didáticos, pedagógicos, epistemológicos, filosóficos e
científicos dos diversos conteúdos matemáticos em seus mais variados níveis de ensino.
Nesse contexto, a Educação Estatística aparece como objeto de análise em
diversos centros de pesquisa no mundo, notadamente na Europa e na América do Norte,
onde se destacam o IASE3 (International Association for Statistical Education) e a
ASA4 (American Statistics Association).
Um marco importante para a história da Educação Estatística ocorreu em
1948, quando o ISI (International Statistical Institute) estabeleceu o Statistical
Education Commitee, que em 1991 se tornou o IASE. Essa associação tem por
objetivos:
1. promover o entendimento e o avanço da Educação Estatística e de seus assuntos
correlacionados;
2. fomentar o desenvolvimento de serviços educacionais efetivos e eficientes por
meio de contatos internacionais entre indivíduos e organizações, incluindo
educadores estatísticos e instituições educacionais.
1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Universidade Estadual de Campinas, SP.
3
O endereço eletrônico do IASE na internet é: www.stat.auckland.ac.nz/~iase
4
O endereço eletrônico da ASA na internet é: www.amstat.org
2
A ASA configura-se como uma organização científica e educacional, que visa
a promover as práticas, aplicações e pesquisas estatísticas, bem como aperfeiçoar a
Educação Estatística.
Várias publicações são disponibilizadas por essas instituições internacionais,
tais como Newsletters, Journals, Papers etc. Em língua portuguesa, tanto no Brasil
quanto em Portugal, algumas teses e dissertações têm sido escritas sobre esse tema, bem
como vários artigos já foram publicados pelos estudiosos da área. Cazorla (2006)
apresenta em seu trabalho um valioso levantamento sobre as pesquisas em Educação
Estatística no Brasil.
Com o objetivo de incentivar as pesquisas na UNESP, foi constituído no ano
de 2004 no campus de Rio ClarO, o Grupo de Pesquisa em Educação Estatística
(GPEE), do qual fazemos parte. Este grupo reúne alguns alunos, ex-alunos e professores
do programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, interessados em aprofundar
as investigações sobre os aspectos mais relevantes relacionados com o ensino e a
aprendizagem de Estatística, levantando as principais publicações mundiais sobre o
tema e também produzindo material próprio para pesquisa.
Como professores de Estatística em cursos de Graduação, procuramos levar
nossa experiência profissional e acadêmica para as reuniões do grupo para, juntamente
com os levantamentos bibliográficos, enriquecermos os debates e traçarmos as linhas de
pesquisa para realizarmos nosso objetivo de produzir um material de referência sobre o
assunto em pauta.
Dessa forma, este trabalho se apresenta como resultado da produção gerada
nesse ambiente acadêmico, essencialmente nascido dos debates e troca de idéias e
experiências entre os membros do GPEE, bem como em todo o IGCE.
Nosso interesse em relação à Educação Estatística surge na medida em que,
trabalhando há alguns anos como professores dessa disciplina em cursos de graduação,
de maneira recorrente nos perguntamos se estamos valorizando os aspectos mais
importantes da disciplina, se o fazemos de forma didaticamente significativa e por que
os índices de reprovação e de insatisfação com a matéria se mantêm em níveis elevados.
•
Problemática
Cordani (2001) afirma que:
O que se assiste, em grande parte dos cursos universitários, é uma
aversão generalizada dos alunos pela disciplina de Estatística,
geralmente oferecida nos primeiros semestres da graduação, e que
apresenta um alto índice de reprovação (pp. 19-20).
Ao pensarmos sobre o ensino de Estatística nos diversos cursos de graduação,
inicialmente nos indagamos quais seriam as maiores dificuldades dos estudantes em
aprender seus principais conceitos. Entretanto, esse tipo de indagação se apresenta como
demasiado superficial e ingênuo, visto que a apreensão dos conceitos por parte dos
alunos se configura como elo final da cadeia da educação e a questão deve ter sua
análise inicial focada no aspecto global do processo ensino/aprendizagem e não apenas
em seu resultado. Dessa forma, apresentamos a seguir algumas questões que nos
parecem mais relevantes para iniciar nosso trabalho de pesquisa:
•
Qual a ênfase, qual o foco dos programas de Estatística dos cursos de
graduação?
•
Os professores valorizam os aspectos técnicos e operacionais da disciplina?
•
Há preocupação em desenvolver capacidades no ensino da Estatística?
•
Que tipo de capacidade pode ser desenvolvida ou quais capacidades são
relevantes ao trabalho com Estatística?
Com base num levantamento bibliográfico preliminar que fizemos,
encontramos diversos aspectos relacionados à Educação Estatística que se apresentam
como fundamentais para nortear nossa investigação.
Esses aspectos dizem respeito aos métodos de ensino de Estatística e aos seus
objetivos, ou seja, se preocupam em debater O QUE ensinar e COMO ensinar, com base
em METAS a serem atingidas pelos alunos.
São essencialmente esses pontos que pretendemos investir neste trabalho, com
base nas seguintes questões centrais:
•
Quais são os principais aspectos que norteiam a Educação Estatística e que
podem servir de base para uma definição dos Fundamentos Teóricos da Didática
da Estatística?
•
É possível trabalhar esses aspectos em consonância com a estratégia pedagógica
da Modelagem Matemática, promovendo atividades educacionais na forma de
projetos de ensino?
•
Os preceitos da Educação Crítica e da Educação Matemática Crítica podem ser
ligados aos Fundamentos Teóricos da Didática da Estatística na composição
desses projetos pedagógicos?
Para responder à primeira questão, faremos uma extensa pesquisa bibliográfica
que englobará dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos em periódicos
especializados, anais de congressos internacionais de educação, além de livros editados
sobre o tema. Com esse levantamento, organizaremos um quadro teórico dos aspectos
mais relevantes à Didática da Estatística, visando a:
a) fornecer embasamento teórico às pesquisas em ensino da Estatística;
b) melhorar o entendimento das dificuldades dos estudantes;
c) estabelecer parâmetros para um ensino mais eficiente dessa disciplina;
d) auxiliar o trabalho do professor na construção de suas aulas;
e) sugerir metodologias de avaliação diferenciadas, centradas em METAS
estabelecidas e em COMPETÊNCIAS a serem desenvolvidas.
Nosso trabalho tem, então, dois focos principais:
1. o estudo teórico sobre os fundamentos da didática da Educação Estatística e
sua integração com os princípios da Educação Matemática Crítica e com a
estratégia pedagógica da Modelagem Matemática;
2. a aplicação dessa integração no microcosmo da sala de aula, com o
desenvolvimento e a execução de projetos pedagógicos voltados para esse
fim.
Assim, com base na fundamentação teórica levantada por ocasião da primeira
questão, pretendemos apresentar nesta pesquisa algumas sugestões úteis para o trabalho
em sala de aula, na forma de projetos de ensino. De maneira geral, essa parte prática
terá sido aplicada efetivamente no dia-a-dia da sala de aula, de forma a não divagar
sobre situações ideais, inatingíveis, que se configurem como fora da realidade da vida
escolar comum da maioria dos professores das universidades brasileiras. Entendemos
que, dessa maneira, conjugando a teoria e a prática, estaremos, com este trabalho,
mostrando as potencialidades da utilização dos conceitos da Educação Estatística no
enfrentamento das dificuldades do ensino de Estatística em cursos de graduação.
•
Justificativa - Relevância
A Estatística apresenta-se como disciplina obrigatória nos diversos campos de
formação acadêmica, nas Áreas de Ciências Exatas, Humanas e Biológicas. Seria
redundante discorrer sobre a importância da Estatística nos cursos de Exatas, mas
ressaltamos que sua relevância se mostra não menos destacada nas áreas de Ciências
Sociais e também nas Biomédicas e de Saúde. Cursos como Economia e Administração
de Empresas têm na Estatística uma importante ferramenta para estudo e análise dos
diversos fenômenos de interesse geral e específico da formação profissional. Vemos
hoje, nos cursos de graduação, disciplinas como Estatística aplicada à Educação,
Estatística Econômica, Bioestatística etc., demonstrando a disseminação dessa
disciplina pelas mais variadas áreas de formação acadêmica e profissional.
Os pesquisadores, de um modo geral, aplicam os princípios da Estatística para
fundamentar suas hipóteses e a metodologia quantitativa serve como base para trabalhos
de investigação nas mais diversas áreas de conhecimento. Segundo Cordani (2001),
fazer ciência representa seguir um conjunto de procedimentos aos quais a Estatística
está sempre atrelada.
Batanero (2001) destaca que:
A relação entre o desenvolvimento de um país e o grau em que seu
sistema estatístico produz estatísticas completas e confiáveis é clara,
porque esta informação é necessária para a tomada de decisões
acertadas do tipo econômico, social e político. A educação estatística,
não só dos técnicos que produzem essas estatísticas, mas dos
profissionais e cidadãos que devem interpretá-las e tomar por sua vez
decisões baseadas nessas informações, assim como dos que devem
colaborar na obtenção dos dados requeridos, é, portanto, um motor de
desenvolvimento (p. 3).
A Estatística está presente na vida do homem desde a antiguidade, quando se
fazia uso de levantamentos do tipo censo. Apesar disso, a Estatística como ciência pode
ser considerada recente na medida em que suas primeiras teorias formalizadas
emergiram no século XIX. Desde então sua importância só vem crescendo mediante
suas variadas aplicações, principalmente no campo experimental. Segundo Sousa
(2002):
Os resultados obtidos com a aplicação dos métodos estatísticos na
resolução de problemas dos diversos domínios do conhecimento,
aliados à evolução tecnológica dos últimos anos, fizeram com que os
conhecimentos estatísticos se tornassem indispensáveis em todos os
domínios (pp. 24-25).
Batanero (2001) ainda afirma que “é indiscutível que o século XX foi o século
da Estatística, que passou a considerá-la uma das ciências metodológicas fundamentais
e base do método científico experimental” (p.7).
Mas a Estatística não se resume à ciência ou à pesquisa. Ela está em nossa
sociedade, na política, no esporte, nos meios de comunicação, nas loterias, no lazer e
também na educação.
Diante dessa crescente utilização, entendemos ser importante exercer uma
reflexão sobre os aspectos relacionados à disciplina Estatística, principalmente na
graduação, nos chamados cursos introdutórios e nas disciplinas aplicadas. Para tanto,
nos voltamos à Educação Estatística, que é essencialmente o objeto de estudo deste
trabalho. Em nossa pesquisa bibliográfica, encontramos no Brasil poucas publicações
relevantes sobre seus fundamentos, evidenciando ser esta uma área pouco explorada no
âmbito educacional em nosso país. Entretanto, o mesmo não se pode dizer em relação
aos grandes centros da Europa e da América do Norte, que já produzem muita pesquisa
nessa área, procurando desvendar as dificuldades e os percalços do ensino dessa
disciplina, que mesmo nessas regiões apresentam problemas e dificuldades em lograr
sucesso.
Sánches-Cobo (1996) e Ortiz de Haro (1999) revelam, por exemplo, que a
investigação didática está começando a mostrar como alguns erros conceituais e uma
pedagogia inadequada se transmitem com uma freqüência muito grande nos livros
didáticos de Estatística. Neste trabalho, o segundo projeto, que apresentaremos no
capítulo 6, foi concebido com base em uma apresentação que consideramos inadequada,
de um conceito em um livro texto de Estatística largamente utilizado no ensino superior.
Um indicador importante sobre a relevância da investigação em Educação
Estatística é a variedade de publicações periódicas que encontramos em nossa pesquisa
bibliográfica, tais como Teaching Statistics (Inglaterra), Journal of Statistical Education
(Estados Unidos) e o Statistics Education Research Journal, publicado pelo IASE. Essa
associação promove a cada quatro anos o ICOTS5, cuja 7a edição, em julho de 2006, foi
sediada na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Esse evento tende a incentivar a
comunidade acadêmica a produzir mais trabalhos de investigação, inserindo o Brasil
entre os países que se configuram como referência no estudo e na divulgação da
Educação Estatística.
•
5
Estruturação
International Conference on Teaching Statistics,
Nossa pesquisa é organizada em três partes principais, detalhadas a seguir.
a) Primeira Parte
Essa primeira parte é essencialmente teórica. Ela é basicamente composta por
quatro capítulos específicos.
No primeiro capítulo, apresentamos os aspectos metodológicos desta pesquisa,
ou seja, fazemos a exposição dos aspectos ideológicos que estruturam e compõem o
pano de fundo da visão de educação, de conhecimento e de pesquisa em que
acreditamos e que defendemos. Apesar de a Estatística ser uma das principais ciências
estruturadoras das pesquisas quantitativas, mostramos que nosso trabalho, centrado na
Educação Estatística, está inserido nos pressupostos caracterizados pelas pesquisas
denominadas qualitativas.
Posteriormente, no segundo capítulo, enveredamos nossa pesquisa sobre os
fundamentos teóricos da Educação Estatística. Nosso objetivo aqui é organizar os
aspectos teóricos mais relevantes, publicados nas edições dos principais periódicos
voltados ao ensino da Estatística, em especial os europeus e os norte-americanos.
Enfatizamos as contribuições dos seguintes autores, entre outros: Carmen Batanero
(Espanha), Gary Smith, Deborah Rumsey, Joan Garfield, Robert delMas, Beth Chance
(Estados Unidos), Iddo Gal (Israel), Maxine Pfannkuch e Chris Wild (Nova Zelândia).
No terceiro capítulo nós apresentamos as idéias da Educação Matemática que
conjugam objetivos com a Educação Estatística e que norteiam também a elaboração
das atividades práticas aqui propostas. O principal foco dessa seção é a Modelagem
Matemática e os autores que nos servem de referência são, principalmente, Rodney
Bassanezi, Ubiratan D’Ambrosio, Nelson Hein e Maria Salett Biembengut, entre outros.
Finalizando essa parte, no quarto capítulo nós fazemos uma pesquisa sobre a
Educação Crítica e suas conseqüências para o ensino da Matemática (em geral) e da
Estatística (em particular). Nessa seção, apresentamos a idéia de Educação Estatística
Crítica, que fundamentou o planejamento dos projetos pedagógicos que apresentamos
na segunda parte desta investigação. Os autores que nos servem de referência são,
principalmente, Paulo Freire, Henry Giroux e Ole Skovsmose, entre outros.
b) Segunda Parte
Essa é a parte prática, na qual focamos a sala de aula e apresentamos dois
projetos de ensino que criamos com o objetivo de trabalhar as principais competências
estatísticas investigadas na parte anterior. Esses projetos, apresentados nos capítulos
cinco e seis, foram elaborados com base nos princípios da Modelagem Matemática e
procuraram ir ao encontro dos objetivos de ensino traçados pela Educação Crítica.
Na linha do aprender Estatística fazendo Estatística, apresentamos então
nossas idéias de projetos de pesquisa que podem ser realizados pelos estudantes nos
cursos de graduação. Ambos os projetos que apresentamos nessa parte foram
desenvolvidos em situações reais de ensino em sala de aula, ao longo do ano de 2006.
Esses projetos trabalham uma Estatística voltada para o concreto, para a
prática, para assuntos da vida cotidiana dos estudantes e dão suporte para debates e
discussões acerca de temas políticos, sociais e econômicos relevantes para a sociedade
em que vivemos, além de abordarem as competências estatísticas que desejamos
fomentar nos aprendentes. A concepção desse trabalho com projetos é concordante com
a definição dada por Jacobini (2004):
[...] uma forma pedagógica de trabalho em que um programa de
estudo é desenvolvido a partir da organização e do desenvolvimento
curricular, com a explícita intenção de transformar o aluno de objeto
em sujeito e baseada na concepção de que a educação é um processo
de vida e não apenas uma preparação para o futuro ou uma forma de
transmissão da cultura e do conhecimento (pp. 51-52).
A pedagogia de projetos conjuga-se com os princípios da Modelagem
Matemática, na medida em que esta se ocupa de transformar problemas reais em
linguagem matemática para solucioná-los dentro de um contexto no qual os
conhecimentos são construídos e/ou reconstruídos à medida em que surgem as
necessidades de aplicá-los no entendimento/interpretação das situações enfrentadas.
A Educação Crítica se mostra presente nos objetivos desses projetos, em
situações que trabalham o conhecimento reflexivo e que propõem discussões sobre
problemas sociais relevantes, estimulando os alunos a debaterem os aspectos políticos
ligados à realidade sócio-econômica em que se vive em nosso país.
Os projetos apresentados nessa parte foram criados e discutidos no âmbito do
GPEE e alguns foram apresentados em artigos que escrevemos para apresentação em
congressos, como o CAREM6 (Conferencia Argentina de Educación Matemática) e o
CIBEM7 (Congresso Ibero-Americano de Educação Matemática) . Eles foram
concebidos com o intuito de levar o aluno à reflexão e incentivá-lo a promover análises
e interpretações num ambiente de Estatística aplicada a diversas áreas, como a
Economia, a Administração e outras.
c) Terceira Parte
No último capítulo, faremos a exposição de nossas conclusões sobre o objeto
desta pesquisa, analisando as possíveis respostas às questões centrais levantadas nesta
introdução.
Destacaremos a preocupação em desenvolver um trabalho centrado no aluno,
com base em situações concretas, de cunho significativo para ele, privilegiando a
investigação, discussão e análise crítica da realidade, que se contrapõe ao que
Skovsmose (2000) chama de paradigma do exercício, no caso da Matemática, no qual
“o professor apresenta as idéias e técnicas matemáticas e depois os alunos trabalham os
exercícios” (p.67).
Segundo nossa visão, o trabalho pedagógico cunhado numa Educação Crítica
mostra convergência com os objetivos de uma sociedade democrática e traz para o
processo de ensino/aprendizagem uma fundamentação independente e original, que
valoriza o aspecto humano e conduz a sala de aula para uma dimensão mais abrangente
de discussão de idéias, na medida em que debate temas relacionados aos conceitos de
liberdade, igualdade, respeito e justiça social.
6
7
Sediado em Buenos Aires, Argentina, em outubro de 2004.
Sediado em Porto, Portugal, em julho de 2005.
Argumentaremos que os projetos apresentados se conjugam também com a
idéia de Smith (1998), que afirma que uma forma de desenvolver as competências
estatísticas nos alunos é incorporar estratégias de aprendizagem ativa que permitem aos
alunos aplicar os conhecimentos adquiridos em situações nas quais eles realmente
precisem fazer Estatística.
Pretendemos analisar os resultados decorrentes do desenvolvimento das
estratégias pedagógicas aqui descritas, mostrando que o trabalho com um conteúdo
programático com base em temas, situações-problema ou projetos escolhidos pelos
grupos de alunos ou trazidos pelos professores para a sala de aula, mas sempre
relacionados com uma situação real, cotidiana ou de interesse profissional, reflete
diretamente na motivação, interesse e compromisso manifestados pelos aprendentes8.
Fazendo uma análise global da problemática aqui exposta, objetivamos
mostrar que teoria e prática em Educação Estatística são partes do mesmo todo e que
não podem ser dissociadas, sob o risco de se perder a melhor significação de Educação
ou de Estatística.
8
Usamos neste trabalho o termo aprendente para fazer referência ao aluno em um processo de
aprendizagem e que aprende num sentido dinâmico, participativo, co-autor de sua educação.
Cap. 1 – Metodologia
De maneira geral, as pesquisas investigam o homem e/ou o mundo em que ele
vive. Todo esforço de pesquisa, de alguma forma, visa a transformar esse mundo e/ou a
explicá-lo criando objetos, concepções, idéias, enfim, conhecimentos. Isso vem sendo
feito desde há muito tempo, numa escala secular, remontando às origens da filosofia.
Num momento mais recente dessa história, estabeleceu-se a idéia de paradigma de
pesquisa, que norteia a definição e a formulação do problema a ser pesquisado e ainda
implica na abordagem que o pesquisador faz a esse problema. As concepções que o
pesquisador tem de ciência, de pesquisa e de conhecimento devem ser concordantes
com o modelo de investigação que ele adota, interferindo diretamente no processo e no
produto de seu trabalho.
1.1 – Nossa pesquisa é qualitativa
O tipo de investigação que pretendemos fazer neste trabalho não tem por base
as observações empíricas, nem pretende explicar fatos por meio de leis e teoremas,
tampouco pretende fazer previsões (no sentido estatístico). Nosso estudo é centrado na
análise de fenômenos humanos e sociais ligados à educação, procurando as
significações dos fatos dentro do contexto em que eles ocorrem. Não pretendemos
reduzir os fatos sociais a coisas regidas e estruturadas por leis naturais, mas sim
valorizar a consciência, considerando o sujeito pensante como uma fonte mais
importante do que o objeto pensado.
Nossa problemática de pesquisa não se baseia em uma hipótese designada a
priori ou a variáveis susceptíveis de avaliação por uma teoria pré-concebida. O
problema que nos propomos a investigar decorre de um processo indutivo e se define à
medida que o exploramos em seu contexto natural (social). Entendemos nosso problema
como um obstáculo que assim é percebido pelos sujeitos envolvidos na pesquisa. Esse
obstáculo merece, de nossa parte, uma análise global, assistemática, orientada e
reorientada mediante a imersão que nós, pesquisadores, fazemos em seu âmago.
A identificação do problema e sua delimitação pressupõem que o pesquisador
realize uma imersão na vida, no contexto, nas circunstâncias passadas e presentes que
condicionam o problema. Pressupõem, também, um compartilhamento de experiências
e percepções que os sujeitos possuem dos problemas analisados para estudar os
fenômenos além do que eles se apresentam à primeira vista.
Segundo essa identificação, nosso trabalho se insere nos pressupostos
caracterizados pelas pesquisas denominadas qualitativas. Sem nos distanciar do que
concebemos por ciência, vamos esclarecer melhor essa identificação, citando AlvesMazzotti e Gewandsznajder (2004): “a ciência tem por objetivo explicar os fenômenos e
não apenas descrevê-los” (p.127) e ainda “a dimensão interpretativa das ciências
humanas seria a principal razão pela qual estas são vistas como fundamentalmente
diferentes das ciências da natureza” (p.126). Neste contexto, os autores acima afirmam
também que “a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas
seguem a tradição ‘compreensiva’ ou interpretativa” (p.131, grifo do autor).
Nosso entendimento sobre o termo qualitativo é concordante com Bicudo (in:
BORBA e ARAUJO, 2004):
Qualitativo engloba a idéia do subjetivo, passível de expor sensações
e opiniões. O significado atribuído a essa concepção de pesquisa
também engloba noções a respeito de percepções de diferenças e
semelhanças de aspectos comparáveis de experiências. (p.104)
No papel de pesquisadores (qualitativos), não nos identificamos como relatores
passivos de um fenômeno estudado. Nós mantemos uma conduta essencialmente
participante e inserimos nossas percepções e nossas concepções acerca da problemática,
da qual somos parte e com a qual interagimos dinamicamente por meio da literatura que
revisitamos e dos sujeitos com os quais compartilhamos os obstáculos aqui delineados.
Assumimos, ao longo desse trabalho, um compromisso de propor, elaborar,
prover e praticar uma intervenção ativa na problemática, provocando uma interação
participativa dos sujeitos pesquisados em busca de uma compreensão mais aprofundada
do nosso objeto de estudo, negociando possibilidades concretas de enfrentamento dos
obstáculos e criando relações dinâmicas entre nós, pesquisadores, e os sujeitos e objetos
participantes desse trabalho.
Nosso universo de pesquisa, nosso chão, é a Educação Estatística. Nossa
problemática, nosso objeto de pesquisa, são as dificuldades do ensino dessa disciplina
nos cursos superiores. Nossa idéia de enfrentamento dessas dificuldades passa por uma
revisão bibliográfica acerca dos aspectos teóricos relacionados ao problema e culmina
numa apresentação, discussão e análise de estratégias práticas para o trabalho em sala de
aula, que visam a transformar a realidade das dificuldades levantadas. Assim, nossa
pesquisa pretende interagir com o problema, enfrentá-lo, confrontá-lo e experimentá-lo,
investigando suas causas e conseqüências. Nesse contexto, a experiência do professorpesquisador é um elemento fundamental, um elo imprescindível para a busca do sucesso
dessa pesquisa e essa percepção de participação está para a pesquisa qualitativa assim
como o professor está para seus alunos, assim como o ensino está para a aprendizagem.
1.2 – Estatística × Pesquisa Qualitativa
Como já citamos, a Estatística em geral e seus testes de hipóteses, em
particular, têm sido uma ferramenta importante para uma metodologia de pesquisa
fundamentada no positivismo, que passou a se denominar Pesquisa Científica,
Naturalística ou Quantitativa.
Segundo esse paradigma de pesquisa, a validação de suas hipóteses ocorre com
a experimentação e, de maneira apriorística, é fundamentada em leis e teorias empíricas,
visando sempre a usar os fenômenos estudados para se estabelecer uma generalização.
As variáveis envolvidas nos experimentos são controladas por meio de várias técnicas
estatísticas, assim como os dados obtidos dos experimentos recebem tratamento
estatístico especial para se validar ou refutar as hipóteses.
Contudo, nossa pesquisa se insere no âmbito das Ciências Sociais. Nela, os
objetos, relações e conteúdos analisados dificilmente se traduzem em relações
matemáticas. A dimensão interpretativa das Ciências Humanas figura como elemento
diferenciador dessa para com as Ciências Naturais. Isso significa que nossas hipóteses
não serão validadas no sentido estatístico. Segundo Alves-Mazzotti e Gewandszajder
(1999):
A confiabilidade e a aplicabilidade dos conhecimentos produzidos nas
ciências sociais e na educação depende da seleção adequada de
procedimentos e instrumentos, da interpretação cuidadosa do material
empírico (ou dos ‘dados’), de sua organização em padrões
significativos, da comunicação precisa dos resultados e conclusões e
da validação destes através do diálogo com a comunidade científica”
(p. 146).
Por fim, gostaríamos de apontar aqui que, embora nosso objeto de estudo seja a
Estatística, nosso foco é a Educação (daí a conjugação Educação Estatística). Sendo
assim, estamos, sem conflito algum, inseridos do âmbito das pesquisas qualitativas,
admitindo a visão interpretativa dos fenômenos, valorizando as “descrições detalhadas
de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos”
(GOLDENBERG, 2003, p.53).
1.3 – Os dados
Sobre as fontes de consulta que nos resultarão os dados dessa pesquisa,
destacamos Goldenberg (2003): “Os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma
compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior
relevância do aspecto subjetivo da ação social” (p.49).
Ainda, segundo Goldenberg (op. cit.):
[...] a representatividade dos dados na pesquisa qualitativa em
ciências sociais está relacionada à sua capacidade de possibilitar a
compreensão do significado e a ‘descrição densa’ dos fenômenos
estudados em seus contextos e não à sua expressividade numérica. A
quantidade é substituída pela intensidade, pela imersão profunda
(p.50).
As pesquisas em Ciências Sociais se distinguem em sua essência das pesquisa
nas Ciências Naturais, pois as suas dimensões interpretativa, compreensiva e explicativa
podem contribuir para a construção de teorias confirmáveis. Os sentidos e as
significações dos fenômenos são o cerne para os pesquisadores qualitativistas. Capturá-
los, ouvindo e observando os sujeitos, e interpretá-los se configuram como atitudes mais
significativas para nossa pesquisa do que a preocupação com a coleta de dados
quantitativos.
Desse modo, o instrumento principal de investigação nas pesquisas qualitativas
é o próprio pesquisador. Mesmo que sejam utilizados gravadores de áudio e de vídeo
para o registro dos dados, é o entendimento e a interpretação que o pesquisador tem dos
registros efetuados que se configuram como instrumento principal das análises.
As pesquisas qualitativas são orientadas mais pela preocupação com o processo
do que com o produto. Interessa ao investigador verificar como um fenômeno se
manifesta e se evidencia nas atividades e nas interações dentro do contexto do estudo.
Bogdan e Biklen (1994) fazem uma análise comparativa e afirmam que:
As técnicas quantitativas conseguiram demonstrar, recorrendo a pré e
pós-testes, que as mudanças se verificam. As estratégias qualitativas
patentearam o modo como as expectativas se traduzem nas atividades,
procedimentos e interações diários (p. 49).
Para as pesquisas educacionais, a abordagem qualitativa vem se apresentando
como particularmente útil e adequada, pois permite ao professor-pesquisador realizar
observações mais livres, deixando que padrões e categorias se manifestem de maneira
natural e progressiva ao longo da coleta e análise dos dados.
Dessa forma, ao assumirmos nossa opção pela pesquisa qualitativa, nós nos
valemos de um quadro teórico que justifica nossas escolhas e, além de fundamentar
nossas hipóteses, compreendem por si só uma parte substancial dessa pesquisa.
Os dados que compõem nossa fonte de informações são basicamente
compostos pelos relatórios elaborados pelos alunos a respeito dos projetos, de
entrevistas não estruturadas e de notas de aula que compreendem as impressões do
professor-pesquisador que interage continuamente com os aprendentes em situações
concretas de ensino/aprendizagem.
Nessa pesquisa trabalharemos com um volume reduzido de dados, o suficiente
para termos uma completa compreensão dos processos pedagógicos envolvidos em cada
projeto. Procuraremos sempre impor a profundidade necessária na análise dos dados
para buscar o perfeito entendimento dos fenômenos didáticos que estudaremos ao longo
das aplicações dos projetos, à luz do referencial teórico que por nós será delineado nos
próximos capítulos.
Os dois projetos que descrevemos nessa pesquisa emergiram a partir de
situações de ensino e aprendizagem nas salas de aula do curso de graduação em
Ciências Econômicas, nas disciplinas de Estatística e Introdução à Estatística
Econômica, sob a orientação e responsabilidade do professor-pesquisador, ao longo dos
anos de 2005 e 2006, em uma instituição de ensino (faculdade) privada, localizada na
cidade de São Paulo.
Trata-se de uma instituição que atende a estudantes de regiões periféricas da
capital paulista e que, em sua grande maioria, trabalham durante o dia e estudam à noite.
Essa instituição contava, em 2006, com aproximadamente 1.500 alunos distribuídos nos
cursos de Administração de Empresas, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas,
Sistemas de Informação, Comércio Exterior, Direito e Pedagogia. A instituição mantém
também um colégio no qual abriga estudantes de ensino fundamental e médio. Além
disso, oferece alguns cursos de pós-graduação latu sensu na área de Administração de
Empresas. É importante destacar que nessa faculdade também se observa que a maior
parte dos estudantes paga as mensalidades com os rendimentos provenientes de seu
próprio trabalho. É nesse ambiente que desenvolvemos nossa atividade profissional
desde 1999, na área do ensino de Estatística.
1.4 – A Teoria
Nosso primeiro passo, à vista dos objetivos propostos neste trabalho, é fazer
um levantamento bibliográfico sobre a teorização em Educação Estatística. Dessa
forma, revela-se pertinente citar Luna (1998): “[...] uma revisão de literatura é uma peça
importante no trabalho científico e pode, por ela mesma, constituir um trabalho de
pesquisa” (p.80).
Uma revisão teórica, em geral, tem o objetivo de circunscrever um
dado problema de pesquisa dentro de um quadro de referência teórico
que pretende explicá-lo. [...] O problema tem origem num quadro
teórico que lhe dá, supostamente, coerência, consistência e validade.
(idem, op. cit., p.83)
O quadro teórico que delineamos para essa pesquisa compõe o que chamamos
de Fundamentos Teóricos da Didática da Estatística. Levantamos as principais
publicações recentes sobre o assunto, focando os pesquisadores nacionais e
internacionais mais destacados na área e construindo assim o nosso quadro de
referências. Os periódicos internacionais constituíram a nossa principal fonte de
consulta, pois apresentam o que de mais avançado se pesquisa no mundo sobre a
Educação Estatística. Em termos nacionais, destacamos alguns autores, tais como
Cordani (2001), do IME-USP9, que publicou um trabalho de grande relevância sobre o
ensino de Estatística na Universidade e que representa o Brasil no âmbito do ICOTS10, e
também o trabalho de Coutinho (1994), da PUC-SP11, que coordena, juntamente com a
professora Blanca Ruiz (México), um fórum virtual de debates sobre Educação
Estatística chamado GILEE12, que contava com 1.221 usuários registrados em
24/05/2006. Também merece menção o GPEE, de Rio Claro, SP, que vem publicando
artigos sobre Educação Estatística, como Wodewotzki e Jacobini (2004).
A teorização aqui exposta trará um aprofundamento sobre os aspectos didáticos
relevantes a essa problemática, focando-os sob uma óptica particular da Educação
Estatística.
Ainda dentro do quadro teórico, fazemos uma incursão em dois temas que se
apresentam pertinentes a esta investigação. São eles a Educação Crítica e a Modelagem
Matemática, aqui focadas como estratégias pedagógicas.
A Modelagem Matemática não é um conceito que pode ser considerado novo,
mas sua utilização na educação é relativamente recente, tendo se desenvolvido bastante
nas últimas três décadas. São várias as obras de referência sobre a Modelagem
Matemática, mas para este trabalho, teremos por base principalmente as obras de
Bassanezi (2004) e Biembengut & Hein (2003).
9
Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo.
International Conference on Teaching Statistics, organizado pelo IASE (International Association for
Statistical Education).
11
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
12
http://br.groups.yahoo.com/group/GILEE/
10
No contexto da idéia de modelagem, referenciamos o trabalho de Smith (1998),
que destaca a Estatística em Ação, ou seja, o aprender Estatística fazendo Estatística,
principalmente centrado na idéia de promover o ensino da disciplina mediante a
participação mais ativa do aluno em projetos de pesquisa. Essa idéia está estreitamente
relacionada com os objetivos desta investigação e compõe também a base de criação
dos projetos que apresentamos nos capítulos posteriores.
Smith (op. cit.) afirma que essa idéia está em consonância com o
desenvolvimento do raciocínio estatístico. Ele acredita que a incorporação de estratégias
de aprendizagem ativas (active-learning strategies) permite aos estudantes dar
significação às coisas que eles ouvem e lêem sobre Estatística. Isso pode ser obtido em
situações pedagógicas que envolvam realmente o ato de fazer Estatística, ou seja,
planejamento de estudo, coleta de dados, análise de resultados, elaboração de relatórios
e apresentações orais.
Ainda segundo Smith (op. cit.), projetos de ensino mais longos, que contenham
atividades extra-classe envolvendo a coleta de dados reais a serem trabalhados com as
ferramentas de análise estatísticas (hands-on data collection and analysis), são mais
benéficos ou produzem melhores resultados de aprendizagem do que atividades de
classe, que contêm mais restrições aos tipos de dados manipulados, não permitem uma
etapa de planejamento e usam menos ferramentas de análise. A execução de relatórios
dos projetos configura-se como uma etapa não-trivial de ensino de Estatística, que pode
promover um incremento das habilidades de escrita dos estudantes, bem como auxiliar
no entendimento do processo de maneira global, além de fomentar a literacia13 dos
estudantes.
A Educação Crítica é também parte desse quadro teórico, pois o nosso trabalho
com projetos tem também por objetivo expandir as possibilidades pedagógicas para
além das fronteiras dos números e, dessa forma, passamos a considerar a relevância da
inclusão de temas políticos14 e sociais em geral, na medida em que os assuntos
trabalhados são amplamente debatidos com os estudantes ao longo do processo
educacional. Os projetos que desenvolvemos procuram deslocar o foco da aula do
13
Esse termo será definido no capítulo 2.
Por temas políticos entendemos que são aqueles que se referem à maneira como o Estado é governado,
às ideologias que pautam os governos, às habilidades e atividades que envolvem o ato de governar, bem
como aos direcionamentos que se dão aos negócios públicos e aos programas de ação governamentais.
Salvo indicações específicas, é esse o sentido de ‘política’ que usamos nesta obra.
14
professor para o aluno e assim provocar nele atitudes reflexivas e críticas sobre
problemas concretos. Dessa forma, estaremos tratando daquilo que consideramos uma
das prioridades do ensino, que é formar um cidadão crítico, participativo, coresponsável pelo processo de educação. Nesse sentido, adotamos a idéia da educação
libertadora de Freire (1965, 1969, 1970, 1974, 1979), que avança além das amarras do
livro-texto, que ousa ser transdisciplinar, valoriza a realidade local do aprendente, que
transforma a linguagem da Estatística em cultura, que ajuda o homem a tornar-se
homem (cidadão), a pensar criticamente sobre o mundo e sobre o seu mundo. No
trabalho de Giroux (1997), destacamos a forma como ele nos oferece uma linguagem
crítica para nos ajudar a compreender o ensino como uma forma de política cultural.
Para ele, a questão principal é o desenvolvimento de uma linguagem por meio da qual
os professores possam compreender as interações entre o ensino escolar e as relações
sociais mais amplas que o formam, apoiando uma pedagogia responsável pela formação
coletiva de uma cultura pública democrática, fortalecendo os estudantes para
imaginarem um futuro no qual a esperança se torne prática e no qual a liberdade
individual possa ser conquistada e respeitada. A pedagogia crítica defendida por Giroux
(op. cit.) conclama os professores a tornar o conhecimento e a experiência
emancipadores, permitindo que os estudantes desenvolvam uma mentalidade social
capaz de auxiliá-los a intervir em sua própria formação e na formação dos outros, num
ciclo socialmente reprodutivo de construção de princípios e práticas democráticas. Essa
pedagogia se apóia na idéia de se valorizar os debates, os diálogos e as trocas de
opiniões, num contexto em que o conhecimento escolar se mostra realmente relevante
para a vida dos estudantes e no qual eles passam a ter voz, isto é, têm suas experiências
afirmadas como parte de um encontro pedagógico que se pauta em princípios
democráticos e que reconhece as dimensões e as implicações políticas, sociais e morais
dessas experiências.
As idéias e princípios de Freire e Giroux são reafirmadas e consolidadas na
obra de Skovsmose (2004 e 2005), que as transfere para o âmbito da Educação
Matemática. Skovsmose nos mostra como o conhecimento matemático se situa numa
escala social de poder e como a educação matemática pode atuar na intenção de buscar
caminhos para fugir da norma predominante de domesticação dos estudantes.
Valorizando um conhecimento reflexivo, Skovsmose enfatiza a questão da democracia e
propõe que a Educação Matemática tem um papel importante a desempenhar, na medida
em que essa ciência se configura como a porta de entrada para uma sociedade
fortemente impregnada pela tecnologia. Ainda no trabalho desse autor, destacamos a
idéia por ele defendida de trabalhos pedagógicos com projetos, na linha da modelagem
matemática, que permitem intensificar a perspectiva crítica e a discussão política da
educação, tendo como centro a democracia, que deve estar sempre presente no processo
pedagógico.
É principalmente com a conjugação das idéias desses três autores que, em
nossa fundamentação teórica, propomos o trabalho com a Educação Estatística Crítica,
na qual assumimos o compromisso democrático de educação, inserimos temas políticos
e sociais nas atividades pedagógicas e valorizamos as discussões e debates de idéias,
trazendo a realidade dos estudantes para a sala de aula.
1.5 – A prática
Na perspectiva de um trabalho voltado para a realidade escolar, ou seja,
sobre as atividades do professor no ambiente da sala de aula, concretizamos nossa visão
de Educação Estatística e de Educação Crítica no desenvolvimento de dois projetos de
Modelagem Matemática.
Devido ao fato de estarem muitas vezes sufocados pelo dia-a-dia atribulado e
por excesso de afazeres a que se vêem obrigados a suportar, os professores dedicam
pouco (ou nenhum) tempo à tarefa de criar condições para o desenvolvimento de um
processo de aprendizagem num ambiente no qual se destaque sobretudo a participação
ativa do estudante, seu poder de indagar e investigar situações reais. Os conhecimentos
inerentes ao dia-a-dia do aluno, associados a uma ação pedagógica adequada, são
fundamentais num processo de educação voltado para a formação de um cidadão
participativo, questionador, crítico, reflexivo e consciente dos problemas do seu
contexto social, político, educacional e econômico.
O desenvolvimento das questões propostas nos projetos centrados na
Modelagem Matemática pode levar a um processo de ensino e aprendizagem que
valoriza o conhecimento (ou o trabalho) investigativo e reflexivo em sala de aula,
permitindo assim a discussão e a conscientização sobre temas que extrapolam o
universo da Estatística ao explorar problemas sociais, políticos, econômicos e outros.
Dessa forma, a Educação Crítica se faz presente de maneira intensa no processo de
modelagem relativo aos projetos, que detalharemos em capítulos posteriores.
Nesse ambiente de aprendizagem pode-se fugir da mesmice dos exercícios de
mera repetição do uso de uma determinada fórmula ou do cálculo de uma certa medida,
pois os projetos,
em consonância com os princípios norteadores da Educação
Matemática Crítica, focam sobretudo os aspectos investigativo, reflexivo e crítico, a
análise, a validação, a discussão e o debate. Vários conteúdos são abordados e neles o
foco é desviado do produto para o processo, valorizando não mais a parte operacional e
reprodutora de um algoritmo, mas o aspecto subjetivo presente na questão, a parte
interpretativa e questionadora. O professor pode, dessa forma, livrar-se e livrar seus
alunos das amarras do certo ou errado, valorizando os aspectos individuais de cada
aluno, deixando que as idéias e convicções de cada um deles sejam expostas, discutidas,
debatidas, alteradas e/ou consolidadas.
Entendemos que, de alguma forma, o trabalho com esses projetos resultou em
um avanço no que se refere às dificuldades do ensino da disciplina de Estatística e, mais
que isso, na medida em que o desenvolvemos no âmbito da Educação Crítica,
promovemos a interdisciplinaridade e a valorização do aluno como cidadão ativo e
pensante, com poder de argumentação, autor e ator de sua própria história.
1.6 – A Validação
Na busca pela articulação da teoria com a prática produz-se o que chamamos
validação interna deste trabalho. As idéias levantadas na problemática, confrontadas (ou
enfrentadas) com as atividades práticas mediante a intermediação do quadro teórico,
permitem o aprofundamento necessário à avaliação das conclusões acerca do problema
aqui exposto.
A consistência interna que pretendemos emprestar a este trabalho e a
transferibilidade dos resultados alcançados formam a base das argumentações que
pretendemos dar para a confiabilidade dessa pesquisa e para sua validação externa.
Goldenberg (2003) afirma que, quando os dados de uma pesquisa não são
padronizáveis como os dados quantitativos, o pesquisador deve ter flexibilidade e
criatividade ao coletá-los e analisá-los: “o bom resultado da pesquisa depende da
sensibilidade, intuição e experiência do pesquisador” (p. 53).
Sabemos e assumimos que o pesquisador interfere no objeto de sua pesquisa e,
com isso, corre o risco de contaminar os seus resultados em função de sua
personalidade, de seus valores e de suas escolhas. Pretendemos controlar essa influência
(também conhecida como uma forma de BIAS15) tomando consciência dessa
interferência, procurando não omitir fatos, ocorrências ou detalhes significantes e
valorizar o tanto quanto possível o quadro teórico de referência, tendo este uma
precedência sobre a intuição do pesquisador para analisar os dados e os resultados.
A imersão do pesquisador no ambiente pesquisado e a constante interação com
os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem, bem como o tempo de
permanência no ambiente pesquisado, são também fatores consideráveis na validação de
uma pesquisa qualitativa. Os meses que passamos trabalhando nos projetos dessa
pesquisa nos deram base suficiente para promover essa imersão, bem como realizar as
interações necessárias com os alunos.
Conforme Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, “não há metodologias boas ou
más em si, mas metodologias adequadas ou inadequadas para tratar de um problema”
(1999, p. 160). D’Ambrosio (2004) afirma que a pesquisa qualitativa “é o caminho para
escapar da mesmice. Lida e dá atenção às pessoas e às suas idéias, procura fazer sentido
de discursos e narrativas que estariam silenciosas” (p. 21).
1.7 – Professor-pesquisador ou pesquisador-professor?
Neste trabalho de pesquisa, norteamos nossa problemática com base em nossa
experiência como docentes da disciplina de Estatística em cursos superiores
(notadamente em cursos introdutórios). É com base nessa experiência que identificamos
alguns problemas no ensino e na aprendizagem dessa disciplina, que acabaram
encontrando eco no trabalho de diversos pesquisadores em Educação Estatística nos
grandes centros da Europa e América do Norte.
15
O termo BIAS, em língua inglesa, é bastante utilizado por pesquisadores em Ciências Sociais. Pode ser
traduzido como viés, parcialidade, preconceito (GOLDENBERG, 2003, p. 44).
Os projetos que constam deste trabalho, centrados na Modelagem Matemática
e na perspectiva da Educação Matemática Crítica, como discutida por Skovsmose
(2004) e Giroux (1997), foram desenvolvidos dentro das disciplinas por nós mesmos
ministradas, onde assumimos, dessa maneira, o papel de professor-pesquisador.
Isso posto, fica evidenciado que estamos assumindo um trabalho nesta
investigação que envolve a visão de professor bem como a de pesquisador. Sendo
assim, desenvolvemos este tópico com o intuito de esclarecer a nossa visão sobre esse
posicionamento, com base em alguns autores que nos servem de referência, em especial
o trabalho de Lüdke (2004).
Lüdke (op. cit.) reconhece a importância da investigação feita pelo próprio
professor e afirma que ela tende a ampliar os horizontes de pesquisa, na medida em que
envolve temas e abordagens metodológicas mais próximos dos problemas vividos por
alunos e professores, e pode, assim, contribuir de forma mais efetiva para o
desenvolvimento do saber docente. Ela propõe algumas questões para iniciar a
discussão sobre o professor-pesquisador (LÜDKE, op. cit., p.9):
Pode-se articular pesquisa e prática de trabalho?
É viável a integração da pesquisa no dia-a-dia do professor?
É possível e recomendável ao professor investigar a sua própria
prática?
Que problemas, que cuidados e que proveito devem ser considerados
nessa empreitada?
Que significados perpassam a constituição do professor pesquisador?
Stenhouse (1975) pode ser considerado um dos precursores da defesa da figura
do professor-pesquisador. Ele enfatizou a idéia de se utilizar a investigação como
recurso didático e defendeu que todo professor deveria atuar como um pesquisador para
ser capaz de (re)criar o seu próprio currículo. Stenhouse (op. cit.) acreditava que todo
educador tinha de assumir o seu lado experimentador no cotidiano e transformar a sala
de aula em um laboratório. Ele chegou a comparar o professor ao artista. Segundo ele,
tal qual um artista que trabalha com pincéis e tintas e escolhe texturas e cores, o
educador deve lançar mão de estratégias variadas até obter as melhores soluções para
garantir a aprendizagem dos alunos. Stenhouse (op. cit.) enfatizou a interação professor-
pesquisador pois, segundo ele, a teoria e a prática educacionais devem integrar-se num
todo, com a formulação de problemas e a experimentação ou teste das soluções
propostas, além de outros aspectos inovadores para a perspectiva do professor como
pesquisador.
Posteriormente, Schön (1983) lançou a idéia do reflective practitioner, isto é,
do professor engajado na prática docente, com uma atitude de reflexão sobre essa
mesma prática, procurando extrair dela elementos que ajudem a melhorá-la. Essa idéia
fez muito sucesso e contribuiu para retirar o professor de uma posição excessivamente
passiva. Schön (op. cit.) faz em sua obra referências à importância da reflexão na e
sobre a prática educacional.
A expressão prático reflexivo foi cunhada para se referir ao processo de
reflexão que o professor pode fazer sobre as estratégias e saberes que ele mobiliza em
sua prática, não necessariamente de modo consciente e, em muitos casos, não passíveis
de serem descritos como um conjunto de regras, passos ou procedimentos válidos para
além do contexto original. Nesse sentido, podemos pensar na pesquisa educacional
como um estágio avançado de uma prática reflexiva, ou como um seu desdobramento
natural. Ele afirmou que o professor-pesquisador enfrenta obstáculos ancorados em
concepções tradicionais de ensino, que colocam o conhecimento, a pesquisa e a teoria
de um lado e a profissão, ação e prática de outro, valorizando a primeira em detrimento
da segunda.
Giroux destacou que os professores devem “exercer ativamente a
responsabilidade de propor questões sérias a respeito do que eles próprios ensinam,
sobre a forma como devem ensiná-lo e sobre os objetivos gerais que perseguem” (1997,
p. 176).
Zeichner (1993) estendeu a idéia do professor prático reflexivo de maneira
crítica. Segundo ele, “é importante basear esses estudos teóricos no contexto da prática
de ensino e envolver tanto professores experientes como novos professores, bem como
universitários, na análise reflexiva do seu trabalho” (op. cit., p. 170). Para Zeichner (op.
cit.), o prático reflexivo deve analisar cuidadosa e constantemente a sua própria prática,
refletindo sobre ela para transformá-la, ou para transformar muito além, como um
intelectual transformador.
Zeichner, durante a década de 1990, publicou trabalhos nos quais debateu o
movimento do prático reflexivo. Para ele, prática reflexiva é o mesmo que prática
orientada pela pesquisa e, assim, ele alerta para a necessidade de se explicitar o tipo de
reflexão que se está propondo, especialmente no que diz respeito aos compromissos
políticos dessa atividade, pois nem toda reflexão é útil e caminha na direção de uma
educação emancipadora. Zeichner (1993) afirma que é fundamental o compromisso dos
professores reflexivos com a emancipação social, o fim da exploração e das
desigualdades.
Dessa forma, ele se constituiu num dos mais ardorosos questionadores das
relações hierárquicas entre professores e pesquisadores, e propôs uma pesquisa
colaborativa como alternativa de crescimento profissional para ambos. Zeichner acredita
que as pesquisas devem se inclinar para temas que vão além da sala de aula, envolvendo
também questões estruturais escolares e sociais. A metáfora do professor como
pesquisador transformou-se com as idéias de Zeichner, com a pesquisa sendo
considerada atividade fundamental para o exercício da função docente.
Lüdke (2004) afirma que, no Brasil, a reflexão sobre os professores como
pesquisadores aparece juntamente com um movimento de autocrítica da academia
acerca de seu distanciamento das práticas escolares e dos desafios por ela enfrentados,
num momento em que essas práticas e os saberes que geram começam a ver resgatada a
sua legitimidade.
1.7.1 – Dialética da teoria educacional com a prática docente
O professor-pesquisador lida concomitantemente com as teorias pedagógicas e
com a prática de sala de aula e opera em seu dia-a-dia a confrontação entre a atividade
acadêmica de fazer pesquisa e o seu trabalho junto à realidade escolar. Nesse sentido,
indagamos se seriam a prática docente e as teorias educacionais evocadas nas pesquisas
pedagógicas compatíveis. Procuramos neste tópico apresentar o posicionamento de
alguns autores que tomamos como referência para, em seguida, apresentarmos nossas
idéias sobre essa questão.
Dentre os pesquisadores em língua portuguesa, Demo (1994), André (1994),
Fazenda (1997), Geraldi (1998), Lüdke (2004), Fiorentini (2006) e Ponte (2003), em
alguma medida, são defensores da estreita relação entre o professor e a pesquisa.
Demo (1994) estuda em sua obra o processo de expansão do trabalho de
pesquisa feito por docentes dos vários níveis de ensino e enfatiza o caráter, segundo ele
indispensável, da componente pesquisa para o trabalho do educador.
O movimento do prático reflexivo e do professor-pesquisador surgiu, segundo
Lüdke (2004), em contraposição às concepções dominantes de racionalidade técnica,
nas quais as práticas profissionais se produzem num contexto de divisão social do
trabalho entre concepção e execução, ou seja, entre teoria e prática.
Segundo Tardif, Borges e Nunes (2000), as concepções de teoria e de prática
estão sempre estritamente integradas em todo conhecimento. Para eles, a relação entre a
pesquisa e a prática docente não pode ser colocada em termos de uma oposição entre
teoria e prática, mas sim como relação entre diferentes atores, ambos possuidores de
práticas e de saberes. Esse posicionamento está inserido em uma tradição contrária ao
positivismo e ao racionalismo, abrindo caminho para a emergência de novas
problemáticas nas ciências sociais ao longo dos anos 70 e 80.
Shulman (1999) apresentou um estudo sobre os tipos de conhecimento do
professor e as formas com que esse conhecimento se organiza, enfatizando o chamado
saber estratégico, que é aquele que orienta a ação do professor com base em uma
sabedoria da prática. Os saberes dos professores estão, dessa forma, diretamente
articulados com a prática.
Elliot (1991) defendeu a idéia de que as atividades de ensino e de investigação
educativa são integrantes do mesmo processo de pesquisa e que, pelo próprio conceito
de relação entre teoria e prática, seria impossível separá-las. Segundo ele, “a abstração
teórica desempenha um papel subordinado no desenvolvimento de uma sabedoria
prática baseada nas experiências reflexivas de casos concretos” (Elliot, op. cit., p. 71).
Lüdke (2004) pondera que John Elliot talvez esteja “invertendo simplesmente a
direção da hierarquização teoria-prática, valorizando um dos pólos dessa tensão em
detrimento do outro” (idem, op. cit., p. 32).
Os autores australianos Carr e Kemmis (1986) desenvolveram um estudo sobre
a visão interpretativa da teoria e prática educacionais e da ciência educacional crítica.
Eles defendem que a realidade não é apenas formada de idéias e conceitos, mas é
estruturada por forças sociais e econômicas e condições materiais, que interferem nas
percepções dos indivíduos. Eles enfatizam o caráter prático da educação, o que, segundo
eles, deve dirigir as pesquisas educacionais, pois:
[...] a pesquisa educacional não pode ser definida pela referência aos
objetivos apropriados e atividades de pesquisa envolvidas com a
resolução de problemas teóricos, mas, ao invés disso, deve operar
com um quadro de referências de fins práticos em nome dos quais as
atividades educacionais são conduzidas. (CARR E KEMMIS, 1986,
p. 108).
O campo de teste das pesquisas educacionais não é o campo teórico-conceitual,
mas sua capacidade de resolver problemas educacionais e promover a prática
educacional. Carr e Kemmis (op. cit) alertam que todo prático possui compreensões
acerca do que faz e uma série de crenças elaboradas sobre os fundamentos de sua
prática. Isso faz com que seja impossível para qualquer pesquisador observar uma
prática educativa sem se referenciar aos modos de pensar dos práticos. As concepções
docentes não devem ser sempre ratificadas, mas sim ser submetidas, como qualquer
outro saber, à dúvida e à crítica.
Com base na polêmica teoria versus prática, Carr e Kemmis (op. cit.) afirmam
que:
Uma ciência social crítica será aquela que, para além da crítica,
alcance uma práxis crítica; isto é, uma forma de prática na qual o
esclarecimento dos atores se dá diretamente em sua ação social
transformada. Isso requer a integração da teoria com a prática como
momentos reflexivos e práticos de um processo dialético de reflexão,
esclarecimento e luta política levada a cabo por grupos que tem como
objetivo sua própria emancipação (p. 144).
Esse modelo emancipador de pesquisa, segundo Lüdke (2004), visa a prover o
prático
do
instrumental
analítico
necessário
para
transitar
de
concepções
ideologicamente distorcidas para concepções críticas. Essa concepção de pesquisa se
estabelece como uma possível práxis dialógica, reflexiva, crítica e transformadora.
Zeichner (1993) apresenta suas idéias sobre as concepções de prática reflexiva
no ensino repensando essa prática para além da divisão entre professor-pesquisador e
pesquisador acadêmico. Ele se coloca favorável à superação de polarizações entre essas
perspectivas educacionais que só aparentemente são excludentes. Nesse contexto, ele
afirma que a dimensão da reconstrução social, no que se refere à prática dos professores,
é a:
[...] que acentua a reflexão sobre o contexto social e político da
escolaridade e a avaliação das ações na sala de aula quanto à sua
contribuição para uma maior igualdade e para uma sociedade
mais justa e decente (ZEICHNER, op. cit., p. 24).
A prática de pesquisa do professor-pesquisador é, ou deveria ser, um
instrumento fundamental para uma prática reflexiva e vice-versa.
A pesquisa produzida pelo professor-pesquisador é legítima, na medida em que
(BEILLEROT, 1991):
• Produz novos conhecimentos;
• Apresenta rigor nos seus encaminhamentos;
• Comunica os resultados;
• Introduz uma dimensão crítica e de reflexão;
• Apresenta sistematização na coleta de dados;
• Interpreta enunciados segundo teorias reconhecidas e atuais que
contribuem para permitir a elaboração de uma problemática, assim
como uma interpretação dos dados.
Lüdke (2004) afirma que a prática reflexiva pode e deve se envolver com a
pesquisa, embora reconheça que as duas não sejam a mesma coisa. Segundo ela:
Toda pesquisa realizada pelos próprios professores tem sempre um
potencial de facilitar a prática reflexiva, na medida em que tal
pesquisa esteja voltada para questões que têm a ver com a sua prática
docente (p.43).
Zeichner (1993) destacou ainda três atitudes necessárias para a ação reflexiva:
• Abertura de espírito: refere-se ao desejo ativo de se ouvir mais do que
uma única opinião, de se atender a possíveis alternativas e de se admitir
a possibilidade de erro, mesmo naquilo em que se acredita com mais
força.
• Responsabilidade: implica a ponderação cuidadosa das conseqüências
de uma determinada ação. Os professores responsáveis se perguntam
por que estão a fazer o que fazem, de um modo que ultrapassa as
questões de utilidade imediata e os leva a pensar de que maneira está a
dar resultado e para quem.
• Sinceridade: implicando colocar realmente a abertura de espírito e a
responsabilidade no centro de suas atenções reflexivas.
Dickel (1998) comentou o trabalho de Stenhouse e afirmou que ele representou
um momento importante da passagem de paradigmas quantitativos para paradigmas
qualitativos nas pesquisas educacionais.
Stenhouse (1975) e Elliot (1991) defenderam que os próprios professores
estariam mais capacitados para investigar os problemas educacionais, enfatizando a
idéia de superação da distância entre as pesquisas acadêmicas e a escola. Entretanto,
ressaltaram que a valorização da reflexão dos próprios professores não implica em
rejeitar a perspectiva acadêmica de produção de conhecimentos no campo educacional.
Não é desejável que as investigações se prendam às questões práticas, mas busquem na
visão acadêmica um subsídio para identificação e análise dos problemas pedagógicos.
O desenvolvimento de uma prática reflexiva, conforme Zeichner (1993),
implica em um ensino sensibilizado com os interesses dos alunos, visando ao seu
desenvolvimento e acentuando a reflexão sobre o contexto social e político que o cerca,
procurando contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e decente, que
minimiza as desigualdades entre os sujeitos.
1.7.2 – Nosso posicionamento nesta pesquisa
A prática reflexiva se manifesta na obra do professor-pesquisador na medida
em que ele valoriza uma dimensão mais ética e política da profissão docente, num
esforço de reconstrução social que enfatiza também nos alunos uma perspectiva
reflexiva e crítica do conhecimento e da realidade, avançando do conceito de educação
para o de formação humana, o qual destaca as práticas e experiências vividas em
circunstâncias concretas.
Assim, a educação evolui de um processo centrado em conteúdos, discursos e
mensagens para um foco nas relações sociais do saber com o cotidiano do aluno,
construindo e transformando hábitos, concepções, práticas e valores, tanto dos
educadores quanto dos educandos, consolidando-se como um ensino dinâmico em
permanente evolução.
Ao estreitar a relação entre a atividade de pesquisa e a prática docente, não
devemos imaginar que uma coisa tenha prioridade sobre a outra. Pelo contrário, a
junção dessas duas atividades tende a valorizá-las, na medida em que o professor que
faz a pesquisa passa a ter mais consciência da importância do seu trabalho de ensino, e a
pesquisa se torna mais próxima da realidade escolar, de forma que uma atividade
enriquece a outra e vice-versa, numa correspondência biunívoca.
Dessa forma, o professor-pesquisador concebe a prática docente como
alimentadora de sua pesquisa e concebe a reflexão e a crítica decorrentes do processo de
pesquisa como parte fundamental da mudança de sua prática docente. Assim, os dados
da pesquisa alimentam a prática docente, da mesma maneira que a prática docente
alimenta a pesquisa fornecendo dados a ela.
Concordamos com Giroux (1997), que defende o professor como um
intelectual transformador, que deve propor questões a respeito do que ele próprio ensina
e sobre a forma como deve ensiná-lo e acreditamos que essa idéia está em concordância
com as atitudes que Zeichner (1993) destacou para a prática reflexiva do professor, as
quais pretendemos assumir neste trabalho.
Queremos, pois, assumir neste trabalho, a condição de professor que adota uma
ação reflexiva (conforme Zeichner) e que produz pesquisa (conforme Beillerot), na
medida em que essas posturas se complementam e se materializam do ato de produção
deste trabalho de investigação.
Entendemos, então, que a figura do professor-pesquisador auxilia a
aproximação da academia com a sala de aula, trazendo ganhos para ambos na medida
em que oferecem, em sua interação, suporte para o trabalho do professor e a geração de
um conhecimento importante, que nasce da problematização do ensino em sua prática
do dia-a-dia.
Procuramos assim, justificar nossa escolha pela pesquisa feita pelo professor,
assumindo nossa postura como profissionais que refletem sobre sua prática de maneira
criativa e democrática, vencendo os limites entre a academia e a escola, projetando
nosso pensamento e nossas idéias para contribuir de maneira a buscar uma educação
crítica e transformadora, cujo objetivo maior é a responsabilidade social da educação.
Neste trabalho, a articulação teoria-prática se manifesta na própria
problemática de pesquisa, na qual com base em dificuldades de ensino/aprendizagem de
Estatística vivenciadas por nós em sala de aula, procuramos investigar as teorias
pedagógicas associadas a esse contexto e, ato contínuo, propomos e experimentamos o
enfrentamento daquelas dificuldades com o apoio das idéias dos teóricos educacionais,
contribuindo assim para um enriquecimento:
(i) da teoria, na medida em que propomos novas idéias;
(ii) da prática, na medida em que levamos a cabo na sala de aula as propostas
de enfrentamento das dificuldades e
(iii) novamente da teoria, quando apresentamos os resultados da prática
educacional que corroboram as idéias teóricas.
Defendemos, portanto, a idéia do professor como pesquisador, que reflete sobre
sua prática, mas sem abrir mão, em sua pesquisa, do rigor e da sistematização que esta
requer. O tipo de reflexão que propomos está em concordância com as idéias de Carr e
Kemmis (1986) no que diz respeito ao desenvolvimento de uma prática crítica e
emancipadora. Além disso, entendemos que, ao refletir, o professor assume a
responsabilidade de tratar a educação num sentido mais amplo, socialmente engajado e
politicamente orientado, em consonância com o ideal da Educação Crítica, que
abordaremos com mais detalhes no capítulo 4.
Cap. 2 – Fundamentos Teóricos da Educação Estatística
A princípio poderíamos imaginar que, sendo a Estatística uma parte da
Matemática (no contexto escolar), elas teriam um desenvolvimento didático/pedagógico
muito semelhante. De fato, podemos observar algumas peculiaridades comuns no
âmbito educacional entre essas duas disciplinas, mas muitas considerações devem ser
feitas para esclarecer os pontos discordantes e, principalmente, os aspectos que são
relevantes ao estudo da didática da Estatística que não necessariamente dizem respeito à
Matemática.
Batanero (2001) observa que “é preciso experimentar e avaliar métodos de
ensino adaptados à natureza específica da Estatística, pois a ela nem sempre se podem
transferir os princípios gerais do ensino da Matemática” (p. 6).
A Estatística trabalha com conteúdos e valores em geral distintos aos da
Matemática. Os entes matemáticos presentes, em certas condições, atuam como
coadjuvantes dentro de um teatro de ações que valorizam quase sempre os aspectos
específicos da Estatística. Princípios como os da aleatoriedade e da incerteza escapam a
aspectos mais lógicos ou determinísticos da Matemática. A existência de faces mais
subjetivas, tais como a escolha da forma de organização dos dados, a interpretação, a
reflexão, a análise e a tomada de decisões aparecendo no primeiro plano dos objetivos
da disciplina, fazem com que esta apresente um foco diferenciado ao da Matemática16.
Essa constatação fatalmente leva a uma tomada de consciência sobre os aspectos
peculiares à Estatística, que se apresenta como uma ciência em franca evolução, que
experimenta mudanças progressivas tanto do ponto de vista de seu conteúdo como de
suas demandas de formação. Para uma sociedade cada vez mais informatizada, a
compreensão de técnicas básicas de análise de dados e sua interpretação são cada dia
mais importantes. Mas também devemos destacar que existem diversos aspectos que
aproximam a Estatística da Matemática em termos educacionais, tais como a
Matemática Crítica, que abordaremos no capítulo 4.
Diversos autores, tais como Rumsey (2002), Garfield (1997), Chance (2002),
delMas (2002) e outros, publicaram estudos nos quais eles identificam algumas das
principais metas do ensino de Estatística. Baseados em pesquisas sobre os objetivos dos
16
A Educação Matemática Crítica trabalha esses aspectos, conforme veremos no capítulo 4.
cursos de Estatística, esses autores defendem que o planejamento da instrução deve
pender para o desenvolvimento de três importantes competências17, quais sejam a
literacia, o raciocínio e o pensamento estatístico, sem as quais não seria possível
aprender (ou apreender) os conceitos fundamentais dessa disciplina.
Além de identificar essas competências, os pesquisadores apresentam suas
idéias de como desenvolvê-las, num processo unificado, ou seja, à par da identificação
sempre se segue um debate de idéias com o objetivo de prover meios de ensiná-las,
experimentá-las ou ao menos apresentá-las aos estudantes.
A seguir, detalharemos um pouco sobre cada uma dessas competências.
2.1 – A Literacia Estatística
O termo literacia nos remete à habilidade em ler, compreender, interpretar,
analisar e avaliar textos escritos. A literacia estatística refere-se ao estudo de
argumentos que usam a estatística como referência, ou seja, à habilidade de argumentar
usando corretamente a terminologia estatística. Essa definição tem muitas variações
entre os diversos pesquisadores do assunto.
Gal (2000) entende que a literacia estatística é a habilidade para interpretar e
avaliar criticamente as informações estatísticas e os argumentos baseados em dados, que
aparecem nas diversas mídias, além de ser a habilidade em discutir opiniões referentes a
esse tipo de informação estatística.
Watson (1997) entende a literacia como sendo a capacidade de compreensão
do texto e do significado das implicações das informações estatísticas inseridas em seu
contexto formal e identifica três estágios de seu desenvolvimento:
(i)
o entendimento básico da terminologia estatística;
(ii) o entendimento da linguagem estatística e os conceitos inseridos num
contexto de discussão social;
17
Em linhas gerais, entendemos o termo competência conforme descrito por Mello (2003). Sobre
competência estatística, destacaremos a idéia de Rumsey (2002) no próximo item.
(iii) o desenvolvimento de atitudes de questionamento nas quais se aplicam
conceitos mais sofisticados para contradizer alegações que são feitas sem
fundamentação estatística apropriada.
Garfield (1999) destaca a literacia estatística como sendo o entendimento da
linguagem estatística, ou seja, sua terminologia, símbolos e termos, a habilidade em
interpretar gráficos e tabelas, em entender as informações estatísticas dadas nos jornais
e outras mídias.
Kader e Perry (2006) afirmam que um estudante, por meio da literacia
estatística, saberá como interpretar os dados contidos em um jornal e fará
questionamentos sobre as informações estatísticas ali contidas. No seu trabalho, ele se
sentirá confortável ao manipular os conhecimentos estatísticos necessários para tomar as
decisões, além de ser capaz de fazer asserções sobre os assuntos estatísticos
relacionados com a sua vida pessoal em geral.
Rumsey (2002), a respeito da literacia estatística, escreve:
Primeiro, nós queremos que nossos alunos se tornem bons ‘cidadãos
estatísticos’, entendendo estatística o suficiente para ser capaz de
consumir as informações com as quais somos inundados diariamente,
pensando criticamente sobre essas informações e tomando boas
decisões com base nelas (p.1).
Ela (op. cit.) entende que, com a literacia estatística, é possível distinguir dois
tipos de objetivos de aprendizagem nos estudantes: ser capaz de atuar como um membro
educado da sociedade em uma era de informação e ter uma boa base de entendimento
dos termos, idéias e técnicas estatísticas. Esses dois objetivos podem ser colocados em
duas diferentes frases. Referindo-se ao conhecimento básico que subjaz ao pensamento
e ao raciocínio estatístico, ela o identifica como competência estatística. Referindo-se
ao desenvolvimento de habilidades para atuar como uma pessoa educada na era da
informação, ela o identifica como cidadania estatística.
Os componentes da competência estatística, identificados por Rumsey (op.
cit.), são:
• Conhecimento sobre dados;
• Entendimento de certos conceitos básicos de estatística e sua
terminologia;
• Conhecimento sobre a coleta de dados e a geração de estatísticas
descritivas;
• Habilidade de interpretação básica para descrever o que o resultado
significa para o contexto do problema;
• Habilidade de comunicação básica para explicar os resultados a outrem.
Para promover conhecimento e consciência sobre dados, é importante prover
contextos relevantes para as idéias apresentadas em classe – para os estudantes é muito
importante que eles possam perceber por que os dados foram coletados e o que o
pesquisador quer fazer com eles. Os estudantes não sabem a priori por que eles
precisam saber os conceitos estatísticos. O trabalho com exemplos relevantes e
interessantes os fará apreciar a importância do conhecimento estatístico.
O entendimento dos conceitos básicos de estatística deve preceder o cálculo.
Antes de usar as fórmulas, os estudantes devem perceber a utilidade, a necessidade de
uma certa estatística. Rumsey (op. cit.) aconselha o professor a ser seletivo no que ele
ensina, ou seja, não é porque um conteúdo está no livro-texto que ele tem que ser
ensinado. Promover o COMO em detrimento do POR QUE no ensino de estatística é
um erro. Em muitas vezes os cálculos se tornam um obstáculo para os estudantes, sem a
necessidade de sê-lo. Um exemplo: saber a fórmula do desvio padrão ajuda em quê o
entendimento dessa grandeza?
Dar aos estudantes a oportunidade de produzir seus próprios dados e encontrar
os resultados básicos, ajuda-os a tomar as rédeas de seu próprio aprendizado. Também
promove a habilidade de tomar a responsabilidade de resolver seus problemas, como
eles terão que fazer em seu ambiente de trabalho. É possível até, além de pedir aos
estudantes para coletarem os seus dados, pedir a eles para fazerem eles mesmos as
perguntas. Isso os ajuda a descobrir ou determinar métodos e técnicas por si próprios.
Rumsey (op. cit.) destaca o quanto de matéria ela não precisa ensinar fazendo isso...
Em relação à interpretação em nível básico, um exemplo pode esclarecer a
idéia: quando os estudantes fazem um teste de hipótese e chegam a uma decisão (rejeitar
H0 ou não rejeitar H0), será que eles sabem por que estão tomando essa decisão, ou
melhor, o que essa decisão implica em relação aos dados originais do problema? A
habilidade de interpretar a informação estatística e escrever conclusões próprias é crítica
num ambiente de trabalho e aqueles que são bons nisso serão mais capazes de avançar e
obter sucesso em suas profissões.
Habilidade de comunicação estatística envolve ler, escrever, demonstrar e
trocar informações estatísticas. Enquanto a interpretação demonstra o entendimento do
próprio estudante em relação às idéias estatísticas, a comunicação envolve a passagem
dessa informação para outra pessoa, de uma forma que ambas irão entendê-la.
Comunicação envolve traduzir alguma coisa de uma linguagem, estilo ou notação para
outra. Os recrutadores de candidatos a novos empregos utilizam esse critério como
chave para fazer a seleção. Para desenvolver essa habilidade de comunicação nos
estudantes, eles devem ser expostos a situações nas quais têm de explicar seus
resultados para convencer outras pessoas das suas idéias. E essa comunicação pode ser
oral ou escrita (ou ambas). Rumsey (op. cit) cita vários exemplos de exercícios para esse
tipo de habilidade, dos quais apresentamos um:
Escreva uma carta para o editor de um jornal explicando porquê um
gráfico mostrando o número de crimes em 1997 versus 1987 deve
conter também o tamanho da população em cada ano (p. 10).
Para melhorar a literacia estatística dos estudantes, eles precisam aprender a
usar a estatística como evidência nos argumentos encontrados em sua vida diária como
trabalhadores, consumidores e cidadãos. Ensinar estatística com base em assuntos do
dia-a-dia tende a melhorar a base de argumentação dos estudantes, além de aumentar o
valor e a importância que eles dão a essa disciplina.
2.2 - O pensamento estatístico
Snee (1999) afirma que “a pesquisa, a prática e a educação estatística estão
entrando em uma nova era, cujo foco está no desenvolvimento e no uso do pensamento
estatístico” (p. 255).
Os recentes avanços tecnológicos permitem que hoje os estudantes foquem os
processos estatísticos, em precedência ao cálculo, e a interpretação dos resultados
desses cálculos.
Sobre o pensamento estatístico, Chance (2002) levanta três questionamentos
básicos:
(i)
O que é pensamento estatístico?
(ii) Como podemos ensinar o pensamento estatístico?
(iii) Como
podemos
determinar
se
os
estudantes
estão
pensando
estatisticamente?
De acordo com Mallows (1998), podemos inicialmente imaginar o pensamento
estatístico como sendo a capacidade de relacionar dados quantitativos com situações
concretas, admitindo a presença da variabilidade e da incerteza, explicitando o que os
dados podem dizer sobre o problema em foco. O pensamento estatístico ocorre quando
os modelos matemáticos são associados à natureza contextual do problema em questão,
ou seja, quando surge a identificação da situação analisada e se faz uma escolha
adequada das ferramentas estatísticas necessárias para sua descrição e interpretação.
O entendimento dos padrões e estratégias de pensamento usados pelos
estatísticos e suas integrações para solucionar problemas reais é fundamental para
desenvolver o pensamento estatístico nos estudantes.
Uma característica particular do pensamento estatístico é prover a habilidade
de enxergar o processo de maneira global, com suas interações e seus porquês, entender
suas diversas relações e o significado das variações, explorar os dados além do que os
textos prescrevem e gerar questões e especulações não previstas inicialmente. O
pensador estatístico, segundo Chance (2002), é capaz de ir além do que lhe é ensinado
no curso, questionando espontaneamente e investigando os resultados acerca dos dados
envolvidos num contexto específico.
Em qualquer nível de ensino, o pensamento estatístico pode ser entendido
como uma estratégia de atuação, como um pensamento analítico (WODEWOTZKI &
JACOBINI, 2004).
Identificando esses componentes do pensamento estatístico, surge então o
desafio de desenvolvê-los nos estudantes. Apesar de não ser possível ensiná-los
diretamente aos alunos, é possível trabalhar na valorização de hábitos mentais que
permitam aos não estatísticos apreciar melhor o papel e a relevância desse tipo de
pensamento, provendo aos estudantes experiências que promovam e reforcem os tipos
de estratégias que desejamos que eles empreguem no tratamento de novos problemas.
Dentre os hábitos mentais e as habilidades de resolução de problemas
necessárias para o pensamento estatístico, Chance (2002) destaca:
• consideração sobre como melhor obter dados significantes e relevantes
para responder à questão que se tem em mãos;
• reflexão constante sobre as variáveis envolvidas e curiosidade por
outras maneiras de examinar os dados e o problema que se tem em
mãos;
• ver o processo por completo, com constante revisão de cada
componente;
• ceticismo onipresente sobre a obtenção dos dados;
• relacionamento constante entre os dados e o contexto do problema e
interpretação das conclusões em termos não-estatísticos;
• pensar além do livro-texto.
Entendemos que essas considerações não se aplicam em todos os casos, mas
podem estar presentes como um pano de fundo na mente dos estudantes sempre que
forem resolver os problemas estatísticos. Os estudos de caso e os trabalhos com projetos
podem viabilizar o desenvolvimento desses hábitos mentais, segundo Moore (2001).
Num trabalho com projetos nos quais os estudantes têm a responsabilidade de recolher
os dados brutos, analisá-los, interpretá-los e divulgá-los em um seminário ou
apresentação oral e escrita, pode-se perceber uma forte aproximação aos hábitos
anteriormente descritos.
Uma outra forma de encorajar o pensamento estatístico é não se aceitar
nenhum resultado numérico sem que esse seja relacionado ao contexto, à questão
original proposta pelo problema. Em outras palavras, é fundamental que as situações
trabalhadas com os estudantes contenham dados com alguma significação, devendo-se
evitar a todo custo as atividades que envolvem mero cálculo ou reprodução de
algoritmos de tratamento de dados puramente numéricos, sem que sua origem seja
explicitada ou sem que se conheça a finalidade do uso daqueles dados específicos e o
contexto em que foram colhidos.
Os estudantes devem acreditar nas técnicas que eles utilizam para tratamento
dos dados. Para que exista essa crença, é necessário que eles saibam por que estão
usando esta ou aquela técnica, ou ainda, como o uso de uma técnica diferente
influenciaria os resultados de uma pesquisa.
A relevância dos dados e das pesquisas deve sempre ser questionada pelos
estudantes e encorajada pelos professores. Chance (2002) nos apresenta um exemplo
muito interessante: no início de uma partida de futebol, a emissora de televisão mostra
uma estatística na qual afirma que o time X ganhou 11 de 12 partidas que disputou na
qual foi vencedor do cara-ou-coroa que se faz para escolher campo ou bola no início do
jogo. Um pensador estatístico imediatamente questionaria a relevância dessa
informação. Os esportes em geral e a mídia, em particular, costumam ser generosos
provedores desse tipo de estatística.
No processo de avaliação, é importante observar o desenvolvimento do
pensamento estatístico nos estudantes. Isso pode ser feito incorporando-se nos
instrumentos de avaliação questões relativas aos hábitos de pensamento aqui descritos.
O trabalho com projetos é particularmente importante para se avaliar o nível (conforme
descrito por Chance, 2002, citado na página anterior) de pensamento estatístico que se
encontra presente nos alunos, pois encoraja os estudantes a refletir sobre os processos,
criticar seu próprio trabalho, perceber as limitações dos conteúdos que aprenderam e
assim observar as diferentes dimensões da teoria e da prática18.
18
Entendemos que a teoria não consegue prever todas as situações que podem ocorrer na prática ao ‘fazer
estatística’. Na teoria, parece não haver dificuldades. É vivenciando a prática da Estatística que os
estudantes poderão experimentar os reais percalços dos conteúdos vistos em teoria.
Hoerl (1997) defende que o entendimento e a retenção dos conteúdos
estatísticos podem ser incrementados se a eles forem apresentados os processos de
pesquisa por completo, em precedência ao trabalho com as ferramentas de cálculo. O
pensamento estatístico representa um passo importante a ser dado em direção ao
entendimento dos conteúdos estatísticos. O desenvolvimento do pensamento estatístico
só será evidenciado no momento em que os estudantes demonstrarem suas habilidades
espontaneamente, quando colocados frente a problemas abertos. Os estudantes estão
habituados a resolver exercícios por meio de cálculos, buscando as respostas corretas,
que podem ser comparadas com um gabarito colocado no final do livro. Os hábitos de
questionamento, análise, escrever justificativas com suas próprias palavras e idéias não
são comuns nos estudantes e só serão desenvolvidos se a eles forem dados incentivos
para tanto, com problemas que permitam aos alunos exercitarem sua criatividade e sua
criticidade em situações novas, que ainda incentivem a reflexão e o debate.
Pfannkuch e Wild (2004) acreditam que a importância do pensamento
estatístico não deve ser subestimada, na medida em que ele tem sua relevância
incrementada em diversas áreas do pensamento humano. Segundo eles, “o
desenvolvimento do pensamento estatístico deve ser visto pelos educadores como
crucial para se entender e operar com o meio ambiente atual e para perceber a realidade
do mundo” (p. 42).
2.3 – O Raciocínio Estatístico
Garfield (2002) define o raciocínio estatístico como a maneira com a qual uma
pessoa raciocina com idéias estatísticas e faz sentido (make sense) com as informações
estatísticas. Isso envolve fazer interpretações sobre dados, representações gráficas,
construção de tabelas etc. Em muitos casos, o raciocínio estatístico envolve idéias de
variabilidade, distribuição, chance, incerteza, aleatoriedade, probabilidade, amostragem,
testes de hipóteses, o que leva a interpretações e inferências acerca dos resultados.
Moore (1992) diferencia o raciocínio estatístico do raciocínio matemático: “A
Estatística tem sua própria substância, seus próprios conceitos e modos de raciocínio.
Esses devem ser o coração do ensino de Estatística para os iniciantes em qualquer nível”
(p. 14).
Gal & Garfield (1997) fazem também uma distinção entre a Estatística e a
Matemática no que concerne ao raciocínio, baseada principalmente nas seguintes idéias:
• Na Estatística, os dados são vistos como números inseridos num certo
contexto, no qual atuam como base para a interpretação dos
resultados19.
• Os conceitos e procedimentos matemáticos são usados como parte da
solução de problemas estatísticos. Entretanto, a necessidade de buscar
resultados mais expressivos ou acurados tem levado à utilização
crescente de meios de alta tecnologia, principalmente computadores e
softwares, que se encarregam de fazer a parte operacional.
• A natureza fundamental de muitos problemas estatísticos é a de que
eles comumente não têm uma única solução matemática. Os problemas
de Estatística geralmente começam com um questionamento e
terminam com uma opinião, que se espera que seja fundamentada em
certos resultados teórico-práticos. Os julgamentos e as conjecturas
expressos
pelos
estudantes
freqüentemente
não
podem
ser
caracterizados como certos ou errados. Em vez disso, eles são
analisados quanto à qualidade de seu raciocínio, adequação e métodos
empregados para fundamentar as evidências.
Garfield & Gal (1999, pp. 12-13) estabelecem alguns tipos específicos de
raciocínio que são desejáveis que os estudantes (de graduação) desenvolvam enquanto
aprendem Estatística:
• Raciocínio
sobre
dados:
reconhecer
e
categorizar
os
dados
(qualitativos, quantitativos discretos ou contínuos), entender como cada
19
No capítulo 4, mostraremos que essa idéia também está presente na Educação Matemática Crítica.
tipo de variável leva a um tipo particular de tabela, gráfico ou medida
estatística.
• Raciocínio sobre representação dos dados: entender como ler e
interpretar gráficos, como cada tipo de gráfico é apropriado para
representar um conjunto de dados, reconhecer as características gerais
de uma distribuição pelo gráfico, observando a forma, o centro e o
espalhamento.
• Raciocínio sobre medidas estatísticas: entender o que as medidas de
posição e variabilidade dizem a respeito do conjunto de dados, quais
são as medidas mais apropriadas em cada caso e como elas representam
o conjunto de dados. Usar as medidas de posição central e de
variabilidade para comparar diferentes distribuições e entender que
amostras grandes são melhores do que as pequenas para se fazer
previsões.
• Raciocínio sobre incerteza: entender e usar as idéias de chance,
aleatoriedade20, probabilidade e semelhança para fazer julgamentos
sobre eventos, usar métodos apropriados para determinar a semelhança
de diferentes eventos (como simulações com moedas ou diagramas de
árvore, que ajudam a interpretar diferentes situações).
• Raciocínio sobre amostras: entender como as amostras se relacionam
com a população e o que pode ser inferido acerca de uma amostra,
saber que amostras grandes e bem selecionadas representarão melhor a
população. Tomar precauções quando examinar a população com base
em pequenas amostras.
20
O termo aleatoriedade, conforme Batanero (2001), compreende uma família de conceitos. Em sua
obra, ela relata diversos tipos de raciocínio pertinentes à idéia de aleatoriedade (op. cit., pp. 73 – 78)
• Raciocínio sobre associações: saber julgar e interpretar as relações
entre variáveis, em tabelas de dupla entrada ou em gráficos, entender
que uma forte correlação entre duas variáveis não significa que uma
causa a outra.
Assim como é preciso tomar medidas para estimular o raciocínio estatístico,
também se torna necessário estabelecer maneiras eficazes de avaliar esse
desenvolvimento nos estudantes. Espera-se que métodos apropriados de avaliação sejam
efetivados para revelar como os alunos raciocinam sobre as ferramentas estatísticas,
como eles interpretam os resultados e tiram conclusões. A habilidade de um estudante
em calcular a média aritmética, por exemplo, pouco esclarece sobre o seu entendimento
do assunto, ou seja, nada indica se o estudante entende o tipo de informação que se pode
obter com a média e o que ela pode revelar sobre o conjunto de dados a que se refere.
Raciocínios incorretos, freqüentemente baseados no senso comum ou no tipo
de entendimento que as pessoas têm sobre assuntos estatísticos sem base formal, são
comuns nos estudantes. Alguns desses raciocínios incorretos foram identificados por
Kahneman, Slovic e Tversky (1982), Konold (1989) e Lecoutre (1992), [apud Garfield
E Gal, 1999]:
• Média: a média é o número mais comum. Os conjuntos de dados
devem sempre ser comparados exclusivamente pelas suas médias. Para
encontrar a média, deve-se somar todos os números e dividir o
resultado pela quantidade de números somados (incluindo os outliers).
• Probabilidade: modelos intuitivos de probabilidade levam os estudantes
a tomar decisões do tipo sim/não ao invés de examinar a situação
globalmente. Por exemplo, se a previsão do tempo afirma que há 70%
de chance de chover, acredita-se de imediato que efetivamente vai
chover e, se não chove, diz-se que a previsão errou.
• Amostragem: imaginar que, para uma amostra ser representativa, ela
tem de ser grande, não importando como ela foi escolhida, ou seja,
negligenciar o processo de amostragem como fator importante para a
representatividade da população.
• Lei dos pequenos números: pequenas amostras são usadas como base
para inferências e generalizações acerca da população.
• Representatividade e equiprobabilidade: uma amostragem de cara ou
coroa é considerada melhor se apresentar uma quantidade semelhante
de caras e de coroas, enquanto uma amostragem com mais caras do que
coroas é considerada ruim.
Batanero (2001) também investiga os raciocínios incorretos e nos fornece
alguns exemplos na área de probabilidade semelhantes ao que acima foi mencionado:
A probabilidade de uma criança nascer homem é aproximadamente ½.
Qual das seguintes seqüências de sexos é mais provável que ocorra
em seis nascimentos?
a) HMMHMH
b) HMMMMH
c) as duas têm igual probabilidade (p. 66)
O raciocínio errado em questão é o de responder a letra (a), pois ambas
configurações têm a mesma chance de ocorrer.
Desenvolver o raciocínio estatístico nos estudantes não é uma tarefa simples.
Muitos autores afirmam que não é possível fazê-lo por instrução direta, e muitos notam
pouco ou nenhum progresso mesmo seguindo as recomendações acima descritas.
Sedlmeier (1999) afirma que o raciocínio estatístico raramente é ensinado, e quando o é,
raramente é bem sucedido. Já Nisbett (1993) defende que o raciocínio estatístico das
pessoas pode ser aprimorado se elas aprenderem as regras estatísticas e que estas podem
ser ensinadas por meio de instrução direta. Garfield (1998), entretanto, sugere que os
professores não ensinam especificamente os estudantes a usar e aplicar o raciocínio
estatístico. Ao contrário, eles ensinam conceitos e procedimentos, promovem o trabalho
com dados reais, com softwares, e esperam que o raciocínio estatístico se desenvolva
como um resultado desse trabalho. Contudo, aparentemente, o raciocínio estatístico não
se desenvolve dessa forma. Garfield (2002) conclui:
Não há um consenso entre os pesquisadores sobre como ajudar os
estudantes a desenvolver o raciocínio estatístico ou como determinar
o correto nível de seu raciocínio. Talvez com mais estudos em sala de
aula que examinem os tipos de raciocínio, os conhecimentos de prérequisito e as habilidades necessárias a cada tipo de raciocínio, além
do impacto de diferentes atividades de ensino, os pesquisadores
possam ser capazes de entender o processo de como se desenvolve
corretamente o raciocínio estatístico (p. 4).
Garfield (op. cit.) identifica cinco níveis de raciocínio estatístico:
Nível 1 – Raciocínio idiossincrático. O estudante sabe algumas palavras e
símbolos estatísticos, usa-os mesmo sem entendê-los completamente e
mistura-os com informações não relacionadas. Por exemplo: os
estudantes aprenderam os termos média, mediana e desvio padrão como
medidas de resumo, mas fazem uso incorreto delas (por exemplo,
comparando a média com o desvio padrão ou fazendo julgamentos sobre
uma boa média ou um bom desvio padrão).
Nível 2 – Raciocínio verbal. O estudante tem entendimento verbal de certos
conceitos, mas não aplica isso em seu comportamento. Por exemplo, o
estudante pode selecionar ou prover uma correta definição, mas não
entende completamente o seu conceito (por exemplo, porque a média é
maior que a mediana em distribuições com assimetria positiva).
Nível 3 – Raciocínio transicional. O estudante é capaz de identificar
corretamente uma ou duas dimensões de um processo estatístico, mas
sem integrar completamente essas dimensões. Por exemplo, uma amostra
maior leva a um intervalo de confiança menor, um desvio padrão menor
leva a um intervalo de confiança menor.
Nível 4 – Raciocínio processivo. O estudante é capaz de identificar
corretamente as dimensões de um conceito ou processo estatístico, mas
não integra completamente essas dimensões ou não entende o processo
por completo. Por exemplo, o estudante sabe que a forte correlação entre
duas variáveis não implica necessariamente que uma causa a outra, mas
não pode explicar o porquê.
Nível 5 – Raciocínio processual integrado. O estudante tem um completo
entendimento sobre um processo estatístico, coordenando as regras e o
comportamento da variável. O estudante pode explicar o processo com
suas próprias palavras e com confiança. Por exemplo, o estudante pode
explicar o que um intervalo de confiança de 95% significa em termos do
processo se obtiver uma distribuição amostral de uma população.
Nós acreditamos que é possível ajudar os estudantes a desenvolver o raciocínio
estatístico. Para tanto, certos procedimentos devem ser incorporados ao dia-a-dia da sala
de aula, tais como incentivar os estudantes a descrever verbalmente o processo
estatístico que está sendo analisado. Atividades que desafiam os estudantes a explicar o
que faz um desvio padrão ser maior ou menor podem, por exemplo, ajudar no
desenvolvimento do raciocínio sobre a variabilidade (DELMAS, 2001). Atividades que
permitem uma simulação visual de amostras de uma população, variando o tamanho da
amostra ou os parâmetros da população, ajudam os estudantes a desenvolver o
raciocínio sobre distribuição amostral (GARFIELD, 2002).
Se os professores estiverem atentos aos tipos de raciocínio que precisam
reforçar em seus estudantes, podem promover atividades para ajudar a desenvolvê-los.
Da mesma forma, podem proporcionar atividades nas quais possam avaliar o nível de
desenvolvimento do raciocínio dos estudantes, para melhor direcionar suas aulas e
assim otimizar o aprendizado dos seus alunos. Acreditamos que isso não seja uma tarefa
simples, mas o entendimento da hierarquização dos níveis de desenvolvimento do
raciocínio estatístico, conforme apresentado por Garfield (op. cit.), nos dá uma idéia de
que os erros dos alunos podem fornecer importantes informações sobre suas falhas de
raciocínio. Observando isso, o professor pode procurar desenvolver estratégias que
possibilitem o enfrentamento e a superação dessas falhas por conta do desenvolvimento
correto do raciocínio estatístico.
2.4 – Raciocínio + Pensamento + Literacia
Para desenvolver a literacia nos estudantes, tem-se que pensar em outras
capacidades correlatas que irão se juntar a ela para promover um completo
entendimento dos conceitos estatísticos (RUMSEY, 2002).
delMas (2002) interpreta a literacia estatística como uma meta de abrangência
geral dentro do ensino da Estatística e também entende que deve-se levar em conta a
existência de seus aspectos comuns ao pensamento e ao raciocínio estatístico.
Assim, entendemos que não é produtivo pensar no ensino da Estatística
baseado nessas três capacidades consideradas independentemente, pois elas se
complementam e somente juntas é que vão abranger a compreensão global da
Estatística.
A literacia pode ser vista como o entendimento e a interpretação da informação
estatística apresentada, o raciocínio representa a habilidade para trabalhar com as
ferramentas e os conceitos aprendidos e o pensamento leva a uma compreensão global
da dimensão do problema, permitindo ao aluno questionar espontaneamente a realidade
observada por meio da Estatística (CHANCE, 2002).
Não há uma capacidade que tenha precedência sobre outra, mas de certa forma,
há uma relação intrínseca entre elas. delMas (2002) propõe duas interpretações para a
relação entre as três capacidades:
Figura 2.1- Domínios independentes, com alguma interseção (DELMAS, 2002, p. 4)
Segundo essa interpretação, cada capacidade tem um domínio independente
das demais, ao mesmo tempo em que existem interseções parciais entre dois domínios e
uma parte de interseção das três capacidades. Se essa perspectiva está correta, é possível
desenvolver uma capacidade independentemente das outras, ao mesmo tempo em que
devem existir atividades que enfatizam as três capacidades ao mesmo tempo.
Figura 2.2- Raciocínio e Pensamento contidos na Literacia. (DELMAS, 2002, p.4)
Esta segunda interpretação apresenta a Literacia como uma capacidade de
abrangência geral, com o pensamento e o raciocínio incluídos em seu domínio. Um
cidadão estatisticamente competente (ou seja, estatisticamente letrado), tem o
pensamento e o raciocínio totalmente desenvolvidos. Esta interpretação é mais
abrangente, mas mais difícil de se perseguir, pois aparentemente requer do aluno uma
grande vivência na disciplina, tanto dentro como fora da sala de aula.
De qualquer forma, em ambos os diagramas pode-se notar que existe interseção
entre as três capacidades. Também podemos concluir que devem existir conteúdos nos
quais um dos domínios é predominante. delMas (2002) entende que, num conteúdo
específico, pode-se perseguir abordagens que enfatizem cada uma das três capacidades
independentemente, e ainda dentro do mesmo conteúdo, podem ser desenvolvidas
atividades que verifiquem as três capacidades simultaneamente.
Em complemento a essas interpretações, nós propomos um diagrama que
utiliza a figura 1 como base, mas que admite a existência de um conjunto universo da
Estatística em seu entorno. Nesse diagrama, teríamos domínios da Estatística que não
desenvolvem nenhuma das três capacidades. Esses domínios seriam a parte da
Estatística que lida, por exemplo, com o cálculo puro ou com o uso da tecnologia.
Figura 2.3- O conjunto universo da Estatística contém elementos que não desenvolvem
aspecto algum das três capacidades.
Os elementos que estariam na parte colorida (azul claro) do diagrama acima
seriam aspectos marginais da Estatística, tais como o conhecimento sobre as funções
computacionais, ou seja, as sintaxes de comando de programas como o Excel. Também
estariam inseridos nesse contexto as fórmulas de cálculo de arranjo, combinação e
permutação, que em si não desenvolvem conceito algum de Estatística, mas que podem
ser utilizadas no cálculo de certas probabilidades (observe que o conceito de
probabilidade independe dessas fórmulas). Outro exemplo seriam as matrizes e os
determinantes, usados na regressão com duas ou mais variáveis explicativas.
Poderíamos também citar as derivadas parciais, usadas para a dedução das fórmulas do
método dos mínimos quadrados. Se quiséssemos ir adiante, poderíamos ainda inserir
nesse contexto os algoritmos das operações básicas de multiplicação, divisão, a raiz
quadrada, potenciação e outros. Tais conteúdos, embora marginais, integram o campo
conceitual da Estatística, fazem parte de seu conjunto Universo, porém, são sobretudo
do domínio da Matemática. Entretanto, observamos que muitos professores gastam boa
parte de seu tempo de aula explicando esses conteúdos, que supostamente seriam
prioritários para a Estatística. Embora alguns possam discordar, entendemos que tais
conteúdos podem, no domínio da Estatística, resolver-se mediante o auxílio da
tecnologia (calculadoras, emuladores, computadores), visto que pouco (ou nada)
contribuem para o desenvolvimento das três capacidades aqui ressaltadas como mais
importantes.
Bem, mas o debate principal é COMO desenvolver as três capacidades.
Entendemos, em acordo com os autores aqui referenciados, que elas não podem ser
desenvolvidas mediante instrução direta dos educadores. A idéia é a de que os
professores possam atuar junto aos aprendentes de modo a favorecer a vivência dessas
capacidades, possibilitando assim a construção e o desenvolvimento contínuo delas.
Essas capacidades devem, sobretudo, representar os objetivos a serem
perseguidos pelos professores no âmbito do ensino de Estatística em cursos de nível
superior. Desse forma, como ressalta delMas (2002), não é possível assumir que o
raciocínio, o pensamento e a literacia estatística vão surgir nos estudantes se não forem
tratados explicitamente como objetivos pelos professores. Além disso, esses objetivos
têm de ser perseguidos pelos instrutores, mediante a elaboração de estratégias de sala de
aula planejadas para esse fim e da preparação de avaliações que requeiram dos
estudantes uma demonstração do desenvolvimento dessas capacidades. Isso sugere,
ainda segundo delMas (op. cit.), que os professores devem coordenar os objetivos do
curso com as atividades de sala de aula e as avaliações, de forma que, somente quando
isso for realmente feito, existirá um retorno significativo para os alunos e para o
professor.
Um aspecto comum ao desenvolvimento das três capacidades é que a
interpretação da informação estatística só é possível com o entendimento do contexto
em que ela está inserida. Assim, o ensino de um procedimento deve sempre ser
acompanhado de exemplos de contextos nos quais ele é aplicável e de outros nos quais
ele não é aplicável. O entendimento desse aspecto deve levar o estudante a selecionar
apropriadamente os procedimentos ou identificar as condições que legitimam o uso de
um procedimento específico. Analogamente, um termo ou definição não deve nunca ser
ensinado isoladamente, pois corre-se o risco de o estudante não reconhecer em que
condições práticas (ou reais) ele pode ou deve ser usado.
Complementando essa idéia, delMas (op. cit.) reforça a importância da
avaliação:
A mim parece que a avaliação freqüentemente não recebe a mesma
atenção como a instrução, mesmo que ela tenha a mesma
proeminência. Eu acredito que nós cometemos uma falácia
instrucional quando uma matéria ou atividade apresentada, que é
relacionada a um objetivo do curso, e o resultado de seu aprendizado
não é avaliado. Eu certamente tenho sido culpado nesse crime (p. 2).
Chance (2002) concorda com delMas, desafiando os professores a ensinar e
avaliar aquilo que rogam ser importante e estabelecendo o que ela chama de mantra
número um: avalie aquilo que você dá valor.
As desculpas mais freqüentes dos professores para não avaliar tudo o que
ensinam são:
I)
Não há espaço suficiente em um exame para incluir todos os conteúdos
do curso.
II) É difícil estabelecer um critério claro que especifique se o aluno atingiu
ou não um certo objetivo.
III) Se a avaliação for rigorosa, muitos alunos ficarão reprovados.
Com a ajuda de delMas (2002) procuramos derrubar esses argumentos com as
seguintes colocações:
I)
A avaliação não precisa ocorrer somente de maneira formal, como um
exame escrito. Se não encontramos lugar na prova escrita, outras formas
de avaliação devem ser exploradas;
II) Na confecção de atividades que visam a desenvolver um certo conceito,
deve-se
abranger
ao
mesmo
tempo
um
componente
de
avaliação/feedback. Esses feedbacks podem ser automáticos e podem
produzir uma oportunidade de autocorreção, ou uma correção just-intime, que irá preencher a lacuna de entendimento que o estudante revelou.
III) Avaliar não significa dar nota. O conceito de avaliação está mais
relacionado ao ato de verificação de aprendizagem, para que o professor
possa buscar as falhas do processo de educação e assim planejar medidas,
dando ao aluno novas chances de construir os saberes para os quais
apresentou dificuldades.
Fora isso, delMas (op. cit.) afirma que o estudante fica consideravelmente
desapontado quando estuda muito um certo conteúdo dado em classe e ele não aparece
na avaliação. Seguindo a idéia apresentada acima, conteúdos que não serão avaliados na
prova escrita podem ter atividades específicas em classe para sua avaliação, e essas
atividades devem pesar na nota final do aluno, de forma a trazer a ele uma motivação
extra para se empenhar em participar construtivamente da atividade.
Hubbard (1997) afirma que é possível e desejável que, no processo de
avaliação, o professor construa questões que:
I)
Tenham foco explícito nos objetivos do curso.
II) Façam distinção entre a aprendizagem superficial e profunda, isto é, as
respostas devem requerer que os estudantes pensem sobre o que eles
aprenderam e não meramente reproduzam o que aprenderam.
III) Mostrem aos estudantes que a aprendizagem por mera reprodução ou
memorização de fórmulas e algoritmos não está sendo encorajada.
IV) Testem o entendimento dos conceitos de maneira não trivial.
Para facilitar a elaboração das atividades de sala de aula, bem como as
avaliações, delMas (op. cit.) apresenta uma tabela na qual as três capacidades são
diferenciadas quanto aos objetivos dos exercícios. De forma simplificada, observando
esses objetivos podemos distinguir com qual capacidade estamos trabalhando. Assim,
entendemos ser possível orientar a construção de atividades que privilegiem as três
capacidades, desde que a elas sejam inseridos objetivos típicos de seus domínios.
Tabela 2.1- Os objetivos das atividades podem distinguir as três capacidades
Literacia Básica
Raciocínio
Pensamento
Identificar
Por quê?
Aplicar
Descrever
Como?
Criticar
Interpretar
Explique (o processo)
Estimar, Avaliar
Ler
Generalizar
Reescrever
Traduzir
Fonte: delMas, 2002, p.6
Dessa forma, identificamos algumas ações com o objetivo de auxiliar o
professor a proporcionar ao aluno o desenvolvimento das três capacidades no ensino:
I)
Sempre que possível, trabalhar com dados reais.
II) Sempre relacionar os dados ao contexto em que estão inseridos.
III) Sempre orientar os alunos para que interpretem seus resultados.
IV) Permitir que os estudantes trabalhem juntos (em grupo) e que uns
critiquem as interpretações de outros, ou seja, favorecer o debate de
idéias entre os alunos.
V)
Promover julgamentos sobre a validade das conclusões, ou seja,
compartilhar com a classe as conclusões e as justificativas apresentadas.
VI) Avaliar constantemente o desenvolvimento das três capacidades em cada
domínio da Estatística.
VII) Para cada conteúdo, promover a triangulação:
OBJETIVOS
ATIVIDADES
AVALIAÇÃO
Por fim, citamos Hubbard: “Projetos nos quais os estudantes criam ou coletam
dados, apresentam, analisam e os discutem são uma poderosa ferramenta para
desenvolver o entendimento” (1997, p. 4).
2.5 – Raciocínio Estatístico x Raciocínio Matemático
O raciocínio estatístico é essencialmente distinto do raciocínio matemático,
pelo menos em relação aos objetivos da estatística que consideramos relevantes. Na
Matemática, trabalhamos com um raciocínio que decorre do uso de uma lógica formal
de operações, associações, deduções e implicações. Já na Estatística, temos um
raciocínio de decisão, de análise, que atua de acordo com um sistema complexo,
utilizando heurísticas adquiridas em uma relação empírica com a experiência do
cotidiano. Podemos identificar, por exemplo, o raciocínio correlacional e o inferencial,
que não ocorrem no aprendizado da Matemática comum.
Moore (1992) afirma, dentre outras coisas, que:
(i)
A Estatística é uma disciplina científica autônoma que tem seus métodos
específicos de raciocínio.
(ii) Ainda que seja uma ciência matemática, não é um subcampo da
Matemática. A Estatística não surgiu da Matemática.
(iii) Ainda que seja uma disciplina metodológica, não é uma coleção de
métodos.
(iv) A Estatística é a ciência dos dados. Com mais precisão, o objeto da
Estatística é o raciocínio com base em dados empíricos. Os dados não são
simplesmente números, mas sim números em um contexto.
(v) Nos últimos anos, a tecnologia tem feito a investigação e a prática
estatística se distanciar cada vez mais da Matemática.
(vi) A Estatística tem suas próprias controvérsias, que estão distantes das
controvérsias relacionadas com os fundamentos da Matemática.
(vii) A relação entre a Estatística e a Matemática se produz em um único
sentido (não é biunívoca): a Estatística toma conceitos matemáticos para
o desenvolvimento de seus métodos, em contrapartida a Matemática não
toma conceitos Estatísticos.21
Entendemos que o raciocínio estatístico tem natureza diferente do raciocínio
matemático, primeiramente porque os objetos de estudo dessas disciplinas são
intrinsecamente diferentes. A Estatística estuda fenômenos coletivos, caracterizados por
informações acerca de uma população ou universo, trabalha com previsões, com
21
Não é o caso da Matemática Aplicada.
reflexões, com incertezas, e com interpretações baseadas num raciocínio típico de seus
métodos.
Segundo Kader e Perry (2006), a resolução de problemas de Estatística e a
tomada de decisões dependem de um entendimento, explicação e quantificação da
variabilidade dos dados. É esse foco na variabilidade dos dados que enfatiza a diferença
entre a Estatística e a Matemática.
Batanero (2001) aponta outros pontos de diferenciação e destaca:
A natureza da Estatística é muito diferente da cultura determinista
tradicional da matemática. Um indicador disso é que ainda hoje em
dia prosseguem as controvérsias filosóficas sobre a interpretação e a
aplicação de conceitos básicos como os de probabilidade,
aleatoriedade, independência ou teste de hipóteses, enquanto estas
controvérsias não existem em álgebra ou geometria. As dimensões
políticas e éticas do uso e possível abuso da Estatística e da
informação estatística contribuem para a especificidade de seu campo
(p. 7).
O raciocínio estatístico pode depender ou não do raciocínio matemático.
Muitas vezes, podemos supor que ele deriva do raciocínio matemático, mas isso não é
necessariamente verdade.
Para exemplificar nossa idéia de diferenciação dos dois tipos de raciocínio,
vamos usar o conceito de média aritmética. Existe um algoritmo matemático que leva ao
cálculo da média aritmética, seja ela simples ou ponderada. Um aluno pode aprender
esse algoritmo e, por conseguinte, ser capaz de calcular corretamente a média aritmética
de um conjunto de dados. Ocorre que, se ele baseia seu raciocínio de resolução de um
problema somente no algoritmo de cálculo da média, ele pode incorrer em erros
(derivados do erro de cálculo) que poderiam ser evitados se ele tivesse compreendido o
conceito de média aritmética.
Os resultados das investigações que temos descrito sobre a média
mostram também que o conhecimento das regras de cálculo por parte
dos estudantes não implica necessariamente uma compreensão real
dos conceitos subjacentes. Se os alunos adquirem só o conhecimento
do tipo computacional, é provável que cometam erros previsíveis,
salvo nos problemas mais simples. Além disso, propor o algoritmo de
cálculo prematuramente pode influir negativamente na compreensão
desse conceito (BATANERO, 2001, p. 85).
Admitimos que os estudantes possuem uma noção intuitiva de média como
uma medida de centro, de localização central. Assim, é mais produtivo trabalhar o
conceito de média com essa noção intuitiva sendo valorizada, para introduzir os
algoritmos num momento posterior, de modo a não fazê-lo sobrepor ao conceito
intuitivo, mas sim facilitá-lo e operacionalizá-lo. Assim, mesmo sendo a média
aritmética um conceito ligado a um cálculo matemático, o raciocínio puramente
matemático não implica na compreensão do objeto estatístico, que possui uma dimensão
muito mais ampla e deriva de noções que não estão necessariamente ligadas ao cálculo
ou ao uso de algoritmos.
Outro exemplo que poderíamos mencionar é o caso da probabilidade. Em
Matemática, esse conceito está mais ligado à idéia de razão, de proporção entre um
número de casos favoráveis (sucesso) e o número de elementos do espaço amostral.
Para a Estatística, o conceito de probabilidade22 deriva do conceito de aleatoriedade e
sua compreensão passa então a um plano mais complexo, pois não depende do aluno
saber reproduzir uma definição do que seja aleatório, mas de que ele assimile esse
conceito baseado no estudo de fenômenos concretos e nos conhecimentos prévios que
ele traz em si.
O raciocínio típico da Estatística é diferente do que se usa em
Matemática e daí que seja legítimo tentar evitar que o ensino da
Estatística se faça adotando uma orientação semelhante à que é
seguida quando se ensina Matemática (BRANCO, 2000, pp. 24-5).
Enquanto a Matemática tem sua compreensão ligada a propriedades
operacionais e deduções lógicas que caracterizam seu raciocínio, a Estatística depende
de conceituações subjetivas, muitas vezes ligadas a algum conceito matemático, mas
22
Cordani (2001) lista diversas definições de probabilidade segundo a teoria lógica, a teoria empírica e a
subjetiva (pp. 63-67). Na obra de Coutinho (1994 e 2001) também encontramos vários enfoques atrelando
o conceito de probabilidade à apreensão do acaso e à identificação do experimento aleatório. Em
Wonnacott & Wonnacott (1980, pp.32-62) encontramos uma interessante explanação sobre probabilidade
do ponto de vista estatístico, incluindo a probabilidade simétrica e a axiomática, entre outras.
que invariavelmente extrapolam esse conceito e demandam o uso de funções cognitivas
diferenciadas, ligadas a associações, interpretações, análises complexas e relações
abstratas, dentro de uma compreensão global de um fenômeno (pensamento estatístico)
e descrita por meio de uma linguagem própria (literacia estatística).
Cognitivamente falando, o cérebro humano é dividido em dois hemisférios, o
direito e o esquerdo. Atividades de linguagem e de lógica são prioritariamente
trabalhadas no lado esquerdo, enquanto o lado direito se ocupa de imagens, padrões e
processos indutivos. Segundo essa separação23, a Matemática é desenvolvida
principalmente no lado esquerdo. Já a habilidade em analisar dados é prerrogativa do
hemisfério direito (CORDANI, 2001). Dessa forma, pode-se compreender a
diferenciação de raciocínios necessários para a melhor compreensão da Matemática e da
Estatística, admitindo-se que esta última demanda uma cooperação entre os hemisférios,
sendo por isso mais complexa, ou, no mínimo, diferenciada da Matemática comum.
Apesar dessa diferenciação ser, para nós, clara nos termos que aqui expusemos,
devemos admitir a existência de competências comuns ao trabalho pedagógico das duas
disciplinas. O ensino de Matemática que valoriza os aspectos aplicados dessa disciplina
em situações concretas, ligadas ao cotidiano dos estudantes, que valoriza o trabalho com
situações-problema e que expõe os alunos a condições interpretativas do contexto dos
números, se aproxima muito dos objetivos do ensino da Estatística. Ao diferenciar os
aspectos relativos ao raciocínio matemático e ao raciocínio estatístico, estamos apenas
tornando mais evidentes as características próprias desses raciocínios num contexto
cognitivo de aprendizagem e não no contexto pedagógico. Ao se considerar que um
aluno só aprendeu Matemática se ele souber aplicar os conhecimentos adquiridos para
solucionar situações novas, práticas, aplicadas a um contexto que tem relevância para
ele, então estaremos observando uma grande convergência entre os objetivos da
Educação Matemática e da Educação Estatística. É baseado nesse aspecto convergente
que nos valemos nesta pesquisa das idéias da Modelagem Matemática e da Educação
Crítica para construir os ambientes (ou as situações) de aprendizagem voltados tanto
para o conteúdo estatístico como para questões que são do interesse dos alunos, no
âmbito da sala de aula.
23
Válida para destros. Em sinistros a posição é invertida.
2.6 – Metas e recomendações para o ensino de Estatística
Com intuito de prover os estudantes da oportunidade de desenvolver as três
capacidades, Garfield e Gal (1999) destacam uma série de metas necessárias para
orientar os objetivos dos professores de Estatística. São elas:
• Entender o propósito e a lógica das investigações estatísticas que se
encontram por trás dos métodos aplicados.
• Entender a natureza de um processo de investigação estatística e o
planejamento de obtenção de dados, incluindo como, quando e por que
as ferramentas estatísticas podem ser usadas.
• Desenvolver habilidades para organizar dados, construir tabelas e
gráficos
e,
inclusive,
usar
convenientemente
as
ferramentas
informáticas disponíveis.
• Desenvolver e compreender de maneira formal e intuitiva as principais
idéias matemáticas envolvidas.
• Entender os conceitos relacionados à probabilidade e incerteza que
aparecem na vida cotidiana, especialmente na mídia.
• Desenvolver habilidades de interpretação dos resultados, de postura
crítica e reflexiva sobre argumentos estatísticos.
• Desenvolver
habilidades
de
se
comunicar
estatisticamente,
apresentando seus resultados e discutindo e argumentando sobre suas
interpretações usando terminologia própria da Estatística.
O NCTM24, no sentido de aprimorar o desenvolvimento das três capacidades,
estabelece algumas recomendações para os professores: (apud GARFIELD E GAL, op.
cit.)
24
National Council of Teachers of Mathematics
• Prover os estudantes de oportunidades de trabalho com dados reais,
resolvendo problemas de interesse dos alunos, envolvendo todos os
passos de uma pesquisa. Fazer os estudantes tomar decisões, analisando
e justificando-as.
• Prover os estudantes de raciocínio de articulação, incluindo
comunicação oral e escrita como parte regular da resolução de
problemas. Encorajar os estudantes a ir além das respostas comuns,
explicar os procedimentos e interpretar os resultados.
• Alertar os estudantes a tomar cuidado com seu pensamento e
raciocínio, promovendo discussões sobre as possíveis soluções de um
problema.
• Dar aos estudantes a oportunidade de usar a tecnologia na exploração
dos dados de um problema, com o intuito de focar mais no raciocínio e
menos no cálculo das medidas estatísticas.
• Introduzir softwares que ajudem os estudantes a avaliar seu raciocínio,
ou seja, utilizar programas de computador para fazer simulações e
testar as modificações que ocorrem ao se trabalhar com diferentes
amostras.
• Avaliar constantemente o surgimento e o desenvolvimento do
raciocínio, da literacia e do pensamento estatísticos. Não ficar restrito a
exames escritos objetivos, mas avaliar no dia-a-dia da sala de aula,
mediante atividades específicas, que evidenciem o nível das
capacidades. Prover o retorno dessa avaliação no próprio momento de
sua realização, por exemplo, mediante discussões e debates sobre as
interpretações e análises mais adequadas a cada conteúdo.
Esta última recomendação não está no NCTM. Foi introduzida por nós,
baseada nos levantamentos realizados neste trabalho de pesquisa. Ao introduzir esse
item, pretendemos valorizar a avaliação continuada, que entendemos ser de suma
importância para que o professor possa identificar se o estudante está mobilizando
adequadamente o raciocínio e o pensamento estatísticos.
Cap. 3 – A Modelagem Matemática
A aproximação da Estatística com a Matemática nos abre a possibilidade de
fazer uso de alguns aspectos da Educação Matemática na elaboração e na análise de
algumas propostas de trabalho de conteúdos estatísticos em sala de aula. Em
concordância com os elementos da fundamentação teórica da Educação Estatística,
encontramos um aspecto da Educação Matemática que nos será de grande valor para o
desenvolvimento deste trabalho de pesquisa. Trata-se da Modelagem Matemática, que
nos instrui de maneira fundamental na elaboração de projetos pedagógicos.
D’Ambrosio (2002) reflete sobre a Matemática e faz uma associação dela com
a idéia de modelo:
A matemática, como o conhecimento em geral, é resposta às
pulsações da sobrevivência e de transcendência, que sintetizam a
questão existencial da espécie humana. A espécie cria teorias e
práticas que resolvem a questão existencial. Essas teorias e práticas
são as bases de elaboração de conhecimento e decisões de
comportamento, a partir de representações da realidade. As
representações respondem à percepção de espaço e tempo. A
virtualidade dessas representações, que se manifesta na elaboração de
modelos, distingue a espécie humana das demais espécies (op. cit, p.
27).
A elaboração de modelos ou a presença da Modelagem Matemática no contexto
da Educação Matemática se coloca essencialmente em situações que visam a representar
e estudar matematicamente um problema que provém do mundo real e cuja solução
deverá possibilitar sua análise, reflexão, conscientização, discussão e validação. No caso
da presente pesquisa o interesse se volta para situações que tenham estreita ligação com
a formação profissional do estudante de graduação. Assim, a Modelagem Matemática se
torna coerente com os pressupostos da Educação Estatística ao conjugar a idéia de
aprender Estatística fazendo Estatística por meio do estudo, investigação, análise,
interpretação, crítica e discussão de situações do cotidiano do aluno (ou de situações
reais).
Nesse sentido, no presente trabalho adotamos estratégias de ensinoaprendizagem formuladas por meio da modelagem matemática e, por isso, apresentamos
aqui algumas noções dessa prática pedagógica, estabelecendo suas ligações com a
Educação Estatística. Para esta análise, tomamos como base principalmente os trabalhos
de D’Ambrosio (1991), Bassanezi (2004) e Biembengut & Hein (2003).
3.1 – O que é a modelagem matemática
A palavra modelo nos dá a idéia de representação. Por exemplo, para estudar
um edifício, podemos construir um modelo em menor escala para facilitar esse estudo
(maquete). Para confeccionar uma roupa, muitas vezes é preciso fazer um desenho, uma
representação da peça, ou seja, um modelo.
De maneira geral, podemos criar modelos para interpretar e estudar os
fenômenos, sejam eles naturais ou sociais. O avanço da tecnologia tem tornado comum
o uso de modelos virtuais que possibilitam uma enorme quantidade de simulações.
Em todos esses aspectos citados, o objetivo da criação de um modelo pode ser
analítico, explicativo, pedagógico, de previsão etc.
A Matemática é particularmente pródiga na possibilidade de criar modelos,
pois qualquer problema quantificável requer a intervenção de um ente matemático.
Nessa perspectiva, um conjunto de símbolos e relações matemáticas
que procura traduzir, de alguma forma, um fenômeno em questão ou
problema de situação real, denomina-se ‘modelo matemático’
(BIEMBENGUT & HEIN, 2003, p.12).
O processo que envolve a obtenção de um modelo matemático é conhecido
como modelagem matemática. A modelagem se configura como a arte de modelar, de
criar modelos para os mais diversos fins e pode ser vista como uma forma de
constituição e de expressão do conhecimento.
O nível de conhecimento matemático do modelador é determinante na
qualidade do modelo que ele cria. Além do conhecimento matemático, o modelador
precisa lançar mão de certa dose de criatividade e intuição, com o objetivo de interpretar
corretamente o contexto a ser estudado e adaptar adequadamente as ferramentas
matemáticas apropriadas.
A validade ou a riqueza do modelo não estão somente ligadas à sofisticação
matemática que o envolve, mas à sua capacidade de explicação, de predição, de
adaptação, de adequação e de aplicação em diferentes contextos.
A modelagem matemática é, assim, uma arte, ao formular e elaborar
expressões que valham não apenas para uma solução particular, mas
que também sirvam, posteriormente, como suporte para outras
aplicações e teorias (BIEMBENGUT & HEIN, 2003, p.13).
A Matemática e a realidade podem ser conectadas por meio da modelagem.
Essa conexão interativa é feita mediante o uso dos processos matemáticos conhecidos,
com o objetivo de estudar, analisar, explicar, prever situações da vida cotidiana concreta
que nos cercam.
D’Ambrosio (1991) relaciona a modelagem com a reflexão. Para ele, as
reflexões são ações sobre a realidade e elas conduzem ao saber:
Uma das manifestações da reflexão é a modelagem. O esforço de
explicar, de entender, de manejar uma porção da realidade, um
sistema, normalmente se faz isolando esse sistema e escolhendo
alguns parâmetros nos quais concentraremos nossa análise. [...] Dessa
maneira, considera-se um modelo e passa-se a analisar e refletir sobre
o modelo. Este é o processo de modelagem (D’AMBROSIO, 1991, p.
11).
A modelagem matemática não é uma idéia recente, visto que ela esteve
envolvida na construção histórica de muitas teorias científicas e, em particular, das
teorias matemáticas. D’Ambrosio (op. cit.) considera a modelagem como a metodologia
por excelência da Matemática ocidental, proveniente do pensamento grego. São
exemplos históricos de modelagem em Matemática, a Geometria Euclidiana, a
Mecânica Newtoniana, a Óptica Geométrica, além de muitas outras teorizações
matemáticas.
3.2 – As etapas do processo de modelagem
A construção de um modelo matemático envolve três etapas:
I)
Interação: reconhecimento da situação-problema e familiarização com o
tema a ser abordado construção do referencial teórico.
Primeiro deve-se traçar as linhas gerais da situação que se deseja estudar, para
então pesquisar nas publicações disponíveis outros estudos correlacionados. Essa etapa,
em geral, não se finda antes do início da outra, pois o reconhecimento e a familiarização
com o problema vão sendo aprofundados ao longo de todo o processo de construção do
modelo.
II) Matematização: formulação do problema, criação de hipóteses e
resolução do problema.
Nessa etapa é que vai ocorrer a transposição do problema para a linguagem
matemática, por isso ela pode ser considerada a parte mais complexa e mais importante
do processo de construção do modelo. Aqui, a experiência, a criatividade e a intuição do
modelador vão interferir sobremaneira.
Para a formulação do problema, deve-se classificar as informações disponíveis,
focando aquelas que são mais relevantes para a abordagem que se deseja fazer, levantar
as hipóteses, selecionar as variáveis e constantes envolvidas e descrevê-las em termos
de símbolos e relações matemáticas.
O objetivo principal deste momento do processo de modelar é chegar
a um conjunto de expressões aritméticas ou fórmulas, ou equações
algébricas, ou gráfico, ou representações, ou programa
computacional, que levem à solução ou permitam a dedução de uma
solução (BIEMBENGUT & HEIN, 2003, p.14).
III) Modelo matemático: interpretação da solução e validação do modelo.
Bassanezi chama de modelo matemático “um conjunto de símbolos e relações
matemáticas que representam de alguma forma o objeto estudado” (2004, p.20).
Nessa etapa, procede-se à resolução e à análise dos resultados, mediante o uso
das opções matemáticas escolhidas ou disponíveis, o que requer bom conhecimento do
conteúdo matemático envolvido. A avaliação é feita verificando-se a adequação do
resultado à situação-problema inicialmente proposta e sua confiabilidade, destacando-se
a significação e a relevância da solução encontrada.
Caso o modelo não produza uma solução satisfatória, deve-se retornar à etapa
(II) para rever a matematização realizada, fazendo os ajustes necessários.
Figura 3.1 – Esquema simplificado do processo de modelagem25
25
Existem várias outras propostas para o desenvolvimento da modelagem matemática, que não citamos
aqui, pois foge do objetivo desta investigação.
3.3 – A Modelagem e o Ensino de Matemática
O processo de modelagem matemática é realizado em muitas atividades em
nosso cotidiano. Sendo assim, é de grande relevância considerarmos esse processo no
âmbito educacional, o que na verdade vem ao encontro dos objetivos desta pesquisa.
A modelagem pode ser um caminho para despertar nos estudantes o interesse
pelos conteúdos matemáticos, na medida em que eles têm a oportunidade de estudar,
por meio de pesquisas, situações-problema que têm aplicação concreta e que valorizam
o seu senso crítico.
O processo de modelagem pode sofrer algumas alterações para adaptar-se ao
sistema escolar, devendo-se levar em consideração o nível de ensino, o tempo
disponível para os alunos realizarem as pesquisas, o currículo da disciplina etc.
D’Ambrosio (1991) considera a modelagem eficiente “a partir do momento em que nos
conscientizamos que estamos sempre trabalhando com aproximações da situação real,
que na verdade estamos elaborando sobre representações” (p. 12).
Chamamos modelagem matemática no ensino a metodologia que utiliza a idéia
da modelagem em cursos regulares do sistema educacional. A modelagem constitui,
então, um método de ensino-aprendizagem que pode ser empregado nos diversos níveis
de ensino, desde a matemática elementar até a pós-graduação.
Seus objetivos são:
• aproximar a Matemática de outras áreas de conhecimento;
• salientar a importância da Matemática para a formação do aluno;
• usar a aplicabilidade da Matemática para fomentar o interesse pela
disciplina;
• melhorar a apreensão dos conceitos matemáticos;
• desenvolver a habilidade para resolver problemas;
• estimular a criatividade.
O planejamento das atividades de modelagem no ensino devem levar em conta
os seguintes aspectos:
• a realidade dos alunos, seus interesses e metas;
• o nível de conhecimento matemático que eles possuem;
• a disponibilidade dos alunos para o trabalho extraclasse;
• o número de alunos e de grupos de trabalho a serem formados;
• o programa da disciplina e a carga horária necessária.
A escolha do tema deverá estar em concordância com o programa da
disciplina, ou seja, o tema selecionado deve demandar um conhecimento pré-existente
ou um conteúdo a ser desenvolvido, conforme a previsão do programa da disciplina. O
professor pode escolher o tema ou deixar que os alunos escolham. Em qualquer uma
dessas opções, o professor deve aprofundar-se no tema para poder preparar as atividades
de forma a planejar previamente a condução dos trabalhos. Esse aprofundamento segue
as mesmas etapas e subetapas do processo de modelagem já descritas, isto é, interação,
matematização e modelo matemático.
Na Interação é feita a apresentação do tema. A motivação dos alunos, nessa
etapa, depende da maneira com que o professor expõe o tema e demonstra seu interesse
e conhecimento.
Na Matematização, deve-se proceder ao desenvolvimento do conteúdo
matemático necessário para a formulação e resolução do problema proposto, além da
apresentação de exemplos e exercícios análogos, com o objetivo de melhorar o
entendimento dos conceitos por parte dos alunos.
Na última etapa, da execução do modelo matemático, é feita uma avaliação do
modelo obtido quanto à sua validade e relevância, analisando os resultados e
procedendo à chamada validação da modelagem. Pode-se discutir também a existência
de possíveis variáveis que não foram levadas em consideração e, se houver interesse por
parte dos alunos, pode-se propor outras questões a serem resolvidas com o modelo
obtido, ou ainda, pode-se propor a criação de outros modelos que versem sobre o
mesmo tema, devendo-se para isso, retornar às etapas iniciais do processo de
modelagem.
O trabalho de modelagem tem como objetivo principal criar
condições para que os alunos aprendam a fazer modelos matemáticos,
aprimorando seus conhecimentos (BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p.
23)
Segundo Biembengut & Hein (2003), os objetivos da modelagem matemática
no ensino estão em conformidade com os objetivos do ensino da Matemática, que deve
propiciar ao aluno:
• sólida formação matemática;
• capacidade para solucionar problemas;
• saber realizar uma pesquisa;
• capacidade para utilizar as tecnologias disponíveis;
• capacidade para trabalhar em grupo.
A avaliação da atividade deve ser feita de forma contínua pelo professor ao
longo das aulas ou das realizações dos encontros ou reuniões. É fundamental o
professor observar o empenho do aluno, o seu grau de envolvimento com o tema e com
a atividade, a assiduidade, o cumprimento das etapas e a colaboração mútua dos
membros dos grupos. Além disso, para finalizar, o professor deve avaliar se houve
consolidação do conhecimento matemático envolvido na atividade.
3.4 – A modelagem matemática e esta pesquisa
Na sociedade moderna, caracterizada sobretudo pelo acúmulo de
informações e pela necessidade de se tomar decisões em situações de incerteza, a
Estatística vem cada vez mais ganhando destaque. Seus métodos encontram
aplicabilidade nas mais diversas áreas do conhecimento, quer seja em procedimentos de
amostragem e planejamento de experimentos, na descrição, organização, análise e
interpretação de dados, no estudo de relações entre variáveis, como no âmbito da
estimação e inferência estatística.
Contudo, em questões de ensino e aprendizagem, pesquisas recentes
(como as realizadas pelo GPEE) mostram que os cursos de Estatística vêm ainda sendo
ministrados com ênfase em técnicas e com poucas aplicações relacionadas às
informações reais do próprio campo de conhecimento do aluno, e nos quais o professor
ainda exerce um poder centralizador.
Nesse sentido, entendemos que a Modelagem Matemática aplicada ao ensino de
Estatística vem resgatar o seu objetivo primordial, com a construção de ambientes
pedagógicos que permitem ao aluno vivenciar a aplicabilidade dos conteúdos
estatísticos, ao mesmo tempo em que desenvolvem a capacidade de pesquisar, de
realizar trabalhos em grupo, de discutir, refletir, criticar e comunicar suas opiniões.
Os objetivos da modelagem no ensino, em consonância com os fundamentos da
didática da Estatística, mostram-se relevantes no desenvolvimento dos projetos, tal
como apresentados, por incentivar e assim contribuir para o desenvolvimento das
capacidades de pensamento, raciocínio e literacia estatística.
Autores como Rumsey (2002) destacam a importância de prover contextos
significativos para o trabalho desenvolvido em sala de aula, de modo que os alunos
vivenciem o porquê desse ou daquele conteúdo estatístico e apreciem sua importância
no contexto estudado. Nessa linha, o ensino-aprendizagem na perspectiva da
Modelagem favorece aos alunos a oportunidade de produzir seus próprios dados,
investigar, analisar , discutir, criticar, tornando-se assim co-responsáveis pelo seu
próprio aprendizado. Também é importante destacar que esse tipo de estratégia promove
a habilidade de tomar a responsabilidade de resolver seus problemas, como eles terão
que fazer futuramente em um ambiente de trabalho, na sua vida profissional. Em outras
palavras, os alunos farão Estatística porque terão interesse em resolver, interpretar,
questionar e propor soluções para os problemas reais.
Segundo Bassanezi (2004), um dos maiores estudiosos da Modelagem
Matemática no Brasil, ela é:
[...] um processo dinâmico utilizado para a obtenção e validação de
modelos matemáticos. É uma forma de abstração e generalização com
a finalidade de previsão de tendências. A modelagem consiste,
essencialmente, na arte de transformar situações da realidade em
problemas matemáticos cujas soluções devem ser interpretadas na
linguagem usual (p.24).
Além disso, Bassanezi (op. cit.) enfatiza que a Modelagem Matemática pode
ser usada como um processo para a resolução dos mais variados problemas relacionados
com a Matemática Aplicada26 ou como uma estratégia de ensino-aprendizagem.
Acrescentamos também que ela pode ser usada para o reconhecimento de configurações
de modelos adequados para uma determinada situação da realidade. Essas considerações
se mostram relevantes no contexto da Educação Estatística, sobretudo em relação ao
desenvolvimento das habilidades de raciocínio e pensamento estatísticos, uma vez que
pressupõem o trabalho com situações reais que estimulam a investigação, formulação de
problemas, explorações, descobertas, interpretação e reflexão.
Com relação à literacia estatística, acreditamos que a modelagem ajuda a
promovê-la, pois ensinar estatística com base em assuntos do dia-a-dia tende a melhorar
a base de argumentação dos estudantes, além de aumentar o valor e a importância que
eles dão a essa disciplina.
A modelagem estatística favorece o desenvolvimento das três capacidades já
citadas na medida em que observa as recomendações:
VIII)
Sempre que possível, trabalhar com dados reais.
IX) Sempre relacionar os dados ao contexto em que estão inseridos.
X)
Sempre exigir dos alunos que interpretem seus resultados.
XI) Permitir que os estudantes trabalhem juntos (em grupo) e que uns
critiquem as interpretações de outros, ou seja, favoreça o debate de idéias
entre os alunos.
26
O termo Matemática Aplicada refere-se ao fato de se utilizar os conceitos matemáticos para o estudo de
fenômenos concretos, ou seja, do mundo real. Todo argumento matemático que pode ser relacionado com
a realidade, pode ser considerado como pertencente à Matemática Aplicada. (Bassanezi, 2004, p. 32)
XII) Promover julgamentos sobre a validade das conclusões, ou seja,
compartilhar com a classe as conclusões e as justificativas apresentadas.
XIII)
Avaliar constantemente o desenvolvimento das três capacidades
em cada domínio da Estatística.
XIV)
Para cada conteúdo, promover a triangulação:
OBJETIVOS
ATIVIDADES
AVALIAÇÃO
A condição necessária para o professor implementar modelagem no
ensino – modelação27 – é ter audácia, grande desejo de modificar sua
prática e disposição de conhecer e aprender, uma vez que essa
proposta
abre
caminho
para
descobertas
significativas
(BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 29)
Nos projetos de Modelagem Matemática aplicada ao ensino de Estatística que
apresentamos nesta pesquisa, fizemos as seguintes escolhas:
• os temas nasceram da interação professor-alunos, com base nos
interesses desses últimos;
• não foram trabalhados conhecimentos estatísticos novos e sim
conhecimentos relacionados ao conteúdo da disciplina em curso;
• o foco foi a aplicabilidade de certos conteúdos estatísticos em
problemas reais de interesse do aluno;
27
Biembengut & Hein (2003) usam o termo ‘modelação’ para designar a modelagem matemática no
ensino.
• a aplicação dos projetos foi realizada pelo professor-pesquisador,
mediante acompanhamento pelo GPEE.
Os projetos desenvolvidos, bem como a descrição e análise dos seus resultados,
serão apresentados mais adiante, nos capítulos 5 e 6, que tratam especificamente desse
tema.
Cap. 4 – A Pedagogia Crítica, a Educação Crítica e a Matemática Crítica
Os projetos de modelagem estatística, que desenvolvemos e apresentamos
neste trabalho de pesquisa, exercem estratégias de reflexão, valorização da consciência
crítica, estímulo à cidadania, entre outras, que encontram ressonância entre os princípios
básicos da Educação Crítica.
A Educação Crítica surgiu com base em obras de vários autores, tais como Karl
Marx, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse e outros. Negt (1964) emprestou à
Educação Crítica uma fundamentação mais independente e original, destacando seus
aspectos políticos, econômicos e psicológicos, além da dimensão filosófica primordial.
Posteriormente, Paulo Freire, Ubiratan D’Ambrosio, Peter McLaren, Marilyn
Frankenstein, Henry Giroux, Ole Skovsmose e outros, contribuíram substancialmente
para uma melhor fundamentação da teoria crítica de aprendizagem escolar.
Mclaren (1998) destaca que a pedagogia crítica reconhece as contradições entre
a característica de amplitude das capacidades humanas que hoje estimulamos em uma
sociedade democrática e os aspectos culturais que nos são fornecidos e dentro dos quais
vivemos o nosso cotidiano. Na verdade, segundo sua visão, a pedagogia crítica se
alimenta dessas tensões e contradições existentes entre o que é o que deveria ser uma
sociedade democrática calcada na igualdade, na liberdade e na justiça.
Frankenstein (1989) situa o ensino da Matemática dentro de um fundamento
lógico que associa a escolarização a uma consideração mais ampla de cidadania e
responsabilidade social.
D’Ambrosio (2002) destaca que a educação deve possibilitar ao estudante a
“aquisição e utilização de instrumentos comunicativos, analíticos e materiais que serão
essenciais para seu exercício de todos os direitos e deveres intrínsecos à cidadania” (p.
66). Segundo ele, o grande desafio da educação é:
a) Promover a cidadania, no sentido de preparar o indivíduo para ser
integrado e produtivo na sociedade, transmitindo valores e mostrando
direitos e deveres para a sua atuação, mas com todo cuidado para que
o resultado seja um cidadão crítico, capaz de desobedecer a ordens e
leis que violam a dignidade humana.
b) Promover criatividade, permitindo a cada indivíduo realizar seu
potencial e atingir o máximo de suas capacidades, o que leva a
progresso, mas não o criativo irresponsável, que resulta na criação de
instrumentos que reforcem os mecanismos de injustiça, da
prepotência e da arrogância (D´AMBROSIO, 2005, p. 97, grifo do
autor).
A Educação Crítica nos remete a um objetivo de caráter social desta pesquisa,
que além de procurar dar significado aos conteúdos estatísticos, procura fazê-lo de
forma democrática, incentivando o desenvolvimento, nos alunos, de espírito crítico,
responsabilidade ética e conscientização política. A idéia de fomentar nos alunos o
conhecimento reflexivo encontra ressonância nos aspectos da Educação Estatística que
abordamos no capítulo anterior, quais sejam a literacia, o raciocínio e o pensamento
estatístico.
O que fazemos neste capítulo é uma aproximação da Educação Crítica com o
ensino de Matemática e de Estatística, procurando delinear as bases para uma Teoria
Crítica de Educação Estatística. Para isso, começamos apresentando nosso olhar sobre
os trabalhos de Paulo Freire, Henry Giroux e Ole Skovsmose.
4.1 – O trabalho de Paulo Freire
O educador brasileiro Paulo Freire esboçou as bases de uma verdadeira
pedagogia democrática. Uma pedagogia que combate as relações autoritárias e que
funda seus princípios na tarefa essencial que é o diálogo. O trabalho desenvolvido por
ele foi marcado pelas condições especiais da sociedade latino-americana da época, mas
seu esforço educativo seguramente tem validade em outros espaços e em outro tempo.
Freire desenvolveu, na década de 1960, um método de alfabetização de adultos
baseado no conceito de palavras-chave ou palavras-geradoras. Esse método, segundo o
autor, entre outras coisas, seria capaz de propiciar a alfabetização de um adulto em
poucas semanas, o que seria uma grande vantagem para reverter o grande índice de
analfabetismo que ocorria à época em nosso país.
Apropriando-nos da idéia das palavras-geradoras, propomos uma série delas
para delinear o trabalho de Freire:
educação, política
conscientização, prática de liberdade
humanização
práxis, ação e reflexão
inserção, crítica, realidade
palavra, transformação
comunicação, diálogo
criatividade, invenção/reinvenção
homem, mundo
educação bancária, domesticação
educação problematizadora, democracia, esperança
4.1.1 – A Educação
Segundo Freire (1965), a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa
constante de mudança de atitude, de criação de disposições democráticas por meio das
quais se substituíssem antigos hábitos de passividade por novos hábitos de participação
e de ingerência na realidade do educando. Assim haveria de ser a atitude de uma
educação crítica e criticizadora, que levasse o homem a uma nova postura diante dos
problemas de seu tempo e de seu espaço.
Freire (1979) considera que a educação é essencialmente um ato de
conhecimento e de conscientização e, neste sentido, ele denuncia uma educação
supostamente neutra. A educação, segundo ele, não deve ignorar a política, assim como
a política não deve ignorar a educação. Ele afirma que não politizou a educação, pois
ela sempre foi política.
Freire (op. cit) destaca a educação compreendida em sua perspectiva
verdadeira, que não é outra senão a de humanizar o homem na ação consciente que este
deve fazer para transformar o mundo. “A educação, portanto, implica uma busca
realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria
educação. Não pode ser o objeto dela” (FREIRE, op. cit., p.28).
Não há educação sem amor, não há educação sem medo, mas nada se pode
temer da educação quando se ama. Daí vem a esperança, e quem não tem esperança na
educação deverá procurar trabalho noutro lugar. (FREIRE, op. cit.)
A educação é tão mais autêntica quanto mais estimula a criatividade. Assim, a
educação deve ser desinibidora e não restritiva. Os educandos devem ter a oportunidade
para serem eles mesmos. Caso contrário, o que ocorre é uma domesticação, ou seja, a
negação da educação.
4.1.2 – Educação Bancária e Educação Problematizadora
Freire (1970) caracteriza a educação segundo dois tipos:
Na educação bancária, o educador faz comunicados e depósitos que os
educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. A única
possibilidade de ação que é oferecida aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá-los. Nessa visão distorcida da educação, não há criatividade, não
há aprendizagem, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca
inquieta, impaciente, permanente e esperançosa que os homens fazem no mundo, com o
mundo e com os outros.
Os educandos submetidos a um processo de alienação têm estimulada a sua
ingenuidade e não a criticidade.
Quanto mais se exercitem os educandos no arquivamento dos
depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a
consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo, como
transformadores dele. Como sujeitos. Quanto mais se lhe imponha a
passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar,
tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parcializada nos depósitos
recebidos (FREIRE, op. cit, p.68).
Nesse modelo de educação, o papel que cabe aos educandos é apenas o de
arquivarem a narração ou os depósitos que lhes faz o educador. Assim, em nome de
uma suposta preservação da cultura e do conhecimento, não há conhecimento nem
cultura verdadeiros.
Já a educação problematizadora é libertadora. Nela não se pode admitir o ato
de depositar, narrar, transferir ou de transmitir conhecimentos e valores aos educandos,
meros pacientes, à maneira da educação bancária.
Enquanto a prática bancária implica numa espécie de anestesia, inibindo o
poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter reflexivo, implica
num constante ato de desvelamento da realidade.
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o
mundo, mais eles se sentirão desafiados. E ao serem desafiados, são chamados a
responder a esse desafio. O que resulta é uma compreensão que tende a tornar-se
crescentemente crítica, por isso, cada vez mais desalienada
Enquanto na educação bancária o educador vai preenchendo os educandos com
um falso saber, mediante a imposição de conteúdos, na prática problematizadora, os
educandos vão aprimorando o seu poder de captação e de compreensão do mundo que
lhes aparece em suas relações com esse mundo, não mais como uma realidade estática,
mas como uma realidade em processo de permanente transformação.
A concepção bancária assistencializa; a concepção problematizadora criticiza.
A primeira inibe a criatividade e domestica. A segunda se fundamenta na criatividade e
estimula a reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre a realidade, que assim
respondem à sua vocação como seres que não podem autenticar-se fora da busca e da
transformação criadora.
É a problematização do mundo do trabalho, do cotidiano, das idéias,
convicções, aspirações, dos mitos, da arte, da ciência, enfim, do mundo da cultura e da
história que, resultando das relações do homem com o mundo, condiciona os próprios
homens, seus criadores.
4.1.3 – O diálogo
A problematização se processa de forma dialética, e não é concebível alguém
estabelecê-la sem comprometer-se com seu processo.
O diálogo problematizador não depende do conteúdo que vai ser
problematizado. Tudo pode ser problematizado. O papel do educador
não é o de “encher” o educando de “conhecimento”, de ordem técnica
ou não, mas sim o de proporcionar, através da relação dialógica
educador-educando, educando-educador, a organização de um
pensamento correto em ambos. (FREIRE, 1983, p. 53)
O antagonismo entre as duas concepções de educação fica evidenciado, pois a
concepção bancária nega a dialogicidade como essência da educação e se faz
antidialógica. Já a educação problematizadora afirma a dialogicidade e se faz dialógica.
E o que é diálogo? Segundo FREIRE (1965), é uma relação horizontal de A
com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, da humildade,
da esperança, da fé, da confiança. Por isso só o diálogo comunica.
Figura 4.1- Diálogo segundo FREIRE (op. cit., p.115)
O diálogo é um caminho indispensável, não somente nas questões vitais para a
ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso ser. Já o antidiálogo implica
numa relação vertical de A para B, é o oposto a tudo isso. Ele é arrogante, autosuficiente, é acrítico e não gera criticidade. O antidiálogo não comunica, faz
comunicados.
4.1.4 – Reflexão e conscientização
Outra característica fundamental da educação problematizadora é a valorização
da reflexão e da conscientização. A reflexão que essa prática propõe, por ser autêntica,
não é sobre um homem abstrato nem sobre um mundo sem homem, mas sobre os
homens em suas relações com o mundo. Relações em que consciência e mundo se dão
simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundo depois e vice-versa. “A
consciência e o mundo se dão ao mesmo tempo: exterior por essência à consciência, o
mundo é, por essência, relativo a ela”. (SARTRE, 1965, pp. 25-26).
Por isto é que, certa vez, num dos “círculos de cultura” do trabalho
que se realiza no Chile, um camponês a quem a concepção bancária
classificaria de “ignorante absoluto”, declarou, enquanto discutia,
através de uma “codificação”, o conceito antropológico de cultura:
“Descubro agora que não há mundo sem homem”. E quando o
educador lhe disse: _ “Admitamos, absurdamente, que todos os
homens do mundo morressem, mas ficasse a terra, ficassem as
árvores, os pássaros, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria
tudo isto mundo?” “Não! respondeu enfático, faltaria quem dissesse:
Isto é mundo”. O camponês quis dizer, exatamente, que faltaria a
consciência do mundo que, necessariamente, implica no mundo da
consciência (FREIRE, 1970, p. 81).
A conscientização do homem o leva a assumir uma postura de auto-reflexão e
de reflexão sobre seu tempo e seu espaço, resultando na sua inserção na história, não
mais como espectador, mas como figurante e autor. Assim, ele vai dinamizando o seu
mundo, vai dominando a sua realidade e vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela
algo de que ele mesmo é o fazedor e, dessa forma, faz cultura.
Propondo a reflexão sobre si mesmo, sobre seu tempo, sobre suas
responsabilidades, sobre seu papel, o homem assume a consciência que esta, nas
democracias autênticas, há de ser cada vez mais crítica. E sem esta consciência cada vez
mais crítica não é possível ao homem integrar-se à sua sociedade em permanente
transição, intensamente cambiante e contraditória.
E é precisamente a criticidade a nota fundamental da mentalidade democrática.
Quanto mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático e permeável ele se
torna.
A consciência crítica não se forma no educando de maneira automática. Esse
processo necessita de um trabalho de estímulo a ser desenvolvido pelo educador.
As características da consciência crítica são (FREIRE, 1979, pp. 40-41):
1.
Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz com
aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para análise do
problema.
2.
Reconhece que a realidade é mutável.
3.
Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos de
causalidade.
4.
Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta a
revisões.
5.
Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de preconceitos.
Não somente na captação, mas também na análise e na resposta.
6.
Repele posições quietistas (passivas). É intensamente inquieta. Torna-se
mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude e vice-versa. Sabe
que é na medida que é e não pelo que parece.O essencial para parecer
algo é ser algo; é a base da autenticidade.
7.
Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a
delegação das mesmas.
8.
É indagadora, investiga, força, choca.
9.
Ama o diálogo, nutre-se dele.
10. Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o novo por ser
novo, mas aceita-os na medida em que são válidos.
Em síntese, Paulo Freire nos apresenta uma pedagogia que se fundamenta no
diálogo, por isso é democrática, num método ativo, crítico e criticista. Ele propõe uma
educação com base na problematização dos conteúdos, sendo que esses se apresentam
como relevantes aos educandos, desafiadores. Toda essa práxis resulta num processo de
reflexão-ação por parte do educando sobre o seu mundo/realidade, ativando sua
conscientização a partir dos temas geradores. Ele considera que não é viável abordar
num contexto pedagógico, temas que não levam em consideração as forças culturais,
sociais e políticas que os moldam, ou seja, que a educação neutra é uma falsa educação.
Somente quando compreendem os temas de seus tempos é que os
homens podem intervir na realidade em vez de serem meros
espectadores.
E
somente
desenvolvendo
uma
atitude
permanentemente crítica é que os homens poderão superar uma
postura de acomodação [...] (FREIRE, 1974, pp.5-6).
A obra de Freire é toda marcada por sua história de perseguição, prisão e exílio
político pelo regime militar que assumiu o poder no Brasil em 1964, além de ser mais
focada na questão agrária e na alfabetização de adultos das classes oprimidas, em
especial os camponeses. Essas questões foram omitidas deste trabalho com o único
propósito de focarmos nosso olhar sobre os aspectos de sua obra que mais se
aproximam dos objetivos desta pesquisa.
4.2 – A Pedagogia Crítica de Henry Giroux
Giroux (1997) aborda em seu trabalho algumas questões de importância
teórica, política e pedagógica sobre os efeitos da educação escolar e seus
relacionamentos com a sociedade mais ampla. Ele se opõe à visão tradicional do ensino
e aprendizagem escolar como um processo neutro ou transparente, afastado da
conjuntura de poder, história e contexto social e apresenta as bases geradoras de uma
teoria social crítica da aprendizagem escolar. Giroux (op. cit.) preocupa-se em
questionar as práticas ideológicas e sociais que estão em desacordo com as metas de
preparar os estudantes para serem cidadãos ativos, críticos e capazes de correr riscos e
de se oporem às desigualdades e injustiças da sociedade.
Sua obra representa uma tentativa de formular uma pedagogia crítica engajada
em encorajar os estudantes a transformar a ordem social mais ampla no interesse de uma
democracia mais justa e eqüitativa. Para ele, a questão essencial é o desenvolvimento de
uma linguagem por meio da qual os educadores possam desmistificar e compreender as
interações entre o ensino escolar e as relações sociais que o determinam, relacionando
isso com as necessidades e competências historicamente construídas que os estudantes
trazem consigo para as escolas. Sua idéia é, então, oferecer aos educadores as bases de
uma linguagem crítica para ajudá-los a compreender o ensino como uma forma de
política cultural. Dessa forma, posicionando os educadores contra a cultura dominante a
fim de reconstituir suas próprias identidades e experiências e aquelas dos estudantes, ele
procura construir um projeto pedagógico que legitima uma forma crítica de prática
intelectual.
A educação crítica representa um desafio aos professores e pesquisadores que
estejam tentando compreender as complexas inter-relações entre o ensino, a construção
da identidade pelos estudantes, o desenvolvimento de relações sociais democráticas e a
transformação social.
4.2.1 – A Educação Social em Sala de Aula
O primeiro passo em direção a uma educação crítica é questionar a idéia de que
a escola e o conhecimento são neutros e que a despolitização da linguagem do ensino só
serve para manter e legitimar o modelo pedagógico tradicional. Giroux (op. cit.) afirma
que
Com uma linguagem política, as escolas são instituições que
fornecem as condições ideológicas e materiais necessárias para a
educação dos cidadãos na dinâmica da alfabetização crítica e coragem
cívica, e estas constituem a base para seu funcionamento como
cidadãos ativos em uma sociedade democrática. (op. cit., p. 28)
Com relação à pedagogia, Giroux (op. cit.) afirma que ela deve ser
compreendida como um conjunto concreto de práticas que produzem formas sociais por
meio das quais diferentes tipos de conhecimento, conjuntos de experiências e
subjetividades são construídos. Essa pedagogia é crítica na medida em que opera com
um objetivo principal de dar voz ao estudante, ajudando-o a ler o mundo criticamente,
tornando-o cidadão ativo engajado na busca de um ideal de sociedade mais justa e
democrática, e desvelando a distinção entre a realidade e as condições que escondem a
realidade.
O discurso democrático, nesse caso, deve ocorrer tanto em relação ao mundo
externo à escola quanto ao mundo interno a ela. Isso significa que não adianta defender
e valorizar a democracia se dentro da sala de aula se admite uma hierarquização de
poder ou uma valorização do individualismo. A prática da democracia está intimamente
ligada ao respeito, à liberdade de expressão, ao trabalho coletivo, cooperativo e
colaborativo, num ambiente livre de opressão, de subordinação e de relacionamentos
sociais alienantes. O compromisso com a prática da democracia em sala de aula é a base
para se moldar uma pedagogia social emancipadora, com a qual se promove a
igualdade, a comunidade e interação social humanista.
Giroux (op. cit.) destaca alguns aspectos importantes para a concretização de
uma pedagogia crítica, tais como as idéias de escolas como esferas públicas
democráticas, professores como intelectuais transformadores e a adoção de certos
macro-objetivos necessários para se obter os resultados desejados.
4.2.2 – Esferas públicas democráticas
A análise da escola e da sala de aula como agentes de socialização surge do
fato de que as escolas têm uma função sócio-política e não podem existir de forma
independente da sociedade na qual operam.
Segundo essa visão, as escolas devem ser constituídas em torno de formas de
investigação crítica que dignifiquem o diálogo significativo e a atividade humana. Os
estudantes devem aprender e praticar o discurso da associação pública e da
responsabilidade social. Este discurso busca resgatar a idéia de democracia crítica como
um movimento social que apóia e incentiva a liberdade individual e a luta por justiça
social.
As escolas não devem desenvolver jovens para adaptarem-se à sociedade atual
assim como está, mas elas têm uma missão revolucionária de desenvolver jovens que
procurarão aperfeiçoar esta sociedade.
Nesse contexto, Giroux (op. cit.) introduz o conceito de escolas como esferas
públicas democráticas:
[...] fundamental para uma pedagogia crítica realizável é a
necessidade de encarar as escolas como esferas públicas
democráticas. Isto significa considerar as escolas como locais
democráticos dedicados a formas de fortalecer o ‘self’ e o social.
Nestes termos, as escolas são lugares públicos onde os estudantes
aprendem o conhecimento e as habilidades necessárias para viver em
uma democracia autêntica (p. 28).
Dessa forma, os educadores devem fazer das escolas verdadeiros centros de
aprendizagem de propósitos democráticos. Lutar pela democracia como estilo de vida é
unir os imperativos da vida cotidiana com as formas de democracia política e
econômica, tomando com seriedade e afinco as noções de respeito pela liberdade
individual e diversidade social. Engajando-se nessa luta, os educadores firmam um
compromisso com a vida pública democrática, com a ética e com a justiça social.
4.2.3 – Intelectuais transformadores
O papel que educadores e pesquisadores educacionais desempenham em suas
funções é destacado por Giroux (op. cit.), que os vê como intelectuais que operam em
condições especiais de trabalho e que desempenham uma função social e política
particular.
... todos os homens e mulheres são intelectuais. Isto é,
independentemente de sua função social e econômica, todos os seres
humanos atuam como intelectuais ao constantemente interpretar e dar
significado a seu mundo e ao participar de uma concepção de mundo
particular. (FREIRE, apud GIROUX, 1997, p. 154)
Os docentes como intelectuais devem combinar reflexão e ação no interesse de
fortalecerem os estudantes com as habilidades e conhecimento necessários para
reconhecerem as injustiças e serem atuantes críticos comprometidos com o
desenvolvimento de um mundo livre de opressão e de exploração. Os intelectuais assim
descritos não estão apenas preocupados com a promoção de realizações individuais ou o
progresso dos alunos em suas profissões, e sim com a preparação dos alunos para que
possam interpretar o mundo criticamente e atuar de forma a mudá-lo quando necessário.
A fim de atuarem como intelectuais, os professores devem criar a ideologia e
as condições estruturais necessárias para que possam escrever, pesquisar e trabalhar na
produção de currículos e na desierarquização do poder.
Para Giroux (op. cit.), é necessário que os professores assumam o papel de
intelectuais transformadores, os quais deliberadamente empreendem uma prática
socialmente transformadora em oposição ao exercício da inteligência misteriosa ou do
conhecimento especializado sob a aparência de neutralidade política.
Os professores, como intelectuais transformadores, assumem com seriedade a
primazia da ética e da política em seu envolvimento crítico com os estudantes. O seu
trabalho deve ser incansável na dedicação à promoção da democracia e melhoria da
qualidade de vida humana.
Giroux (op. cit.) explica assim o papel do intelectual transformador:
A categoria de intelectual transformador é útil de várias maneiras.
Primeiro, ela significa uma forma de trabalho na qual o pensamente e
atuação estão inextrincavelmente relacionados, e, como tal, oferece
uma contra-ideologia para as pedagogias instrumentais e
administrativas que separam concepção de execução e ignoram a
especificidade das experiências e formas subjetivas que moldam o
comportamento dos estudantes e professores. Segundo, o conceito de
intelectual transformador faz entrarem em ação os interesses políticos
e normativos que subjazem às funções sociais que estruturam e são
expressas no trabalho de professores e estudantes. Em outras palavras,
ele serve como referencial crítico para que os professores
problematizem os interesses que estão inscritos nas formas
institucionais e práticas cotidianas experimentadas e reproduzidas nas
escolas (p. 136).
Giroux (op. cit.) defende energicamente que os professores devem se tornar
intelectuais transformadores se quiserem educar os estudantes para serem cidadãos
ativos e críticos. Ele afirma que é essencial para a categoria de intelectual transformador
a necessidade de tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico.
Tornar o pedagógico mais político significa inserir a escolarização diretamente
na esfera política. Nesse contexto, a reflexão e a ação críticas tornam-se parte do projeto
social fundamental de auxiliar os estudantes a desenvolverem uma fé profunda e
duradoura na idéia de que é possível superar injustiças econômicas, políticas e sociais,
e, assim, humanizarem-se ainda mais como parte desta luta. Nesse caso, o conhecimento
e o poder estão intimamente ligados à pressuposição de que optar pela vida, reconhecer
a necessidade de aperfeiçoar seu caráter democrático e qualitativo para todas as pessoas,
significa compreender as pré-condições necessárias para lutar por ela.
Tornar o político mais pedagógico significa valer-se de formas de trabalhos
pedagógicos que incorporem interesses políticos de cunho emancipador, isto é, utilizar
formas de pedagogia que tratem os estudantes como agentes críticos. Além disso,
significa tornar o conhecimento problemático, utilizar o diálogo crítico e afirmativo e
argumentar a favor de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. Isso
sugere que os intelectuais transformadores devem assumir seriamente a necessidade de
dar aos estudantes voz ativa em suas experiências de aprendizagem. Também significa
desenvolver uma linguagem crítica que esteja atenta aos problemas experimentados na
experiência cotidiana dos alunos, especialmente enquanto relacionados com as
experiências pedagógica ligadas à prática em sala de aula.
Quando os educadores não avaliam (e/ou refletem sobre) as suas próprias
concepções básicas a respeito do currículo e da pedagogia, eles fazem mais do que
transmitir atitudes, regras e crenças sem questionamento. Eles podem acabar reforçando
formas de desenvolvimento cognitivo e de atitudes que mais endossam do que
questionam as formas existentes de opressão institucional.
Assim, assumindo seu papel de praticantes reflexivos, os professores educam
seus alunos para uma ação transformadora. Isto significa educá-los para assumirem
riscos, para esforçarem-se pela mudança institucional e para lutarem contra a opressão e
a favor da democracia dentro e fora das escolas.
Agindo dessa forma, os intelectuais transformadores combinam a reflexão e a
prática acadêmica em prol da educação dos estudantes para que eles assumam a
condição de cidadãos reflexivos e ativos.
Num sentido mais amplo, os professores como intelectuais devem ser
vistos em termos dos interesses políticos e ideológicos que estruturam
a natureza do discurso, relações sociais em sala de aula e valores que
eles legitimam em sua atividade de ensino (GIROUX, op. cit. p. 162).
Em suma, o professor, como intelectual transformador, deve estar
comprometido com: o ensino como prática emancipadora, a visão de escolas como
esferas públicas democráticas, o resgate de uma comunidade de valores progressistas
compartilhados e a fomentação de um discurso público comum relacionado com os
propósitos democráticos de igualdade e justiça social.
4.2.4 – Objetivos
Giroux (op. cit.) destaca a importância de se estabelecer objetivos coerentes
com as idéias da pedagogia crítica, de forma a orientar sua operacionalização.
Citaremos aqui os três principais objetivos.
O primeiro objetivo é auxiliar os estudantes a fazerem uma diferenciação entre
as noções de conhecimento diretivo e produtivo.
O conhecimento produtivo é instrumental no sentido de inovar os métodos
tecnológicos e científicos. Ele se preocupa com os meios, e a aplicação desse
conhecimento resulta na reprodução de bens e serviços materiais.
O conhecimento diretivo é um tipo filosófico de investigação segundo o qual
os estudantes questionam o propósito do que estão aprendendo. Ao mesmo tempo,
questiona-se como e para que o conhecimento produtivo deve ser usado.
Se o conhecimento for reduzido à mera organização, classificação e
computação dos dados, então não se questiona seu propósito e ele
poderá ser usado para fins estabelecidos por outras pessoas. Nestas
circunstâncias, nega-se aos estudantes e também professores a
oportunidade de examinarem o conhecimento de maneira crítica e a
conformidade social e política acabam disfarçadas de pedagogia
‘aceitável’ (GIROUX, op. cit. p. 85).
Para que os estudantes reconheçam a importância da aplicação sócio-política
do conhecimento, eles terão de aprender a abordá-lo pela perspectiva de discernimento
tanto do ponto de vista produtivo quanto diretivo.
O conhecimento deve desempenhar um papel emancipador ao proporcionar aos
estudantes a lógica e o sentido que lhes permitirão considerar todas as implicações do
que lhes é ensinado, dentro ou fora da escola.
Assim, o conhecimento tem uma função social que vai além da idéia de
dominar uma certa disciplina acadêmica e torna-se possível para os estudantes. O interrelacionamento entre o conhecimento e a ação social torna-se, dessa forma, possível
para os estudantes, pois não basta apenas interpretar o mundo. É preciso desenvolver
atitudes no sentido de mudá-lo para melhor. A interpretação sem possibilidade de
mudança é vazia; a mudança sem interpretação é cega. Interpretação e mudança, assim
como teoria e prática, não são fatores separados. Eles estão inter-relacionados de tal
modo que o conhecimento torna-se incentivado pela prática e a prática é orientada pelo
conhecimento.
O segundo objetivo é tornar explícito o currículo oculto tradicional. O currículo
oculto aqui diz respeito às normas, valores e crenças não explícitas que são transmitidas
aos estudantes por meio da estrutura subjacente de uma determinada aula.
Embora o currículo oculto não possa ser completamente eliminado,
suas propriedades estruturais podem ser identificadas e modificadas
para criarem-se condições que facilitem o desenvolvimento de
métodos e conteúdos pedagógicos que ajudem a tornar os estudantes
indivíduos ativos em sala de aula em vez de simplesmente objetos
recipientes (GIROUX, op. cit., p. 86).
Ao evidenciar o currículo oculto, tanto professores como alunos se tornam
mais sensíveis para poder reconhecer e alterar seus piores efeitos.
O terceiro objetivo é ajudar os estudantes a desenvolverem uma consciência
crítica e política. A avaliação de um sistema educacional pode ser feita pela qualidade
moral e política dos estudantes que produz.
Esse terceiro objetivo não significa promover o conteúdo político no sentido
literal da palavra, ou seja, não significa ensinar política. Ele sugere que se ofereça aos
estudantes uma forma de olhar para além de suas vidas particulares para obter assim
uma compreensão mais clara das bases políticas, sociais e econômicas da sociedade em
que vivem. Político, neste sentido, significa desenvolver os instrumentos cognitivos e
intelectuais que permitam uma participação ativa em tal sociedade.
4.2.5 – A Sala de Aula – Procedimentos
Para se começar a ajudar os estudantes a desenvolverem seu potencial como
pensadores críticos e como participantes co-responsáveis no processo social e
democrático de educação, pode-se pensar em primeiramente alterar o conteúdo e a
metodologia do currículo oficial, adotando-se modelos pedagógicos sobre uma estrutura
teórica que situe as escolas em um contexto sócio-político.
Nesse contexto, a realidade nunca deve ser tomada como dada a priori, mas
deve ser questionada e analisada. Em outras palavras, o conhecimento deve ser
problematizado e situado em relacionamentos sociais escolares que permitam o debate
e a comunicação para a construção de significados. Esses significados são construídos
interativamente, isto é, são “dados” pelas situações, mas também criados pelos
estudantes enquanto interagem em sala de aula. Assim, o foco dos estudos de sala de
aula muda para as interações dos estudantes com a linguagem, relações sociais e
categorias de significado, formando um modelo mais dinâmico de comportamento do
aluno.
Os professores devem auxiliar os estudantes a compreenderem que o
conhecimento é variável e está intrinsecamente relacionado com os interesses humanos,
e por isso precisa ser analisado com respeito a suas pretensões de validade.
[...] o conhecimento não é estudado por si mesmo e sim visto como
uma mediação entre o indivíduo e a realidade social mais ampla.
Dentro do contexto de tal pedagogia, os estudantes se tornam
indivíduos no ato de aprender (GIROUX, op. cit., p. 100).
O ensino deve preocupar-se com as diferentes perspectivas dos fenômenos
dentro de cada disciplina, dando especial atenção às visões de mundo conflitantes e aos
contextos sociais que os permeiam.
É necessário que os educadores desenvolvam uma pedagogia, materiais
curriculares e atitudes em sala de aula que compensem as características
antidemocráticas do sistema de ensino tradicional. Assim, será dado um passo
significativo para ajudar estudantes e professores a irem além da experiência em sala de
aula.
Os professores terão de criar processos de sala de aula bastante específicos,
com a finalidade de promover valores e crenças que estimulem modos críticos e
democráticos de participação e interação com os alunos.
Contra um modelo no qual as escolas atuam no sentido de socializar os
estudantes para conformarem-se ao status quo, os professores precisam preparar os
estudantes para ingressar nessa sociedade com as habilidades que lhes permitam refletir
criticamente e intervir no mundo a fim de mudá-lo.
Os valores e processos sociais que fornecem a base teórica da educação social
incluem o desenvolvimento nos estudantes de um respeito pelo compromisso ético,
solidariedade de grupo e responsabilidade social.
O trabalho em grupo representa uma das maneiras mais eficazes de
desmistificar o papel manipulador tradicional do professor; além disso
ele oferece aos estudantes os contextos sociais que enfatizam a
responsabilidade social e a solidariedade de grupo (GIROUX, op. cit.,
p. 71).
A interação de grupo proporciona aos estudantes a experiência de aprender uns
com os outros. Essa interação tende a valorizar o diálogo, e é por meio dele que a
cooperação e a sociabilidade compensam a ênfase do currículo oculto tradicional na
competição e individualismos excessivos. Além disso, o trabalho pedagógico em grupo
oferece aos estudantes a oportunidade de experimentarem a dinâmica da democracia
participativa, e assim eles podem superar a falta de comunidade associada à sala de aula
tradicional e à ordem social mais ampla. O trabalho em grupo fornece a base social para
o desenvolvimento de tais atitudes, e assim, as relações sociais marcadas pelo domínio,
subordinação e respeito acrítico pela autoridade podem ser de fato minimizadas.
No grupo, avaliando o trabalho uns dos outros, atuando como líderes de pares,
propondo e participando das discussões, os estudantes aprendem que ensinar não se
baseia em abordagens pedagógicas intuitivas ou imitativas. Ao se estabelecer uma
relação de trabalho mais próxima com professores e colegas, os estudantes tendem a
reconhecer que por trás de qualquer pedagogia existem valores, crenças e suposições
baseados numa visão de mundo particular. Implementando este tipo de atitude,
proporciona-se aos estudantes e professores uma estrutura de ensino que valoriza as
bases teóricas da pedagogia social escolar.
É necessário que os estudantes tenham a oportunidade de trabalhar sozinhos e
em grupo, em um ritmo de aprendizagem agradável, de forma que possam desenvolver
um estilo próprio de aprendizagem que lhes permita ir além das pedagogias
fragmentadas e sem base teórica. Esse timing flexível é chamado por Giroux (op. cit.)
de ritmo próprio. Sob este formato, o relógio deixa de imprimir o ritmo da aula, e a
camisa-de-força dos horários rígidos é substituída por horários governados por trocas
recíprocas.
Outro aspecto importante apontado por Giroux é a valorização da escrita.
Segundo ele, a pedagogia da escrita pode ser utilizada como suporte da aprendizagem
para ajudar os estudantes a aprender e pensar criticamente a respeito de qualquer
assunto. Avaliando o que acontece quando se escreve, Giroux nos diz que “ [...] a noção
de escrita tanto como processo interdisciplinar quanto epistemologia, capaz de ensinar
os estudantes a pensarem crítica e racionalmente sobre um assunto, não pode ser
ignorada” (op. cit., p. 95).
Escrever é um processo que pode ser utilizado para ensinar qualquer matéria
aos estudantes, permitindo-se que eles assumam o mesmo papel do autor dos livros e
textos que são usados como fonte de aprendizagem. A idéia de ligar a escrita, a
aprendizagem e o pensamento crítico implica em redefinir a pedagogia da escrita e
também do pensamento crítico.
Por fim, Giroux (op. cit.) dá ênfase ao trabalho com projetos, num sentido
coletivo, de forma a valorizar a articulação entre a teoria e a prática e, num sentido mais
abrangente, rompendo com os limites arbitrários e artificiais estabelecidos pelas
disciplinas e valorizando programas e atividades interdisciplinares.
Todas
essas
abordagens
pedagógicas
do
pensamento
crítico,
independentemente de quão progressistas sejam, irão naufragar em suas intenções caso
atuem com base em uma rede de relacionamentos sociais de sala de aula que sejam
autoritariamente hierárquicos e que promovam passividade, docilidade e silêncio. As
relações sociais de sala de aula que valorizam o professor como expert, o dono da
verdade e sumo fornecedor de conhecimento, acabam mutilando a imaginação e a
criatividade do estudante. Esse tipo de abordagem ensina os estudantes mais sobre a
legitimidade da passividade do que sobre a necessidade de examinarem criticamente a
vida que levam.
4.3 – A Educação Crítica segundo Ole Skovsmose
Na Educação Crítica, a relação entre o professor e os alunos tem uma
importância fundamental. Desfaz-se a figura do professor dono-do-saber e passa a valer
a presença daquele que ensina28 e que se ensina, numa relação dialética com os
estudantes, que se tornam co-responsáveis por um processo de educação no qual todos
crescem.
As idéias relativas ao diálogo e à relação estudante-professor são
desenvolvidas do ponto de vista geral de que a educação deve fazer
parte de um processo de democratização. Se queremos desenvolver
uma atitude democrática por meio da educação, a educação como
relação social não deve conter aspectos fundamentalmente nãodemocráticos. É inaceitável que o professor (apenas) tenha um papel
decisivo e prescritivo. Em vez disso, o processo educacional deve ser
entendido como um diálogo (SKOVSMOSE, 2004, p. 18).
28
Tanto o professor quanto o aluno, nesse contexto, ensinam e se ensinam.
Assim, o primeiro aspecto importante da Educação Crítica é a atribuição aos
estudantes de uma competência crítica, que envolve os estudantes nas decisões e no
controle do processo educacional.
Um segundo aspecto a ser destacado na Educação Crítica é o currículo, ou o
programa das disciplinas, que deve ser considerado criticamente, ou seja, professor e
alunos mantêm uma distância crítica do conteúdo da educação, estruturando uma nova
perspectiva que questiona aspectos, tais como a aplicabilidade do assunto, quem o usa e
onde é usado, quais os interesses implícitos, que contexto gerou o assunto, quais as suas
funções, quais as suas limitações etc.
O terceiro aspecto importante da Educação Crítica é o seu direcionamento para
o ensino-aprendizado baseado em problemas. Para selecionar os tipos de problemas que
irão compor o processo de educação, deve-se levar em conta o que é realmente
relevante para o estudante e os objetivos sociais deflagrados pelo problema.
4.3.1 – A Educação Matemática e a Educação Crítica
De acordo com Alrø e Skovsmose (2006), a Educação Matemática Crítica é
uma abordagem na qual se valorizam certas qualidades de aprendizagem de
Matemática.
A Educação Matemática Crítica preocupa-se com a maneira como a
Matemática em geral influencia nosso ambiente cultural, tecnológico
e político e com as finalidades para as quais a competência
matemática deve servir. [...] A Educação Matemática Crítica está
também preocupada com questões como ‘de que forma a
aprendizagem de Matemática pode apoiar o desenvolvimento da
cidadania’ e ‘como o indivíduo pode ser empowered através da
Matemática’ (ALRØ e SKOVSMOSE, 2006, p. 18, grifo dos autores).
A Educação Matemática voltada para a resolução de problemas, por si só, não
contempla os aspectos relativos à Educação Crítica, pois lhe faltam direcionamentos
para que os problemas se relacionem com conflitos sociais relevantes ao ambiente social
envolvido e para que os alunos reconheçam os problemas como seus próprios
problemas.
Mais próximo da Educação Crítica está uma tendência da Educação
Matemática designada como orientação-ao-processo29, que enfatiza idéia de capacitar os
estudantes para que se tornem aptos a criar a Matemática, fazendo eles mesmos as suas
reivenções. Essa tendência valoriza e incentiva o ato de formular, criticar e desenvolver
maneiras de entender a Matemática, envolvendo alunos e professores nesse processo.
Para ampliar o conceito de competência crítica que a tendência de orientaçãoao-processo falha em desenvolver, seria preciso enfatizar as relações da Matemática
com a realidade. Mas Skovsmose (op. cit.) ainda considera que essa tendência não é a
chave para a aproximação da Educação Matemática com a Educação Crítica. Para
resolver essa questão, ou pelo menos clareá-la, ele apresenta a idéia de tecnologia
associada à educação e enuncia algumas teses, que resumimos a seguir.
A tecnologia é o aspecto que domina a sociedade, e o homem está inserido
nesse contexto, pois ela substituiu a natureza e se tornou o meio ambiente real que
circunda o ser humano. As relações de poder estão intrinsecamente ligadas a uma
estrutura tecnológica, que pode estabelecer ou intensificar esse poder. O currículo
escolar é constituído com base nas relações de poder dominante na sociedade, ou seja,
com base nas forças econômicas e políticas ligadas à estrutura tecnológica. Nesse
contexto, a Educação Matemática se configura, dentro do processo educacional, como a
provedora de uma eficiente introdução a uma sociedade eminentemente tecnológica.
D’Ambrosio (2205) reforça essa idéia, esclarecendo que o modelo americano
de educação visava a uma escola igual para todos, e oferecia um currículo básico que
ficou caracterizado como os três R’s: Reading, wRiting and aRithmetics.
Com o surgimento de uma tecnologia mais avançada, que é a grande
característica na transição do século XIX para o século XX, (...) ler,
escrever e contar são obviamente insuficientes para o século entrante.
Iniciaram-se, então, as grandes reformas e novas propostas
educacionais. Particularmente afetado foi o ensino de ciências e de
matemática. Surgem os fundamentos de uma Escola Nova e a
29
Skovsmose (2001) reconhece outras tendências na Educação Matemática, mas aqui citamos apenas a
que mais se aproxima da Educação Crítica.
Educação Matemática emerge como uma disciplina (D’AMBROSIO,
2005, p. 65).
Segundo a Educação Crítica, a educação deve combater as desigualdades
sociais, não deve reproduzir passivamente as diretrizes do poder dominante e deve
empenhar-se em ter uma postura ativa em paralelo a outras forças sociais críticas.
Um dos objetivos da Educação Matemática deve ser o de preparar os
estudantes para o desenvolvimento da cidadania. Skovsmose (2005), entretanto, alerta
que essa cidadania não pode ser passiva. A Educação Matemática deve preparar os
alunos para uma cidadania crítica. Face a isso, Skovsmose (2004) enuncia seus dois
postulados básicos:
(A) É necessário intensificar a interação entre a EM e a EC30, para
que a EM não se degenere em uma das maneiras mais importantes de
socializar os estudantes em uma sociedade tecnológica e, ao mesmo
tempo, destruir a possibilidade de se desenvolver uma atitude crítica
em direção a essa sociedade tecnológica.
(B) É importante para a EC interagir com assuntos das ciências
tecnológicas e, entre eles, a EM, para que a EC não seja dominada
pelo desenvolvimento tecnológico e se torne uma teoria educacional
sem importância e sem crítica (pp.14-15).
A Educação Crítica pode ser levada a cabo mediante diferentes estratégias. A
tematização é mais voltada para o ensino fundamental e médio, enquanto a
organização-em-projetos é mais propícia ao ensino universitário. Skovsmose (op. cit.)
não as considera suficientes ou ideais, mas apenas razoáveis, e enfatiza, como estratégia
mais eficiente, a problematização. Para ela funcionar como mecanismo de prática da
Educação Crítica, é preciso que os estudantes percebam a relevância do problema, que
deve estar relacionado à experiência deles. Os problemas devem estar ligados a
processos importantes para a sociedade em geral e, ao assumirem a responsabilidade de
resolvê-los, os estudantes devem se projetar num engajamento político e social.
4.3.2 – A Democracia
30
O autor usa as siglas EM e EC para Educação Matemática e Educação Crítica, respectivamente.
Segundo Skovsmose, “a educação matemática poderia servir para o
desenvolvimento adicional de uma preocupação com a democracia, tentando promover,
desse modo, a inclusão social” (2005, p. 114).
Para orientar a relação entre a Educação Matemática e a democracia,
Skovsmose (2004) considera importante destacar a existência de certas competências na
sociedade, que estão ligadas à Educação Matemática. Ele chama a atenção para uma
Educação Crítica que desenvolva a competência crítica, a distância crítica e o
engajamento crítico, mas além disso ele inclui nesse rol a necessidade de se produzir
nos estudantes uma competência democrática.
Para sustentar que a Educação Matemática tem condições de criar um ambiente
propício ao processo de construção de uma competência democrática e que o conteúdo
da Matemática pode servir como ferramenta de democratização, Skovsmose lança mão
de dois argumentos, um social e outro pedagógico.
No argumento social, Skovsmose “salienta as aplicações da Matemática e a
importância da atividade de construção de modelos matemáticos” (op. cit., p. 40).
Mesmo que isso pareça um pleonasmo, devemos enfatizar que a melhor forma de os
estudantes desenvolverem a capacidade de construção de modelos é construindo
modelos. Para que essa construção de modelos esteja em consonância com a Educação
Crítica, faz-se necessário ir além das fórmulas matemáticas, discutindo-se e refletindose sobre os aspectos subjacentes ao conteúdo, sobretudo os aspectos políticos,
econômicos e sociais. Assim, uma atividade ou situação de ensino-aprendizagem que se
proponha a atender o argumento social de democratização deve observar os seguintes
aspectos: desenvolvimento de um modelo matemático real, que esteja ligado a alguma
atividade social relevante e o foco não deve ser o conteúdo matemático implícito no
modelo, mas as hipóteses que lhe são integradas, valorizando insights de entendimento
dos processos sociais envolvidos31.
Skovsmose (op. cit.) apresenta também o argumento pedagógico da
democratização. Para desenvolver uma atitude democrática por meio da Educação
Matemática, é necessário eliminar os processos não-democráticos envolvidos no
31
Skovsmose (2001) refere-se aos materiais de ensino-aprendizagem caracterizados dessa forma como
“materiais de ensino-aprendizagem libertadores”. (p. 44).
contexto pedagógico e valorizar o diálogo entre o professor e os alunos. Também faz
parte desse argumento pedagógico a idéia de trabalhar os conteúdos matemáticos com
base na experiência dos estudantes, que deve ser valorizada inclusive no planejamento
do currículo. A tese da familiaridade vem ao encontro desse argumento, propondo:
I)
um material relacionado a um assunto de relevância subjetiva para os
alunos;
II)
as atividades previstas no material não são pré-estruturadas nem
completamente fixadas;
III) as decisões a serem tomadas sobre o processo de desenvolvimento do
material necessitam de uma discussão entre o professor e os alunos.
Alguns exemplos de trabalhos progressistas sobre Educação Matemática que
levam em conta a tese da familiaridade são as pesquisas do IOWO32 e a
Etnomatemática33.
Outra tese que serve ao argumento pedagógico é a da matematização, no
sentido de formular, criticar e desenvolver processos de entendimento dos conteúdos
matemáticos. O envolvimento de estudantes e professores na matematização torna o
ensino/aprendizagem mais próximo das idéias democráticas.
Uma competência democrática é uma característica que precisa ser
desenvolvida nos estudantes, e que está intimamente ligada à atitude democrática. Uma
das responsabilidades da educação, na visão de Skovsmose (op. cit.), é justamente a de
favorecer e incentivar o desenvolvimento dessa competência nos estudantes. Segundo
ele, uma sociedade fundamentada no avanço tecnológico sustenta um problema
específico de democracia, e a Matemática é da maior importância para o
desenvolvimento da tecnologia. O problema da democracia numa sociedade altamente
tecnológica é, então, que a competência democrática parece exigir uma certa quantidade
de conhecimento tecnológico, não obstantemente de Matemática, e a conseqüência disso
é que ela fica limitada a uma certa quantidade de pessoas que tem acesso a esse
conhecimento requerido. A competência matemática figura, então, como parte
32
33
Institut voor de Ontwikkeling van het Wiskunde Onderwijs - www.iowo.nl
Para maior aprofundamento nesse tema, sugerimos consulta a D’Ambrosio (2002) e Ferreira (1997)
importante do desenvolvimento da competência democrática, e deve ser fomentada em
todos os níveis de educação. Complementando a idéia da competência democrática, esta
se encontra também vinculada a uma capacidade de reflexão sobre os conhecimentos
adquiridos, como veremos no tópico seguinte.
4.3.3 – O Conhecimento Reflexivo
Colocando o foco na Educação Matemática como elemento fundamental na
questão do desenvolvimento de atitudes democráticas e mais amplamente, no incentivo
à competência democrática como fundamento importante em nossa sociedade, devemos
enfatizar a idéia de conhecimento reflexivo no ensino da Matemática.
Para entender essa idéia, é importante esclarecer as diferenças entre
conhecimento matemático, tecnológico e reflexivo:
• O conhecimento matemático refere-se às habilidades de domínio de
teoremas, algoritmos, demonstrações etc. Este conhecimento está mais
ligado às atitudes tradicionalistas de ensino, cujo foco é o conteúdo.
• O conhecimento tecnológico tem referência à aplicabilidade da
Matemática e às competências na construção de modelos. Esse tipo de
conhecimento se preocupa em usar a Matemática como ferramenta para
alcançar objetivos tecnológicos.
• O conhecimento reflexivo baseia-se em um amplo horizonte de
interpretações, entendimentos e discussões que o conhecimento
tecnológico em si não é capaz de desenvolver.
Enquanto o conhecimento tecnológico está mais voltado para a inserção do
cidadão no mercado de trabalho, o conhecimento reflexivo se ocupa em preparar os
alunos para uma vida social e política, habilitando-os a perceber, entender, julgar e
aplicar a Matemática na sua vida comum em sociedade.
O conhecimento reflexivo vai de encontro à ideologia do falso-verdadeiro
(ideologia da certeza), comum no conhecimento matemático, segundo a qual qualquer
resposta a uma exercício tem de estar ou certa ou errada. Ao contrário disso, o
conhecimento reflexivo valoriza questionamentos sobre o cálculo que se está sendo
feito, sobre a confiabilidade dos resultados, sobre a necessidade da formalização da
matemática, sobre as conseqüências dos resultados obtidos e sobre os próprios
questionamentos efetuados, sem se preocupar em classificar tudo como certo ou errado.
O
desenvolvimento
do
conhecimento
reflexivo
deve
ser
efetuado
conjuntamente com o conhecimento tecnológico, devendo somar-se a este para
constituir a competência democrática.
Em
resumo,
o
referencial
teórico-conceitual
indispensável
para
o
desenvolvimento da competência democrática inclui: o conhecimento matemático
propriamente dito, o conhecimento tecnológico e o conhecimento reflexivo.
Os princípios orientadores da Educação Matemática não são mais
encontrados exclusivamente na Matemática pura, nem na aplicada,
mas em uma perspectiva mais abrangente que objetiva o
conhecimento reflexivo (SKOVSMOSE, op. cit., p. 95).
Dessa forma, a Educação Matemática pode se tornar uma Educação Crítica se
ela incluir, além do conhecimento matemático e do conhecimento tecnológico, o
conhecimento reflexivo, que pressupõe o desenvolvimento de uma consciência crítica
sobre o papel da Matemática no contexto social e político ao qual o estudante está
inserido.
4.3.4 – O diálogo e a matemacia34
34
Há duas versões para esse termo. Em Skovsmose (2005) encontramos materacia, enquanto em Alrø e
Skovsmose (2006) o termo é apresentado como matemacia. Neste trabalho, optamos pela segunda versão.
Dialogar, para Alrø e Skovsmose (2006) preconiza uma disposição para abrir
mão de uma perspectiva ou abrir mão de pressupostos, o que significa não se prender a
pressupostos nem rechaçá-los.
Para que um professor participe de um diálogo em sala de aula, ele
não pode ter respostas prontas para problemas conhecidos; ter
curiosidade a respeito do que os alunos fariam e estar disposto a
reconsiderar seus entendimentos e pressupostos são requisitos para a
participação do professor na diálogo (ALRØ e SKOVSMOSE, 2006,
p. 126).
Considerando que a aprendizagem deve promover o desenvolvimento da
cidadania, Alrø e Skovsmose (op. cit.) consideram que o diálogo deve assumir um papel
preponderante na sala de aula e, assim, eles afirmam que a teoria crítica da
aprendizagem colocaria o diálogo como pressuposto básico.
Consideramos que a importância do ensino e da aprendizagem de
Matemática dialógicos está associada à relação crítica entre Educação
Matemática e democracia. Ensino e aprendizagem dialógicos são
importantes para a prática de sala de aula que apóia uma Educação
Matemática para a democracia (ALRØ e SKOVSMOSE, op. cit., p.
142).
Skovsmose (2005) complementa a idéia de Educação Matemática Crítica
apresentando a noção de matemacia, similar à noção de alfabetização do modo como foi
desenvolvida por Freire. Poderíamos dizer que a noção de matemacia está, então,
associada à idéia de uma alfabetização funcional em Matemática, mas além disso, ela se
refere a algumas competências, quais sejam:
a)
b)
c)
a habilidade de lidar com noções matemáticas;
a habilidade de aplicar tais noções em contextos distintos;
a capacidade de refletir sobre tais aplicações (SKOVSMOSE,
op cit., p. 138).
A matemacia, então, dá apoio à cidadania crítica e é desenvolvida com base no
diálogo que favorece uma aprendizagem significativa, política e democrática. Dessa
forma, o desenvolvimento da matemacia assume um papel de grande relevância para a
operacionalização de uma Educação Matemática Crítica.
4.4 – A Educação Crítica e a Educação Estatística
De acordo com o que foi até aqui apresentado, vemos que as idéias de Freire,
Giroux e Skovsmose se auto-completam, interagem-se, intersecionam-se e concordam
em todos os pontos importantes. Dentre esses pontos, podemos destacar as idéias de:
• Promover uma educação problematizadora, estimular a criatividade e a
reflexão do aluno.
• Promover a inserção crítica do estudante na realidade em que vive,
desvelando essa realidade para uma melhor compreensão do mundo,
tornando-o assim um ator que não só assiste ao mundo, mas que dele
participa.
• Valorizar os aspectos políticos envolvidos na educação, seja em relação
ao processo educativo como em relação aos conteúdos disciplinares.
• Democratizar o ensino, seja com o debate de princípios democráticos
como também com a adoção de atitudes democráticas em sala de aula,
promovendo a desierarquização entre educandos e educadores, que
passam a conviver num ambiente no qual não há um dono do saber e
sim um compartilhamento de experiências que visa a um bem comum
de desenvolvimento da intelectualidade dos participantes do processo
educacional, desmistificando o papel manipulador tradicional da figura
do professor.
• Valorizar o trabalho em grupo, colaborativo, sem subordinação, mas
permitindo a existência de líderes de pares.
• Desenvolver os relacionamentos sociais, combater as posturas
alienantes dos alunos, defender a ética e a justiça social.
• Promover o diálogo, a liberdade individual e a responsabilidade social
dos estudantes.
Além disso, entendemos que alguns aspectos teóricos levantados nos estudos
sobre a Educação Estatística parecem estar em concordância com alguns desses
princípios da Educação Crítica. Vamos esclarecer alguns pontos comuns.
Os princípios de aleatoriedade e de incerteza, que levam a Estatística a se
afastar do aspecto determinístico da Matemática, estão em acordo com a crítica à
ideologia do falso-verdadeiro, necessária para se trabalhar o conhecimento reflexivo.
Conforme vimos no capítulo três, o pensamento estatístico ocorre quando os
modelos matemáticos são associados à natureza contextual do problema proposto e o
estudante identifica e escolhe adequadamente as ferramentas estatísticas necessárias
para sua descrição e interpretação. Esse aspecto é citado por Skovsmose e por Giroux
como fundamental para o desenvolvimento da competência crítica, além de figurar entre
as competências listadas para o desenvolvimento da matemacia.
Uma característica que comentamos sobre o pensamento estatístico é a idéia de
prover a habilidade de enxergar o problema estatístico de maneira global, com suas
interações e seus porquês, entender suas diversas relações e o significado das variações,
explorar os dados além do que os textos prescrevem e gerar questões e especulações não
previstas inicialmente. Isso está bastante de acordo com o pensamento reflexivo, pois
valoriza os questionamentos, a confiabilidade dos resultados etc. Além disso, tende a
estimular a criatividade, conforme nos orienta Paulo Freire.
Afirmamos na fundamentação teórica que a relevância dos dados e das
pesquisas deve sempre ser questionada pelos estudantes e encorajada pelos professores.
Isso está em acordo com os princípios da competência crítica, que valorizam os
questionamentos sobre a importância do que está sendo estudado, além de concordarem
com a idéia de conhecimento diretivo de Giroux.
Para desenvolver o raciocínio estatístico, destacamos que os problemas de
Estatística devem começar com um questionamento e terminar com uma opinião, que
espera-se que seja fundamentada em certos resultados práticos. Os julgamentos e as
conjecturas expressos pelos estudantes não devem ser caracterizados como certos ou
errados, e sim analisados quanto à qualidade de seu raciocínio, adequação e métodos
empregados para fundamentar as evidências. Novamente vemos aqui uma adequação
com os princípios da rejeição à ideologia do falso-verdadeiro, valorização do aspecto
crítico (Skovsmose), valorização da pedagogia da escrita, além de dar voz ao estudante
(Giroux), estimulando a reflexão (Freire).
Quanto à Literacia, ela tem a ver com a capacidade de argumentar, de se
expressar segundo uma linguagem própria da Estatística, mas também expressa a
capacidade de debater os conceitos inseridos num contexto de discussão social e
valoriza o desenvolvimento de atitudes de questionamento nas quais se aplicam
conceitos mais sofisticados para contradizer alegações que são feitas sem
fundamentação estatística apropriada. Mais uma vez vemos as idéias do conhecimento
reflexivo que defende a preparação dos alunos para uma vida social, incentivando-os a
perceber, entender, julgar e aplicar os conceitos matemáticos em sua vida cotidiana e da
matemacia, que valoriza a aplicação dos conceitos e a reflexão sobre essa aplicação.
Outro aspecto que aqui é valorizado é o estímulo à escrita, que segundo Giroux ajuda a
desenvolver a capacidade de operar um pensamento crítico. Esclarecemos que a escrita
aqui refere-se à necessidade de se expressar usando a terminologia própria da
Estatística, sendo que essa expressão pode (e deve) dar-se não somente de maneira oral,
mas também (e principalmente) de maneira escrita.
Entre os objetivos da Literacia, citamos: criar a capacidade no aluno de atuar
como um membro educado da sociedade em uma era de informação e de ter uma boa
base de entendimento dos termos, idéias e técnicas estatísticas. Nesse ponto,
encontramos uma convergência com a competência matemática, necessária para que
exista a competência democrática citada por Skovsmose. Citamos ainda que os
estudantes precisam aprender a usar a Estatística como evidência nos argumentos
encontrados em sua vida diária como trabalhadores, consumidores e cidadãos, o que
tende a incrementar a capacidade crítica e a matematização.
No capítulo 2 apresentamos os aspectos que devem ser valorizados pelos
professores segundo a visão da Educação Estatística35, e lá encontramos os princípios
35
Ver páginas 54 e 55.
necessários para o desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes, bem como os
questionamentos pregados pelo conhecimento reflexivo.
A fundamentação teórica da didática da Estatística estabelece uma condição
básica para um trabalho pedagogicamente significativo, que é a contextualização dos
dados. Isso significa que os exercícios a serem trabalhados com os alunos devem conter
dados (números) que são obtidos por pesquisas reais, preferencialmente colhidos pelos
próprios alunos. Mencionamos também que os exercícios devem tratar de assuntos
relevantes para os alunos, ligados ao seu cotidiano ou à sua formação profissional.
Observamos aí uma conexão com as idéias de problematização e de construção de
modelos propostas por Skovsmose e por Giroux, bem como a aproximação ao
conhecimento tecnológico, necessário para compor a competência democrática.
Além dos aspectos ligados à teoria didática da Estatística que a aproximam da
Educação Matemática Crítica, devemos também apontar o engajamento das atividades
propostas nesta pesquisa com os aspectos políticos econômicos e sociais que circundam
a vida dos estudantes, utilizando nesse contexto a idéia de suplantar os objetivos da
própria Estatística e valorizar a interdisciplinaridade, conforme proposto por Giroux.
Vários outros aspectos de convergência poderiam ser citados, tais como o
trabalho com projetos proposto por Giroux e a Modelagem Matemática que tratamos no
capítulo anterior. Entretanto, deixamos para fazer uma análise comparativa mais
aprofundada sobre esse aspecto posteriormente à apresentação das referidas atividades,
quando nos será possível efetivamente observar todos os aspectos trabalhados em
nossos projetos.
4.5 – A Educação Estatística Crítica
Diante do que foi exposto até aqui, vemos uma expressiva convergência dos
princípios da Educação Estatística e da Educação Crítica. Como professores de
Estatística, nosso objetivo primordial é ensiná-la aos educandos de forma honesta e
significativa. Ao conhecermos os trabalhos dos pesquisadores em Educação Crítica, nós
nos propusemos a exercer uma reflexão sobre o tema ‘educação’ e essa reflexão nos
levou a uma ação, a uma mudança em nosso olhar sobre os objetivos mais nobres da
educação. Dessa forma, vemos com entusiasmo a possibilidade de adotar os princípios
da Educação Crítica na Educação Estatística, construindo uma teoria crítica de ensino
de Estatística, ou melhor, uma Educação Estatística Crítica.
Sendo assim, entendemos que antes de sermos professores de Estatística,
somos professores. E como tal, assumindo uma postura reflexiva e autocrítica,
colocamos os objetivos da Educação Crítica junto aos objetivos da Educação Estatística,
sem hierarquizá-los, mas assumindo uma comunhão em ambos, pois além de uma coisa
não se sobressair perante a outra, também não a prejudica.
A Estatística é pródiga em aplicação de seus conteúdos na vida real. Vivemos
cercados de números, de estatísticas, vivemos um constante exercício de comparação,
somos permeados de índices que nos acompanham desde a infância, desde o garoto que
constrói estatísticas (mesmo que mentalmente) de seu desempenho como artilheiro de
futebol ou cestinha do time de basquete ao adulto que precisa decidir por uma ou outra
forma de investimento, desde o trabalhador que precisa lutar por índices de reajuste
salarial e que vive às voltas com alíquotas de imposto de renda à dona de casa que
precisa administrar o orçamento familiar e ficar atenta aos reajustes dos preços dos bens
e serviços que consome. Os jornais diários são ricos em gráficos, índices e análises
comparativas de todas as espécies. Os profissionais dos mais diversos ramos utilizam a
Estatística em seu trabalho, desde médicos, psicólogos, esportistas, até técnicos de nível
médio.
Mesmo assim, vemos que muitos livros-texto de Estatística conseguem ignorar
essa aplicabilidade e tratam-na abstratamente, como um conhecimento matemático na
forma descrita por Skovsmose. Seguindo essa linha, muitos professores tratam o ensino
de Estatística de forma alienante, assumindo uma falsa postura de que a educação é
neutra e apolítica.
De forma a completar este estudo sobre o ensino de Estatística, apresentamos a
idéia de Educação Estatística Crítica, que congrega os objetivos da Educação Estatística
com os da Educação Crítica, de forma a produzir uma pedagogia democrática, reflexiva,
engajada em sua função maior de responsabilidade social para com os educandos.
Seguir as idéias apresentadas por nós no capítulo 3, permite otimizar o ensino
da Estatística, mas fica uma lacuna importante, que só é preenchida com os conceitos da
Educação Crítica, principalmente o engajamento político e social do ato de educar.
Como pudemos observar, esses aspectos não se encontram em dicotomia, pelo
contrário. Queremos mostrar aqui como eles podem se completar e assim dignificar
mais a Educação Estatística ao contextualizá-la dentro de um ambiente mais humanista,
de mais diálogo, mais comprometido com princípios democráticos e de cidadania.
Uma Educação Estatística que se proponha a seguir esses princípios aqui
apresentados, deve ter as seguintes características:
• Problematizar o ensino, trabalhar a Estatística por meio de projetos,
valendo-se dos princípios da modelagem matemática.
• Permitir aos alunos que trabalhem individualmente e em grupos.
• Utilizar
exemplos
reais,
trabalhar
com
dados
reais,
sempre
contextualizados dentro de uma realidade condizente com a realidade
do aluno.
• Favorecer e incentivar o debate e o diálogo entre os alunos e com o
professor.
• Desierarquizar o ambiente de sala de aula, assumir uma postura
democrática de trabalho pedagógico, delegar responsabilidades aos
alunos.
• Incentivar os alunos a analisar e interpretar os resultados, valorizar a
escrita.
• Tematizar o ensino, ou seja, privilegiar atividades que possibilitem o
debate de questões sociais e políticas relacionadas ao contexto real de
vida dos alunos.
• Promover julgamentos sobre a validade das idéias e das conclusões,
fomentar a criticidade e cobrar dos alunos o seu posicionamento
perante os questionamentos levantados nos debates, compartilhando
com a classe suas justificativas e conclusões.
• Preparar o aluno para interpretar o mundo, praticar o discurso da
responsabilidade social, incentivar a liberdade individual e a justiça
social, engajar os alunos numa missão maior de aperfeiçoar a sociedade
em que vivem.
• Utilizar bases tecnológicas no ensino, valorizando e desenvolvendo
competências de caráter instrumental para o aluno que vive numa
sociedade eminentemente tecnológica.
• Valorizar o conhecimento reflexivo em conjunto com o conhecimento
tecnológico para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o
papel da Estatística no contexto social e político no qual o estudante se
encontra inserido.
• Adotar um ritmo próprio, um timing flexível para o desenvolvimento
dos temas.
• Combinar o conhecimento produtivo e diretivo.
• Evidenciar o currículo oculto, debater o mesmo com os estudantes,
permitindo que eles participem das decisões tomadas e do controle do
processo educacional.
• Avaliar constantemente o desenvolvimento do raciocínio, do
pensamento e da literacia estatística.
• Desmistificar o processo de avaliação do aluno, permitindo que ele
participe das decisões e assuma responsabilidades sobre esse processo.
Todas essas idéias não devem parecer para o professor como um check-list a
ser conferido em seu trabalho. Entendemos que, se o professor refletir e acreditar nesses
propósitos, terá um desenvolvimento natural de seu trabalho na direção dessas
características que listamos.
O que queremos salientar é que existem três princípios básicos que, se forem
observados, possibilitarão o engajamento do professor nessa prática de educação que
estamos propondo. Esses princípios são:
• Contextualizar os dados de um problema estatístico, preferencialmente
utilizando dados reais.
• Incentivar a interpretação e análise dos resultados obtidos.
• Socializar o tema, ou seja, inseri-lo num contexto político/social e
promover debates sobre as questões levantadas.
No capítulo 2, item 2.1, apresentamos um exemplo dado por Rumsey (2002)
para o trabalho com a literacia estatística e reproduzimos esse exemplo abaixo:
Escreva uma carta para o editor explicando porquê um gráfico
mostrando o número de crimes em 1997 versus 1987 deve conter
também o tamanho da população em cada ano (p.10).
Observe que o tema desse exercício (crime) é de alta relevância para a
sociedade. O exercício, que teria um objetivo de favorecer o desenvolvimento da
capacidade que chamamos de literacia estatística, se for seguido de um debate sobre ‘o
crime e a sociedade em que vivemos’, acabará por despertar nos alunos a consciência
crítica para esse grave problema social e oxalá trará mudanças em seus comportamentos
no sentido de questionar as origens desses problemas e suas possíveis soluções.
Assim, entendemos que o objetivo de ensinar Estatística deve sempre estar
acompanhado do objetivo de desenvolver a criticidade e o engajamento dos estudantes
nas questões políticas e sociais relevantes para a sua realidade como cidadãos que
vivem numa sociedade democrática e que lutam por justiça social em um ambiente
humanizado e desalienado.
No capítulo seguinte, apresentamos algumas idéias de estratégias pedagógicas
que desenvolvemos e que vão ao encontro dos objetivos da Educação Estatística Crítica
aqui apresentados.
Cap. 5 – Projeto 1: A Estatística e o Mercado de Capitais
5.1 – Introdução
Neste capítulo e no próximo, fazemos a apresentação, discussão e análise das
atividades desenvolvidas em sala de aula e que tiveram como objetivo a criação de
ambientes pedagógicos visando a favorecer um ensino diferenciado dos conteúdos de
Estatística em cursos de graduação.
Baseado em nosso referencial teórico acerca dos fundamentos da didática da
Estatística, tendo sempre como presente as idéias da Educação Estatística Crítica e
valendo-se de nossa experiência docente, desenvolvemos algumas atividades didáticas
específicas, consolidadas em projetos pedagógicos que foram discutidos no âmbito do
GPEE e cujos resultados foram apresentados em alguns Congressos internacionais sobre
o Ensino de Estatística (conforme citado na pág. 10).
A estratégia de ensino e aprendizagem de Estatística que utilizamos nos
projetos foi a da Modelagem Matemática, já descrita no capítulo 3, conforme estudos de
D’Ambrosio (1991), Bassanezi (2004) e Biembengut & Hein (2003), apresentando aqui
resultados francamente compatíveis com os objetivos propostos.
Nosso objetivo inicial foi possibilitar o desenvolvimento das capacidades de
Literacia (conforme descrito por RUMSEY, 2002), Pensamento Estatístico (conforme
descrito por CHANCE, 2002) e Raciocínio Estatístico (conforme descrito por
GARFIELD, 2002)
Já a Educação Crítica, principalmente como foi apresentada por Skovsmose
(2004 e 2005) e por Alrø e Skovsmose (2006), esteve presente ao longo de toda fase de
desenvolvimento dos projetos, pois à medida que nos identificamos com os seus
propósitos, ela mudou nossa concepção de trabalho docente e passamos a trazer seus
fundamentos em nós mesmos, o que só contribuiu para enriquecer os objetivos do nosso
trabalho investigativo.
Os dois projetos aqui descritos foram desenvolvidos em sala de aula ao longo
dos anos de 2005 e 2006, pelo professor-pesquisador, dentro da disciplina de Estatística
em cursos de graduação da área de Ciências Econômicas em uma faculdade privada da
cidade de São Paulo.
O que apresentamos nas próximas páginas é uma descrição completa de cada
projeto, desde os seus objetivos e fundamentos, revisão bibliográfica, exemplos, até os
relatórios de execução, apresentação dos resultados e análise crítica baseada no quadro
teórico que assumimos para este trabalho.
A análise que fazemos em cada projeto contém também uma autocrítica, ou
seja, baseado no feedback de cada atividade realizada, fomos absorvendo sugestões e
reflexões sobre sua operacionalização, de modo a poder exercer a crítica construtiva a
nós mesmos.
Deixamos para as considerações finais deste trabalho uma análise global das
atividades aqui apresentadas, de forma a avaliar se nossa proposta inicial de
investigação foi satisfeita por tais projetos pedagógicos.
5.2 – Projeto 1: A Estatística, o Mercado de Capitais e a Responsabilidade
Social
Em meados do 1o semestre de 2005 fomos convidados para participar de uma
mesa-redonda cujo tema era: Mercado de Capitais: Estratégias de Investimento,
promovida por uma faculdade privada, em São Paulo, capital, local onde atuamos
profissionalmente desde 1999.
Para esse debate, foram convidados três profissionais, cada um com um tema
específico para abordar. Os debatedores e seus temas foram:
Prof. Ms. Aurélio Hess36: O que é o Mercado de Capitais e como fazer uma
análise fundamentalista de uma empresa.
36
Aurélio Hess é professor no curso de graduação em Administração de Empresas das Faculdades
Oswaldo Cruz e das Faculdades Integradas Campos Salles. É coordenador do curso de Administração de
Empresas das Faculdades Integradas de Amparo-SP e professor do curso de MBA em Gestão de
Negócios no IPT/USP. É mestre em Administração e Planejamento financeiro pela PUC/SP, pósgraduado em Consultoria em Organizações pela FGV/SP, especialista em Negociação pela FGV/SP e
graduado em Administração de Empresas pela FEAO. É diretor executivo do IBGN – Instituto Brasileiro
Prof. Ms. Celso Ribeiro Campos: Como fazer os números trabalharem em
favor do investidor: considerações sobre a análise grafista de investimentos.
Eng. Renato Oliveira Fraga37: O que é um clube de investimentos, como
constituí-lo, como se tornar um investidor do Mercado de Capitais: relato de uma
experiência.
Para nos preparar para o tema, consultamos uma vasta bibliografia, na qual
destacamos as obras de Matos (2000) e de Costa & Assunção (2005). No anexo 1,
apresentamos um relatório da referida mesa-redonda que detalha os assuntos abordados
pelos debatedores.
Tal palestra fez bastante sucesso entre os alunos, de forma que nós fomos
procurados posteriormente por grupos de estudantes que se interessaram pelo tema e
desejavam adquirir mais conhecimentos sobre o mesmo. Foi nesse momento que,
aproveitando a motivação desses alunos, surgiu a idéia de se trabalhar com um projeto
didático que possibilitasse aos alunos um maior aprofundamento teórico e que
permitisse que os mesmos pudessem pôr em prática os conhecimentos adquiridos,
aproveitando a motivação que já havia sido despertada pelo tema, dada a sua relevância
para o aprimoramento profissional e que também poderia servir aos interesses pessoais
dos alunos. A essa altura, verificamos o cumprimento da primeira etapa da modelagem
matemática, a Interação.
A segunda etapa, ou seja, a Matematização, também estaria cumprida, pois os
conhecimentos estatísticos necessários já foram ministrados aos alunos em sala de aula
e, além disso, a apresentação de exemplos foi feita durante a palestra.
O tema foi levado ao GPEE e foram então discutidas em várias sessões as
possíveis estratégias de execução do projeto.
de Gestão de Negócios e é autor do livro Gestão Financeira de Negócios (vide bibliografia) que em 2005
estava em sua 3a edição.
37
Renato Oliveira Fraga é engenheiro de telecomunicações da Ericsson Internacional, formado pelo
INATEL – Instituto Nacional de Telecomunicações de Santa Rita do Sapucaí, MG, é estudioso e
investidor no Mercado de Capitais da Bovespa. É gestor de um clube de investimentos que possui cerca
de 150 investidores e que, em 2005, obteve uma rentabilidade acima de 50%, tendo sido entrevistado em
matéria de capa do jornal Valor Econômico e em outras publicações, tais como a revista Isto É Dinheiro.
Atualmente reside e trabalha na Austrália.
5.2.1 – Revisão teórica
O projeto consistiu basicamente de um processo de indagação e investigação
sobre o Mercado de Capitais, bem como a formulação e experimentação de uma
estratégia de investimento em um mercado virtual durante um certo período de tempo.
O mercado de capitais é um mercado de risco, no qual os investidores
compram ações de empresas negociadas na Bolsa de Valores e as revendem, procurando
obter lucros nessas transações. O mercado secundário é representado pelas empresas
que já têm suas ações na Bolsa e, os investidores que desejam comprá-las têm de fazer a
negociação com base na oferta que os donos de tais ações fazem, com a intermediação
de corretoras de valores credenciadas38. Muitas vezes, o sucesso desse tipo de operação
financeira depende da escolha do momento certo para comprar e vender as ações, sendo
que não existe uma regra determinística para se saber exatamente quando ocorre esse
momento. A decisão sobre comprar ou não ações de uma determinada empresa X pode
ter por base dois tipos de análise: Fundamentalista ou Estatística.
A análise Fundamentalista39 leva em conta o tipo de administração da empresa,
a situação do mercado no qual ela está inserida, a competitividade do setor de atuação
da empresa, a regulamentação desse setor, as projeções do setor para o futuro próximo,
se a empresa é exportadora ou não, os demonstrativos financeiros dos últimos anos, o
pay-out40 da empresa e o quanto vale a ação (preço justo), além de outros critérios.
Já a análise estatística pode ser dividida em duas partes principais:
a) análise de risco-retorno;
b) regressão econométrica;
que detalharemos a seguir.
38
Para um maior detalhamento sobre o funcionamento da Bolsa de Valores no Brasil, sugerimos consulta
à obra de Luquet & Rocco (2005) (vide bibliografia) e ao site www.bovespa.com.br
39
Para maior aprofundamento sobre a análise fundamentalista, sugerimos consulta à obra de Halfeld
(2005) (vide bibliografia).
40
É a taxa de distribuição do lucro da empresa para os acionistas, na forma de dividendos ou de juros
sobre o capital próprio (HESS, 2005, p. 149).
5.2.1.1 – Análise de risco-retorno41
Em administração financeira existe a percepção intrínseca de que
investimentos mais arriscados podem gerar maiores lucros, ou seja, quanto maior o
risco maior pode ser a rentabilidade e vice-versa. Para tornar este conceito mensurável,
é preciso de alguma forma quantificar o que seria a rentabilidade e o risco de um
determinado ativo. A metodologia mais utilizada consiste em considerar o retorno de
um determinado ativo como uma variável aleatória, associar a medida de risco ao
desvio-padrão dessa variável e, a rentabilidade ao seu valor esperado. Existem críticas a
essa teoria, uma vez que a distribuição estatística de uma dada série histórica de
retornos muda com o tempo, dependendo do momento econômico do mercado no qual o
ativo está inserido. No entanto, de acordo com as circunstâncias econômicas e com a
maneira como esses parâmetros são estimados, essa medida de risco e retorno pode ser
apropriada.
Seja Si (0) o valor de um ativo financeiro i no instante 0 e Si (1) o valor desse
ativo uma unidade de tempo depois. A taxa de retorno Ri desse ativo, que é uma
variável aleatória, é dada por:
Ri =
S i (1) − S i (0)
S i (0)
O retorno esperado (ou rentabilidade esperada) do ativo financeiro Ri será
denotado por ri, calculado no período 1 a T, ou seja,
1 T
ri = E ( Ri ) = ∑ Ri (T )
T t =1
Que é a esperança matemática de Ri calculada no período de 1 a T.
O risco do ativo financeiro i será representado pelo desvio-padrão σi de Ri:
41
A análise risco-retorno é abordada em detalhes na obra de Costa & Assunção (2005), que usamos aqui
como referência.
σ i = E ( Ri − ri ) 2 =
1 T
(Ri (T ) − ri )2
∑
T − 1 t =1
Observamos nesse caso o uso do denominador T – 1, que inclui um fator de
correção usado por se tratar de uma amostra do valor do ativo num certo período
limitado (de 1 a T).
De posse de uma série histórica de valores do ativo Si, preços de uma ação por
exemplo, podem-se extrair estimativas para essas variáveis, com diferentes períodos,
sendo o diário o mais utilizado.
Ao se constituir uma carteira com n ativos, deve-se estabelecer a proporção w
do capital que será investido em cada um. Seja wi a proporção de investimento no ativo
Si, cujo retorno esperado é ri e cujo risco calculado é σi. O retorno esperado da carteira,
µ, será dado por:
n
µ = w1 .r1 + w2 .r2 + ... + wn .rn = ∑ wi .ri
i =1
O risco ponderado da carteira pode ser simplificadamente calculado como
sendo:
n
σ = ∑ (wi .σ i )
i =1
O cálculo mais apurado do risco de uma carteira envolve análises de
covariância e de correlação entre os ativos. Esse cálculo é bastante complexo para
carteiras com mais de 2 ativos e foge ao objetivo deste trabalho.
Um ativo ideal seria aquele com valor de retorno alto e risco baixo. Entretanto
essa relação em geral não ocorre, ou seja, a tendência é que os ativos com alto retorno
apresentem também alto risco. Os fundos de renda fixa dos bancos (privados ou
estatais) podem ser considerados ativos de risco 0, ou muito baixo. Sua taxa de
remuneração é, geralmente, usada como referência para avaliar o desempenho de um
investimento.
Uma informação importante para se compor uma carteira de ações é evitar
comprar ativos de empresas que atuem num mesmo segmento do mercado, pois existe
tendência a haver forte correlação positiva entre o desempenho desses ativos, o que não
é recomendável, pois tende a maximizar o risco da aplicação. A opção mais
recomendável para se minimizar o risco é compor carteiras com ativos de correlação
negativa, o que diminui substancialmente o risco global do investimento.
5.2.1.2 – Exemplo 1
Segue um exemplo que trata do ativo Vale do Rio Doce PN42 (código do ativo
na BOVESPA: VALE5). O período de tempo considerado é o diário, e os preços
correspondem às cotações de fechamento, ou seja, ao último negócio do dia. A Tabela 1
mostra os preços e os retornos observados para cada dia.
42
A sigla PN significa Preferencial Nominativa, refere-se a um tipo de ação que não dá direito a voto nas
assembléias da empresa, mas tem prioridade no recebimento de dividendos. No Brasil, as ações PN são as
de maior liquidez (LUQUET & ROCCO, 2005, p. 24)
Tabela 5.1- Preços de fechamento e retornos observados
de Vale do Rio Doce PN na BOVESPA
T
data
fech [Si(T)]
0
21/10/2004
50,92
1
22/10/2004
2
2
Ri (T)
(Ri - ri)
50,41
-0,0100
0,00016
25/10/2004
50,15
-0,0052
0,00006
3
26/10/2004
51,49
0,0267
0,00058
4
27/10/2004
51,49
0,0000
0,00001
5
28/10/2004
49,67
-0,0353
0,00145
6
29/10/2004
50,05
0,0077
0,00002
7
1/11/2004
50,05
0,0000
0,00001
8
3/11/2004
50,43
0,0076
0,00002
9
4/11/2004
50,48
0,0010
0,00000
10
5/11/2004
51,69
0,0240
0,00045
11
8/11/2004
51,12
-0,0110
0,00019
12
9/11/2004
52,76
0,0321
0,00086
13
10/11/2004
53,28
0,0099
0,00005
14
11/11/2004
52,65
-0,0118
0,00021
15
12/11/2004
54,33
0,0319
0,00085
16
16/11/2004
52,46
-0,0344
0,00138
17
17/11/2004
54,56
0,0400
0,00139
18
18/11/2004
53,70
-0,0158
0,00034
19
19/11/2004
54,28
0,0108
0,00007
20
22/11/2004
53,51
-0,0142
0,00028
0,0539
0,00840
∑
Dados obtidos em www.infomoney.com.br (valores de fechamento)
Considerando a janela de 20 dias indicada na Tabela 5.1, o retorno ri é
estimado com a média das taxas de retorno Ri:
ri =
1
⋅ 0,0539 = 0,0027
20
O risco σi associado a esse retorno é dado pela raiz quadrada da variância, ou
seja, o desvio-padrão da taxa de retorno Ri:
σ i2 =
1 20
(Ri (T ) − ri )2 = 0,000442
∑
19 t =1
⇒
σ i = 0,0210
Interpretação: o ativo Vale do Rio Doce PN tem um retorno esperado de
aproximadamente 0,27% ao dia, com um risco associado de 2,10%43. Esses resultados
estão estreitamente correlacionados com a janela considerada. Se em vez de 20 fossem
considerados 10 ou 50 dias, os resultados certamente seriam outros. Uma janela
pequena fornece resultados mais sensíveis ao retorno e ao risco a curto prazo. Por sua
vez, uma janela maior absorve grandes variações isoladas e fornece informações para
prazos mais longos. Portanto, a escolha da janela é muito importante e está relacionada
com o horizonte das aplicações. Para um resultado mais confiável, pode-se pensar em
uma janela de cerca de 200 dias.
Essa análise de risco e retorno que apresentamos é baseada na precificação do
ativo – CAPM44 – que exige que as escolhas sejam feitas apenas em termos de retornos
esperados e variâncias. Existe a possibilidade de incluir nessa análise as assimetrias e as
curvas de freqüências aplicadas aos valores calculados de retorno Ri. Curvas de
freqüência com assimetria positiva indicam maior possibilidade de ganho para o
investidor (DAMODARAN, 2002, p.57). Por exemplo, suponha que você tenha que
escolher entre dois investimentos, A e B, ambos com o mesmo retorno esperado (18%)
e o mesmo desvio padrão (25%). Suponha ainda que o investimento A ofereça uma
pequena possibilidade de triplicar o seu dinheiro, enquanto no investimento B a
possibilidade mais alta de retorno é de 60%. Nesse caso, o investidor deve optar pelo
43
Esse resultado nos remete a uma reflexão para ser levada à sala de aula: É normal o desvio padrão ser
maior que a média aritmética? Por que isso ocorreu nesse caso?
44
Capital Asset Pricing Model, é uma metodologia desenvolvida para explicar o comportamento dos
preços das ações, cujo objetivo é fornecer um mecanismo por meio do qual os investidores podem avaliar
o impacto do investimento proposto em ações sobre o total do retorno e risco da carteira. O CAPM é uma
ferramenta analítica extremamente importante tanto para as finanças administrativas como para a análise
de investimentos. Os criadores do CAPM, Harry Moakowitz e William F. Sharpe, foram agraciados pelo
prêmio Nobel em 1990 (WESTON & BRIGHAM, 2000)
ativo A. Essa maior possibilidade de retorno pode ser visualizada pela assimetria
positiva da curva de freqüência associada ao retorno.
Gráfico 5.1- Assimetria positiva
5.2.1.3 – O Coeficiente β
A tendência de uma ação mover-se com o mercado é refletida em seu
coeficiente beta β, que é a medida da volatilidade de uma ação em relação a um
conjunto de ativos que compõe um índice de referência. Intuitivamente, os ativos que se
movimentam mais com a carteira de investimentos de mercado (padrão) tenderão a ser
mais arriscados do que os que se movimentam menos, tendo em vista que os
movimentos que não são relacionados com a carteira de investimentos de mercado serão
eliminados quando um ativo é agregado a ela. Estatisticamente, esse risco agregado é
mensurado pela covariância do ativo em relação à carteira de investimentos do mercado.
A covariância é uma medida não padronizada de risco de mercado. Para
padronizar essa medida, dividimos a covariância de cada ativo i em relação à carteira de
investimentos de mercado pela variância da carteira de investimentos de mercado. Isso
resulta no beta do ativo i:
βi =
covariância do ativo i em relação à carteira de investimentos de mercado
variância da carteira de investimentos de mercado
O cálculo do β também é uma das formas se de avaliar o risco de uma
aplicação financeira no mercado de capitais, recomendada pelo CAPM.
A covariância da carteira de investimentos de mercado consigo mesma é a sua
variância. Sendo assim, o beta de referência é igual a 1,0. Uma ação de risco médio é
definida como aquela que tende a subir e descer de acordo com o mercado geral e tem
um coeficiente beta próximo a 1,0. Se β = 0,5 a ação tem apenas a metade da
volatilidade do mercado (se o mercado subir 10%, esse ativo subirá apenas 5% e se o
mercado cair 10% esse ativo cairá somente 5%). Com β = 2,0 a ação será duas vezes
mais volátil do que o mercado, de modo que seria um ativo duas vezes mais arriscado
do que uma ação média.
Em geral, as aplicações em ações no Brasil têm o cálculo do beta feito em
referência à carteira do Ibovespa - Índice Bovespa - que é o valor atual, em moeda do
país, de uma carteira teórica de ações com base em uma aplicação hipotética. A carteira
do Ibovespa teve início em 1968, com valor definido em 100 pontos. Desde então, o
aumento ou diminuição desse número traduz a tendência geral dos preços das ações
negociadas na Bolsa. A carteira compõe-se de pouco mais de 50 papéis, os quais
alcançaram 80% de participação acumulada em número de negócios e volume
financeiro nos 12 meses anteriores, tendo presença em pelo menos 80% das sessões e
pregões desse período. São feitas reavaliações quadrimestrais para se atribuir novos
pesos de ponderação às diferentes ações que compõem esse índice (LUQUET &
ROCCO, 2005, p. 16-17).
A covariância entre duas variáveis X e Y é dada por (n representa o número de
observações):
S XY =
Σxy
n
onde
Σxy = Σ( X .Y ) −
ΣX .ΣY
n
Podemos calcular o β para cada ativo individualmente e também estimar o β
para a carteira completa. Uma forma de se fazer isso é ponderar cada β pela proporção
aplicada no ativo. Seja wi a proporção de investimento no ativo Si, cuja volatilidade é βi.
O risco associado a essa volatilidade será dado por:
n
β = w1 .β1 + w2 .β 2 + ... + wn .β n = ∑ wi .β i
i =1
5.2.1.4 – Regressão Econométrica45
De posse de uma série histórica dos valores de fechamento de um ativo Si
qualquer, pode-se determinar a reta/curva ideal de regressão para esse ativo. As formas
funcionais mais utilizadas para esse fim são: linear, logarítmica, semilogarítmica,
exponencial e hiperbólica, conforme o quadro abaixo:
Tabela 5.2 – Formas funcionais convencionais
Função
Forma original
Forma linearizada
Transformação
Linear
Y = a + b.X
Logarítmica
Y = A.Xb
Ln Y = a + b.Ln X
Ln A = a
Semilog I (exponencial)
Y = A.BX
Ln Y = a + b. X
Ln A = a; Ln B = b
Semilogarítmica II
eY = A.Xb
Y = a + b.Ln X
Ln A = a
Recíproca I (hiperbólica)
Recíproca II
1
X
Usa-se 1/X ao invés
1
= a + b.X
Y
Usa-se 1/Y ao invés
Y = a + b⋅
de X.
de Y.
A escolha da melhor função é, muitas vezes, uma tarefa trabalhosa. Entretanto,
um método simplificado (e rudimentar) de decisão seria a análise gráfica do
comportamento do ativo, comparando-se os pontos do gráfico com a forma típica de
cada função. Existem basicamente três critérios para a escolha do modelo funcional:
critérios derivados da teoria econômica, critérios estatísticos e critérios econométricos.
45
Para maior aprofundamento na análise de regressão econométrica, recomendamos a obra de Matos
(2000).
Os critérios estatísticos têm por objetivo verificar o grau de confiabilidade das
estimativas obtidas. Isso é feito mediante a utilização de coeficientes de determinação
(R2), do erro-padrão da estimativa e de testes de hipóteses realizados com as estatísticas
t e F. Em modelos com apenas uma variável explicativa, a forma funcional mais
adequada pode ser escolhida em função da magnitude do coeficiente de determinação
(R2) e da estatística F. Quanto mais elevado for o valor dessas estatísticas mais forte
será a influência da variável explicativa sobre a dependente, ou seja, os dados ajustamse mais adequadamente à forma matemática especificada.
Ao se proceder à regressão, são calculados os parâmetros da função,
considerando que o valor do ativo é função do tempo46. O tempo pode ser considerado
uma variável explicativa (X), assumindo os valores 1, 2, 3 etc. para cada preço de
fechamento (diário) da ação. Outra maneira de se trabalhar com o tempo como variável
explicativa é considerar a própria variável ‘preço do ativo’, defasada de 1 período, como
variável explicativa. No exemplo que apresentamos aqui, não consideramos essa
segunda hipótese.
Com a regressão pronta, usa-se a função matemática para efetuar decisões de
comprar ou vender ações do ativo analisado. A decisão é tomada com base no seguinte
procedimento: seja um instante T, no qual o ativo i apresenta um preço Si(T).
a)
Se Si(T) for menor do que o valor do ativo calculado pela forma
funcional de regressão, recomenda-se a compra desse ativo.
b)
Se Si(T) for maior do que o valor do ativo calculado pela forma
funcional de regressão, recomenda-se a venda desse ativo.
Dessa forma, a regressão econométrica não influencia a decisão de investir ou
não em um certo ativo. Ela apenas auxilia na movimentação das contas de investimento
e na percepção do melhor momento para comprar ou vender um ativo em carteira.
5.2.1.5 – Exemplo 2
11
Essa consideração é uma simplificação, ceteris paribus, com fundamento na Teoria Capitalista.
Para a tabela 5.1, vamos fazer as regressões linear, logarítmica e exponencial,
com base no método dos mínimos quadrados, e decidir qual a melhor, comparando as
estatísticas R² e F. Depois, vamos projetar uma data futura, por exemplo 23/11, supondo
que a ação apresente valor de mercado de 54,00 e decidir se a melhor estratégia é
comprar ou vender nesse dia.
a)
R2 =
0,7195
F=
46,1609
Linear:
Y = 49,4798 + 0,2332.X
b)
R2 =
0,5088
F=
18,6477
Logarítmica:
Ln Y = 3,8914 + 0,0274.Ln X
Y = 48,9778.X0,0274
c)
R2 =
0,7188
F=
46,0215
Exponencial
Ln Y = 3,9024 + 0,0045.X
Y = 49,521 . 1,0045X
Análise: pelos resultados, a forma linear apresenta as estatísticas de avaliação
mais altas e, portanto, corresponde à forma funcional mais adequada a essa regressão.
Para a data futura 23/11, em nossa série histórica, ela corresponderá ao X = 21.
Usando a forma linear, temos Y = 49,4798 + 0,2332.21 = 54,377 ~ 54,38.
Decisão: o preço de mercado está abaixo do valor estimado pela regressão,
demonstrando que é uma boa oportunidade para efetuar a compra do ativo.
As regressões que apresentamos acima, assim como os valores das estatísticas
de avaliação, foram obtidas com o auxílio da planilha eletrônica Excel, utilizando-se as
funções Ferramentas Análise de dados Regressão.
5.2.1.6 – Séries Temporais
Para se avaliar a tendência em uma série temporal, temos de observar os
diversos tipos de movimentos que caracterizam tais séries. Os principais tipos de
movimentos são:
a)
Movimentos a longo prazo ou seculares
b)
Movimentos ou variações cíclicas
c)
Movimentos ou variações por estações
d)
Movimentos irregulares ou aleatórios
A análise de uma série temporal consiste em uma descrição (geralmente
matemática) dos movimentos componentes que se apresentam. No caso da série
histórica do preço das ações de uma empresa47, observamos a predominância de
movimentos aleatórios (vide Gráfico 5.2 abaixo). Para se fazer uma avaliação de
tendência de longo prazo, é necessário regularizar a série, ou seja, eliminar os
movimentos aleatórios.
47
Veja no anexo 2 a tabela completa com os valores de fechamento do ativo Petrobrás PN.
Petrobrás PN
R$
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
6/10/2005
20/10/2005
8/9/2005
22/9/2005
25/8/2005
11/8/2005
28/7/2005
14/7/2005
30/6/2005
2/6/2005
16/6/2005
19/5/2005
5/5/2005
7/4/2005
21/4/2005
24/3/2005
10/3/2005
24/2/2005
10/2/2005
27/1/2005
13/1/2005
30/12/2004
16/12/2004
2/12/2004
18/11/2004
4/11/2004
21/10/2004
0,00
Gráfico 5.2- Valor de Fechamento das ações Petrobrás PN, código PETR4, na
BOVESPA, entre 21/10/2004 e 20/10/2005
Fonte: elaborado pelo autor, com dados disponíveis em
www.infomoney.com.br
Uma das formas de eliminar os movimentos aleatórios é utilizar médias
móveis, que têm a propriedade de tenderem a reduzir o total de variações que se
apresenta em um conjunto de dados.
Para o conjunto de dados acima, elaboramos (Gráfico 5.3) um esboço de
gráfico feito com média móvel de 20 dias e (Gráfico 5.4) outro com média móvel de 60
dias.
20/10/2005
6/10/2005
22/9/2005
8/9/2005
25/8/2005
11/8/2005
28/7/2005
14/7/2005
30/6/2005
16/6/2005
2/6/2005
19/5/2005
5/5/2005
21/4/2005
7/4/2005
24/3/2005
10/3/2005
24/2/2005
R$
10/2/2005
27/1/2005
13/1/2005
30/12/2004
16/12/2004
2/12/2004
18/11/2004
4/11/2004
21/10/2004
20/10/2005
6/10/2005
22/9/2005
8/9/2005
25/8/2005
11/8/2005
28/7/2005
14/7/2005
30/6/2005
16/6/2005
2/6/2005
19/5/2005
5/5/2005
21/4/2005
7/4/2005
24/3/2005
10/3/2005
24/2/2005
10/2/2005
27/1/2005
13/1/2005
30/12/2004
16/12/2004
2/12/2004
18/11/2004
4/11/2004
21/10/2004
R$
MÉDIA MOVEL 20
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
Gráfico 5.3- Ativo Petrobrás PN (PETR4) regularizado com média móvel de 20 dias
MÉDIA MÓVEL 60
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
Gráfico 5.4- Ativo Petrobrás PN (PETR4) regularizado com média móvel de 60 dias
Uma outra possibilidade de trabalho com gráfico é, com base no gráfico 5.2,
adicionar uma linha de tendência, usando esse recurso no aplicativo Excel. Plotando
essa linha juntamente com a respectiva equação, temos o resultado mostrado no gráfico
5.5 abaixo.
R$
Petrobrás Pn
40,00
35,00
y = 0,0445x + 20,52
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
1
11 21 31 41 51 61 71 81 91 101 111 121 131 141 151 161 171 181 191 201 211 221 231 241
Gráfico 5.5- Linha de tendência e respectiva equação para a série histórica do
preço de fechamento do ativo PETR4 na BOVESPA entre 21/10/2004 e 20/10/2005
O resultado (equação) mostrado pelo Excel é exatamente o que se obtém
fazendo a regressão pelo método dos mínimos quadrados. Essa regressão apresenta as
seguintes estatísticas de avaliação: R2 = 0,709 e F = 602,1, ta = 78,4 e tb = 24,5.
Vamos proceder ao mesmo com as médias móveis.
Média Móvel 20 com tendência
R$
40
35
y = 0,0459x + 20,67
30
25
20
15
10
5
0
1
10 19 28 37 46 55 64 73 82 91 100 109 118 127 136 145 154 163 172 181 190 199 208 217 226
Gráfico 5.6- Linha de tendência sobre média móvel de 20 dias do ativo PETR4.
Observamos uma ligeira diferença na equação de regressão em relação ao
resultado obtido com os dados brutos. As estatísticas de avaliação dessa regressão são:
R2 = 0,734 e F = 628,3, ta = 84,7 e tb = 25,1. Esses resultados demonstram um
ajustamento de melhor qualidade em relação ao anterior.
Média Móvel 60 com tendência
R$
35,00
30,00
y = 0,0395x + 21,802
25,00
20,00
15,00
10,00
5,00
0,00
1
9
17
25
33
41
49
57
65
73
81
89
97 105 113 121 129 137 145 153 161 169 177 185
Gráfico 5.7- Linha de tendência sobre média móvel de 60 dias do ativo PETR4.
Novamente a regressão obtida é ligeiramente diferente da anterior. As
estatísticas de avaliação dessa regressão são: R2 = 0,784 e F = 684,5, ta = 131,3 e tb =
26,2. Esses resultados demonstram um ajustamento de qualidade superior em relação ao
anterior.
Dessa exposição, percebemos que a regressão de média móvel maior é mais
confiável. Deve-se levar em conta que, ao efetuar a média móvel, perdemos uma
quantidade significativa de dados do começo e do fim da série. Nossa série original
continha 249 dados48 e, com a média móvel de 60, esse número foi reduzido a 190. Esse
total (190) ainda é bastante satisfatório, já ainda está próximo a 200, que é o nível
recomendado.
Para finalizar essa exposição, apresentamos o Gráfico 5.8, que sobrepõe as
linhas de média móvel de tamanho 20 e de tamanho 60.
Sobreposição de Médias Móveis
R$
40,00
35,00
30,00
25,00
20,00
15,00
10,00
Média Móvel 20
Média Móvel 60
5,00
0,00
1
11 21 31 41 51 61 71 81 91 101 111 121 131 141 151 161 171 181 191 201 211 221
Gráfico 5.8- Sobreposição das médias móveis tamanho 20 e 60 da série
histórica de dados do ativo PETR4
Os analistas de mercado de capitais costumam utilizar esse tipo de gráfico com
uma finalidade específica. A linha azul (média 60) corresponderia à tendência de longo
48
Vide anexo 2.
prazo, enquanto a linha vermelha (média 20) seria a tendência de curto prazo. O
cruzamento dessas linhas poderia indicar uma mudança na tendência de longo prazo.
Sendo assim, a linha vermelha é chamada de linha de aviso, enquanto a linha azul é
chamada linha de tendência.
5.2.2 – Operacionalização
O projeto foi aplicado nos anos de 2005 e 2006. Em 2005, os alunos foram
convidados a participar de maneira voluntária. Um total de 25 alunos da 2a, 3a e 4a séries
dos cursos de Ciências Econômicas e de Administração de Empresas se interessaram e
os encontros para operacionalização do projeto se deram aos sábados. Os alunos se
organizaram em grupos de 5 estudantes e o projeto se desenvolveu ao longo dos meses
de maio a novembro de 2005.
A execução do projeto encontrou várias dificuldades, dentre as quais
destacamos:
•
Os alunos de um mesmo grupo tinham dificuldade em manter
contato entre si, pois não estudavam na mesma sala, moravam em locais
distantes e não tinham tempo disponível entre segunda e sexta-feira para se
reunirem.
•
As reuniões aos sábados eram insuficientes para realizar todas as
orientações e tirar as dúvidas sobre o andamento das atividades do projeto.
•
Muitos alunos gostariam de participar do projeto, mas não puderam
inscrever-se pois trabalhavam aos sábados e não poderiam estar presentes nas
reuniões.
•
Alguns alunos apresentaram dificuldade em operar com o programa
Excel e freqüentemente deixavam de concluir as atividades propostas devido a
esse problema.
Sendo assim, no ano de 2005 o projeto chegou ao final com apenas 2 grupos
participantes, o que para nós representou pouco material para análise e nos levou a
refletir sobre uma forma de envolver mais alunos e de forma mais perene ao projeto.
No ano de 2006 modificamos a abordagem e o projeto foi aplicado junto a
todos os alunos do 4o ano do curso de Ciências Econômicas, na disciplina de Estatística
Econômica. De maneira integrada à disciplina, os problemas anteriormente verificados
foram plenamente resolvidos, à medida que:
•
Os grupos foram formados pelos alunos, todos da mesma sala,
privilegiando critérios de proximidade e afinidade entre os integrantes,
o que facilitava a comunicação interna e permitia grande entrosamento.
•
Todos os alunos da sala se interessaram em participar, pois o projeto
não demandava reuniões fora dos horários de aula, o que não
atrapalhava os compromissos profissionais dos alunos.
•
As dúvidas podiam ser debatidas nos horários de aula.
•
Algumas aulas foram deslocadas para o laboratório de informática da
faculdade, onde os alunos se familiarizaram com o programa Excel e
puderam ali desenvolver muitas das atividades do projeto.
Os objetivos do projeto foram debatidos com os alunos no início do período
letivo de 2006 e os alunos foram informados que a experiência seria usada para este
trabalho de investigação. Os procedimentos foram democraticamente discutidos com os
alunos, que expuseram suas idéias e acordaram quanto aos pontos principais. Ficou
então decidido que os alunos se dividiriam em grupos com 5 elementos e que o projeto
seria desenvolvido em cinco etapas.
5.2.2.1 – Etapa 1
•
Cada grupo deveria escolher 10 ativos, ou 10 empresas com ativos
negociados na BOVESPA, para uma análise prévia de potencial de
lucratividade com esses papéis. Os critérios de escolha desses dez
papéis seriam livres, mas necessariamente os grupos deveriam
justificar as escolhas adotadas.
•
Cada aluno deveria se cadastrar no site www.infomoney.com.br e
efetuar algumas operações de compra e venda de ativos (virtualmente)
para se familiarizar com o sistema.
•
O primeiro relatório deveria ser entregue um mês após o início do
projeto, ou seja, em meados do mês de março de 2006.
•
Ainda no primeiro relatório, deveria constar um levantamento do preço
de fechamento dos papéis selecionados pelo período mínimo de 200
dias úteis. Esse levantamento poderia ser feito por meio dos dados do
site infomoney.
5.2.2.2 – Etapa 2
•
Em um período de um mês os alunos deveriam fazer opção por cinco
das
dez
empresas
inicialmente
escolhidas
para
realizar
os
investimentos. O critério de seleção deveria ser baseado no CAPM, ou
seja, na análise do risco, do retorno e do beta, além de um ou mais
critérios de análise fundamentalista ou técnica.
•
As idéias de aplicação dos conteúdos estatísticos haviam sido
mostradas, em linhas gerais, nas palestras proferidas no ano anterior
(vide anexo 1), sendo que o professor complementou as informações
com a apresentação de uma bibliografia adequada sobre o assunto.
•
Em meados do mês de abril os alunos deveriam apresentar o segundo
relatório do projeto, com as escolhas feitas e as devidas justificativas.
5.2.2.3 – Etapa 3
•
No período de um mês após a conclusão do segundo relatório os
grupos deveriam, para cada um dos cinco papéis (ações) selecionados,
realizar ao menos quatro regressões econométricas (linear, logarítmica
etc.) para obter a formulação matemática necessária ao exercício de
opções de compra e venda.
•
Para cada regressão os alunos deveriam calcular as estatísticas de
avaliação R² e F.
•
As regressões deveriam ser realizadas com auxílio do programa Excel.
•
Para cada papel, deveria ser escolhida a melhor regressão, com base
nas estatísticas de avaliação calculadas.
•
As regressões deveriam ser realizadas com base nos históricos das
ações levantados na primeira etapa do projeto.
•
O relatório desta etapa deveria ser entregue em meados do mês de
maio, contendo inclusive um resumo dos resultados obtidos.
5.2.2.4 – Etapa 4
•
A partir da entrega do terceiro relatório, os grupos ficariam liberados
para fazer as aplicações nos cinco papéis selecionados. Os grupos
deveriam aplicar R$100.000,00 em cada papel, deixando disponível
R$500.000,00 em conta corrente para movimentação posterior.
•
Essas aplicações deveriam ser feitas de maneira virtual, mediante um
mecanismo disponível, sem custo, no site do infomoney.
•
A partir do mês de junho, os grupos ficariam liberados para realizar
operações de compra e venda dos papéis adquiridos, observando
sempre uma justificativa para cada operação, de preferência baseada
nas regressões econométricas.
•
Até o último dia do mês de agosto, todas as aplicações deveriam ser
encerradas, ou seja, nessa data os grupos deveriam obter uma posição
consolidada do investimento, retornando o saldo remanescente para a
conta corrente para contabilização.
•
O relatório dessa etapa deveria ser entregue em meados do mês de
setembro.
5.2.2.5 – Etapa 5
•
Entre o final do mês de setembro e a primeira quinzena de outubro,
seria feito o fechamento do projeto, com a discussão, o debate, a troca
de experiências entre professor e alunos.
•
Nessa etapa, o professor deveria propor as reflexões cabíveis aos
objetivos do projeto, bem como discutir com os alunos as dificuldades,
os pontos positivos e negativos das atividades realizadas, as críticas e
sugestões para as futuras realizações.
5.2.3 – Execução e Análise
De maneira geral, a execução ocorreu basicamente conforme o que foi
planejado. As aulas foram importantes para dirimir dúvidas e esclarecer alguns
pormenores do relatório, bem como eram usadas para os encontros entre os membros
dos grupos, e trabalhos nos computadores do laboratório.
O trabalho cooperativo dos membros dos grupos foi se aprimorando ao longo
da execução do projeto, e dentro dos grupos despontaram líderes que assumiam maior
controle sobre as tarefas a serem realizadas.
Nem todas as lideranças que surgiram foram positivas. Houve o caso de um
grupo cujo líder quis fazer todo o trabalho por si só, o que desagregou o grupo,
provocando a separação dos alunos em dois grupos menores.
Houve casos de grupos que pediram para conter mais de cinco participantes, o
que foi aprovado pelo professor e pelos colegas, assim como houve casos de grupos
formados com quatro participantes.
Alguns grupos demonstraram dificuldade na redação dos relatórios,
evidenciando um despreparo para esse tipo de tarefa.
A grande maioria das dúvidas era sanada dentro do próprio grupo ou com os
colegas dos demais grupos, sendo raro a necessidade de intervenção do professor, que
fazia mais esclarecimentos gerais relembrando as datas acordadas e os objetivos de cada
etapa do projeto.
Ao todo, 36 alunos participaram do projeto no ano de 2006, sendo divididos
inicialmente em 8 grupos e, posteriormente, em 9 (iremos identificar esses grupos como
grupos I, II, III, ..., IX).
Quanto ao número de alunos, os grupos ficaram assim divididos:
Grupo I: 4 alunos; Grupo II: 5 alunos; Grupo III: 4 alunos; Grupo IV: 5 alunos; Grupo
V: 6 alunos; Grupo VI: 3 alunos; Grupo VII: 5 alunos; Grupo VIII: 2 alunos; Grupo IX:
2 alunos (o grupo VIII tinha originalmente 4 alunos e acabou se dividindo em dois
grupos, identificados como VIII e IX).
Nem todos os grupos escolheram dez empresas na primeira etapa. Um grupo
que tinha mais de cinco alunos optou por pesquisar mais de dez empresas e alguns
grupos com menos de cinco alunos preferiram pesquisar menos de dez empresas, o que
não foi considerado problema pelo professor ou pelos colegas.
Ao longo da execução do projeto, vários alunos foram ouvidos em entrevistas
individuais, não estruturadas, e os depoimentos mais relevantes serão reproduzidos aqui.
O retorno que os alunos proveram ao projeto foi bastante positivo. Poucas
críticas foram realizadas ao longo do período de execução e foram observados diversos
comentários positivos às atividades realizadas, o que será detalhado a seguir.
•
5.2.3.1 – Etapa 1
Todos os grupos entregaram o primeiro relatório contendo as empresas
selecionadas para uma análise prévia sobre suas ações. Foram observadas 38
empresas diferentes. A seguir apresentamos uma lista dessas empresas e as
freqüências com que foram citadas nos relatórios.
Tabela 5.3 – Empresas selecionadas na Etapa 1 do projeto
Empresas
Freqüência
Empresas
Freqüência
ITAU
8
GOL
2
CVRD49
7
LOJAS AMERICANAS
2
AMBEV
7
COMGAS
1
PETROBRAS
5
NET
1
GERDAU
5
UNIBANCO
1
SADIA
5
ACESITA
1
EMPRAER
4
SOUZA CRUZ
1
USIMINAS
4
SABESP
1
BRADESCO
4
GRADIENTE
1
TELEMAR
4
ELETROBRAS
1
EMBRATEL
3
BANESPA
1
NATURA
3
CCR14
1
KLABIN
2
ARCELOR
1
IPIRANGA
2
PERDIGÃO
1
CSN14
2
AES TIETÊ
1
VCP14
2
LIGHT
1
ELETROPAULO
2
BRASKEM
1
CEMIG
2
TIM
1
TAM
2
TELESP CEL
1
Poucos grupos fizeram pesquisas mais detalhadas sobre as empresas. A
maioria dos relatórios continha apenas as informações das empresas fornecidas pelo site
49
Siglas: CVRD – Companhia Vale do Rio Doce; CSN – Companhia Siderúrgica Nacional; VCP –
Votorantin Celulose e Papel; CCR – Companhia de Concessões Rodoviárias.
infomoney. Dos oito relatórios, destacamos apenas três com pesquisas feitas nos sites
das próprias empresas, bem como no site da BOVESPA.
Notamos também nesses relatórios uma dificuldade em resumir as
informações importantes. Os relatórios continham grande número de páginas com as
tabelas de histórico de preços das ações. Essas informações poderiam ter sido resumidas
em uma tabela só, com a utilização de fontes pequenas, o que reduziria o seu tamanho.
Isso também evidenciou pouca familiaridade com o programa Excel, mas acreditamos
que o principal a ser destacado foi a dificuldade em redigir o relatório, evidenciando
pouca familiaridade com esse tipo de atividade, bem como excesso de informações
copiadas, sem análises feitas pelos próprios alunos, ou seja, ao invés de fazerem suas
próprias análises, os alunos preferiram copiar as análises feitas por outros autores. Isso
talvez indique uma dificuldade ou os alunos tendem a evitar emitir opiniões próprias,
talvez por não serem cotidianamente incentivados a fazer isso.
Outro ponto a se destacar nos relatórios apresentados foi a ausência de fontes
de informação, ou seja, os alunos não se achavam na obrigação de citar as fontes de
onde obtiveram as informações.
Todos os alunos se mostraram bastante motivados e estavam ansiosos por
começar a investir no mercado de capitais.
Dentre as empresas selecionadas pelos grupos, não houve surpresas. As
empresas mais selecionadas são as que compõem o grupo das chamadas blue chips50,
que são papéis que normalmente estão mais em evidência. Como os alunos não têm
grande vivência no mercado de ações, já era esperado que não optassem por empresas
de 2a ou 3a linha.
Entretanto, podemos levantar um questionamento aqui sobre os critérios que
levaram os alunos a selecionar essas empresas. Chamou-nos atenção, por exemplo, a
empresa AMBEV, no grupo das mais citadas. Essa empresa é fabricante de bebidas
alcoólicas. Mesmo sendo um negócio legal, será que os alunos que a citaram têm
consciência sobre esse fato e sobre o que significa investir nessa empresa?
50
As blue chips são também conhecidas como ações de 1ª linha. São ações de empresas de grande porte e
que possuem elevada liquidez e grande volume de negócios. Não existe uma lista oficial dessas empresas,
o mercado é que determina quem são elas. O termo blue chips é originalmente utilizado no jogo de
pôquer, e refere-se às fichas mais valiosas.
Outra empresa que nos chamou atenção foi a SOUZA CRUZ, fabricante de
cigarros, sabidamente um produto que causa danos à saúde das pessoas. Aqui também
cabe o mesmo questionamento, ou seja, será que os alunos não se preocuparam em
refletir sobre o ramo de atividade das empresas escolhidas?
Nesse ponto do projeto, achamos que seria precipitado propor um debate sobre
esse assunto e deixamos para um momento posterior a realização de uma reflexão
juntamente com os alunos sobre esse aspecto.
Não foram trabalhados conteúdos estatísticos nessa primeira etapa do projeto.
•
5.2.3.2 – Etapa 2
Nessa etapa os alunos deveriam escolher, entre as dez empresas selecionadas,
cinco empresas para investir. Essa escolha deveria ser baseada em critérios de avaliação
dos ativos. Todos os grupos calcularam o risco, o retorno e o beta. Foi pedido para que
os relatórios contivessem a definição desses critérios de avaliação e, novamente, foi
observado a falta de indicação das fontes de informação nos relatórios (mas com menos
freqüência que na etapa anterior), sendo que a maioria dos trabalhos utilizou as
informações do site infomoney, meramente copiando e colando os textos, sem sequer
citar a fonte.
Embora já estivessem à essa altura familiarizados com o trabalho com a planilha
eletrônica, muitos grupos tiveram dificuldade principalmente no cálculo do beta. O
professor se prontificou a analisar previamente os cálculos do beta antes da confecção
dos relatórios, para apontar eventuais incorreções a tempo de se fazer os devidos
ajustes. Foram encontrados alguns erros nos cálculos provenientes de uso indevido das
funções da planilha eletrônica. Com pouca familiaridade com o tema, os alunos não se
davam conta de que valores muito descolados dos esperados poderiam evidenciar algum
erro de cálculo. O Grupo VII, por exemplo, calculou o beta para suas dez ações,
encontrando para todas um valor maior que 1,0. Sete dos dez papéis apresentaram beta
maior que 2,0, o que é muito pouco provável de ocorrer. A correção dos cálculos não
pôde ser feita antes da entrega do relatório pois os alunos desse grupo não evidenciaram
suas dificuldades.
Como foi pedido para que os alunos obtivessem mais um critério de avaliação
dos ativos (além do risco, do retorno e do beta), observamos nos relatórios a presença
dos seguintes indicadores51:
•
Dividend Yeld (DY): é o valor distribuído aos acionistas, em moeda
corrente, na proporção da quantidade de ações possuídas. Representa o
resultado dos lucros obtidos no exercício corrente ou em exercícios
passados. É dado por uma taxa porcentual obtida pela divisão do valor
dos dividendos distribuídos por ação pelo preço da ação. Esse índice
pode ser utilizado para análise de rentabilidade esperada de uma ação.
DY =
•
dividendos por ação
× 100
preço por ação
Liquidez Corrente (LC): é um indicador usado na análise financeira,
que determina o quanto a empresa tem a receber no curto prazo em
relação a cada unidade monetária que deve pagar no mesmo período. A
determinação exata de um índice aceitável depende do setor no qual a
empresa atua. Quanto mais previsíveis forem os fluxos de caixa de uma
empresa, menor será o índice de liquidez corrente exigido. Esse
indicador é calculado como sendo o quociente entre o ativo circulante e
o passivo circulante da empresa.
LC =
•
ativo circulante
passivo circulante
Lucro por Ação (LPA): esse índice representa o número de unidades
monetárias de lucro obtido pelos acionistas num certo período para
cada ação.
LPA =
•
lucro disponível para os acionistas
número de ações
Relação entre Preço e Lucro (P/L): esse índice é uma média do preço
diário da ação (P) dividido pelo LPA. Representa o número de anos
51
Para maiores detalhes sobre esses indicadores, sugerimos consulta a Gitman (2004).
que se levaria para reaver o capital aplicado na compra de uma ação,
por meio do recebimento do lucro gerado pela empresa, por isso esse
índice reflete o montante que os investidores estão dispostos a pagar
por uma unidade monetária de lucro. Considerando-se n valores de
fechamento do ativo, temos:
P
∑
LPA
P/L =
n
•
Payout Ratio: é a porcentagem de lucro obtido por uma empresa que é
distribuída na forma de dividendos aos acionistas.
Analisando os relatórios apresentados pelos n ove grupos, observamos que
quatro deles adotaram mais de um dos indicadores de análise apresentados acima e três
grupos (G VII, G VIII e G IX) não utilizaram nenhum deles, ou seja, trabalharam
apenas com as informações do retorno, risco e beta.
Nessa etapa já ocorrera a divisão do Grupo VIII em dois grupos com dois
participantes cada e evidenciou-se a dificuldade de seus componentes em cumprir as
metas do relatório. O motivo da divisão do grupo foi claramente explicado pela aluna
Denise:
A Juliana não fez nada na Etapa 1 e não vinha fazendo nada nessa
etapa 2 também. Na etapa 1 nós atrasamos a entrega do relatório
porque ela não havia feito a sua parte. O Sandro não aparece na aula
e não contribui com nada no trabalho do grupo. Se é para eu e a Eva
fazermos tudo, então preferimos ter um grupo só nosso e não vamos
ficar trabalhando para dar créditos depois aos outros.
A falta de união, de espírito de equipe e de responsabilidade para a execução das
tarefas propostas causou a divisão do grupo. Só que essa divisão não beneficiou
nenhuma das partes. Pelo contrário, notamos uma maior desmotivação entre esses
alunos, que não conseguiram se recuperar até o final do projeto, sempre atrasando a
entrega dos relatórios, não cumprindo as exigências de cada etapa e apresentando
recorrência de dúvidas e dificuldades que os alunos não se preocupavam em sanar.
O destaque desta etapa foi o grupo VI, que com três participantes apenas,
pesquisou 16 empresas, avaliando o risco, o retorno, o beta, o DY, a LC e ainda fez
análises gráficas de média móvel e de tendência linear. O aluno Rafael explicou o que
levou o grupo a assumir os trabalhos:
Gostamos do tema e nos interessamos muito em aprender a analisar o
mercado de capitais. Como todos do grupo tinham essa mesma idéia
decidimos trabalhar com mais empresas para poder aprender mais
sobre o comportamento de suas ações. Também decidimos incluir
mais critérios de avaliação dos papéis e todos se empenharam
bastante. Buscamos superar os objetivos da etapa e gostamos do
resultado.
Ainda sobre esse grupo, seus três participantes são alunos de dependência
(reprovados no ano anterior) nessa disciplina, ou seja, são alunos que apresentaram
muitas dificuldades no ano anterior e que não conseguiram superá-las de forma a serem
aprovados. Com garra e motivação, além da vontade de superação, esse grupo contava
ainda com mais tempo disponível, pois seus integrantes não cursavam todas as
disciplinas. Esses fatores foram decisivos para o sucesso do grupo até essa etapa.
Alguns grupos, como o G I, demonstraram dificuldades de análise dos índices de
avaliação das ações. Ingenuamente, eles classificaram os índices em ordem decrescente
e acabaram dando destaque a uma ação que tinha o maior risco dentre todas, como se
isso fosse um fator positivo para se investir nesse papel.
Ao serem indagados pelo professor sobre os critérios usados para a seleção das
empresas, a aluna Priscila afirmou:
O grupo não soube selecionar os melhores ativos pelo conjunto dos
índices calculados. Erramos na análise e, com isso, fizemos uma má
escolha de alguns ativos.
Nessa etapa já tivemos o trabalho com grandezas estatísticas aplicadas à análise
das ações, tais como a média aritmética, o desvio padrão, a variância e a co-variância,
além dos índices que alguns grupos calcularam. O aluno João Paulo comentou suas
impressões sobre os cálculos estatísticos:
Eu não me lembro de ter visto uma utilidade prática para o desvio
padrão antes de fazer esse trabalho. Eu não tinha noção do que
realmente essa grandeza media e qual a sua importância. O uso do
Excel facilitou muito os cálculos. Não seria possível, só usando a
calculadora, calcular tantas coisas com mais de 200 dados.
À luz do nosso quadro teórico, vamos tecer algumas observações. O trabalho em
grupo, preconizado pela modelagem matemática (BIEMBENGUT & HEIN, 2003),
configurou-se como um fator integrador dos alunos com os objetivos da etapa. Nem
todos os grupos foram bem sucedidos, mas a avaliação geral é de que houve um
crescimento no potencial de desenvolvimento dos alunos, evidenciado pela evolução na
qualidade dos relatórios das etapas 1 e 2. Ainda dentro das propostas da modelagem, o
fato de não entregarmos os conteúdos prontos para os alunos e fazê-los pesquisar sobre
eles, mostrou-se positivo para que os estudantes, em sua maioria, conseguissem atingir
os objetivos da etapa.
Sobre as capacidades de literacia, raciocínio e pensamento estatístico,
percebemos um favorecimento de seu desenvolvimento, na medida em que os alunos
trabalharam com dados reais, sempre relacionados ao contexto em que estão inseridos,
interpretaram os resultados na medida em que tiveram que usá-los para escolher as
melhores ações e justificar essa escolha e, com o trabalho em grupo, favorecemos o
debate e a discussão de idéias entre os alunos. Essas ações estão previstas como
facilitadoras do desenvolvimento das três capacidades, conforme mostramos em nosso
quadro teórico52, baseado nas idéias de Chance (2002), delMas (2001 e 2002), Garfield
(2002), Rumsey (2002) e outros. Discorreremos mais sobre o desenvolvimento
individual de cada capacidade ao final das próximas etapas, depois de vencidas outras
metas do projeto.
•
5.2.3.3 – Etapa 3
Nessa etapa, já selecionadas as empresas nas quais os grupos iriam investir, os
alunos devem fazer as regressões econométricas do valor de cada ação em função do
tempo. Deve ser feita mais de uma regressão para cada ação e, por meio das estatísticas
52
capítulo 2, pp. 54 e 55
de avaliação, os alunos devem escolher as melhores formas funcionais para as empresas
selecionadas.
Os grupos, em geral, fizeram 4 regressões para cada ação e procederam à
escolha da melhor forma funcional mediante a comparação das estatísticas de avaliação
R2 e F. As regressões foram feitas com auxílio da planilha eletrônica Excel, a qual os
alunos já tinham familiaridade, pois vinham trabalhando com essa função nas aulas de
Estatística Econômica.
As ocorrências mais relevantes foram:
a) o grupo I atrasou a confecção do relatório e pediu para fazer apenas duas
regressões ao invés de quatro;
b) o grupo VII não calculou as estatísticas de avaliação e não justificou, apenas
escolheu a forma linear para todos os ativos;
c) o grupo IX não calculou corretamente os parâmetros, não usou corretamente a
planilha eletrônica e apresentou resultados errados, evidenciando que realmente
não estava se dedicando ao trabalho antes da separação do grupo e
demonstrando pouca habilidade para contornar a situação difícil em que estava.
Uma outra ocorrência que merece destaque se passou com o grupo II. A
regressão do ativo BRADESCO PN pelo modelo recíproco II tinha R2 de 0,901 e pelo
modelo linear, 0,895. O grupo optou pela regressão linear. Questionado sobre por que
fez essa opção, o aluno Sérgio ponderou:
Os resultados do R2 e do F estavam muito próximos. Como não havia
uma diferença significativa, optamos pelo modelo linear, baseado no
critério de simplicidade.
Essa ocorrência evidencia que o aluno (e seu grupo) interpretou os resultados e
não apenas seguiu uma regra de seleção. Baseado em sua (correta) interpretação, tomou
uma decisão firme e soube justificá-la quando perguntado. Eles fugiram das conjecturas
de Verdadeiro ou Falso e confiaram na qualidade de seu raciocínio, demonstraram
conhecimento e consciência sobre os dados em seu contexto e ainda demonstraram
habilidade em comunicar suas escolhas. Isso mostra também a capacidade de ir além do
que é ensinado, explicitando que o que os cálculos dizem sobre o problema pode e deve
ser complementado com uma interpretação consciente sobre seus significados. Dessa
forma, vemos, nesse episódio, um pouco do raciocínio, da literacia e do pensamento
estatístico sendo desenvolvidos nos estudantes.
Vale a pena citar que o grupo III teve uma situação bastante semelhante. Ao
fazer a regressão sobre o ativo AES TIETE PN, obteve R2 = 0,903 para a regressão
linear e 0,918 para a regressão Semilogarítimica I. Para esse ativo, o grupo optou pela
regressão Semilog, justificando a escolha pelo maior valor da estatística R2.
Evidentemente o grupo não errou, apenas procedeu conforme manda o livro, ou seja,
abriu mão de fazer uma interpretação mais ousada dos resultados e preferiu reproduzir o
que lhe fora ensinado pelos manuais.
Essa etapa 3 demonstrou uma grande defasagem entre o grupo IX e o grupo VII
em relação aos demais. O grupo IX já foi abordado, mas o grupo VII merece uma
reflexão. Trata-se de um grupo com 5 alunos, todos em regime de dependência.
Reuniram-se, pois já se conheciam do ano anterior e não tinham familiaridade com o
restante da classe. Uma de seus membros ficou grávida em meados do primeiro
semestre do ano de 2006, o que comprometeu seu engajamento nas atividades. Outro
integrante do grupo teve de se afastar das aulas por compromissos profissionais. Os
demais alunos não tinham grande afinidade com a disciplina e não demonstravam muito
empenho nas atividades, o que poderia comprometer o aproveitamento deles no projeto.
•
5.2.3.4 – Etapa 4
Nessa etapa os grupos deveriam efetuar as negociações de compra e venda das
ações no mercado virtual. Inicialmente, deveriam adquirir R$100.000,00 de cada ativo e
salvar a mesma quantia em uma conta de depósito para compras futuras. As decisões de
compra e de venda deveriam ser baseadas nos valores de mercado comparados com os
valores preconizados nas regressões já realizadas. Ocorre que na época das negociações,
as regressões já haviam ficado defasadas, pois tinham sido feitas com base em um
histórico dos preços das ações que ficara no mínimo 1 mês atrás das datas de compra e
de venda. Sendo assim, os grupos deveriam tomar a decisão de atualizar as regressões
antes de efetuar as negociações, o que não foi feito por todos eles.
No final do período estipulado, os grupos deveriam vender todos os ativos e
direcionar os recursos para a conta de depósitos, com o objetivo de se contabilizar os
lucros ou prejuízos. As operações de compra e venda deveriam ser notificadas em um
extrato ou balanço de acompanhamento.
Antes de analisar o desempenho dos grupos, devemos fazer algumas conjecturas
sobre o comportamento do mercado de capitais ao longo do período em que os alunos
fizeram os investimentos.
No início dessa etapa, ou seja, na época em que os alunos efetuaram a compra
das ações, o Ibovespa estava em cerca de 40.000 pontos. No final da etapa, quando os
alunos tiveram de vender os papéis, esse índice marcava cerca de 37.000 pontos, o que
demonstra uma desvalorização de 7,5%. Várias causas podem ser apontadas para essa
desvalorização. Vamos citar algumas:
a) Alta dos juros nos Estados Unidos – preocupações com a alta da inflação norteamericana fizeram com que o Banco Central dos Estados Unidos (FED) tomasse
a decisão de aumentar os juros do mercado, o que provoca fuga de capitais dos
países emergentes para o mercado americano, que é considerado de baixíssimo
risco.
b) Crise de abastecimento de gás – o governo boliviano passou a exigir uma
renegociação dos contratos de fornecimento de gás para o Brasil, adotando uma
postura bastante rígida e ameaçando interromper o fornecimento de gás natural,
que é importante principalmente para as indústrias de São Paulo.
c) Ataques criminosos em São Paulo – a capital do estado sofreu nessa época uma
crise de segurança provocada por uma facção criminosa que age nos presídios
paulistas e que realizou ataques principalmente a ônibus e a delegacias de
polícia. Assim, disseminou-se o medo na população, colocando em crise o
sistema de segurança do país.
d) Eleições presidenciais – a proximidade das eleições presidenciais no Brasil é
sempre uma época de grandes especulações, denúncias e ataques ao governo,
causando instabilidade nos mercados devido à insegurança sobre a continuidade
da política econômica e sobre a gestão da política monetária.
Outros fatores podem ter afetado o desempenho do mercado, tais como a crise
da Companhia Varig ou a Copa do Mundo de Futebol. Devido a esses e outros fatores,
alguns favoráveis e outros adversos, essa época foi de grande volatilidade no mercado
de capitais e de muitas especulações, que ora causavam euforia e ora causavam
depressão nos ânimos dos investidores. Não é de se estranhar que muitos tenham tido
prejuízos no mercado de ações durante esse período.
Vamos a seguir analisar individualmente o desempenho de cada grupo:
Grupo I: Fez investimentos em ações de quatro companhias. Atualizou suas regressões e
obteve lucro com ações da Petrobrás e Net, mas contabilizou prejuízos com as ações da
Comgás e Embraer. O grupo organizou bem o extrato de movimentações, fundamentou
suas negociações com base nas regressões e apresentou como resultado global um lucro
de R$4.100,00 no período. A aluna Gisele explicou o bom desempenho:
O site infomoney apresenta muitas informações relevantes, e
considerando ainda os valores calculados pelas regressões,
conseguimos fazer boas negociações e no final tivemos lucro. Apesar
do desempenho negativo da Comgás, o ativo Net teve excelente
performance, talvez devido à Copa do Mundo, que influencia
diretamente esse setor.
As regressões bem feitas e atualizadas auxiliaram o grupo a tomar decisões
corretas de compra e venda. Aparentemente sem muito esforço, o grupo conseguiu bons
resultados.
Grupo II: Aplicou os recursos em ações de cinco companhias. Atualizou suas regressões
e obteve lucro com as ações de Bradesco, Sadia e Tam, mas teve prejuízos com as ações
de Vale e Ambev. O grupo teve sua performance prejudicada com uma mudança
ocorrida na negociação das ações da Vale, que dividiu seus papéis por 2, ou seja, quem
tinha 100 ações da companhia passou a ter 200, em contrapartida o preço de cada ação
também ficou dividido por 2: antes da mudança, o papel valia cerca de R$80,00 e seu
preço passou a R$40,00. Isso é comum de ocorrer no mercado de capitais, mas o site de
negociações virtuais infomoney não contabilizou a mudança na quantidade de papéis,
apenas dividiu o preço por 2, causando confusão na análise de desempenho do grupo.
Esse grupo apresentou em seu relatório gráficos com o preço de fechamento das ações
em função do tempo, indicando as posições em que efetuou as compras e as vendas.
Trata-se de um gráfico bastante elucidativo, pois apenas visualizando a posição das
compras e das vendas já se pode saber se as negociações daquele ativo resultaram em
lucro ou em prejuízo. Perguntado por que o grupo atualizou as regressões, o aluno José
Orlando fez o seguinte comentário:
Se nos baseássemos em uma regressão não atualizada, com duas ou
três semanas de diferença entre a primeira aquisição e as seguintes
negociações, os dados como referência que obteríamos seriam um
pouco fora da realidade dos preços negociados na Bolsa de Valores.
Sendo assim, ao fazermos um gráfico comparativo notamos que as
variações dos valores de cada ação na regressão não atualizada
estavam mais altas que as variações dos valores negociados na Bolsa.
Dessa forma, ao analisarmos o gráfico comparativo, surgiram
disparidades dos valores das ações.
O grupo foi bastante dedicado e apresentou um relatório bem detalhado. A idéia
do gráfico foi muito boa e, apesar do problema com as ações da Vale, o grupo
conseguiu fazer um balanço correto e apresentou o melhor resultado: lucro de
R$4.300,00.
Grupo III: Os recursos desse grupo foram aplicados em ações de quatro companhias. O
grupo obteve lucro com as ações da Tam, mas contabilizou prejuízos com as ações da
AES Tietê, Telemar e CSN. O resultado global foi um prejuízo de R$3.480,00. O grupo
não fez a atualização das regressões e, nos seus cálculos, encontrou valores de mercado
muito distantes dos valores previstos pelas equações. Perguntada sobre os motivos que
levaram o grupo a ter prejuízo, a aluna Carina fez o seguinte comentário:
Um ponto forte que justifica nosso resultado negativo foi o uso das
regressões. No caso da Telemar, os analistas de mercado
aconselhavam a manutenção da carteira, porém através das
regressões e dos valores estimados, os cálculos indicavam compra
forte, com isso comprávamos cada vez mais papéis deste ativo que
estava em queda. Talvez tenha sido esse o motivo pelo resultado
negativo. Aprendemos que não podemos tomar decisões no mercado
financeiro apenas baseados em dados teóricos ou estimados.
Devemos analisar todos os setores da empresa em que estamos
investindo e levar em consideração todas as suas mudanças internas,
pois isso irá refletir positiva ou negativamente no valor de suas ações.
O depoimento revela que o grupo não refletiu sobre o porquê da diferença entre
o valor estimado pela equação e o valor de mercado, achando que a regressão revelava
valores errados, fora da realidade. O grupo não percebeu a necessidade de atualização
dos dados para efetuar novas regressões.
Grupo IV: Aplicou seus recursos em ações de cinco companhias. Obteve lucro com as
ações de Itaú e Sabesp, mas contabilizou prejuízos com as ações de Ambev, Tim e Vale.
O relatório do grupo revelou análises erradas nos balanços e interpretações erradas dos
valores indicados nas regressões (em alguns casos, os cálculos das regressões indicavam
compra, e o grupo vendeu). Também teve dificuldades com a contabilização dos
negócios com as ações da Vale devido aos mesmos motivos já descritos para o Grupo
II. Esse grupo atualizou as regressões e finalizou as transações com um prejuízo global
de R$67.720,00, sendo que mais de 40 mil foram devidos à Vale. Perguntada sobre as
negociações indevidas feitas pelo grupo, a aluna Vanessa relatou:
As dificuldades ocorreram a partir da segunda etapa do trabalho,
onde tivemos dúvidas na execução dos cálculos e se eles estavam
corretos. Houve desentendimento entre os integrantes do grupo, por
falta de comunicação e por falta de comum acordo entre as partes.
Depois, com o desenvolvimento do trabalho, conseguimos melhorar o
diálogo. Na data da venda das ações ocorreu algum tipo de problema
técnico na página do infomoney, pois tivemos muita dificuldade de
acesso, lentidão na navegação e dificuldade em inserir os valores das
ações, que acabaram não sendo computados corretamente. A
expectativa do grupo era obter maiores retornos, no entanto, para
nossa surpresa, o retorno das ações não foi o esperado, sendo menor
que o valor investido.
O grupo não soube corrigir o problema ocorrido na divisão das ações da Vale.
Fora isso, as ações da Ambev tiveram péssimo desempenho no período, causando o
fraco desempenho da carteira do grupo.
Grupo V: Investiu seus recursos em ações de oito companhias e demonstrou
dificuldades em administrar muitos ativos, não apresentando um extrato de
movimentações coerente. Apesar de atualizar suas regressões, os valores estimados
eram sempre muito maiores que os valores de mercado, evidenciando algum problema
nas regressões que não havia sido sanado. O grupo criou uma regra complexa para fazer
as aplicações. Primeiro, eles calcularam quanto (em porcentagem) o preço de mercado
estava abaixo do preço estimado pela regressão. Recalcularam essa porcentagem
considerando a soma delas igual a 100 e obtendo um valor relativo para cada papel.
Decidiram que fariam compras de R$20.000,00 e aplicavam o valor relativo calculado
sobre esse montante. Dessa forma, eles tinham a intenção de dar maior peso a compras
de papéis que estivessem mais atrativos, ou seja, com valor de mercado
proporcionalmente mais distante dos valores preditos pelas regressões. Essa estratégia
criada pelo grupo, embora complexa, é bastante interessante se for analisada sob o
ponto de vista da maximização de lucros. Mas, focado nela, o grupo não atentou para
possíveis erros nas regressões que sempre apresentavam valores acima do mercado e
não procurou corrigir tais erros. Perguntado sobre os motivos do prejuízo, o aluno
Mario explicou:
A data estabelecida para compra inicial dos ativos não foi benéfica, a
bolsa estava em patamares altíssimos de valorização, o que não se via
há muito tempo. Entretanto, fatores exógenos impulsionaram a queda
da bolsa e, além disso, podemos acrescentar que a carteira foi
composta na sua maioria por ativos de maior sensibilidade ao índice
da Bovespa, o que não foi favorável para a valorização da nossa
carteira.
Questionado sobre os valores obtidos nas regressões, o aluno afirmou:
Os valores calculados pelas regressões foram bem acima, em
comparação aos valores de fechamentos dos ativos no período. Para
tentar entender esse comportamento, foi realizado um
acompanhamento da evolução dos ativos no período de 29/06 a
11/07/2006, entretanto nenhum dos ativos atingiu o valor esperado
dado pelas regressões. Assim, o período seria de compra forte, as
ações estavam com os preços bem abaixo dos esperados dados pelas
regressões. Mas, por precaução, foi discutido e ficou pré-estabelecido
pelo grupo que a compra diária de ações seria de R$20.000,00 e o
procedimento para a elaboração da compra foi a confecção de uma
planilha com o valor porcentual de cada ação em relação ao valor
previsto pela regressão.
Notamos pelos relatos que, embora estivessem alarmados com os resultados
comparativos de preço de mercado vs. preço estimado, em momento algum o grupo
questionou se o cálculo dos valores estimados pelas equações de regressão não estaria
errado. No gráfico abaixo, fazemos uma montagem com a equação de regressão
calculada pelo grupo e os valores reais de mercado do papel Bradesco PN, no período
de 29 de junho a 01 de agosto de 2006, para mostrar como a estimativa estava distante
dos valores reais.
Comparativo vlr estimado x vlr real
R$
100,00
95,00
90,00
85,00
80,00
75,00
regressão
70,00
mercado
65,00
60,00
55,00
50,00
45,00
40,00
35
2
35
0
34
8
34
6
34
4
34
2
34
0
33
8
33
6
33
4
33
2
33
0
período
Gráfico 5.9 – Ativo Bradesco PN, 29/06 a 01/08/2006, Grupo V
O que foi mostrado no gráfico acima também ocorreu com os demais ativos nos
quais o grupo investiu. No entanto, o grupo não apresentou atitudes de questionamento
sobre os resultados e não teve uma visão global do problema para enxergar onde poderia
haver distorções.
Grupo VI: Investiu em ações de 5 companhias: Gerdau, Banespa, Lojas Americanas,
Itaú e Petrobrás. O grupo não atualizou as regressões e isso causou grande defasagem
entre os valores estimados e os valores reais dos ativos, influenciando as decisões de
compra e venda das ações. Somente as ações da Petrobrás geraram lucro, e o grupo
contabilizou um prejuízo total de R$84.495,00, sendo que, deste montante, R$81.260,00
foram devidos aos negócios com as ações da Gerdau e das Lojas Americanas,
justamente as que apresentaram maior defasagem em relação aos valores estimados
pelas regressões. O grupo finalizou sua carteira em 03/07/2006, baseado em uma
informação incorreta sobre o fechamento do trabalho. Assim, eles perderam a
oportunidade de reverter parte dos prejuízos ao longo dos meses de julho e agosto. O
grupo criou uma interessante regra para balizar suas decisões de compra e venda, e
reproduzimos abaixo a tabela que foi colocada no relatório:
Tabela 5.4 – Critérios para compra e venda de ações do Grupo VI
Variação % sobre o
Representatividade
Ação tomada
Grau
≥ 5%
Vende
Forte 2
100.000,00
4,99 a 4%
Vende
Forte 1
75.000,00
3,99 a 3%
Vende
Médio
50.000,00
2,99 a 2%
Vende
Fraco
25.000,00
1,99 a 1%
Nenhuma
-
0,00
0,99 a -0,99%
Nenhuma
-
0,00
-1 a -1,99%
Nenhuma
-
0,00
-2 a -2,99%
Compra
Fraco
25.000,00
-3 a -3,99%
Compra
Médio
50.000,00
-4 a -4,99%
Compra
Forte 1
75.000,00
≤ -5%
Compra
Forte 2
100.000,00
preço estimado
financeira em R$
A tabela aparentemente demonstra uma necessidade de produzir uma regra, ou
seja, as decisões de compra e venda passam a depender de um resultado numérico
prático, que justificaria qualquer resultado sem que fosse necessário refletir sobre as
atitudes ou sobre as decisões e resultados. Perguntado sobre a necessidade da regra, o
aluno Willian argumentou:
Esse critério é meramente exemplificativo, não servindo de base real
para as transações financeiras. Além das variações percentuais entre
os valores estimados e de fechamento, é necessário conhecimento
técnico da situação da empresa e do mercado para se investir com
certa segurança. O certo seria criar uma equação de avaliação que
ponderaria a diferença porcentual entre o fechamento e o valor
estimado, o risco e o retorno médio. Mas não foi o caso nesse
trabalho.
Vemos pelo depoimento do aluno que a regra ainda parecia insuficiente e melhor
seria se houvesse uma equação envolvendo outras variáveis para tomar as decisões. Em
momento algum houve a menção de se fazer uma reflexão sobre os resultados, um
questionamento dos valores estimados, uma discussão com o grupo sobre as melhores
decisões etc. Perguntados sobre o desempenho do grupo, os alunos justificaram o
resultado pelo mau comportamento do mercado, por ter feito a compra num momento
de alta e ser obrigado a vender tudo numa época de baixa. O aluno Oswaldo fez o
seguinte comentário:
São muitos os motivos de não termos conseguido um bom resultado
com a compra desses ativos. Outros papéis, mesmo com o
desaquecimento do mercado, se mostraram menos sensíveis à queda.
Porém, de todos os fatores, o primordial para esse resultado foi a
compra das ações sem aguardar o momento ideal. Em um
investimento real podemos, através de análises diversas, esperar por
meses por um momento oportuno para comprar determinadas ações.
O depoimento do aluno revela uma análise elucidativa do mercado. É fato, como
já foi comentado, que os alunos entraram no mercado em um momento de alta e saíram
em uma época de baixa. Entretanto, essa análise crítica não se voltou para os cálculos
feitos pelo grupo, e faltou então uma visão global do problema para dizer que os
cálculos não concordavam com a realidade, e que o ‘algo errado’ poderiam ser as
regressões feitas pelo grupo.
Grupo VII: Investiu seus recursos em 5 companhias: Vale, Itaú, Petrobrás, Sadia e
Votorantin. Não atualizou suas regressões e teve dificuldades em elaborar um resumo
das negociações. O grupo obteve lucro com as ações do Itaú, Sadia e Petrobrás e
contabilizou prejuízos com as ações da Vale e da Votorantin. Entretanto, o grupo não
soube compensar os erros causados pelo site infomoney em relação às ações da Vale
(problema já descrito na análise do grupo II). Assim, o prejuízo de R$37.760,00
informado no relatório não foi real. O aluno Marcelo comentou sobre as dificuldades do
grupo:
O desenvolvimento do trabalho em grupo, em alguns momentos, foi
prejudicado pela dificuldade de alguns integrantes reunirem-se para
planejamento e divisão de tarefas. A maior dificuldade apresentada
pelo grupo foi na parte de elaborar as regressões e para calcular o
risco, retorno e beta. Esta é a parte principal do trabalho, exigindo
muita atenção. Um erro nessa etapa interfere diretamente na escolha
das ações. Na elaboração do trabalho, aprendemos que outros fatores
contribuem para um trabalho bem feito: a parte de pesquisa, a
elaboração dos relatórios, a participação de cada integrante mostrou
ser importante. Se todos esses quesitos tivessem sido cumpridos com
mais profissionalismo, o resultado da carteira certamente seria outro.
Em seu depoimento, o aluno se refere a um erro de análise feito pelo grupo ao
escolher o papel Votorantin. Os cálculos mostravam para esse ativo um retorno médio
negativo, e mesmo assim ele foi escolhido por representar o menor risco, o que foi
interpretado como um erro pelo aluno Marcelo. O aluno ainda queixou-se que os demais
componentes do grupo não levaram a sério o trabalho. Esse grupo contava inicialmente
com 5 componentes, mas uma aluna se afastou por motivo de gravidez e outro aluno
desistiu por problemas com o horário de seu emprego. Dos três componentes restantes,
o aluno Marcelo assumiu a liderança e foi quem tomou a frente na elaboração dos
relatórios e execução das etapas.
Grupo VIII: Investiu seus recursos em ações de 5 companhias: Ambev, Bradesco,
Petrobrás, Vale e Telemar. Esse grupo foi dividido após a segunda etapa e ficou com
apenas duas componentes. Elas não atualizaram as regressões, não conseguiram fazer
um balanço das movimentações. A aluna Denise relatou:
Tivemos muitas dificuldades nas movimentações com o site
infomoney. Tivemos também muita dificuldade de relacionamento e,
mesmo em dupla, também houve discordância de idéias. Achamos
que o tempo para o investimento nas ações foi muito curto e uma
observação que diríamos ser importante foi que não sabemos atuar no
mercado financeiro, pois tivemos um prejuízo muito alto.
A divisão do grupo foi decisiva para o fracasso no desenvolvimento das últimas
etapas do trabalho. As duas alunas não conseguiram superar as dificuldades e não se
sentiram à vontade para sanar dúvidas com os colegas, o que acabou desmotivando o
grupo.
Grupo IX: Não fez um balanço e não apresentou o relatório da etapa 4. Na divisão do
grupo VIII, os dois alunos que formaram o grupo IX sentiram-se rejeitados e não foram
capazes de cumprir as etapas do projeto.
•
5.2.3.5 – Análise (I)
De maneira geral, podemos avaliar que os grupos que fizeram a atualização das
regressões tiveram maiores chances de obter bons resultados. Mas nos interessa ir mais
a fundo na análise dessa etapa 4, observando de que maneira as capacidades estatísticas
foram sendo desenvolvidas nessas atividades.
Essa etapa possibilitou o desenvolvimento das capacidades de literacia,
raciocínio e pensamento, na medida em que:
a) trabalhou com dados reais, obtidos pelos próprios alunos;
b) relacionou os dados ao contexto em que estão inseridos;
c) demandou a interpretação dos resultados;
d) favoreceu as discussões com o trabalho em grupo;
e) promoveu a validação do modelo adotado.
Embora nem todos os grupos tenham apresentado lucro, muitos tomaram boas
decisões com base nos cálculos e nos dados disponíveis, evidenciando o
desenvolvimento da literacia estatística. Essa capacidade também se revelou quando os
alunos demonstraram conhecimento e consciência sobre os dados em seu contexto.
Vemos então que a literacia, conforme apresentada por Rumsey (2002), foi estimulada,
embora alguns grupos não a tenham desenvolvido em sua plenitude. A principal falha
nesse ponto foi quando não evidenciaram confiança para mostrar que os conceitos
precedem o cálculo. Ao perceberem os resultados das regressões muito distantes dos
valores reais, muitos alunos simplesmente julgaram que o mercado estava incoerente e
não refletiram sobre o conceito de regressão com base em séries temporais, que não
pode ficar muito defasado sob o risco de não refletir a realidade (que foi o que ocorreu).
Essa falha também decorre da falta de atitudes de questionamento e de crítica sobre os
dados provenientes dos cálculos.
Alguns grupos evidenciaram avanço no pensamento estatístico ao ir além do que
foi ensinado (CHANCE, 2002), executando ações tais como:
a) construção de gráficos comparativos;
b) elaboração de regras de decisões;
c) atualização das regressões;
d) análise do comportamento do mercado de maneira global.
Mas, sobre o pensamento estatístico, as falhas mais observadas referem-se à falta
de ceticismo sobre os dados. Vimos isso quando alguns grupos não souberam lidar com
o problema ocorrido com as ações da Vale. Alguns grupos simplesmente lamentaram
que as ações, que num dia custavam R$80,00, no outro passaram a custar R$40,00. Não
tiveram a iniciativa de se perguntar o porquê desse comportamento e investigar suas
causas. Pelo contrário, alguns grupos aceitaram passivamente esse choque de preços e
contabilizaram seus prejuízos.
Quanto ao raciocínio estatístico, conforme apresentado por Garfield (2002),
alguns grupos tomavam decisões de compra e venda apenas baseados nos cálculos das
regressões, sem analisar a qualidade dos resultados e a adequação das equações e
fórmulas. Não questionaram os métodos, mas inventaram regras de decisão para
facilitar os julgamentos. Parecia mais fácil julgar o Verdadeiro ou Falso (comprar ou
vender) do que refletir sobre os métodos e interpretar de maneira mais profunda os
dados.
Dessa forma, avaliamos que a etapa 4, que foi a mais complexa até aqui,
representou uma boa oportunidade de desenvolver aspectos importantes das três
capacidades envolvidas na aprendizagem da Estatística. Para não perder essa
oportunidade, foi feito, numa aula posterior à entrega do último relatório, um debate
sobre os resultados alcançados, sobre as estratégias dos grupos e as dificuldades
encontradas. Nessa oportunidade, o professor levantou questionamentos sobre os
cálculos, sobre as interpretações e as decisões, e os grupos foram se posicionando,
assumindo as falhas e refletindo sobre suas ações. As dúvidas dos alunos foram
debatidas e sanadas, algumas vezes pelos próprios colegas, que expunham seus pontos
de vista e mostravam seus entendimentos sobre as questões mais delicadas. Foi um
momento importante para o fechamento da etapa, no qual o professor pôde tornar mais
evidente o objetivo de favorecer a vivência dessas capacidades e possibilitar a sua
construção e o seu desenvolvimento.
Os alunos se sentiram valorizados e perceberam que suas dúvidas eram bastante
pertinentes, e que haviam ocorrido com seus colegas também. Aos poucos, eles foram
expondo suas idéias e incertezas, possibilitando uma rica troca de experiências e a
ocorrência de um debate construtivo. Dessa forma, a etapa foi encerrada e, de maneira
geral, os alunos se mostraram satisfeitos com os resultados e com a maneira pela qual
foi conduzido o seu fechamento.
•
5.2.3.6 – Etapa 5
Essa etapa consistiu no debate, discussão e reflexão sobre os aspectos sociais e
políticos envolvidos no projeto. Dividimos essa etapa em duas sessões:
(i)
projeção do filme “O Jardineiro Fiel” (resumo no anexo 3), seguido de
leitura do texto “The Constant Gardener”, que está no anexo 4;
(ii)
leitura e discussão dos textos “Voto nulo e o anti-inflamatório” (anexo 5) e
“Robôs e o mercado de capitais” (anexo 6).
A primeira sessão deu-se em 20 de setembro de 2006. Foi exibido o filme “O
Jardineiro Fiel”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Um resumo do filme é
apresentado no anexo 3.
A exibição do filme foi feita na própria sala de aula, com auxílio de um projetor
multimídia, ligado a um aparelho DVD portátil, trazidos pelo professor. Estavam
presentes 32 alunos.
A ligação entre o enredo do filme e o tema do projeto é que o roteiro do filme
trata de uma empresa farmacêutica européia que testa novos medicamentos em
populações carentes do Quênia, na África. Ávidos por lançar um novo medicamento
capaz de curar a tuberculose, os executivos da empresa farmacêutica manipulam os
resultados dos testes com o objetivo de obter autorização para lançamento comercial do
medicamento. Assim, eles calculam quanto seria o lucro causado pela elevação no preço
das ações da empresa farmacêutica no mercado de capitais europeu.
A exibição do filme provocou forte comoção entre os presentes, que se
emocionaram com a história e, de certa forma, se identificaram com o tema e os
personagens.
Minutos após o término da projeção do filme, os alunos ainda permaneciam em
silêncio. A sensação era de que o filme fala por si, e que qualquer palavra sobre o
mesmo poderia tirar-lhe ou omitir-lhe alguma característica importante.
Para iniciar um debate sobre o tema do filme e sua ligação com o projeto, o
professor entregou aos alunos o texto “The Constant Gardener”, que está no anexo 4,
com alguns comentários sobre o filme. O texto foi lido pelos alunos e, em seguida,
prosseguiu-se uma conversa entre professor e alunos e entre alunos e alunos.
Ficou em evidência a indignação dos presentes com a ganância das empresas em
procurar o lucro, não importando os meios que procedem para obtê-lo. Foi debatida
também a problemática do continente africano, a miséria a que sua população é
submetida, a difícil realidade social que é retratada no filme, fazendo-se um paralelo
com a população favelada das grandes cidades brasileiras.
O debate ficou mais intenso e acalorado. Os alunos mostraram-se indignados
com o descaso da indústria farmacêutica em relação aos efeitos prejudiciais à saúde que
alguns remédios provocam. Foi mencionado que, quando alguém compra ações de uma
empresa, torna-se sócio dela e, por conseguinte, incentivador de sua atividade, seu
investidor. O professor comentou que alguns grupos investiram, no Projeto, em ações de
companhias de tabaco e em ações de companhias produtoras de bebidas alcoólicas
também. Esses casos parecem ser os mais evidentes de companhias que pouco ou nada
se preocupam se o seu produto faz mal à saúde das pessoas que os consomem. Foi
mencionada também, a questão ambiental, os desastres ecológicos causados por certas
companhias, principalmente a Petrobrás, e foi discutido se essas empresas realmente
têm alguma preocupação com o meio ambiente, o saneamento, a proteção das reservas
naturais etc..
O professor mencionou uma notícia recente que dizia que os europeus tinham a
intenção de proibir a importação de soja brasileira, pois alegavam que o nosso país
desmata extensas áreas de floresta tropical para plantar esse legume. Segundo a notícia,
os europeus bradavam: “não compraremos mais soja proveniente de plantações em área
de floresta desmatada”. O professor perguntou aos alunos quais seriam os reais
interesses dos europeus ao fazer esse tipo de argumentação. Estariam os europeus tão
preocupados com a devastação da floresta tropical? A resposta geral foi: não! O que os
europeus realmente querem é uma justificativa para proibir a importação de soja do
Brasil e beneficiar os produtores locais, mesmo à custa de subsídios, vencendo assim
uma batalha comercial na qual o Brasil, teoricamente, teria ampla vantagem em termos
de produtividade, preço etc.. Ficou evidenciado o ‘vale-tudo’ da guerra comercial
mundial, que não exclui o Brasil.
Os alunos se mostravam revoltados e o professor comentou que é preciso ter
cuidado ao ler notícias e interpretar os fatos, analisar os vários aspectos da questão antes
de tomar uma posição. E os alunos concordaram que é preciso posicionar-se e tomar
consciência da realidade.
O tempo da aula acabou e o debate foi encerrado. Depois de agradecer a atenção
de todos, foi encerrada a aula, que durou cerca de 3 horas. Alguns alunos procuraram o
professor para agradecer, elogiar a aula. Alguns alunos, ainda em lágrimas, abraçavamse. Um aluno mencionou que aquele encontro, mais que uma aula, foi uma lição.
Reproduzimos abaixo alguns comentários feitos pelos alunos53:
53
Optamos nessa etapa por não identificar os alunos que proferiram os comentários, pois os mesmos não
foram feitos em depoimentos individuais, mas sim num debate coletivo. A referida aula foi gravada em
áudio e os comentários foram feitos sem a identificação prévia do aluno para não afetar a espontaneidade
dos relatos.
Esse filme nos faz pensar sobre o que o ser humano é capaz de fazer
para obter vantagem, dinheiro, status. Coloca a vida de pessoas em
risco para ganhar mais dinheiro, não se preocupando com nada ao seu
redor, somente o lucro.
Será que os países desenvolvidos ou mesmo os ‘senhores do poder’
que vivem em países subdesenvolvidos querem que todas as pessoas
do mundo tenham uma chance na vida de ser mais estudadas e ter
mais acesso às informações? Com certeza não, pois assim sempre
serão aclamados e tidos como os heróis do país.
Devemos nos questionar sobre as injustiças cometidas no mundo e
nossa contribuição para que esses fatos aconteçam. Acredito que
temos uma parcela de culpa nesses episódios, a partir do momento
que compramos produtos dessas empresas. Devemos nos policiar em
nosso consumo e não incentivar essas empresas comprando seus
produtos, pois assim estaríamos prejudicando outras pessoas e
também nosso meio ambiente. Não podemos deixar que esses fatos
aconteçam com naturalidade em nossas vidas.
Fiquei revoltada quando vi a cena na qual ocorre uma fuga de um
ataque de guerrilheiros. Quando o Justin quer levar uma pequena
menina negra consigo no avião e é impedido de fazê-lo, percebemos
que realmente a vida dessas pessoas não tem valor algum para o
restante da sociedade.
A contradição da pobreza e da riqueza mostrada no filme é um
momento para reflexão da sociedade em que vivemos, que nos faz
pensar se podemos ajudar de uma certa forma ou se, como cidadãos
atuantes, também em uma sociedade dita democrática, temos a
obrigação de ajudar.
África e Brasil enfrentam a mesma situação, na qual a maioria da
população sofre pelas inconseqüências de seus governantes, da classe
política e pela economia, sendo que para os africanos ainda há a ação
de guerrilheiros, que afeta também a vida dos mais frágeis.
Queria agradecer pela oportunidade de reflexão sobre um problema
social tão grave e tão próximo do nosso convívio. Temos que
trabalhar para que tal problema seja extinto no futuro.
A segunda sessão deu-se em 27 de setembro de 2006. Com a proximidade das
eleições presidenciais e, aproveitando o tema do filme da semana anterior, o professor
propôs a leitura do texto “Voto nulo e o anti-inflamatório”, que está no anexo 5.
À leitura seguiu-se um debate sobre o tema do artigo. Inicialmente os alunos se
mostraram surpresos com a informação de que alguns remédios famosos, presentes no
mercado brasileiro há mais de 10 anos, poderiam causar mal à saúde. Muitos
comentaram que já haviam tomado tais remédios e nem faziam idéia do risco que
estiveram submetidos ao fazer uso desses medicamentos. O fato que estava sendo
comentado era que pesquisas que haviam sido divulgadas recentemente revelavam que
o uso de certos medicamentos anti-inflamatórios aumentavam o risco de enfarte.
As grandes indagações que os alunos fizeram foram:
― Será que, estando há tanto tempo no mercado, os laboratórios não fizeram testes
suficientes para detectar esse aumento de risco de enfarte?
― Podemos entender que os laboratórios sabiam desse risco, esconderam essa
informação e lançaram os medicamentos no mercado para obter mais lucros?
Foi observado também que a ficção retratada no filme está muito perto da
realidade, no Brasil e em outros países.
O referido texto faz ainda uma ligação desse tema com as eleições, que se
realizariam poucos dias após a data desse episódio. A proximidade do processo eleitoral
foi lembrada e, oportunamente, foi discutido, com base nesse texto, o problema do voto
nulo, da alienação, do descontentamento e desilusão da população com a classe política
que governa nosso país.
Episódios recentes de escândalos revelados entre a classe política, especialmente
aquele que ficou conhecido como mensalão, foram comentados pelos alunos que
bradaram por uma resposta nas urnas aos políticos corruptos, já que a justiça brasileira
não era capaz de puni-los.
Fechando esse debate, o professor propôs a leitura de mais um texto, intitulado
“Robôs e o mercado de capitais”, que está no anexo 6.
Esse texto relata a existência no mercado norte-americano de fundos de
investimentos geridos por programas de computador. Com base na mesma idéia que deu
origem ao projeto, ou seja, no cálculo de grandezas de avaliação das ações como o risco,
o retorno e o beta, pesquisadores desenvolveram um programa computacional que se
auto-alimenta com os dados do mercado e que calcula essas grandezas para todos os
papéis negociados em bolsa, podendo dessa forma selecionar as melhores opções de
investimento. Além disso, o programa faria as regressões, atualizadas todos os dias,
para todos os papéis e, dessa forma, seria possível identificar as melhores oportunidades
de compra e de venda dos ativos, maximizando os ganhos dos aplicadores. O texto
menciona ainda que, numa comparação com os fundos geridos por especialistas, os
fundos geridos por robôs54 levavam vantagem em termos de rentabilidade média
acumulada nos últimos anos.
Esse texto relatou fatos que causaram indignação aos alunos, afinal, eles,
profissionais que seriam após o término da faculdade, estariam sendo substituídos por
programas de computador que supostamente fariam um trabalho mais competente e
rentável que os humanos, tendo em vista os resultados obtidos. Os alunos sentiram a
dura e difícil realidade que os espera no mercado de trabalho e se questionaram sobre o
que poderia ser feito para mudar tal situação.
Reproduzimos abaixo alguns comentários feitos pelos alunos55:
O capitalismo, da forma que foi implantado na sociedade globalizada,
tende a acúmulos de renda cada vez maiores, causando péssima
distribuição da mesma. As massas de pessoas abaixo da linha de
pobreza se acumulam e o destino disso é preocupante.
Será que teremos mais guerras? Não dá para afirmar que sim pois,
como sabemos, os ricos capitalistas também têm o domínio do poder
bélico...
Acho que só podemos aguardar e torcer para que não inventem uma
máquina que nos substitua, embora saibamos que isso é só uma
questão de tempo.
Isso é um processo que já ocorreu na indústria, nos bancos e que
agora tende a ocorrer em outras áreas. Se os profissionais não se
54
Na verdade os robôs não existem fisicamente, essa é uma analogia feita pelo texto ao fato de os fundos
serem geridos por programas computacionais.
55
Novamente não estamos identificando os alunos que fizeram os comentários pelos mesmos motivos já
citados em nota anterior.
organizarem para lutar por seus interesses, a tendência é que os
empregos fiquem cada vez mais escassos, mais raros.
O debate sobre esse tema foi bastante intenso e, ao final da aula, o professor
encerrou as discussões e agradeceu a participação de todos. Os temas dos textos foram
realmente motivadores de discussões que provocaram bastante indignação nos alunos e
que os despertou para uma realidade difícil, e que não é retratada nos livros que eles
normalmente têm como referência em seus estudos.
•
5.2.3.7 – Análise (II)
Nessa etapa 5, a última do projeto, procuramos estender os temas trabalhados
para além da estatística, investigando as interfaces do mercado de capitais com questões
ligadas à política, sociedade, economia, saúde etc..
Como vimos nas descrições das duas sessões, foram trabalhados os seguintes
temas:
•
Social: a miséria da África em comparação com a miséria do Brasil; o
descaso com os direitos dos cidadãos africanos que são usados como
cobaias sem nem mesmo saber disso.
•
Saúde: a venda de remédios com efeitos colaterais graves na África,
bem como no Brasil; as péssimas condições de higiene e saneamento
nas populações carentes da África, em comparação com o que ocorre
nas favelas do Brasil.
•
Política: as eleições no Brasil; os escândalos políticos recentes
envolvendo principalmente os deputados federais; a conivência dos
políticos com os grandes conglomerados industriais; o descaso da
classe política com a situação de miséria do povo.
•
Economia: o desemprego; a substituição do homem pela máquina; o
capitalismo; as grandes corporações e a ganância por lucros cada vez
maiores.
Esses temas serviram como fonte de motivação para discussões e debates entre
os alunos e com a participação e mediação do professor. Com isso, promovemos a
verdadeira inserção crítica do estudante na realidade em que ele vive, escancarando essa
realidade para uma melhor compreensão do mundo, desenvolvendo no aluno a
consciência de sua participação na sociedade.
Valorizando os aspectos políticos envolvidos nos temas trabalhados,
democratizando o ensino, seja com o debate de princípios democráticos como também
com a adoção de atitudes democráticas em sala de aula, promovendo a desierarquização
entre educandos e educadores, combatendo as posturas alienantes dos alunos,
defendendo a ética e a justiça social, promovendo o diálogo, a liberdade individual e a
responsabilidade social dos estudantes, estamos executando a verdadeira educação
crítica, ao mesmo tempo em que promovemos o desenvolvimento da competência
crítica nos alunos e estimulamos a criatividade e a reflexão.
Com esta última etapa, promovemos o engajamento das atividades propostas
nesse projeto com os aspectos políticos, econômicos e sociais que circundam a vida dos
estudantes, utilizando nesse contexto a idéia de extrapolar os próprios objetivos da
Estatística e valorizar a interdisciplinaridade, a habilidade de enxergar o problema
estatístico de maneira global, com suas interações e seus porquês, entendendo suas
diversas relações com o mundo, explorando temas que vão além do que os dados e os
textos prescrevem, para possibilitar a discussão de idéias e posicionamentos que não
haviam sido previstos a priori.
Por conseguinte, a Educação Estatística Crítica que propusemos nessa pesquisa
foi trabalhada nesse projeto, à medida em que pudemos observar nele os seus princípios
básicos, quais sejam:
•
Contextualizar os dados de um problema estatístico, preferencialmente
utilizando dados reais.
•
Incentivar a interpretação e análise dos resultados obtidos.
•
Socializar o tema, ou seja, inseri-lo num contexto político/social e
promover debates sobre as questões levantadas.
Além disso, em consonância com os autores que nos serviram de referência para
os aspectos relacionados à Educação Crítica, podemos observar, nesse projeto, as
seguintes características:
• Problematização do ensino (FREIRE, 1970 e GIROUX, 1997),
trabalhando a Estatística por meio de projetos (SKOVSMOSE, 2004),
utilizando os princípios da modelagem matemática.
• Permissão aos alunos para trabalharem individualmente ou em grupos
(GIROUX, 1997).
• Utilização de exemplos reais, trabalho com dados reais, sempre
contextualizados, dentro de uma situação condizente com a realidade
do aluno.
• Favorecimento e incentivo do debate e do diálogo entre os alunos e
com o professor (FREIRE, 1983, GIROUX, 1997 e ALRØ e
SKOVSMOSE, 2006).
• Desierarquização do ambiente de sala de aula; adoção de uma postura
democrática de trabalho pedagógico; delegação de responsabilidades
aos alunos, atendendo ao argumento pedagógico de Skovsmose (2004)
e à valorização da democracia dentro da sala de aula, conforme Giroux
(1997).
• Incentivo aos alunos para a análise e interpretação dos resultados, além
da valorização da escrita nos relatórios. Dar voz ao estudante
(GIROUX, 1997).
• Tematização do ensino com o estímulo a atividades que possibilitaram
o debate de questões sociais e políticas adjacentes ao conteúdo,
relacionadas ao contexto real de vida dos alunos, atendendo ao
argumento social de democratização do ensino (SKOVSMOSE, 2004).
• Valorização da capacidade crítica dos alunos, com a cobrança de
posicionamento deles perante os questionamentos levantados nos
debates, compartilhando com a classe suas justificativas e conclusões,
evidenciando novamente o argumento social de Skovsmose (2004).
• Preparação do aluno para interpretar o mundo, praticar o discurso da
responsabilidade social e a linguagem crítica, incentivar a liberdade
individual e a justiça social, engajamento numa missão maior de
aperfeiçoar a sociedade em que vive contra a cultura dominante
(GIROUX, 1997).
• Utilização
de
bases
tecnológicas
no
ensino,
valorização
e
desenvolvimento de competências de caráter instrumental para o aluno
que vive numa sociedade eminentemente tecnológica (SKOVSMOSE,
2004).
• Valorização do conhecimento reflexivo em conjunto com o
conhecimento tecnológico, para o desenvolvimento de uma consciência
crítica sobre o papel da Estatística no contexto social e político no qual
o estudante se encontra inserido (SKOVSMOSE, 2004).
• Adoção de um ritmo flexível para o desenvolvimento das etapas do
projeto, em acordo com a democratização dos aspectos pedagógicos da
sala de aula e também com a desierarquização do ensino (GIROUX,
1997 e SKOVSMOSE, 2004).
Com isso, acreditamos ter atingido o objetivo de praticar uma Educação Crítica
ao ensinar Estatística, desenvolvendo a criticidade e o engajamento dos estudantes nas
questões políticas e sociais relevantes para a sua realidade como cidadãos que vivem
numa sociedade democrática e que lutam por justiça social em um ambiente mais
humanizado e desalienado.
Cap. 6 – Projeto 2: O Teste do Qui-Quadrado
6.1 – Introdução
A idéia do projeto 2 surgiu quando, lecionando a disciplina Estatística II para
uma classe de 3º ano de graduação em Ciências Econômicas, trabalhamos com a
grandeza χ2 (qui-quadrado) e a independência ou associação de variáveis qualitativas.
O livro que adotávamos como referência trazia o seguinte exemplo (FONSECA
& MARTINS, 1995, pp.228-229):
Testar, ao nível de 5%, se há dependência entre as preferências
por sabor da pasta de dentes e o bairro:
Sabor da pasta
Bairros
∑
A
B
C
limão
70
44
86
200
chocolate
50
30
45
125
hortelã
10
6
34
50
outros
20
20
85
125
∑
150
100
250
500
Sobre esse exemplo, poderíamos propor algumas questões:
•
Essa pesquisa é real?
•
Que bairros são A, B, C?
•
Por que não é mencionada a cidade nem a data em que ocorreu a pesquisa?
•
Existe pasta de dente sabor chocolate?
•
Por que alguém acharia que poderia haver relação de associação entre as
variáveis ‘sabor da pasta de dentes’ e ‘bairro’?
Dados tantos questionamentos que poderíamos fazer, seria mais justo admitir
que a pesquisa não existiu na realidade, e que os dados são fictícios (informação que
não foi fornecida no exercício). Além disso, a idéia de se associar a preferência pelo
sabor da pasta de dentes ao bairro é bastante estranha, e um leigo não precisaria dominar
conceitos estatísticos para deduzir que não há relação alguma entre essas variáveis.
Entendendo que devemos tratar os conteúdos estatísticos de maneira a aproximar
o estudante de sua realidade, percebemos que o assunto em questão (o qui-quadrado e a
independência ou associação de variáveis) permite-nos trabalhar com temas mais
polêmicos, mais representativos, mais próximos da vida dos alunos. Essa motivação nos
levou a desenvolver este projeto.
6.2 – Revisão Teórica56
Os resultados obtidos por meio de amostras nem sempre concordam exatamente
com os teóricos esperados, de acordo com as regras de probabilidade. Por exemplo,
embora considerações teóricas permitam esperar 100 caras e 100 coroas quando uma
moeda honesta é lançada 200 vezes, raramente esses resultados são obtidos com
exatidão.
Admita que, em uma determinada amostra, observou-se que os eventos possíveis
E1, E2, E3, ..., Ek, ocorreram com as freqüências o1, o2, o3, ..., ok, denominadas
freqüências observadas, e que de acordo com as regras de probabilidade, esperar-se-ia
que eles ocorressem com as freqüências e1, e2, e3, ..., ek, denominadas freqüências
esperadas ou teóricas.
56
Para essa revisão teórica, consultamos Spiegel (1977), Fonseca & Martins (1995) e Wonnacott &
Wonnacott (1980).
Tabela 6.1 – Freqüências observadas e esperadas de k eventos
Evento
freqüência
observada
freqüência
esperada
E1
E2
E3
...
Ek
o1
o2
o3
...
ok
e1
e2
e3
...
ek
Deseja-se saber se as freqüências observadas diferem de modo significativo das
esperadas. Uma medida da discrepância existente entre as freqüências observadas e
esperadas é proporcionada pela estatística χ 2 (qui-quadrado), expressa por:
2
2
(
(
o1 − e1 )
o2 − e2 )
+
χ =
2
e1
e2
+ ... +
(ok − ek )2
ek
=∑
(o j − e j )2
ej
Quando χ 2 = 0 , as freqüências teóricas e observadas concordam exatamente,
enquanto que quando χ 2 > 0 , isso não ocorre. Quanto maior for o valor de χ 2 , maior
será a discrepância entre as freqüências observadas e esperadas. Alguns autores afirmam
que deve-se encarar com suspeita as circunstâncias em que χ2 assume valor muito
próximo de zero, porque é raro que as freqüências observadas concordem muito bem
com as esperadas.
A distribuição amostral de χ 2 é dada por:
Y = Y0 .χ υ −2 .e
− 1 ⋅χ 2
2
quando as freqüências esperadas forem, pelo menos, iguais a 5, melhorando a
aproximação para valores maiores.
Y0 é uma constante dependente de υ , sendo que a área total subentendida pela curva é
igual a 1.
υ é o número de graus de liberdade, que é dado por:
υ = k − 1 , quando as freqüências esperadas puderem ser calculadas, sem que se façam
estimativas dos parâmetros populacionais, a partir de estatísticas amostrais.
υ = k − 1 − m , quando as freqüências esperadas somente podem ser calculadas mediante
a estimativa de m parâmetros populacionais, a partir de estatísticas amostrais.
6.2.1 – Os testes de significâncias
Para se tomar decisões, é conveniente a formulação de hipóteses acerca das
populações interessadas. Essas suposições, que podem ser ou não verdadeiras, são
denominadas hipóteses estatísticas e, em geral, consistem em considerações acerca das
distribuições de probabilidade das populações. Em alguns casos, formula-se uma
hipótese estatística com o único propósito de rejeitá-la ou invalidá-la.
Admitida uma hipótese particular como verdadeira, se se verificar que os
resultados observados em uma amostra aleatória diferem acentuadamente dos esperados
para aquela hipótese, com base na probabilidade simples mediante a utilização da teoria
da amostragem, poder-se-ia concluir que as diferenças observadas são significativas e
ficar inclinados a rejeitar a hipótese inicial. Por exemplo, se 20 lances de uma moeda
apresentam 16 caras, ficamos inclinados a rejeitar a hipótese de que a moeda é honesta,
embora seja concebível que se possa estar incorrendo num erro.
Os processos que habilitam a decidir se se aceitam ou rejeitam as hipóteses, ou a
determinar se a amostra observada difere de modo significativo dos resultados
esperados, são denominados testes de hipóteses ou de significância, ou ainda regras de
decisão.
Se uma hipótese for rejeitada quando deveria ser aceita, diz-se que foi cometido
um erro do Tipo I. Se, por outro lado, for aceita uma hipóteses que deveria ser rejeitada,
diz-se que foi cometido um erro do Tipo II. Em ambos os casos ocorreu uma decisão
errada ou um erro de julgamento. O único caminho para a redução de ambos os tipos de
erros consiste em aumentar o tamanho da amostra, o que pode ou não ser possível.
Ao se testar uma hipótese estabelecida, a probabilidade máxima com a qual se
sujeitaria a correr o risco de um erro é denominada nível de significância do teste. Na
prática, é usual a adoção de um nível de significância 0,05 ou 0,01, embora possam ser
usados outros valores. Um nível de significância de 0,05 ou 5% no planejamento de um
teste de hipótese, indica que há 5 chances em 100 de a hipótese ser rejeitada quando
deveria ser aceita (ou ser aceita quando deveria ser rejeitada), isto é, há uma confiança
de 95% de que se tome uma decisão acertada.
Na prática, as freqüências esperadas são calculadas com base em uma hipótese
H0. Se, para essa hipótese, o valor de χ 2 calculado for maior de que alguns valores
2
), concluir-se-á que as freqüências observadas diferem
críticos (tais como χ 02,95 ou χ 0,99
de modo significativo das esperadas e rejeitar-se-á H0 ao nível de significância
correspondente. No caso contrário, dever-se-á aceitá-la ou, pelo menos, não a rejeitar.
Esse processo é chamado de teste de qui-quadrado da hipótese ou significância.
O gráfico abaixo representa a curva característica da distribuição de χ 2 . O valor
( )
crítico χ c2 depende do nível de significância adotado. Esse valor é dado na tabela logo
abaixo do gráfico. Se o valor de χ 2 calculado situar-se na região à direita do valor
crítico, deve-se rejeitar H0. Se, ao contrário, χ 2 estiver à esquerda do valor crítico,
deve-se aceitar H0 no nível de significância adotado.
Gráfico 6.1 – Curva característica da distribuição de qui-quadrado
Tabela 6.2 – Distribuição de χ 2 com υ graus de liberdade
υ
χ 02,99
χ 02,95
χ 02,90
χ 02,75
χ 02,50
χ 02,10
χ 02,05
χ 02,01
1
6,63
3,84
2,71
1,32
0,455
0,016
0,004
0,0002
2
9,21
5,99
4,61
2,77
1,39
0,211
0,103
0,0201
3
11,3
7,81
6,25
4,11
2,37
0,584
0,352
0,115
4
13,3
9,49
7,78
5,39
3,36
1,06
0,711
0,297
5
15,1
11,1
9,24
6,63
4,35
1,61
1,15
0,554
6
16,8
12,6
10,6
7,84
5,35
2,20
1,64
0,872
7
18,5
14,1
12,0
9,04
6,35
2,83
2,17
1,24
8
20,1
15,5
13,4
10,2
7,34
3,49
2,73
1,65
9
21,7
16,9
14,7
11,4
8,34
4,17
3,33
2,09
10
23,2
18,3
16,0
12,5
9,34
4,87
3,94
2,56
A estatística χ2 é muito semelhante à estatística F, que também mede a
discrepância a contar de uma hipótese nula. Assim sendo, a análise da estatística χ2 é
feita de maneira análoga à da estatística F.
6.2.2 – Teste de Qui-Quadrado para Independência ou Associação
Uma importante aplicação do teste qui-quadrado ocorre quando se quer estudar a
associação ou a dependência entre duas variáveis57. A representação das freqüências
observadas é dada por um tabela de dupla entrada ou tabela de contingência58.
O cálculo das freqüências esperadas fundamenta-se na definição de variáveis
aleatórias independentes, isto é, diz-se que X e Y são independentes se a distribuição
conjunta (X, Y) é igual ao produto das distribuições marginais de X e de Y:
P (xi, yj) = p (xi) . p (yj) para todo i e j.
57
Se as variáveis forem quantitativas, elas devem ser analisadas com um instrumento que explore a sua
natureza numérica, como por exemplo a regressão. Uma hipótese χ2 falha nessa situação.
58
Contingência significa dependência. Assim, uma tabela de contingência é aquela que mostra como duas
ou mais características dependem uma da outra.
Procedimento para efetuar o teste:
1) Considera-se as hipóteses:
H0: as variáveis são independentes ou não estão associadas.
H1: as variáveis são dependentes ou estão associadas.
2) Fixado o nível de significância (α) e calcula-se o número de graus de liberdade, dado
por υ = (L – 1) . (C – 1), onde L é o número de linhas e C é o número de colunas da
tabela de valores da variável (tabela de contingência).
3) Com o auxílio da tabela 6.2, verifica-se o χ 2 crítico.
4) Calcula-se a variável χ = ∑
2
(oij − eij )2
eij
onde eij = (soma da linha i )(. soma da coluna j)
total de observações
5) Compara-se o χ 2 calculado com o valor crítico para verificar se as variáveis estão ou
não associadas. A regra de decisão é:
2
2
< χ tab
, não se pode rejeitar H0, isto é, não se pode dizer que as variáveis sejam
Se χ calc
dependentes. Em outras palavras, as variáveis são independentes.
2
2
> χ tab
, rejeita-se H0, ou seja, as variáveis são dependentes ou estão associadas.
Se χ calc
Ambas as decisões devem ser consideradas incluindo-se com o risco α de se
tomar a decisão errada.
6.2.3 – Exemplo
Testar no nível de significância de 5% se há associação entre os níveis de renda
e os municípios onde foram pesquisados 500 moradores.
Tabela 6.3- Níveis de renda × Municípios – dados observados
Municípios
Níveis de renda familiar
Σ
(em SM)
A
B
C
até 5 SM
70
44
86
200
de 5 a 10 SM
50
30
45
125
de 10 a 20 SM
10
6
34
50
de 20 a 40 SM
20
20
85
125
Σ
150
100
250
500
Resolução:
H0: a renda não é associada ao município
H1: a renda é associada ao município
υ = (L – 1) . (C – 1) = (4 – 1) . (3 – 1) = 3 . 2 = 6
Para α = 5%, na tabela, temos: χ 02,95 = 12,6 (valor crítico)
A tabela de freqüências esperadas é:
Tabela 6.4- Níveis de renda × Municípios – freqüências esperadas
Municípios
Níveis de renda familiar
(em SM)
A (1)
B (2)
C (3)
até 5 SM
60
40
100
de 5 a 10 SM
37,5
25
62,5
de 10 a 20 SM
15
10
25
de 20 a 40 SM
37,5
25
62,5
e11 =
(soma da linha 1)(. soma da coluna 1) = 200.150 = 60
e43 =
(soma da linha 4).(soma da coluna 3) 125.250
=
= 62,5
total de observações
500
total de observações
500
Assim:
χ2 =
+
(70 − 60)2 + (50 − 37,5)2 + (10 − 15)2 + (20 − 37,5)2 + (44 − 40)2 + (30 − 25)2
60
37,5
15
37,5
40
25
(6 − 10)2 + (20 − 25)2 + (86 − 100)2 + (45 − 62,5)2 + (34 − 25)2 + (85 − 62,5)2
10
25
2
2
Como χ calc
> χ crit
100
62,5
25
62,5
+
= 37,88
rejeita-se H0, concluindo-se que há dependência entre o
município e o nível de renda dos moradores, com probabilidade de erro de 5%.
Observações:
a) O teste qui-quadrado de associação é aconselhável quando o tamanho da amostra é
razoavelmente grande e deve ser aplicado com o maior cuidado se existem freqüências
esperadas menores que 5. Nesses casos, a solução é juntar classes adjacentes evitandose que eij < 5.
b) No caso em que uma das variáveis possui níveis que contemplam todas as categorias
da população (por exemplo sexo: masculino e feminino, não há outra possibilidade),
diz-se que o teste é de homogeneidade.
6.3 – Operacionalização
Depois de explicada a grandeza qui-quadrado e sua aplicação para se determinar
a independência ou associação de variáveis qualitativas, fizemos um levantamento sobre
temas polêmicos que demandariam pesquisa para se avaliar as opiniões da população
sobre seus aspectos.
Os alunos propuseram esses temas, numa atividade semelhante a um brainstorming59. Ato contínuo, discutimos com os alunos quais seriam as variáveis
59
Esse termo significa ‘tempestade de idéias’ e é conhecido como um processo utilizado para se
solucionar problemas coletivamente.
associadas a cada tema, ou seja, quais características da população determinariam sua
opinião (contra ou a favor) em relação a cada tema.
Depois disso, os alunos organizaram-se em grupos e cada grupo (numa ordem
definida por sorteio) escolheu um tema para pesquisar. Cada grupo escolheu também
qual variável desejava testar a associação.
Posteriormente, já fora da sala de aula, mediante decisões independentes de cada
grupo, foram feitas as amostragens, as inferências e as tabulações dos dados, assim
como os cálculos necessários60.
Por fim, cada grupo entregou um relatório com os dados de sua pesquisa e fez
uma apresentação para a classe do tema pesquisado e do resultado obtido. Os grupos
também posicionaram-se sobre os assuntos pesquisados e incentivaram debates na
classe sobre cada tema.
6.4 – Execução
Esse projeto foi executado no primeiro bimestre (letivo) do ano de 2006, que
compreende os meses de março e abril, numa instituição de ensino superior particular na
cidade de São Paulo. Os alunos cursavam a disciplina de Estatística II, no 3º ano do
curso de Ciências Econômicas.
6.4.1 – Etapa 1
Nessa primeira etapa foi feito o brain-storming com os alunos, que resultou nos
seguintes temas polêmicos:
60
•
pena de morte;
•
descriminalização do aborto;
•
proibição de venda e porte de arma;
•
liberalização do consumo de maconha;
Sugerimos consulta a Smith (1998), que apresenta em seu artigo uma série de propostas para serem
desenvolvidas em sala de aula que demandam pesquisas a serem realizadas pelos alunos.
•
regulamentação da união civil entre pessoas do mesmo sexo;
•
produção de alimentos transgênicos para consumo humano;
•
cotas para negros nas universidades públicas;
•
uso de embriões humanos para pesquisas com células-tronco;
•
ensino religioso obrigatório nas escolas públicas;
•
eutanásia;
•
doação presumida de órgãos;
•
redução da maioridade penal.
Na seqüência, foi feito um debate sobre as possíveis variáveis associadas a cada
um desses temas. O quadro ficou assim:
Tabela 6.5 – Temas e variáveis associadas
Temas
Variáveis associadas
Pena de morte
Religião, nível de instrução
Descriminalização do aborto
Religião, nível de instrução
Proibição de venda e porte de arma
Partido político,
Liberalização do consumo de maconha
Idade, sexo
Regulamentação da união civil entre
pessoas do mesmo sexo
Produção de alimentos transgênicos para
consumo humano
Cotas para negros nas universidades
públicas
Uso de embriões humanos para pesquisas
com células-tronco
Ensino religioso obrigatório nas escolas
públicas
Sexo, idade, religião
Nível de instrução, partido político
Raça, nível de instrução
Religião, nível de instrução
Religião, nível de instrução
Eutanásia
Religião, idade
Doação presumida de órgãos
Religião, nível de instrução
Redução da maioridade penal
Região, idade, religião
Em seguida, os alunos dividiram-se em grupos. Como a classe tinha 30 alunos,
foram formados 6 grupos de 5 alunos. Esses grupos foram numerados de 1 a 6. Por
meio de um mecanismo aleatório, cada grupo sorteado escolheu um tema do quadro
acima. Depois disso, os membros de cada grupo debateram entre si qual variável eles
testariam a associação, definindo em seguida essa variável e comunicando ao professor.
Foi combinado um prazo de duas semanas para os alunos recolherem uma
amostragem, fazerem o inquérito e elaborarem um relatório.
Reproduzimos abaixo o depoimento do aluno Fernando sobre essa etapa:
Achei legal a idéia de propormos os temas e as variáveis. Também
achei justo que pudéssemos escolher o tema com que iremos
trabalhar. Na verdade, depois da aula, fiquei com curiosidade para
saber se a variável que escolhemos está mesmo associada ao tema.
Os grupos, os temas e variáveis escolhidos foram:
Grupo I: Eutanásia; religião.
Grupo II: Cotas para negros; raça.
Grupo III: Descriminalização do aborto; nível de instrução.
Grupo IV: União civil de pessoas do mesmo sexo; sexo.
Grupo V: Liberalização do consumo de maconha; idade.
Grupo VI: Pena de morte; religião.
6.4.2 – Etapa 2
Nessa etapa, os alunos, já divididos em grupos e com os respectivos temas e
variáveis, elaboraram um pequeno questionário, fizeram amostragens e pesquisaram a
opinião de pessoas sobre cada tema escolhido.
Não foi pré-definido um tamanho de amostra, e observamos que nenhum grupo
obteve amostra menor que 100. O grupo III, por exemplo, fez uma amostragem com
mais de 200 elementos. Indagada sobre o tamanho de sua amostra, a aluna Cilene, do
grupo III, esclareceu:
Sabíamos que não deveríamos obter freqüências menores que 5, e
que se o tamanho da amostra for maior, o resultado é mais confiável.
Decidimos que cada um do grupo ia obter mais de 40 respostas e aí a
amostra ficou grande como queríamos.
Sobre o mecanismo utilizado para selecionar a amostra, o aluno Bruno, do grupo
IV, afirmou:
No começo a gente pensou em fazer a pesquisa com as pessoas de
nossa casa e no trabalho também. Daí, alguém do grupo falou que a
amostragem tinha que ser aleatória. Foi então que resolvemos fazer a
pesquisa na rua, na calçada em frente à faculdade, que é bastante
movimentada. Já vi gente fazendo pesquisa ali. Em pouco tempo
conseguimos muitas respostas, no começo deu um pouco de
vergonha, mas depois levei na brincadeira.
Dos seis grupos da classe, quatro deles fizeram a amostragem na casa dos alunos
e vizinhos, parentes e no trabalho. Um grupo fez a amostragem na rua (grupo IV,
depoimento acima) e outro fez a amostragem dentro da faculdade, na rampa de entrada.
Para a elaboração do relatório, a maioria dos grupos apresentou dúvidas e
recorreu ao professor para saber quais informações o documento deveria conter. Tais
dúvidas foram sanadas coletivamente em classe, aproveitando o momento para discutir
democraticamente com os alunos os dados e cálculos relevantes para o problema que
deveriam constar dos relatórios. Foi combinado também que seria dado um tempo de
aproximadamente 30 minutos, para cada grupo, para a apresentação dos resultados, e foi
decidido que a ordem de apresentação deveria seguir um sorteio.
As aulas para essa turma eram semanais, às terças feiras, das 19h10min às
20h50min, ou seja, duas aulas de 50 min juntas, totalizando 100 min de aula por
semana. Nesse tempo de 100 min caberiam 3 apresentações, de forma que os 6 grupos
poderiam fazer suas apresentações em duas terças-feiras seguidas.
Depois de realizado o referido sorteio, o grupo I, que ficou para fazer sua
apresentação na 2ª semana, pediu para ser o primeiro grupo a apresentar no dia e pediu
também para projetar um filme. Como o tempo do filme é muito longo e inviabilizaria
as três apresentações, foi acordado que naquele dia a aula se iniciaria às 18h com a
projeção do referido filme, seguido da apresentação do grupo I e demais grupos da
seqüência do sorteio. Os alunos não viram dificuldade nessa antecipação, embora alguns
declarassem que não poderiam chegar com tal antecedência, o que não foi considerado
problema pela classe.
Embora as apresentações fossem divididas em duas sessões, os relatórios
impressos deveriam ser todos entregues na data da primeira apresentação.
6.4.3 – Etapa 3
A primeira sessão de apresentações ocorreu no dia 04/04/2006, com os grupos
V, II e VI, nessa ordem.
O grupo V apresentou um tema que gerou bastante polêmica, que é a
liberalização do consumo de maconha. O grupo se posicionou contra, e o tema foi
debatido na classe que, em sua maioria, ficou contra também. Na apresentação, o grupo
mostrou o resultado de sua pesquisa, que apontou a existência de uma correlação entre a
opinião das pessoas sobre o tema e a variável idade. Os mais jovens se mostravam a
favor enquanto os mais velhos apresentaram tendência a ter opinião contrária.
Sobre a amostragem, o aluno André esclareceu:
Recolhemos as opiniões principalmente no trabalho, na faculdade e
também entre alguns amigos e vizinhos. Não interferimos na opinião
das pessoas e não conduzimos a pesquisa para obter um resultado
específico. Acho que nossa amostra é válida.
O grupo II apresentou em seguida seu trabalho sobre as cotas para negros em
universidades públicas. Mostrou que não existe (na amostra selecionada) relação de
dependência entre a raça da pessoa e a opinião dela sobre esse tema. Sobre a
amostragem, a aluna Paula afirmou:
Como nossa variável era raça, tivemos o cuidado de obter o mesmo
número de opiniões entre brancos e negros. Em geral, consideramos
os mulatos como negros, pois é assim que a lei faz.
A opinião do grupo sobre o tema, contrário à adoção das cotas, foi seguida pela
grande maioria da classe. Aproveitando o tema, o professor incluiu no debate a questão
da exclusão dos negros, a discriminação racial em nossa sociedade. Alunos negros da
classe deram depoimentos que inflaram o debate no sentido de causar a todos a
indignação e o repúdio a qualquer tipo de discriminação racial.
O grupo VI encerrou essa primeira sessão de apresentações com seu trabalho
sobre o tema pena de morte. Segundo seus resultados, a opinião sobre a pena de morte
não estaria relacionada à religião. A maioria das pessoas ouvidas na pesquisa se
manifestou contrária à idéia de o Brasil adotar a pena de morte.
No debate que se seguiu à apresentação do grupo, muitos na classe se
posicionaram a favor da pena de morte para crimes hediondos, mas também
manifestaram descrédito no sistema jurídico brasileiro para punir quem realmente
merece. Foram lembrados alguns casos de pessoas ricas, condenadas e que não estão
presas, e também foi dito que no caso da adoção da pena de morte, somente condenados
pobres e sem recursos é que teriam esse veredicto.
A questão da criminalidade no Brasil foi o pano de fundo desse debate, que
encerrou a primeira sessão de apresentação dos trabalhos.
No dia 11/04/2006 foi feita a segunda sessão de apresentação, com os grupos I,
III e IV, nessa ordem. Nesse dia, a aula começou mais cedo, às 18h, com a projeção do
filme Menina de Ouro, a pedido do grupo I. Essa projeção foi feita com o auxílio de um
aparelho tocador de dvd portátil e um projetor multimídia, trazidos pelo professor.
O filme trata do tema de pesquisa do grupo, ou seja, a eutanásia61. Logo após o
filme, ainda comovidos, o grupo apresentou seus resultados, mostrando que,
independente da religião, a maioria dos entrevistados era contra a eutanásia.
O professor colocou que a questão a ser abordada não era se a pessoa é favor ou
contra a eutanásia, mas sim se é favor ou contra a classificação da eutanásia como
crime, ou seja, a pessoa pode ser pessoalmente contra a eutanásia, mas concordar que
não se deve considerá-la como crime.
61
Um resumo desse filme está no anexo 7.
A opinião dos alunos sobre o tema foi influenciada pelo filme, e também foi
lembrado o caso de um mergulhador espanhol que, após sofrer um acidente e ter ficado
paralítico, teve a ajuda de várias pessoas para cometer o suicídio.
O debate teve de ser encerrado para não comprometer o tempo dos demais
grupos. Na seqüência, o grupo III apresentou o tema da descriminalização do aborto e
mostrou que foi detectada em sua pesquisa uma relação de dependência entre a opinião
sobre o tema e o nível de instrução das pessoas. As pessoas de nível de instrução mais
alto tendem a ter opinião mais favorável à descriminalização do aborto.
Foi discutido também que a religiosidade da pessoa poderia interferir na opinião
sobre o tema, mas essa variável não foi estudada pelo grupo. A importância do tema
gerou discussões contra e a favor, dividindo a classe. Temas como a superpopulação, o
aumento da miséria, a falta de estímulo ao planejamento familiar, a questão da adoção,
da ida de crianças brasileiras para o exterior e até a existência de clínicas de aborto
clandestinas foram abordados nesse debate.
Não houve tempo para o grupo IV fazer sua apresentação nesse dia, e isso foi
marcado para a semana seguinte.
No dia 18/04 o grupo IV finalizou as apresentações, mostrando sua pesquisa
sobre o tema da união civil de pessoas do mesmo sexo. Conforme seu levantamento,
não havia correlação entre a variável sexo e a opinião sobre a regulamentação da união
civil entre homossexuais. O aluno Alexandre comentou sobre o tema:
Acho que deveria haver uma relação de dependência mais acentuada
se considerássemos os homossexuais e os heterossexuais como
variável. Mas nesse caso não sei como faríamos a pesquisa. Acho que
os homossexuais não se declarariam assim só para responder à minha
pergunta.
O tema desse grupo abriu espaço para discussão sobre a questão da
discriminação dos homossexuais. Foi comentado que, apesar de percebermos avanços
na tolerância em relação à orientação sexual das pessoas, ainda há muitos obstáculos e
muita repressão aos homossexuais no Brasil. Percebemos que esse tema é bastante
controverso e que devemos tomar cuidado para não estereotipar as pessoas, não julgar
comportamentos e não vulgarizar a questão.
Após o término dessa última apresentação62, o professor tomou a palavra e pôs
em discussão a questão da amostragem. Foi debatida a idéia de validação dos resultados
e foram questionados os métodos de amostragem adotados pelos alunos. Eles
concordaram que uma amostragem mal feita pode comprometer os resultados da
pesquisa e assumiram que muitos deles simplesmente inferiram as pessoas próximas, da
sua própria casa e vizinhos, além de colegas de trabalho.
Sem desmerecer a qualidade dos trabalhos, que foi valorizada pelo professor, e o
esforço dos alunos, que mereceu elogios também, foi chamada a atenção a todos pelo
processo de amostragem que adotaram, e o professor deu por encerrado o projeto,
agradecendo o empenho, a dedicação e o comprometimento de todos os alunos.
6.4.4 – Análise
Esse projeto foi concebido com base na estratégia pedagógica da Modelagem
Matemática, aplicada à Estatística. Foram cumpridas as três etapas da modelagem
(BIEMBENGUT & HEIN, 2003), quais sejam:
(i)
Interação: quando construímos o referencial teórico sobre os testes de
hipóteses e o qui-quadrado.
(ii)
Matematização: quando formulamos o problema, definimos as
variáveis; os alunos efetuaram as pesquisas e resolveram o problema.
(iii)
Interpretação e Validação: quando fizemos as apresentações e os
debates e quando discutimos a questão dos critérios de amostragem
adotados pelos alunos.
Em conseqüência, podemos também citar os objetivos da modelagem
(BIEMBENGUT & HEIN, 2003) que foram obtidos nesse projeto:
a) aproximar a Estatística de outras áreas de conhecimento;
62
Todas as apresentações foram feitas com auxílio do programa PowerPoint, utilizando um note book e
um projetor multimídia, disponibilizados pelo professor.
b) valorizar a importância da Estatística para a formação do aluno;
c) usar a aplicabilidade da Estatística para estimular o interesse pela disciplina;
d) melhorar a apreensão dos conceitos;
e) desenvolver a habilidade de resolver problemas;
f) estimular a criatividade;
g) estimular a capacidade de trabalhar em grupos;
h) saber realizar uma pesquisa;
i) fomentar a capacidade de utilizar as tecnologias disponíveis;
j) prover contextos relevantes para os temas da disciplina;
Além disso, analisaremos a seguir as afinidades desse projeto com os
fundamentos teóricos da didática da Estatística, apresentados no capítulo 2, e com a
Estatística Crítica, apresentada no capítulo 3.
6.4.4.1 – As Capacidades
Podemos afirmar que esse projeto de Modelagem Matemática, em si, favoreceu
o desenvolvimento das capacidades de literacia, pensamento e raciocínio estatístico (pp.
54-55, capítulo 2), na medida em que:
a) trabalhamos com dados reais;
b) relacionamos os dados ao contexto em que estão inseridos;
c) os alunos fizeram as interpretações dos resultados;
d) os alunos trabalharam em grupo e puderam criticar e discutir as idéias dos
outros;
e) favorecemos o debate das idéias e dos resultados;
f) promovemos o julgamento sobre a validade das conclusões;
g) compartilhamos as conclusões e as justificativas apresentadas.
Mas também podemos identificar as contribuições do projeto isoladamente para
cada uma das três capacidades.
6.4.4.1.1 – Desenvolvemos a literacia?
Conforme foi visto em nossa fundamentação teórica (GAL, 2000, WATSON, 1997,
RUMSEY, 2002 e outros) desenvolver a literacia estatística significa, entre outras
coisas, dar ênfase a:
•
conhecimento sobre os dados;
•
entendimento de certos conceitos básicos de estatística e sua
terminologia;
•
conhecimento sobre a coleta de dados;
•
habilidade de interpretação, para descrever o que o resultado significa
para o contexto do problema;
•
habilidade de comunicação básica, para explicar os resultados a
outrem.
Nesse projeto, nós trabalhamos o conhecimento e a consciência sobre os dados
ao prover contextos relevantes para os conceitos estatísticos. Nesse sentido, os alunos
puderam perceber por que os dados foram coletados, e o que o estatístico pode fazer
com eles.
O entendimento dos conceitos básicos de estatística também foi trabalhado nesse
projeto, na medida em que não foi dada ênfase à fórmula, ao cálculo, e sim aos
conceitos envolvidos nos assuntos pesquisados. Antes de usar as fórmulas, os estudantes
puderam perceber a utilidade, a necessidade da grandeza estatística que estava sendo
estudada.
Os estudantes puderam, nesse projeto, ter a oportunidade de produzir seus
próprios dados e encontrar os resultados básicos. Isso tende a ajudá-los a tomar as
rédeas de seu próprio aprendizado. Também promovemos a habilidade de tomar a
responsabilidade de resolver seus problemas, como eles terão que fazer em seu
ambiente de trabalho. Além disso, os alunos puderam vivenciar, nesse aspecto, a
problemática da amostragem e da inferência, conceitos que são bastante relevantes para
a Estatística.
É possível até, além de pedir aos estudantes para coletarem os seus dados,
pedir a eles para fazerem eles mesmos as perguntas. Isso os ajuda a descobrir ou
determinar métodos e técnicas por si próprios. Rumsey (2002) destaca o quanto de
matéria ela não precisa ensinar fazendo isso...
As habilidades de interpretação foram trabalhadas quando os estudantes tiveram
que fazer os testes de hipótese para definir se as variáveis estudadas são ou não
relacionadas. Assim, eles puderam vivenciar como um teste de hipótese pode levar a
importantes conclusões acerca da amostra utilizada e, por conseqüência, acerca da
população que está sendo inferida.
Também trabalhamos as habilidades de comunicação oral e escrita, por meio dos
relatórios elaborados pelos grupos e das apresentações feitas para a classe. Sabemos que
enquanto a interpretação mostra o entendimento do próprio estudante em relação às
idéias estatísticas, a comunicação envolve a passagem dessa informação para outra
pessoa, de uma forma que ambas irão entendê-la. Sendo assim, a comunicação torna-se
tão importante quanto a interpretação, além de permitir o desenvolvimento da
habilidade de usar a terminologia estatística para expressar as idéias, condição essencial
da literacia.
Com todas essas condições verificadas nesse projeto, podemos afirmar que ele
contribuiu para o desenvolvimento da literacia estatística nos estudantes.
6.4.4.1.2 – Desenvolvemos o pensamento?
Conforme preconizou Moore (2001), no trabalho com projetos nos quais os
estudantes assumem a responsabilidade de recolher os dados brutos, analisá-los,
interpretá-los e divulgá-los numa apresentação oral, pode-se perceber uma forte
aproximação aos hábitos que desenvolvem o pensamento estatístico. Entre esses
hábitos, destacamos (CHANCE, 2002):
•
consideração sobre como melhor obter dados significantes e relevantes
para responder à questão que se tem em mãos;
•
reflexão constante sobre as variáveis envolvidas e curiosidade por
outras maneiras de examinar os dados e o problema que se tem em
mãos;
•
ver o processo por completo, com constante revisão de cada
componente;
•
ceticismo onipresente sobre a obtenção dos dados;
•
relacionamento constante entre os dados e o contexto do problema, e
interpretação das conclusões em termos não-estatísticos;
•
pensar além do livro-texto.
Nesse projeto, nós debatemos com os alunos as condições para a obtenção dos
dados, discutimos as variáveis envolvidas, trabalhamos o problema por completo, ou
seja, desde a definição de seus contornos até o resultado final, tendo sido tudo feito com
participação efetiva dos alunos, questionamos os processos de obtenção dos dados,
relacionamos sempre os dados ao contexto dos problemas e incentivamos a
interpretação dos mesmos, utilizando terminologia própria da estatística e também por
meio de termos não estatísticos.
Em relação ao pensar além do livro-texto, avaliamos que os alunos o fizeram ao
assumir posicionamentos frente aos temas polêmicos, ao encaminhar discussões sobre
esses temas, inclusive projetando filme e provendo argumentações relevantes. Os
debates que se seguiam às apresentações dos trabalhos foram bastante ricos nesse
aspecto.
Tendo em vista que todos os hábitos acima descritos foram trabalhados nesse
projeto, podemos afirmar que o mesmo contribuiu firmemente para o desenvolvimento
do pensamento estatístico nos estudantes
6.4.4.1.3 – Desenvolvemos raciocínio?
Sabemos que o raciocínio estatístico (GARFIELD, 2002) envolve fazer
interpretações sobre dados, representações gráficas, construção de tabelas etc.. Em
alguns casos, o raciocínio estatístico envolve ainda as idéias de chance ou
probabilidade, distribuição, variabilidade, incerteza, aleatoriedade, amostragem, testes
de hipóteses, o que leva a interpretações e inferências acerca dos resultados.
Vários tipos de raciocínio podem ser identificados (GARFIELD e GAL, 1999),
tais como:
•
raciocínio sobre dados;
•
raciocínio sobre representação dos dados;
•
raciocínio sobre medidas estatísticas;
•
raciocínio sobre incerteza;
•
raciocínio sobre amostras;
•
raciocínio sobre associações.
Nesse projeto, trabalhamos o raciocínio sobre os dados ao trabalhar a
categorização dos dados e identificação das variáveis. Também pudemos observar a
presença do raciocínio sobre a representação dos dados, visto que muitos grupos
construíram gráficos para visualizar os resultados das pesquisas, sendo que esses
gráficos estavam em acordo com o tipo de variável trabalhada. A respeito do raciocínio
sobre medidas, trabalhamos especificamente a grandeza qui-quadrado, mostrando o que
ela estava medindo, o que foi corretamente trabalhado pelos alunos em seus relatórios.
Ao observar os níveis de significância dos testes de hipóteses, incentivamos o raciocínio
sobre a incerteza. Ao realizar as amostragens e inferências, relacionando os resultados
obtidos com a população estudada, estivemos promovendo o raciocínio sobre amostras.
Por fim, o raciocínio sobre associações pôde ser observado com base nos julgamentos e
interpretações que os alunos fizeram acerca da independência ou da associação entre as
variáveis estudadas.
Embora reconheçamos que a capacidade de raciocínio estatístico não se revela
de forma objetiva nos estudantes, nós entendemos que os processos e atitudes que foram
observados nesse projeto contribuíram consistentemente para o seu desenvolvimento,
conforme pudemos justificar acima.
6.4.4.2 – A Estatística Crítica
Esse projeto tem também por objetivo desenvolver a idéia da Estatística Crítica
como estratégia pedagógica para a sala de aula. Dentre os seus preceitos, destacamos
alguns que pudemos vivenciar ao longo da execução do projeto:
•
Problematizamos o ensino (FREIRE, 1970, GIROUX, 1997,
SKOVSMOSE, 2004), trabalhamos a Estatística por meio de um
projeto (SKOVSMOSE, 2004), valendo-nos dos princípios da
modelagem matemática.
•
Permitimos aos alunos que trabalhassem individualmente e em grupos.
•
Utilizamos exemplos reais, trabalhamos com dados reais, sempre
contextualizados dentro de uma realidade condizente com a realidade
do aluno.
•
Favorecemos e incentivamos o debate e o diálogo entre os alunos e
com o professor (ALRØ e SKOVSMOSE, 2006, GIROUX, 1997,
FREIRE, 1983).
•
Desierarquizamos o ambiente de sala de aula ao assumirmos uma
postura
democrática
de
trabalho
pedagógico,
delegando
responsabilidades aos alunos (GIROUX, 1997 e SKOVSMOSE, 2004).
•
Incentivamos os alunos a analisar e interpretar os resultados,
valorizamos a escrita e as apresentações orais, ou seja, conforme
Giroux (1997), demos voz aos estudantes.
•
Tematizamos o ensino, ou seja, privilegiamos o debate de questões
sociais e políticas relacionadas ao contexto real de vida dos alunos,
atendendo ao argumento social de democratização do ensino
(SKOVSMOSE, 2004).
•
Promovemos julgamentos sobre a validade das idéias e das conclusões,
ou seja, praticamos o conhecimento reflexivo (SKOVSMOSE, 2004).
•
Fomentamos a criticidade e cobramos dos alunos o seu posicionamento
perante os questionamentos levantados nos debates, compartilhando
com a classe suas justificativas e conclusões (novamente o
conhecimento reflexivo).
•
Propusemo-nos a preparar o aluno para interpretar o mundo, praticando
o discurso da responsabilidade social, incentivando a liberdade
individual e a justiça social, engajando os alunos numa missão maior
de aperfeiçoar a sociedade em que vivem (FREIRE, 1979, GIROUX,
1997).
•
Utilizamos bases tecnológicas no ensino, valorizamos e desenvolvemos
competências de caráter instrumental para o aluno que vive numa
sociedade eminentemente tecnológica (SKOVSMOSE, 2004).
•
Valorizamos o conhecimento reflexivo para o desenvolvimento de uma
consciência crítica sobre o papel da Estatística no contexto social e
político no qual o estudante se encontra inserido (SKOVSMOSE,
2004).
•
Adotamos um ritmo flexível para o desenvolvimento dos temas, em
concordância com a democratização do ambiente de ensino (GIROUX,
1997, e SKOVSMOSE, 2004).
Além disso, queremos enfatizar que esse projeto foi executado dentro dos
princípios básicos que delineamos para a Educação Estatística Crítica, (identificados nas
pp. 107-108), dentre os quais destacamos:
•
Contextualizar os dados do problema utilizando dados reais.
•
Incentivar a interpretação e análise dos resultados obtidos.
•
Socializar o tema, ou seja, inseri-lo num contexto político/social, e
promover debates sobre as questões levantadas.
Dessa forma, evidenciamos nosso engajamento como professores e
pesquisadores nessa prática de educação que se desenvolve acompanhada do objetivo
maior de desenvolver a criticidade e o engajamento dos estudantes nas questões
políticas e sociais relevantes para a sua realidade como cidadão humanizado e
desalienado, que vive numa sociedade democrática e que luta por justiça social.
Conclusão
Antes de tecermos nossa análise sobre a problemática tratada neste trabalho de
pesquisa, gostaríamos de explicitar nossa visão sobre o nosso trabalho como professor e
como pesquisador. Em momento algum enfrentamos conflitos por assumir essas duas
posições e podemos afirmar que, em ambos os aspectos, experimentamos um
crescimento e uma valorização grandes, tanto no lado pessoal como profissional. Não
colhemos prejuízos nem por um lado tampouco pelo outro, de forma que hoje podemos
enxergar tal prática como dois lados de uma mesma moeda, ou seja, duas faces de um
mesmo ser. O ser professor e o ser pesquisador se completam e se contrapõem
harmonicamente, constituindo o ser educador que constrói a pesquisa e dela se alimenta
para devolver aos alunos o produto ensino em uma forma mais dignificante e
responsável. Dessa maneira, pudemos colher o produto aprendizagem com um
significado especial, com um gosto de vitória, quase como se fôssemos um atleta de
uma maratona ao enxergar a fita do final do percurso, cientes da conquista que
representa o ensinar e o aprender, mas também cientes de que a jornada da educação
continua e que novos olhares e novos fazeres continuarão a nos nortear e a nos convidar
a empreender outros desafios.
Nosso objeto de discussão aqui é a Educação Estatística. O ensino e a
aprendizagem dessa disciplina nos cursos de graduação no Brasil e nos demais países do
mundo em geral encontram severas dificuldades. Constatamos isso por meio de nossa
própria experiência e pelas várias citações que encontramos em publicações relevantes
do exterior sobre o tema. Entretanto, nosso trabalho de investigação e nossa prática de
sala de aula nos levam a crer que esses problemas podem ser enfrentados com sucesso
pelos educadores. Um dos objetivos deste trabalho é demonstrar como esse sucesso
pode ser obtido, como é possível fazer a conjugação das teorias didáticas com o dia-adia da sala de aula, enfrentando e superando as tantas dificuldades que a essa
empreitada se apresentem.
Procuramos, neste trabalho, integrar algumas idéias, algumas visões de educação
que a princípio se manifestavam isoladas. Primeiramente, levantamos os fundamentos
teóricos da didática da Estatística, com base em uma pesquisa bibliográfica na qual se
destacam as obras de Rumsey (2002), Garfield (2002), Chance (2002), delMas (2002),
Batanero (2001) e outros, e assim delineamos as principais características do ensino
dessa disciplina, bem como apresentamos as chamadas capacidades a serem
desenvolvidas nos estudantes. Com o objetivo de construir estratégias pedagógicas
voltadas ao intuito de promover um ensino baseado nesses fundamentos teóricos,
estudamos os preceitos da Modelagem Matemática e suas formas de trabalhar a
educação por meio de projetos pedagógicos, com base principalmente nas obras de
D’Ambrosio (1991), Bassanezi (2004) e Biembengut & Hein (2003). Paralelamente,
observamos que os princípios da Educação Crítica e da Educação Matemática Crítica,
conforme os estudos de Freire (1965, 1970, 1974, 1979, 1983), Giroux (1997) e
Skovsmose (2001, 2004, 2005), complementam essas estratégias pedagógicas,
conduzindo a própria Educação Estatística a um enfoque diferenciado e integrador
dessas idéias. Por fim, conduzimos dois projetos pedagógicos que tinham por objetivo
levar a cabo essa integração, enfrentando a problemática do ensino/aprendizagem de
Estatística de forma a fazer uma conjugação entre teoria e prática, direcionando o foco
para o aluno e visando a maximizar as potencialidades da utilização desses preceitos
integradores.
•
Questões Centrais
No início deste trabalho estabelecemos algumas questões centrais que nortearam
nossa pesquisa, e passaremos agora a verificar se ao longo deste estudo conseguimos
atingir as respostas a tais questionamentos.
a) Quais são os principais aspectos que norteiam a Educação Estatística e que
podem servir de base para uma definição dos Fundamentos Teóricos da Didática
da Estatística?
Vimos no capítulo 2 que o planejamento do ensino de Estatística deve observar o
desenvolvimento de três importantes competências, quais sejam, a literacia, o raciocínio
e o pensamento estatístico, sem as quais não seria possível aprender (ou apreender) os
conceitos fundamentais dessa disciplina. Além de identificarmos essas competências,
apresentamos as idéias dos pesquisadores sobre como desenvolvê-las num processo
integrado e complementar, ou seja, como trabalhá-las isoladamente e em conjunto.
Apresentamos a literacia como a habilidade de argumentar usando corretamente
a terminologia estatística, interpretar e avaliar criticamente as informações estatísticas e
a compreender o texto e o significado das informações estatísticas inseridas em seu
contexto. A literacia se manifesta como competência nos estudantes quando eles
demonstram a habilidade de entender os termos, idéias e técnicas estatísticas,
apresentam domínio sobre o processo de coleta dos dados e a geração de estatísticas
descritivas, apresentam habilidade de interpretação das informações estatísticas para
corretamente descrever o que o resultado significa no contexto do problema, e, além
disso, são capazes de promover um processo de comunicação das idéias estatísticas,
explicando coerentemente suas idéias e seus resultados. Para desenvolver essa
competência, vimos que primeiramente deve ser dado aos estudantes a oportunidade de
produzir seus próprios dados. Além disso, o professor deve estar consciente de que o
entendimento dos conceitos básicos de Estatística deve preceder o cálculo. Outro
aspecto importante é prover contextos relevantes para as idéias apresentadas em classe.
Também é necessário que os alunos sejam expostos a situações nas quais têm de
explicar seus resultados para convencer outras pessoas das suas idéias de maneira oral
ou escrita. Por último, para desenvolver a literacia, os estudantes precisam aprender a
usar a Estatística como evidência nos argumentos encontrados em sua vida diária como
trabalhadores, consumidores ou cidadãos, de forma que o ensino da Estatística, com
base em assuntos do dia-a-dia, tende a melhorar essa necessária base de argumentação
dos estudantes.
Já o pensamento estatístico foi apresentado como a capacidade de relacionar
dados quantitativos com situações concretas, explicitando-se o que os dados dizem
sobre o problema, associando os modelos matemáticos à natureza contextual em que se
envolvem. Essa capacidade é desenvolvida nos estudantes quando se pondera sobre
como melhor obter os dados, quando se faz uma reflexão sobre as variáveis envolvidas,
quando se enxerga o processo por completo, globalmente, demonstrando sempre um
certo ceticismo sobre a obtenção dos dados, relacionando constantemente os dados ao
contexto do problema, interpretando as conclusões também em termos não estatísticos
e, por fim, pensando além do livro-texto.
Quanto ao raciocínio estatístico, vimos que ele se manifesta de diversas formas,
tais como o raciocínio sobre os dados e sua representação, raciocínio sobre as medidas
estatísticas, sobre a incerteza, a probabilidade e a aleatoriedade, raciocínio sobre
amostras e amostragens e o raciocínio sobre associações, que tem a ver com o
julgamento e a interpretação das relações entre as variáveis envolvidas no contexto do
problema.
Vimos que o foco do contexto dessas capacidades se volta para a maneira como
se pode desenvolvê-las nos estudantes. A idéia principal é reconhecer como os
professores podem atuar junto aos estudantes de modo a favorecer a vivência dessas
capacidades, possibilitando assim a construção e o desenvolvimento contínuo delas.
Para tanto, pode-se inferir que os professores devem trabalhar com dados reais,
relacionar os dados ao contexto em que estão inseridos, orientar os alunos para
interpretar os resultados, permitir que os estudantes trabalhem em grupo e critiquem as
interpretações uns dos outros, promover julgamentos sobre as conclusões, avaliar
constantemente o desenvolvimento dessas três capacidades e promover a triangulação
entre os objetivos, as atividades e a avaliação.
Destacamos também as metas a serem perseguidas no ensino de estatística, quais
sejam, entender o propósito e a lógica das pesquisas estatísticas, entender a natureza do
processo de pesquisa, incluindo como, quando e por que as ferramentas estatísticas são
usadas, desenvolver habilidade de organizar os dados em gráficos e tabelas, inclusive
utilizando os recursos da informática, compreender formal e intuitivamente as idéias
matemáticas envolvidas, entender os conceitos relacionados à probabilidade e à
incerteza que aparecem no cotidiano, ser capaz de interpretar os resultados e assumir
uma postura crítica e reflexiva sobre os argumentos estatísticos e, por fim, desenvolver
a habilidade de se comunicar estatisticamente, usando terminologia específica da
Estatística.
Dessa forma, com essas informações que obtivemos por meio de extensa
pesquisa bibliográfica, pudemos definir os fatores, as idéias básicas que compõem os
Fundamentos Teóricos da Didática da Estatística.
b) É possível trabalhar esses aspectos em consonância com a estratégia pedagógica
da Modelagem Matemática, promovendo atividades educacionais na forma de
projetos de ensino?
Vimos no capítulo 3 que uma das principais características da Modelagem
Matemática é promover a ligação entre a Matemática e a realidade. Essa conexão é feita
interativamente, usando-se os processos matemáticos conhecidos, com o objetivo de
estudar, analisar, explicar, prever situações da vida cotidiana que nos cercam. A
Estatística está repleta de oportunidades de aplicação dos seus conteúdos em situações
reais, concretas, que podem, então, ser trabalhadas por meio da modelagem.
Além disso, a Modelagem Matemática provoca reflexão e ação sobre a
realidade. Ao se empreender esforços para explicar, entender, manejar um recorte da
realidade, obtém-se o modelo e passa-se à reflexão sobre o mesmo. Essa reflexão leva à
ação, quando se promove a solução do problema e se valida o seu resultado.
A modelagem também se apresenta como uma forma de despertar, nos
estudantes, o interesse pela disciplina, na medida em que eles têm a oportunidade de
estudar por meio de projetos que têm aplicação concreta e que valorizam o seu senso
crítico.
Definimos os objetivos da Modelagem Matemática aplicada à Estatística, que
são: aproximar a Estatística de outras áreas de conhecimento; salientar a importância da
Estatística para a formação do aluno; usar a aplicabilidade da Estatística para fomentar o
interesse pela disciplina; melhorar a apreensão dos conceitos estatísticos; desenvolver a
habilidade para resolver problemas; estimular a criatividade. Nesse sentido, os projetos
de modelagem devem observar: a realidade dos alunos, seus interesses e metas; o nível
de conhecimento estatístico que eles possuem; a disponibilidade dos alunos para o
trabalho extraclasse; o número de alunos e de grupos de trabalho a serem formados; o
programa da disciplina e a carga horária necessária.
Todas essas considerações se mostram concordantes com os objetivos da
Educação Estatística, principalmente no que tange ao desenvolvimento das habilidades
de raciocínio e pensamento estatístico, visto que pressupõem o trabalho com situações
reais que estimulam a investigação, formulação de problemas, explorações, descobertas,
interpretação e reflexão. Também em relação à literacia estatística, vemos que a
modelagem incentiva seu desenvolvimento, pois trabalhar a Estatística com base em
assuntos do dia-a-dia tende a melhorar a base de argumentação dos estudantes e, além
disso, pode aumentar o valor e a importância que eles dão a essa disciplina.
Como vimos na abordagem da primeira questão central, os projetos de
modelagem vão favorecer o desenvolvimento das capacidades de pensamento,
raciocínio e literacia, pois trabalham com dados reais, relacionam os dados ao contexto
em que estão inseridos, levam os alunos a interpretar os resultados, permitem que os
estudantes trabalhem em grupo e critiquem as interpretações uns dos outros, além de
promover julgamentos sobre as conclusões quando realizam a validação do modelo.
Dessa forma, concluímos que os objetivos da Modelagem Matemática se
conjugam com os objetivos da Educação Estatística, e assim podemos dizer que essa
estratégia pedagógica se mostra pertinente ao trabalho didático, que visa a desenvolver
as capacidades estatísticas distinguidas pela Fundamentação Teórica que levantamos
nesta pesquisa. A Modelagem Matemática aplicada à Educação Estatística se constitui,
assim, em uma forma eficiente de se passar da teoria à prática, de se aplicar em sala de
aula os conceitos didáticos importantes para o aprendizado da Estatística.
c) Os preceitos da Educação Crítica e da Educação Matemática Crítica podem ser
ligados aos Fundamentos Teóricos da Didática da Estatística na composição
desses projetos pedagógicos?
Conforme estudamos no capítulo 4, o conhecimento tem uma função social que
vai além da idéia de dominar uma certa disciplina acadêmica. Segundo a visão da
Educação Crítica, os professores devem criar condições para que os estudantes
reconheçam a importância da aplicação sócio-política do conhecimento. Para isso, é
necessário tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico. Isso quer
dizer inserir a escolarização diretamente na esfera política, num ambiente no qual a
reflexão e a ação críticas se tornam parte do projeto social fundamental de propiciar aos
estudantes o desenvolvimento de uma crença na idéia de que é possível superar as
injustiças econômicas, políticas e sociais, e, assim, tornarem-se mais humanizados.
Significa também valer-se de estratégias pedagógicas que incorporem interesses
políticos de cunho emancipador, ou seja, tratar os estudantes como agentes críticos. Para
isso, é necessário tornar o conhecimento problemático, utilizar um diálogo crítico e
afirmativo e argumentar a favor de um mundo qualitativamente melhor para todas as
pessoas. É preciso também oferecer aos estudantes uma forma de olhar para fora de suas
vidas particulares, para obter assim uma compreensão mais clara das bases políticas,
sociais e econômicas da sociedade em que vivem. Para tanto, os professores precisam
assumir seriamente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa em suas experiências
de aprendizagem, combinando a reflexão e a prática acadêmica em favor da educação
dos estudantes, para que eles assumam a condição de cidadãos reflexivos e ativos.
A Educação Crítica é democrática, ou seja, ela preconiza a conjugação de
materiais curriculares e atitudes em sala de aula que compensem as características
antidemocráticas do sistema de ensino tradicional. Além disso, a educação social
manifesta a necessidade de desenvolvimento nos estudantes de valores que incluem um
respeito pelo compromisso ético, a solidariedade de grupo e a responsabilidade social.
Para tanto, vimos que o trabalho em grupo representa uma das formas mais eficazes de
se desfazer o papel manipulador tradicional do professor; proporcionando aos
estudantes a experiência de aprender uns com os outros, valorizando o diálogo, a
cooperação e a sociabilidade, além de oferecer aos estudantes contextos sociais que
tendem a valorizar as referidas responsabilidade social e solidariedade de grupo. Nesse
trabalho em grupo, os estudantes devem ter a oportunidade de desenvolver seu ritmo
próprio de aprendizagem e devem ser incentivados a desenvolver a escrita, pois essa
estratégia pode ser usada como suporte para ajudar os estudantes a aprender e pensar
criticamente a respeito de qualquer assunto.
Vimos também que uma forma de pôr em prática essas idéias é por meio do
trabalho com projetos, num sentido coletivo, valorizando a articulação entre a teoria e a
prática, rompendo com os limites arbitrários e artificiais estabelecidos pelas disciplinas
e incentivando programas e atividades interdisciplinares.
Desenvolver uma Educação Matemática Crítica significa proporcionar aos
estudantes, além da habilidade de lidar com noções matemáticas, a habilidade de aplicar
essas noções em diferentes contextos e a capacidade de refletir sobre essas aplicações,
exercendo uma cidadania crítica, desenvolvida com base no diálogo que favorece uma
aprendizagem significativa, política e democrática.
Em suma, a idéia da Educação Crítica é promover uma educação
problematizadora, estimular a criatividade e a reflexão do aluno, permitindo a inserção
crítica do estudante na realidade em que vive, desvelando essa realidade para uma
melhor compreensão do mundo ao qual ele não só observa, mas participa, valorizar os
aspectos sócio-políticos, democratizar o ensino, promover a desierarquização entre
educandos e educadores, valorizar o trabalho em grupo, colaborativo, sem
subordinação, desenvolver os relacionamentos sociais, combater as posturas alienantes
dos alunos, defender a ética e a justiça social, promover o diálogo, a liberdade
individual e a responsabilidade social dos estudantes.
Essas idéias estão em conformidade com os Fundamentos Teóricos da Educação
Estatística, pois, como vimos, segundo essa teoria, uma condição básica para um
trabalho pedagogicamente significativo é a contextualização dos dados, que devem
provir de pesquisas reais, preferencialmente colhidos pelos próprios alunos.
Mencionamos também que os exercícios devem tratar de assuntos relevantes para os
alunos, ligados ao seu cotidiano ou à sua formação profissional. Vemos aí uma ligação
com as idéias de problematização e de construção de modelos, bem como uma
aproximação ao conhecimento tecnológico, necessário para compor uma competência
democrática. Também podemos destacar o engajamento dos projetos de Modelagem
Estatística com os aspectos políticos, econômicos e sociais que compõem a vida dos
estudantes, indo além dos objetivos da própria Estatística e valorizando a
interdisciplinaridade.
Assim, concluímos que há uma significante conjugação de objetivos entre a
Educação Crítica, a Modelagem Matemática e os Fundamentos Teóricos da Educação
Estatística, convergindo para o trabalho com projetos de ensino que estimulam,
valorizam e desenvolvem todos esses aspectos comuns.
•
Síntese das análises
Nos dois projetos que empreendemos neste trabalho de pesquisa, pudemos
vivenciar a integração dos preceitos da Educação Estatística com as idéias da Educação
Crítica, por meio da estratégia da Modelagem Matemática.
A modelagem se fez presente em suas três etapas, quais sejam:
(iv) Interação: quando construímos o referencial teórico sobre os conteúdos
estatísticos abordados nos projetos.
(v)
Matematização: quando formulamos os problemas, definimos as variáveis e os
alunos efetuaram as pesquisas e resolveram os problemas.
(vi) Interpretação e Validação: quando fizemos as apresentações e os debates,
quando os alunos redigiram seus relatórios e quando discutimos os critérios
adotados para a resolução dos problemas.
A construção e o desenvolvimento das capacidades de literacia, pensamento e
raciocínio estatísticos foram estimulados na realização dos projetos, na medida em que:
f) trabalhamos com dados reais, obtidos pelos próprios alunos;
g) relacionamos dados ao contexto em que estão inseridos;
h) demandou-se a interpretação e a análise dos resultados;
i) os alunos realizaram apresentações orais e escritas (relatórios) de seus trabalhos;
j) favorecemos os debates, discussões e o diálogo com o trabalho em grupo;
k) promovemos a validação dos modelos obtidos.
As análises efetuadas nos capítulos 5 e 6 mostraram que os projetos propiciaram
avanço no desenvolvimento das capacidades em alguns grupos, principalmente quando
eles puderam ser capazes de ir além do que foi pedido ou ir além do que era esperado,
obtendo informações e tomando atitudes que não foram previamente orientadas. Da
mesma forma, outros grupos se mostraram despreparados para realizar plenamente as
atividades planejadas, essencialmente por estarem acostumados a um tratamento mais
assistencialista do professor, mais tradicional, mais acomodado. Notamos grupos de
alunos com dificuldades em tomar decisões, em decidir estratégias, sempre solicitando a
presença do professor e mostrando insegurança quanto aos caminhos a serem
percorridos. Mas, mesmo nesses alunos, acostumados a serem guiados e não a guiaremse por si próprios, pudemos observar que os projetos trouxeram a oportunidade de
conviver com um maneira diferente de encarar o sistema de aprendizagem. Ao longo
dos projetos, notamos que, aos poucos, os alunos foram percebendo que os conteúdos
não seriam mais depositados em suas cabeças, teriam que ser buscados e que essa busca
só teria sucesso com uma grande carga de iniciativa própria, de discussão e diálogo com
os colegas e com o professor. Foi com entusiasmo que pudemos perceber esses alunos
caminhando por suas próprias pernas, inseguros como um bebê quando aprende a andar,
mas aos poucos se tornando confiantes em suas próprias capacidades.
Da mesma forma, pudemos vivenciar, em ambos os projetos, a presença da
Educação Crítica, na medida em que promovemos:
i.
a problematização e a tematização do ensino com o incentivo a atividades que
possibilitaram o debate de questões sociais e políticas adjacentes ao conteúdo,
relacionadas ao contexto real de vida dos alunos;
ii.
o trabalho com dados reais, sempre contextualizados, dentro de uma situação
condizente com a realidade do aluno;
iii. estímulo ao debate e ao diálogo entre os alunos e com o professor;
iv. desierarquização e democratização do ambiente pedagógico da sala de aula;
v.
incentivo às apresentações orais e escritas, com análise e interpretação dos
resultados;
vi.
valorização da capacidade crítica dos alunos, com a cobrança de posicionamento
deles perante aos questionamentos levantados nos debates;
vii.
preparação do aluno para interpretar o mundo, praticar o discurso da
responsabilidade social e a linguagem crítica, incentivando a liberdade
individual, a ética e a justiça social;
viii.
valorização do conhecimento reflexivo em conjunto com o conhecimento
tecnológico, para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o papel da
Estatística no contexto social e político no qual o estudante está inserido;
Com essa integração, apresentamos a Educação Estatística Crítica, que emerge
justamente na vivência pedagógica que representamos no diagrama a seguir:
Educação
Crítica
Educação
Estatística
Modelagem
Figura 7.1- Esquematização da Educação Estatística Crítica
•
Considerações Finais
Ao efetuarmos a aproximação dos Fundamentos Teóricos da Educação
Estatística com a Modelagem Matemática e com a Educação Crítica por meio do
desenvolvimento dos dois projetos pedagógicos apresentados nos capítulos 5 e 6,
obtivemos sucesso não somente em relação aos objetivos já mencionados, mas também
no que se refere à motivação dos estudantes para o estudo da Estatística.
Esses projetos foram concebidos junto à demanda dos alunos por assuntos de seu
interesse, aplicados a aspectos concretos e ligados a questões importantes para sua vida
pessoal e profissional. Entretanto, temos o dever de comunicar aqui que essas idéias que
deram origem aos projetos não foram fruto de extensas horas de estudo e reflexão nem
de experiências didáticas miraculosas. Nosso ponto de partida foram as atividades
propostas por Smith (1998), que nos apresenta, em sua obra, vinte projetos de ensino
que demandam que os estudantes obtenham seus próprios dados, trabalhem em grupo
etc.. Ao experimentarmos esses projetos, pudemos constatar a postura de
comprometimento dos estudantes em sua realização, pudemos perceber a importância
de dar aos alunos a oportunidade de construir sua pesquisa, obter os dados, redigir um
relatório, organizar e efetuar uma apresentação para os colegas. Concomitante a esse
fato, aprofundamos nosso interesse pelos fundamentos da Educação Crítica e acabamos
nos sensibilizando com suas propostas. Podemos dizer que as idéias da Educação
Crítica nos tomaram de assalto e, mesmo sem querer, passamos a operar suas noções
mais primárias. De maneira crescente, fomos abraçando a sua causa, e foi então que
pudemos tornar concreta a sua convergência com os Fundamentos da Educação
Estatística.
Nesta pesquisa, ao colocarmos em prática os projetos, foi com imensa satisfação
que pudemos vivenciar a emergência de uma nova idéia, que aqui nomeamos de
Estatística Crítica. Procuramos descrever sua base teórica, seus fundamentos, no
capítulo 4, e sua viabilidade prática pôde ser obtida por meio dos projetos que aqui
descrevemos. Todos os aspectos apontados nas páginas 106 a 110 foram trabalhados
nos projetos, inclusive a desmistificação do processo de avaliação, pois ao longo da
execução de ambos os projetos foi democraticamente debatido com os alunos como,
quando e quanto dos trabalhos seria levado em consideração para compor a nota dos
alunos.
Seria grande a satisfação se percebêssemos que outros profissionais da área de
Educação Estatística pudessem investir esforços nessa nova idéia e/ou experimentá-la
em outras situações, pois temos a convicção de que assim o fizemos com o firme
propósito de tornar a Educação Estatística mais significativa, mais eficiente, responsável
e democrática. Observamos também, por que não dizer, que tal abordagem tornou o
trabalho do professor mais dignificante e, pelo lado do aluno, tornou o processo
educativo mais agradável, desafiador e recompensador.
Acreditamos que, com esses projetos, ajudamos os estudantes a desenvolver uma
consciência crítica, ética, política, engajada na luta pela solução dos problemas sociais
que os envolvem, e assim, contribuímos para melhorar o sistema de ensino, pois, como
vimos no capítulo 4, a avaliação de um sistema educacional pode ser feita pela
qualidade moral e política dos estudantes que produz.
Ao chegar ao final deste trabalho, também devemos destacar alguns pontos que
não foram contemplados nos projetos e/ou nas análises:
a) Avaliação
Não discutimos aqui as possibilidades de se promover uma avaliação contínua
do desenvolvimento das capacidades de literacia, pensamento e raciocínio estatístico.
Também não nos preocupamos em inserir a idéia de avaliação ao contexto dos projetos.
Com base nos preceitos da Educação Crítica, promovemos o diálogo com os alunos e
discutimos os critérios de avaliação dos projetos, o que já representa um avanço, mas
não nos aprofundamos na metodologia de avaliação, ou seja, não nos foi possível
avançar nesse conceito pedagógico que entendemos ser bastante importante.
b) O nível das competências
Não pudemos avaliar, em nossos projetos, o nível dos alunos em relação às
competências estabelecidas pelos Fundamentos Teóricos da Educação Estatística, ou
seja, a literacia, o pensamento estatístico e o raciocínio estatístico. Também não
procedemos à identificação dos tipos de raciocínio demonstrados pelos estudantes.
Entendemos que esta questão seria de grande importância para que pudéssemos
entender melhor os erros que os alunos cometeram no desenvolvimento das atividades
dos projetos.
Assim, entendemos que nosso trabalho não encerra o assunto aqui abordado,
mas deixa lacunas a serem preenchidas por novas pesquisas, na medida em que os temas
aqui tratados forem considerados relevantes pela comunidade acadêmica representada
pelos
educadores
estatísticos.
Entretanto,
acreditamos
que
avançamos
significativamente no enfrentamento dos problemas e dificuldades do ensino e
aprendizagem de Estatística nos cursos de graduação, o que nos deixa orgulhosos e com
o sentimento de dever cumprido.
Encerramos este trabalho com o comentário da aluna Carina, feito a propósito do
Projeto 1:
Enfrentamos muitas dificuldades. A última delas foi a nossa própria
interação, pois trabalhar em equipe não é fácil, são pessoas e opiniões
diferentes, tivemos que ceder muitas vezes. Mas desde a escolha das
empresas, os cálculos, as compras e vendas, tudo foi de grande
descoberta. A cada movimentação que efetuávamos, imaginávamos
que era tudo real. Foi de grande entusiasmo!
Fazemos nossas as palavras da aluna: enfrentamos muitas dificuldades, tivemos
que ceder muitas vezes, mas tudo foi de grande descoberta, foi de grande entusiasmo!
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Anexo 1: Relatório
No dia 06/05/2005 foi realizada, no auditório principal da FICS63, a mesa-redonda sobre
o tema Mercado de Capitais: Estratégias de Investimento, que contou com a
participação dos seguintes debatedores: Prof. Aurélio Hess, Prof. Celso R. Campos e
Engo Renato O. Fraga.
O público convidado para assistir aos debates foi composto pelos alunos dos cursos de
graduação em Ciências Econômicas e em Administração de Empresas da referida
instituição.
Segue abaixo um resumo do que foi apresentado pelos três palestrantes.
Prof. Aurélio Hess
O professor abriu sua palestra apresentando aos ouvintes o conceito de Mercado de
Capitais, relacionando-o ao Mercado Acionário Brasileiro. Ele procurou abordar as
seguintes questões:
O que é o Mercado de Capitais?
Para que serve o Mercado de Capitais?
Para quem é bom e para quem é ruim o Mercado de Capitais?
Como posso acessar o Mercado de Capitais?
Como posso obter informações sobre o Mercado de Capitais?
Em seguida, o professor mostrou como oscilam os investimentos em fundos de renda
fixa e em fundos de ações, abordando os preços das ações e os efeitos de sobre-reação.
Em seguida, o prof. Aurélio mostrou que o conceito de volatilidade está relacionado à
variabilidade do valor da ação e à sua sensibilidade, ou vulnerabilidade, a determinados
eventos. Ele explicou que as "ações de alta volatilidade" são aquelas que sofrem maior
impacto em seu valor a cada novo acontecimento relevante e as "ações de baixa
volatilidade" são aquelas que sofrem pequeno impacto em seu valor.
63
Faculdades Integradas Campos Salles
Na seqüência, o professor definiu o risco – que é a variabilidade do retorno – e
enumerou os riscos que os investidores assumem ao investir no Mercado de Capitais,
que são:
Necessidade financeira em momento desfavorável.
Risco do negócio.
Mercado.
País.
Risco mundo.
Fraudes.
Paralelamente ao risco, o professor explicou os ganhos que se pode obter no referido
mercado, que são:
Dividendos
JSCP
Bonificação
Subscrição de ações
Ganhos de capital
Para investir no Mercado de Capitais, o professor recomendou que um estudo
combinado de indicadores fundamentalistas e grafistas mais importantes. Os
indicadores fundamentalistas apontam quais os papéis ideais para investimento e os
indicadores técnicos ou gráficos indicam quando é hora certa para comprar ou vender os
papéis.
Focando na análise fundamentalista, o prof. mostrou que a avaliação das melhores
opções de investimento deve levar em conta os seguintes aspectos:
PayBack do investimento na empresa.
Subvalorização ou supervalorização dos preços das ações da empresa.
Características de distribuição de lucros da empresa.
Margem de lucro.
Rentabilidade.
Endividamento.
Estratégias de crescimento e modernização.
Maiores investidores e investidores controladores.
Panorama do mercado.
Outros.
Em seguida o professor explicou como eleger os indicadores mais importantes e como
acessá-los. Finalizando sua apresentação, o professor Aurélio Hess falou sobre os
seguintes tópicos:
O que é a Bolsa de Valores
O que são as corretoras de Valores
O que é After Market
O que é Home broker
O que é day-trade
Como funciona a Bolsa de Valores
Prof. Celso Ribeiro Campos
A palestra do professor Celso iniciou-se com uma breve exposição sobre o conceito
estatístico de probabilidade e o prof. fez uma alusão ao jogo, para exemplificar o risco
que se submete ao investir no Mercado de Capitais.
Em seguida, o professor passou a focar as estratégias de investimento ligadas à análise
grafista, ou seja, como a estatística e os números podem atuar em favor do investidor do
Mercado de Capitais.
Inicialmente, o professor explicou o conceito de retorno e mostrou como calcular a taxa
de retorno de um ativo financeiro. Em seguida, o prof. explicou que não se pode tomar
como base um valor único de retorno, mas sim deve-se fazer um estudo histórico do
valor do ativo financeiro e então calcular o retorno em períodos fixos, sendo o mais
comum o diário. Com uma série histórica de retornos, pode-se calcular a média
aritmética desses retornos, que é o que se chama de retorno esperado de um ativo
financeiro.
Continuando, o professor Celso falou sobre o risco dos ativos financeiros, e apresentou
a definição estatística desse risco, como sendo o desvio-padrão dos retornos, ou seja, o
risco estatístico de uma ação é representado pela variabilidade dessa ação ao longo de
uma série histórica. Foi explicado então, como calcular esse risco, mediante o uso de
uma fórmula do desvio-padrão para dados brutos.
Os investidores, segundo o professor Celso, não compram um ativo apenas, mas
constituem um conjunto de ativos para seu investimento, o que costuma se chamar de
‘carteira de ativos’. Assim, o professor explicou como calcular o retorno esperado de
uma carteira, ponderando cada retorno individual pela proporção do capital nele
aplicado.
Em seguida, o professor destacou que:
Um ativo ideal seria aquele com valor de retorno alto e risco baixo.
Essa relação em geral não ocorre, ou seja, a tendência é que os ativos com alto
retorno apresentem também alto risco.
Os fundos de renda fixa oferecidos pelas instituições bancárias podem ser
considerados ativos de risco muito baixo.
O professor disse que uma dica importante é evitar compor uma carteira com empresas
que atuem num mesmo segmento do mercado, pois existe tendência a haver forte
correlação positiva entre esses ativos, o que não é recomendável. A composição mais
recomendável para se minimizar o risco é compor carteiras com ativos de correlação
negativa, que tende a minimizar o risco do investimento.
Como exemplo, o professor apresentou uma pequena série histórica do ativo Bradesco
PN e mostrou o cálculo do risco e do retorno desse ativo.
Explicando que o cálculo do risco/retorno de um ativo ajuda a decidir se vale a pena
investir nele, o professor mostrou que, a decisão sobre o momento de se fazer a compra
ou a venda do ativo podem ser facilitados com uma regressão econométrica:
De posse de uma série histórica dos valores de fechamento de um ativo
qualquer, pode-se determinar a reta/curva ideal de regressão para esse ativo.
As formas funcionais mais utilizadas para esse fim são: linear, logarítmica,
exponencial, hiperbólica, quadrática e logística.
Em modelos com apenas uma variável explicativa, a forma funcional mais
adequada pode ser escolhida em função da magnitude do coeficiente de
determinação (R2) e da estatística F.
As funções de regressão e as estatísticas de avaliação (R2 e F) podem ser obtidas
com auxílio do aplicativo Excel, acessando as opções Ferramentas Análise
de Dados Regressão.
Com a regressão pronta, usa-se a função matemática para efetuar decisões de
comprar ou vender ações do ativo analisado. Seja um instante t, no qual o ativo i
apresenta um preço Si(t):
I) Se Si(t) for menor do que o valor do ativo calculado pela forma funcional de
regressão, recomenda-se a compra desse ativo.
II) Se Si(t) for maior do que o valor do ativo calculado pela forma funcional de
regressão, recomenda-se a venda desse ativo.
O professor esclareceu que a regressão econométrica não influencia a decisão de
investir ou não em um certo ativo. Ela apenas auxilia na movimentação das contas de
investimento e na percepção do melhor momento para comprar ou vender um ativo em
carteira. Usando o exemplo do ativo Bradesco PN, o professor fez a regressão
econométrica e procedeu a uma simulação de decisão para compra ou venda do ativo,
encerrando assim a sua palestra.
Engo Renato Oliveira Fraga
O engenheiro Renato, que é um estudioso e investidor do Mercado de Capitais iniciou
sua palestra explicando quando, como e por que resolveu investir no mercado de ações.
Trabalhando como engenheiro de telecomunicações em uma empresa privada, o
engenheiro Renato buscava diferentes formas de investir o seu dinheiro. Quando
resolveu se informar sobre o mercado de capitais, ficou seduzido pelas possibilidades de
ganhos altos, mas percebeu que somente estudando profundamente o comportamento do
mercado é que poderia ter mais segurança para fazer aplicações. Ele contou que foi até a
BOVESPA e lá fez dois cursos oferecidos pela instituição, com o intuito de aprender o
funcionamento do mercado. Depois disso, ele contou que acessou um site de
investimentos e iniciou aí as suas aplicações virtuais.
Depois de simular por algum tempo e perceber que poderia realmente obter bons lucros,
o engenheiro Renato resolveu partir para a ação. Escolheu alguns papéis e investiu parte
de seu patrimônio. Depois de alguns sustos iniciais, começou a ter lucro e, com isso,
chamou a atenção de alguns de seus colegas de trabalho, que também se interessaram
por esse tipo de investimento. Foi então que, sob orientação da BOVESPA, o eng.
Renato procurou uma corretora e abriu um clube de investimentos.
Em seguida, o engenheiro Renato explicou o que é um clube de investimentos, como
funciona, quais as regras, etc. Ele contou que o seu clube tem hoje pouco mais de um
ano e meio de funcionamento e já rendeu mais de 115% nesse período. Atualmente,
mais de 100 pessoas investem em seu clube. O engenheiro Renato contou que existem
pessoas que investem R$50,00 por mês, ou seja, fazem sua poupança no clube, e
existem pessoas que investem R$5.000,00 uma vez e deixam o dinheiro lá, sem fazer
novos investimentos ou retiradas.
O sucesso de seu clube de investimentos foi tanto que o engenheiro Renato foi
convidado a dar entrevistas para o jornal Valor Econômico, onde foi matéria de capa, e
para a revista Isto É Dinheiro.
O engenheiro Renato contou, então, sua experiência no pregão e explicou como os
operadores fazem para negociar as ações. Um aspecto interessante revelado pelo
engenheiro Renato é que é possível identificar um bom momento para o investimento
apenas pelo humor dos operadores. Continuando sua explanação, o engenheiro
comentou também sobre os termos usados pelos investidores e chamou a atenção para o
que os especialistas chamam de ‘dinheiro esperto’ e ‘massa’.
Aproveitando o que os dois palestrantes anteriores haviam apresentado, o engenheiro
mostrou como os aspectos fundamentalistas explicados pelo prof. Aurélio e as análises
grafistas apresentadas pelo prof. Celso se relacionam na decisão de investir neste ou
naquele papel.
A palestra foi encerrada com a explicação sobre os especuladores do mercado e as
operações de alto risco realizadas em apenas um dia.
Debate
Seguiu-se às três apresentações uma sessão de debates, com os alunos participando
fazendo perguntas e os palestrantes se revezando nas respostas. Destacaram-se nessa
rodada de perguntas o questionamento sobre as dicas de papéis “quentes” para se
investir no curto prazo. Muitos alunos demonstraram grande interesse pelo clube de
investimentos e perguntaram mais detalhes ao engenheiro Renato.
Em seguida, o prof. Eduardo Basaglia, diretor da FICS, deu por encerrada a palestra
agradecendo aos alunos presentes e, especialmente, aos debatedores.
Anexo 2: Petrobrás PN
Tabela de valores de fechamento do ativo Petrobras PN (PETR4) na BOVESPA, com as
respectivas médias móveis de 20 e de 60 dias.
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
data
$ fech
21/10/2004
22,78
22/10/2004
22,90
25/10/2004
22,92
26/10/2004
22,62
27/10/2004
22,77
28/10/2004
22,46
29/10/2004
22,57
1/11/2004
22,68
média 20
média 60
3/11/2004
22,62
4/11/2004
22,75
22,65
5/11/2004
23,14
22,62
8/11/2004
22,85
22,56
9/11/2004
22,67
22,50
10/11/2004
22,99
22,51
11/11/2004
23,08
22,50
12/11/2004
23,14
22,49
16/11/2004
22,05
22,49
17/11/2004
22,23
22,51
18/11/2004
21,96
22,51
19/11/2004
21,86
22,50
22/11/2004
22,15
22,48
23/11/2004
21,76
22,46
24/11/2004
21,64
22,45
25/11/2004
22,80
22,39
26/11/2004
22,66
22,35
29/11/2004
22,28
22,31
30/11/2004
22,44
22,33
1/12/2004
23,11
22,35
2/12/2004
22,68
22,41
3/12/2004
22,54
22,46
22,65
6/12/2004
22,74
22,50
22,64
7/12/2004
22,44
22,58
22,63
8/12/2004
22,45
22,65
22,61
9/12/2004
21,84
22,67
22,61
10/12/2004
22,20
22,71
22,61
13/12/2004
22,34
22,76
22,61
14/12/2004
22,53
22,82
22,61
15/12/2004
22,66
22,84
22,61
16/12/2004
23,09
22,85
22,61
17/12/2004
22,88
22,84
22,61
20/12/2004
22,85
22,83
22,61
21/12/2004
23,37
22,83
22,63
22/12/2004
23,02
22,83
22,66
23/12/2004
23,34
22,85
22,68
27/12/2004
23,37
22,87
22,71
28/12/2004
23,40
22,87
22,73
29/12/2004
23,64
22,88
22,77
30/12/2004
23,47
22,88
22,82
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
66
67
68
69
70
71
72
73
74
75
76
77
78
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
100
101
102
3/1/2005
22,75
22,85
22,86
4/1/2005
22,48
22,83
22,91
5/1/2005
22,40
22,81
22,96
6/1/2005
22,46
22,74
23,02
7/1/2005
22,56
22,69
23,09
10/1/2005
22,27
22,63
23,16
11/1/2005
22,51
22,60
23,23
12/1/2005
22,39
22,57
23,31
13/1/2005
22,61
22,51
23,37
14/1/2005
22,73
22,47
23,42
17/1/2005
22,58
22,47
23,50
18/1/2005
22,34
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29,46
Fonte: www.infomoney.com.br (apenas os valores de fechamento).
Anexo 3 : Resumo do filme O Jardineiro Fiel
Direção: Fernando Meirelles
Elenco: Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Danny Huston, Bill Nighy, Pete Postlethwaite
Ano de Produção: 2005
Duração: 128 min
Realização: Focus Features / Universal Pictures
“O Jardineiro Fiel” é uma história de amor trágica, madura e adulta e, ao mesmo tempo,
um thriller contundente sobre os bastidores da indústria farmacêutica, com sérias implicações
políticas.
Um alto funcionário da diplomacia inglesa se envolve com uma militante de
causas humanitárias. Ele, um homem discreto, que costuma passar boa parte do tempo
livre cuidado do jardim. Ela, espirituosa, apaixonada pelo que faz e árdua defensora dos
mais fracos. Depois de se casarem, Justin (Ralph Fiennes) e Tessa (Rachel Weisz) têm
um filho e se mudam para a África.
No novo país ela se envolve em causas humanitárias e trabalha ao lado do
médico Arnold Bluhm. A atuação da dupla em comunidades pobres e cheias de doentes,
no entanto, é uma pedra no sapato de autoridades e empresários da indústria
farmacêutica, que testam um novo medicamento na África. Tessa não conta ao marido o
que anda fazendo, chega tarde em casa e sempre está acompanhada do amigo de
trabalho, o que desperta a suspeita de que os dois têm um caso.
Um dia, enquanto cuidava de suas plantas, Justin recebe do amigo Sandy a
notícia de que a mulher foi encontrada morta num local isolado. Ele começa, então, a
vasculhar as coisas dela para descobrir quem teria interesse em tirar sua vida. A
primeira revelação que tem é o forte indício da infidelidade dela. Mas Justin percebe
logo que uma conspiração de médicos, políticos e empresários pode ter relação com a
morte da esposa. Ele viaja pela Europa e visita o interior da África numa busca frenética
de provas para descobrir quem a matou o que ela fazia de tão misterioso e incomodava
tantas pessoas.
Apesar de conter comentários sociais ou políticos em quantidade e densidade abundantes,
“O Jardineiro Fiel” é sobretudo um filme de personagens. Justin Quayle é um dos protagonistas
mais interessantes dos últimos anos. Introspectivo, discreto, mas também emocionalmente
distante, frágil até. Só depois da morte da mulher, ele começa dolorosamente a perceber que
jamais a conheceu de verdade – sequer conseguia perceber a dimensão do amor que ela sentia
por ele. Meirelles apresenta a trágica jornada desse homem de maneira firme; sua consciência vai
mudando lentamente, à medida que a investigação prossegue e novos fatos vão se avolumando.
Tessa, por sua vez, é uma figura feminina fascinante. Ela é dura, de personalidade forte,
agressiva, mas na intimidade de revela doce, carinhosa, até mesmo carente. Na primeira metade
da trama, Meirelles dá corda ao espectador e explora esses detalhes, criando muitas cenas de
flashbacks com base nas memórias de Justin. Quando ele espia o conteúdo dos e-mails da esposa,
involuntariamente encontra um pequeno vídeo feito por ela que demonstra o quanto ela o ama.
Ela o adora, mas está se envolvendo em coisas perigosas, e por isso permanece emocionalmente
distante, a fim de preservá-lo. É um sinal de amor, embora para ele parecesse outra coisa.
Para completar, os dois atores interpretam com pequenos toques que enriquecem ainda
mais os personagens. Por exemplo, o tímido Justin fala sempre com um tom de voz baixo e quase
não revela emoções. É um homem contido até na hora em que recebe a notícia da morte da
esposa. Quando conversa pessoalmente, mesmo com amigos, o diplomata jamais toca no
interlocutor, uma característica típica de quem é muito tímido. Tessa, ao contrário, é desenvolta,
olha diretamente nos olhos, fala com energia juvenil e está sempre fazendo um carinho naqueles
com quem conversa – um aperto de mão, um toque nos cabelos, um abraço. São detalhes que
conferem credibilidade ao longa-metragem como um todo.
Texto compilado de:
Marco Lacerda em www.guiadasemana.com.br/dvd.asp?ID=19&cd_film=905
Rodrigo Carreiro em www.cinereporter.com.br/scripts/monta_noticia.asp?nid=1242
Anexo 4: The Constant Gardener
Baseado na obra de John Le Carré, O Jardineiro Fiel tem direção do brasileiro
Fernando Meirelles, o mesmo de Cidade de Deus. As filmagens ocorreram no Quênia,
Inglaterra, Alemanha e Canadá. Nas seqüências em que são mostradas cenas no ponto
de vista de Justin, o ator Ralph Fiennes operou a câmera.
O Jardineiro Fiel é um filme que se sai admiravelmente bem em diversos
campos: é tenso como um bom thriller deve ser; comove como um ótimo drama; e, o
mais importante, provoca discussão em função das denúncias que faz e da realidade
trágica que retrata. É impossível, depois de assistir a este filme, ignorar o desastre social
de um continente cuja população miserável é submetida a todo tipo de abuso: fome,
doenças, genocídios promovidos por milícias compostas por psicopatas e, ainda por
cima, a exploração sistemática por parte de empresas do primeiro mundo – que ainda se
dão ao luxo de racionalizar suas ações com a justificativa doentia de que, de uma forma
ou de outra, aquelas pessoas 'morreriam de todo jeito'.
O filme não faz a menor concessão à 'sensibilidade' pasteurizada do Cinema do
primeiro mundo, que costuma maquiar até mesmo a mais brutal das realidades, O
Jardineiro Fiel retrata a miséria colossal da África de maneira angustiante. Com uma
fotografia granulada que dá ênfase às cores mais quentes, o visual concebido por
Meirelles e por César Charlone é suficientemente (e corretamente) cru para evitar
qualquer tipo de confusão com relação ao que significa viver naquele universo – e os
planos realizados com a câmera na mão nos levam a mergulhar ainda mais naquela
tragédia social (além disso, o filme retrata o enorme abismo entre ricos e pobres ao
mostrar, por meio de um único e elegante movimento de câmera, a proximidade
geográfica entre um campo de golfe restrito aos milionários e a colossal favela
localizada ao lado).
Para uma indústria que movimenta bilhões de dólares, quanto vale uma vida
humana? Ou cem? Ou cinqüenta mil? Para os grandes laboratórios farmacêuticos,
desenvolver e comercializar uma droga capaz de combater doenças com grande
ocorrência é um investimento que significa milhões, mas que é capaz, em contrapartida,
de gerar fortunas incalculáveis – e não é incomum, infelizmente, que medicamentos
ainda não totalmente testados recebam o selo de aprovação dos órgãos reguladores e
cheguem aos mercados: muitas vezes, manipular as estatísticas de pesquisas
laboratoriais é um risco menor do que gastar outros tantos milhões a fim de corrigir
possíveis efeitos indesejados. Casos como o do Vioxx, da Talidomida, do Celebra e do
Bextra são exemplos de que nem sempre os remédios que chegam às farmácias foram
testados com o rigor necessário.
Porém, ainda mais assustador do que este fato é saber que, se há uma falta de
controle adequado na aprovação dos medicamentos, a fiscalização torna-se ainda mais
falha durante o período de testes – e é isto que descobre Tessa Quayle, a ativista
interpretada por Rachel Weisz em O Jardineiro Fiel. Ela decide investigar os
procedimentos escusos de uma companhia que está testando um remédio contra a
tuberculose na população local. Suspeitando de que os habitantes mais miseráveis do
país estão servindo como cobaias de um experimento sem a menor segurança, Tessa se
une ao médico Arnold Bluhm (Koundé) para denunciar as ações da empresa responsável
pelos testes para as autoridades britânicas. Sua luta chega ao fim de forma trágica:
quando o filme começa, somos informados de que a moça foi brutalmente assassinada e
passamos a acompanhar a trajetória de seu marido, Justin (Fiennes), em busca dos
responsáveis pelo crime.
A personagem Tessa conquista o espectador com seu idealismo irrefreável que
não se limita a protestos verbais, já que ela está sempre pronta a partir para a ação – e,
afastando-se de qualquer postura demagógica, ela insiste até mesmo em dar à luz em um
hospital popular, negando qualquer tratamento diferenciado por ser esposa de um
diplomata. Enquanto isso, Justin, embora respeite as decisões e atitudes da esposa, não é
um homem movido por paixões: condicionado pela profissão a manifestar-se de forma
sempre contida e racional, ele é o tipo de pessoa que prefere abster-se enquanto a
situação se resolve por si mesma – e, como a maior parte dos indivíduos passivos, não
acredita que sua omissão seja algo particularmente condenável.
A mensagem do filme é muito forte, e não é tão direcionada pra gente aqui do
Terceiro Mundo como para os ricos: vocês só podem aproveitar os benefícios da
civilização porque esses benefícios são antes testados em cobaias humanas, cobaias
inclusive de outra cor e, portanto, de outra categoria. Essas cobaias, por sua vez, não
terão o menor acesso a esses benefícios da civilização. Só a seus efeitos colaterais. Em
uma cena, quando alguém fala pra Tessa que ela deve procurar um hospital de verdade,
longe da África, o médico negro responde, “Você quer dizer um hospital com médicos
brancos?”.
Fernando Meirelles filmou no Quênia e usou moradores das favelas africanas
como figurantes, em repetição do método arrojado que dera certo em “Cidade de Deus”.
Novamente, acertou na mosca. Há imagens contundentes, arrasadoras, em “O Jardineiro
Fiel”. Às vezes, uma única tomada possui mais crítica social do que muitos filmes de
Hollywood. Tome como exemplo o curta e impressionante plano que encerra a cena em
que Justin aborda um rico industrial, num campo de golfe. A câmera focaliza os
personagens a longa distância, mostrando-os conversando em um enorme gramado
pontuado por árvores frondosas. Ouve-se um trem e então a câmera faz um giro,
passando por uma linha férrea e mostrando que os trilhos dividem o magnífico campo
de golfe de uma favela gigantesca, com casebres se amontoando em um verdadeiro
formigueiro humano nos corredores estreitos. A imagem é silenciosa, mas nossa
consciência grita.
Texto compilado com base nas críticas e análises de:
http://www.cinemaemcena.com.br/crit_editor_filme.asp?cod=2950
www.cinereporter.com.br/scripts/monta_noticia.asp?nid=1242
www.lost.art.br/lola_constantgardener.htm
Anexo 5: Voto nulo e antiinflamatório
Folha de São Paulo, 17 de setembro de 2006 – Pág. Mais 9
Marcelo Leite
Houve um tempo em que se votava no Cacareco. Em 1959, os eleitores de São
Paulo despejaram coisa de cem mil votos no célebre rinoceronte do recém-inaugurado
zoológico da cidade. Foi o mais votado. Virou sinônimo de voto nulo e de perda de
confiança, de alheamento em relação ao sistema político. E o que o voto anulado tem a
ver com antiinflamatórios? Não muito, como se verá adiante, mas o bastante.
A semana assistiu a um novo furacão no ramo dos antiinflamatórios, largamente
utilizados como analgésicos. Não bastou a derrocada do Vioxx (rofecoxibe), em 2004,
que levou de roldão outros inibidores seletivos de cicloxigenase-2 (Cox-2). Agora o
vendaval da medicina baseada em evidências fez novas vítimas na geração anterior de
antiinflamatórios, que atuavam indistintamente sobre as duas formas da enzima, Cox-1
e Cox-2.
Voltaren e Cataflam são algumas das identidades comerciais assumidas no
Brasil pelo novo vilão, o diclofenaco. A tempestade se abateu sobre ele com um artigo
publicado eletronicamente no periódico "Jama", da Associação Médica Americana
(EUA). Pesquisadores da Austrália lhe dirigem a mesma acusação assacada contra o
Vioxx: danos ao coração.
O curioso é que não se fez pesquisa nova mas sim a reunião de dados de outros
23 estudos, com um total de 1,6 milhão de pacientes. É o que se chama de meta-análise,
a compatibilização estatística de resultados obtidos em vários testes clínicos. Esse tipo
de revisão sistemática é a mais confiável fonte de informação para orientar a prática
clínica, no ramo conhecido como medicina baseada em evidências.
A meta-análise australiana confirmou o que já se desconfiava sobre o rofecoxibe
desde 2000 mas que só explodiu em 2004: aumenta o risco de infarto do miocárdio. E
logo no primeiro mês, não só depois de 18 meses, como chegaram a alegar fabricantes.
Vitória para David J. Graham, um diretor da FDA -agência de alimentos e
fármacos dos EUA, equivalente à nossa Anvisa- que comeu o pão que o diabo amassou
por ter posto a boca no trombone sobre esse efeito colateral do popular e rentável
antiinflamatório. Ele assina um editorial devastador que sairá dentro de 17 dias na
mesma edição impressa do "Jama" com o artigo dos australianos.
A novidade do estudo, porém, foi o indiciamento também de Voltaren e
companhia, algumas das mais utilizadas alternativas ao Vioxx. Para o consumidor, em
especial o que depende de antiinflamatórios para ter qualidade de vida, fica uma
sensação de desamparo. Muitos devem perguntar-se: como é possível que autoridades
reguladoras não tenham detectado antes risco tão óbvio, após três décadas de
comercialização?
Aqui ressurge a analogia com o voto. Tais percalços das agências de vigilância
sanitária, aliados à suspeita de que deixaram de cumprir sua obrigação com o público
por sucumbir aos imperativos do lucro privado (no caso, das empresas farmacêuticas),
abrem uma crise de confiança num daqueles complexos sociotécnicos que o britânico
Anthony Giddens chama de sistemas especialistas.
O voto em Cacareco pode até ter sido um protesto inconseqüente, mas o voto
nulo que se defende, na eleição dentro de duas semanas, parece um sintoma diverso.
Não de ignorância, alienação ou desespero, como diagnosticado pelos analistas de
plantão, mas de perda de confiança no sistema especialista da política.
Essa inflamação é grave. Dói demais, pode espalhar-se, e há cada vez menos
antiinflamatórios insuspeitos no mercado para combatê-la.
Marcelo Leite é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor do livro paradidático
"Pantanal, Mosaico das Águas" (Editora Ática) e responsável pelo blog Ciência em Dia
(www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: [email protected]
Anexo 6: Robôs e o Mercado de Capitais
Revista VEJA, Edição 1978 - 18 de outubro de 2006
Finanças
Uma cena em extinção
Número de robôs que lucram investindo no mercado financeiro cresce e mostra
que a economia pende cada vez mais para o virtual
Ana Paula Baltazar
Beto Barata/AE
Se o desafio pode ser expresso em termos matemáticos, ninguém melhor do que
um computador para resolvê-lo. É por isso que, sem descargas de adrenalina nem riscos
de infarto, cérebros eletrônicos estão substituindo o homem em decisões de
investimento nos principais centros financeiros do planeta. Esses robôs já administram
1,5 trilhão de dólares – o equivalente a 7% do volume mundial gerido por fundos de
investimento. Ininterruptamente, analisam o mercado e compram e vendem ações,
moedas e commodities. Um estudo feito com base em setenta fundos americanos
geridos por esses sistemas, chamados de quantitativos, demonstrou que os analistas
virtuais por vezes apresentam melhor desempenho do que os rivais de carne e osso. De
2001 a 2004, o volume de recursos administrados por máquinas cresceu 21%, enquanto
os geridos de forma convencional, 9%. A Lipper, empresa internacional de pesquisa
financeira, indica que surgiram nos Estados Unidos 81 novos fundos robóticos em 2006.
Eram 21 em 2005 e somente três em 2001.
Ninguém deve sair correndo de casa para colocar dinheiro sob o comando dessas
máquinas, mas elas começam a representar um contraponto estridente ao mundo
analógico dos investimentos. Esses novos fundos têm outra singularidade: não são
administrados por economistas, mas, normalmente, por físicos, matemáticos e
engenheiros. Os robôs investidores usam conceitos e técnicas computacionais baseados
na teoria do caos. Tal doutrina defende a idéia de que sempre é possível encontrar
ordem, mesmo em fenômenos tidos como caóticos. Um exemplo: antes de soltar um
lápis no ar, não há como saber exatamente o que vai acontecer com ele ao tocar o chão.
Mas, assim que é solto, as primeiras informações sobre seu movimento permitem prever
o restante da trajetória de queda. Os fundos quantitativos processam as variações no
mercado financeiro, que correspondem ao início da descida do lápis, e estimam o que
vem depois.
No Brasil, os fundos quantitativos engatinham, mas, ainda assim, o volume de
recursos gerenciados por computadores dobrou em 2006, atingindo 0,8% dos 800
bilhões de reais que a indústria de fundos movimenta no país. Uma dessas empresas, a
Phynance, é administrada pelo astrofísico Fabio Bretas. Há dez anos, ele começou a
experimentar os altos e baixos da bolsa e decidiu aplicar seus conhecimentos científicos
para destrinchar essas flutuações. Com uma equipe de doze pessoas, com apenas dois
economistas e seis físicos ou especialistas em computação, desenvolveu um modelo
matemático que dá aos computadores condições de acompanhar o comportamento das
trinta ações com maior liquidez da Bovespa. As máquinas processam perto de 1 milhão
de dados por semana e examinam padrões estatísticos. "Os computadores decidem sem
nenhuma influência das emoções", diz Bretas. "Dessa forma, eliminamos da decisão
fatores como a paixão ou o ódio, comuns em pessoas que ganharam ou perderam
dinheiro com determinado papel."
O sonho dos fundos quantitativos é imitar a trajetória bem-sucedida de dois físicos
americanos que estudaram na Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Na década de
1970, a dupla desenvolveu um minicomputador embutido no sapato para vencer as
roletas dos cassinos de Las Vegas. Eles lucraram 10 000 dólares. Em 1991, Doyne
Farmer (veja entrevista) e Norman Packard fundaram a Prediction Company, aplicando
seus conhecimentos sobre sistemas complexos e teoria do caos para fazer previsões em
torno dos preços de ações. O sucesso foi tão grande que, em 2000, eles venderam 25%
da empresa ao banco suíço UBS por 300 milhões de dólares. Em novembro do ano
passado, concluíram a venda do restante da companhia, mas silenciaram sobre o valor
final do negócio.
Os críticos de modelos como os da Prediction argumentam que eles se baseiam
em dados históricos e, portanto, não estão preparados para lidar com eventos
inesperados. Além disso, não conseguem levar em conta fatores humanos, como o
lançamento de um produto por uma empresa ou uma mudança administrativa que pode
ter impacto nos resultados de uma companhia. "Eles apenas monitoram certas condições
do mercado e compram ou vendem reagindo a elas. Já uma pessoa é capaz de ler
jornais, conversar com outras pessoas e refletir sobre o que está acontecendo. Por isso,
há coisas que os modelos que construímos só serão capazes de fazer quando as
máquinas começarem a pensar", disse Farmer a VEJA.
Hoje, esses sistemas têm algo de humano, por exemplo, no comportamento de
manada que podem apresentar diante de uma crise sistêmica ou de um ataque
especulativo. Como as regras que estão por trás dos computadores apresentam muitas
semelhanças, as máquinas podem tomar as mesmas decisões sobre compra e venda de
ativos em uma determinada situação. E isso cria um movimento, que pode apontar para
o buraco, semelhante ao de uma manada. Com o tempo, acredita Farmer, uma espécie
de seleção natural pelo lucro tenderá a favorecer os robôs que se comportam de maneira
diferente.
A inteligência artificial também tem sido incorporada em larga escala por bancos
e operadores de cartões. Eles usam redes neurais, por exemplo, para reforçar a
segurança de seus sistemas de computadores. Essas redes tentam simular em máquinas
o funcionamento do cérebro humano em atividades de aprendizado, associação de idéias
e abstração. Elas são capazes de identificar o comportamento dos clientes e avaliar se
uma operação específica de saque ou de compra por cartão pode ser fraudulenta. Caso
se detecte uma atividade fora dos padrões, a operação não é autorizada.
O processo de virtualização do dinheiro, movido pela indústria financeira,
começou com os caixas eletrônicos, na década de 1970, passou pelos sistemas de
internet banking e, atualmente, pode ser observado no crescimento do mercado de
cartões. Enquanto o número total de cheques trocados no Brasil caiu 35% nos últimos
oito anos, o uso de cartões de crédito cresceu mais de 150% desde 2000. Nas transações
realizadas pelos consumidores, que excluem as pessoas jurídicas, o cartão superou o
cheque como meio de pagamento em 2004 e sua participação vem crescendo. Neste
ano, a estimativa é que os cartões sejam usados em 20% dos pagamentos feitos pelas
famílias brasileiras, em comparação com 13% realizados com cheques. Segundo
projeção da consultoria Boanerges & Cia., em 2015 a participação dos cartões deve
crescer para 32% e a dos cheques cairá para 8%.
Entrevista: Doyne Farmer
"As máquinas vão pensar"
Quando os estudos sobre a teoria do caos apenas engatinhavam na Universidade
da Califórnia, em Santa Cruz, na década de 1970, os físicos Doyne Farmer e Norman
Packard decidiram usar cálculos para vencer as roletas de Las Vegas. Os anos de estudo
e as incursões aos cassinos renderam 10 000 dólares à dupla, mas eles perceberam que
podiam usar suas teorias para apostar mais alto. Em 1991, fundaram a Prediction
Company, especializada no desenvolvimento de modelos computacionais para a gestão
de recursos no mercado financeiro. O sucesso da empresa chamou a atenção da União
de Bancos Suíços (UBS), que, no ano passado, adquiriu o controle da empresa. Packard
atua hoje na área de biotecnologia. Farmer é professor do Instituto Santa Fé, no Novo
México, e concedeu a seguinte entrevista a Ana Paula Baltazar.
Veja – Os modelos para previsão de movimentos do mercado financeiro se mostraram
eficientes em alguns aspectos. Mas onde podem falhar?
Farmer – Esses modelos são primitivos. Essencialmente, respondem a estímulos, de
modo muito mais parecido com o cérebro de uma barata do que com o de um ser
humano. Eles não apresentam um modelo cognitivo do mundo. Apenas monitoram
certas condições do mercado e compram ou vendem em resposta a essas variações. Em
contrapartida, uma pessoa pode ler jornais, conversar com outras e pensar sobre o que
está acontecendo. Portanto, existem coisas que uma pessoa é capaz de fazer que os
modelos do tipo que construímos só poderão fazer quando as máquinas começarem a
pensar.
Veja – Como esses modelos devem evoluir?
Farmer – Esses tipos de modelo ficarão cada vez mais precisos e se estenderão a outros
domínios. Com o tempo, eles começarão a processar informações de texto e a modelar o
comportamento dos agentes financeiros. Enfim, um dia as máquinas começarão a
analisar o cenário usando modelos cognitivos complexos. Vão superar totalmente os
operadores humanos.
Veja – Quando isso deve acontecer?
Farmer – Nos próximos vinte anos, o poder de hardware dos computadores será
multiplicado por 1 000. Com isso e com o lento aperfeiçoamento do software, eles
poderão executar tarefas cada vez mais complexas até que terminem pensando, mesmo
que façam isso por métodos completamente diferentes do nosso. Não consigo dizer
quando isso acontecerá, mas ficaria surpreso se levasse mais do que 100 anos. O grande
desafio é entender como fazer com que os computadores se programem sozinhos,
estabeleçam objetivos espontaneamente e construam modelos abstratos sobre o mundo.
Esses são problemas difíceis, mas não há razão para acreditar que não tenham solução.
Afinal, nós fazemos isso. Nossos cérebros são apenas máquinas, com lentas unidades
biológicas de processamento e grande quantidade de processamento paralelo. Ainda não
entendemos a arquitetura que nos permite pensar, mas isso também é uma questão de
tempo.
Veja – Então, os robôs investidores vão dominar os mercados financeiros no futuro?
Farmer – Eu acredito que sim. Hoje é verdade que, na maioria dos casos, a decisão de
comprar e vender é tomada por um ser humano e que a máquina apenas gerencia a tática
e o momento de execução da ordem. No entanto, sistemas como os da Prediction
Company, em que todas as decisões são tomadas por máquinas, estão se tornando cada
vez mais comuns.
Anexo 7: Resumo do Filme Menina de Ouro
Ficha Técnica
Título Original: Million Dollar Baby
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 137 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2004
Site Oficial: http://milliondollarbabymovie.warnerbros.com
Estúdio: Malpaso Productions / Lakeshore Entertainment / Albert S. Ruddy Productions
Distribuição: Warner Bros. / Europa Filmes
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Paul Haggins, baseado obra de F.X. Toole
Produção: Clint Eastwood, Paul Haggis, Tom Rosenberg e Albert S. Ruddy
Música: Clint Eastwood
Fotografia: Tom Stern
Elenco:
Clint Eastwood (Frankie Dunn)
Hilary Swank (Maggie Fitzgerald)
Morgan Freeman (Eddie Scrap-Iron Dupris)
Jay Baruchel (Danger Barch)
Mike Colter (Big Willie Little)
Lucia Rijker (Billie "Urso Azul")
Frankie Dunn (Clint Eastwood) passou a vida nos ringues, tendo agenciado e
treinado grandes boxeadores. Frankie costuma passar aos lutadores com quem trabalha a
mesma lição que segue para sua vida: antes de tudo, se proteja. Magoado com o
afastamento de sua filha, Frankie é uma pessoa fechada e que apenas se relaciona com
Scrap (Morgan Freeman), seu único amigo, que cuida também de seu ginásio. Até que
surge em sua vida Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), uma jovem determinada que
possui um dom ainda não lapidado para lutar boxe. Maggie quer que Frankie a treine,
mas ele não aceita treinar mulheres e, além do mais, acredita que ela esteja velha demais
para iniciar uma carreira no boxe.
Apesar da negativa de Frankie, Maggie decide treinar diariamente no ginásio.
Ela recebe o apoio de Scrap, que a encoraja a seguir adiante. Vencido pela determinação
de Maggie, Frankie enfim aceita ser seu treinador.
Os dois juntos conseguem muitas vitórias, Maggie se torna uma ótima lutadora,
até que um acontecimento muda definitivamente o destino dessas duas pessoas.
O filme é narrado pela voz de Scrap. Uma narração com um destinatário
específico, que talvez jamais seja encontrado. O verdadeiro herdeiro da história de
Frankie e Maggie, sobre o ocaso de ambos, é o espectador. Menina de Ouro é quase um
testamento que lega ao público o conhecimento de uma vida passada que, mesmo
anônima e esquecida, foi grandiosa.
Clint Eastwood faz um filme masculino, sobre a amizade, sobre confiança, sobre
dedicação, sobre esperança. E também sobre a morte, sobre a tragédia e a perda.
Maggie, Frankie e Scrap são personagens sozinhos no mundo, incompreendidos
por sua família de sangue. Frankie passa a vida mandando cartas para sua filha, que
invariavelmente voltam fechadas para seu endereço. Maggie, desde o início, é
caracterizada como white trash (expressão americana para aquelas pessoas que foram
criadas em áreas degradadas, formadas por grandes trailers amontoados, a versão ianque
para as nossas favelas). Scrap não tem mais o que fazer a não ser cuidar do ginásio de
Frankie, ao mesmo tempo seu local de trabalho e sua casa.
Essa estranha família que se forma vai ser colocada à prova depois da luta que
deixa Maggie numa cama, respirando por aparelhos: a família real de Maggie só quer
saber de herdar o dinheiro que ela acumulou na curta carreira. Cabe a Frankie cuidar de
Maggie, mas esta não é a vontade dela: ela lhe pede que a mate, porque não quer viver
como uma sombra do que já foi. A partir daí, Frankie vai ser confrontado com uma
escolha: deve ser fiel à sua filha, ou fazer o que é certo (deixar que ela viva, da maneira
mais digna possível)? A decisão de seguir o errado é, paradoxalmente, sua prova de
amor final para com Maggie.
Eastwood conta esta história com uma sobriedade exemplar; não há um plano a
mais em sua montagem, um acorde acima do tom em sua música. Tudo em Menina de
Ouro é econômico, austero, simples e direto. A morte não se coloca no filme apenas por
meio da eutanásia; todo o filme é um réquiem, um poema fúnebre em cores neutras, no
qual os personagens estavam perdidos, até se encontrarem, e se perderem de novo.
O boxe é mais um pano de fundo para que o relacionamento se desenvolva, mas
que isso não signifique que o seu papel seja irrelevante na história. As lutas no ringue
são cruas e violentas, sem xarope, dando à platéia a mesma respeitabilidade para o
esporte que para Frankie. Há um grande número de personagens paralelos e seus
trejeitos com quem os principais nunca se envolvem, assim evitando um discurso típico
de um filme qualquer do gênero. Eastwood mantém uma aura soturna em Menina de
Ouro, que o dirige sempre a caminho das sombras da história. Isso fortalece a emoção
do filme, que quando é triste é devastador e edificante quando é inspirador. Quando algo
cômico acontece, então é um raio de sol num céu nublado. Ao que caminhamos para o
último ato da história, vamos nos agarrar a esses pequenos momentos de leveza da
história, porque Eastwood vai exigir e testar o máximo da boa natureza do espectador.
O filme de Eastwood é um drama sombrio, realizado praticamente à perfeição.
Ele leva adiante sua exploração do lado trágico da existência humana e o filme que
penetra numa área obscura da alma onde um homem pode se esconder de seu Deus, ao
mesmo tempo em que pede Sua misericórdia.
Menina de Ouro mais do que falar sobre os obstáculos eternos no caminho dos
sonhos, é um atestado de Eastwood, valorizando a vida não pelo automatismo dos
pulmões, mas pelas experiências que colecionamos. Tanto quanto o personagem que
interpreta, Eastwood, em idade sênior, chega com tudo aquilo que viveu e parece
abraçar o que o futuro inevitavelmente o reserva com enorme paixão e nenhum
ressentimento. A fotografia do filme é completamente trabalhada em cima dos altos
contrastes entre luz e sombra (especialmente sombra), mas nunca de modo agressivo.
Eastwood compreende que claridade e escuridão acompanham-se, completam-se. E se
Menina de Ouro nos deixa completamente arrasados no final, derramando genuíno
chororô por muito tempo após as luzes se acenderem, é porque, assim como Eastwood,
nós apreciamos a jornada.
É um clássico no sentido que lança o espectador num transe por duas horas,
como poucos filmes ainda conseguem fazer.
Premiações
- Ganhou 4 Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz (Hilary Swank) e
Melhor Ator Coadjuvante (Morgan Freeman). Recebeu ainda outras 3 indicações:
Melhor Ator (Clint Eastwood), Melhor Edição e Melhor Roteiro Adaptado.
- Ganhou 2 Globos de Ouro, nas categorias de Melhor Diretor e Melhor Atriz - Drama
(Hilary Swank). Recebeu ainda outras 3 indicações: Melhor Filme - Drama, Melhor
Ator Coadjuvante (Morgan Freeman) e Melhor Trilha Sonora.
- Recebeu uma indicação ao César de Melhor Filme Estrangeiro.
Referências:
http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/menina-de-ouro/menina-de-ouro.asp
http://www.cineplayers.com/filme.php?id=378
http://www.zetafilmes.com.br/criticas/meninadeouro.asp?pag=meninadeouro
http://cinema.terra.com.br/oscar2005/interna/0,,OI471543-EI4252,00.html
http://www2.anhembi.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=35161&sid=70
http://www.rabisco.com.br/57/menina%20_mar.htm